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O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

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vieira & lent<br />

Rio de Janeiro, 2010


SUMÁRIO<br />

Prefácio<br />

Entre humor, rabugice e alguns entretons<br />

por Fernando da Mota Lima; 11<br />

O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong><br />

Afi nidades não eletivas entre<br />

Machado de Assis e Graciliano Ramos; 19<br />

“Ninguém sabe o que sou quando rumino”<br />

Leitores e leituras de Machado de Assis; 45<br />

O Amor que dura 11 contos de réis<br />

Um certo sestro humorístico em<br />

Machado de Assis e a teoria do riso de Bergson; 71<br />

“Outrossim é a puta que o pariu!”<br />

O humor no mau humor de Graciliano Ramos; 83<br />

Um comunista agnóstico<br />

O autor político e o autor moral em Graciliano Ramos; 99<br />

O caçador de hinos<br />

Graciliano Ramos, Macunaíma, o homem cordial<br />

e outros tipos; 119<br />

Breve epílogo em Palmeiras dos Índios; 151


Para<br />

Júlia, que me acompanhou a Palmeira dos Índios;<br />

Fernando, presente em todos os textos deste livro,<br />

pela generosa partilha do muito que sabe;<br />

e Lilian, minha Sherazade!


Prefácio<br />

Entre humor, rabugice e<br />

alguns entretons<br />

Uma sucessão de acasos afortunados<br />

cruzou minha vida<br />

com a de Luciano Oliveira e<br />

desde então temos nos divertido imensamente<br />

juntos. Não vou reconstituir tais acasos<br />

apertado nos limites de um breve prefácio de<br />

resto singular. Digo singular por estar absolutamente<br />

convencido de que, pela <strong>primeira</strong> vez na história editorial<br />

do Brasil — ou do mundo, corrigiria de pronto Julião Tavares<br />

entrançando as pernas sob a cadeira rangente — o prefaciador<br />

é que se benefi cia do prefaciado. Importaria ainda ressaltar<br />

que Luciano é um verbo que costumo conjugar no plural, melhor<br />

diria no gerúndio: Lucianando. Pois sua mobilidade, antes<br />

de tudo imaginativa e sempre impregnada de humor, vela<br />

e desvela múltiplas camadas de personalidade e de prática da<br />

vida. Antes de ir adiante, conviria piscar o olho para o leitor de<br />

Manuel Bandeira alertando-o para o fato de que estou apenas<br />

parafraseando um poema mínimo consagrado a Teodora.<br />

Agora vou adiante. Condensando num parágrafo o que in-<br />

11


tento acentuar na minha memória dos acasos felizes que me<br />

associam a Luciano, frisaria que de imediato me acerquei do<br />

sociólogo autor de um artigo sobre Cidadão Kane, celebrando<br />

assim sua cinefi lia. Acerquei-me ainda mais do autor de<br />

Brasil via Paris, um imaginoso e penetrante ensaio, por isso<br />

infelizmente inédito, no qual ele traça alguns paralelos entre<br />

a cultura brasileira, em particular a nordestina, e a francesa.<br />

O outro sociológico de Luciano, o que lhe rendeu notoriedade<br />

intra e extra-acadêmica como autor de livros e ensaios embasados<br />

em investigações empíricas e outros ossos do ofício, este<br />

ocupa lugar bem mais discreto na nossa amizade e na linha<br />

dos interesses intelectuais que prioritariamente compartilhamos.<br />

Mas mesmo nesta <strong>parte</strong> de sua obra o leitor atento tem<br />

pronta ciência de que não lê um autor de estilo convencionalmente<br />

acadêmico. Pois o fato é que ele, dotado de virtudes<br />

literárias irreprimíveis, reveste com forma inventiva e singularmente<br />

sua os assuntos mais áridos catalogados nos escaninhos<br />

acadêmicos como sociologia do direito, ciência política,<br />

criminologia, jurisprudência e outras especialidades solenes.<br />

Um dia Luciano me trouxe das margens do Sena uma frase<br />

assinada por Alphonse Allais. Veio enquadrada em uma moldura<br />

que conservo em lugar visível de minha sala. A frase:<br />

“Les gens qui ne rient jamais ne sont pas des gens sérieux”. Se<br />

Allais tem razão, de minha <strong>parte</strong> não duvido, Luciano é um<br />

autor muito sério. Recolheu num vasto registro da expressão<br />

humana, que vai da chanchada brasileira a Machado de Assis<br />

— ele cruza rotineiramente esses extremos da cultura isento<br />

de qualquer preconceito —, a sábia lição de que a existência<br />

humana seria intolerável apartada do riso que a reinventa e<br />

lhe alivia o fardo. Mas presumo ser esta uma lição enraizada<br />

na própria disposição temperamental que espontaneamente<br />

o encaminha para o humor e o riso que tudo transfi guram e<br />

iluminam a realidade e suas materializações mais sisudas com<br />

tons e entretons antes neutralizados ou obscurecidos. Penso<br />

que é bem essa disposição temperamental, evidentemente<br />

somada a seu olhar de leitor penetrante e interrogante, que<br />

12 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


explica algumas das vias por meio das quais aproxima dois<br />

escritores na aparência tão divergentes.<br />

Depois de muito debruçar-se sobre a obra do <strong>Bruxo</strong> do<br />

Cosme Velho e a do <strong>Rabugento</strong> de Palmeira dos Índios, eis<br />

que um dia se dá conta de que obscuras linhas convergentes<br />

aproximam autores tão, na aparência, canonicamente separados.<br />

E o que mais surpreende é o fato de empenhar-se na tarefa<br />

de extrair ou trazer à luz a componente de humor subtraída<br />

das leituras correntes de Graciliano Ramos. Talvez a <strong>primeira</strong><br />

pista que lhe tenha ocorrido se prenda à fi gura sórdida de Julião<br />

Tavares. Julião, bem sabem os leitores do velho Graça, é o<br />

sedutor vulgar que fi nda por subtrair Marina das garras devaneantes<br />

de Luís da Silva, o atormentado narrador de Angústia,<br />

tão exasperado e corrosivo quanto o protagonista de Notas do<br />

Subsolo, de Dostoiévski.<br />

Com seu olhar clinicamente cômico, também por vezes cinicamente<br />

cômico, imagino Luciano relendo Angústia dentro<br />

de uma certa manhã ensolarada de Recife. De repente, uma<br />

luz insofreável rebrilha no centro do seu olhar matreiro. Eis<br />

que defronta Julião Tavares, com as pernas entrançadas sob<br />

a cadeira, vertendo disparates sobre as grandezas ilusórias de<br />

Maceió. O tom aparente do narrador – Luís da Silva, evidentemente<br />

– é de pura e áspera rabugice. Muitos leitores decerto<br />

atravessaram essa passagem retendo sua percepção na linha<br />

crua da entonação ácida que percorre o conjunto da narrativa.<br />

Talvez tenham ido além, talvez tenham fi gurado na persona<br />

de Luís da Silva uma projeção da rabugice do próprio<br />

autor reiteradamente enfatizada em testemunhos e anedotas<br />

de contemporâneos e críticos demasiado aderentes às chaves<br />

biográfi cas da obra literária.<br />

Em mais de uma passagem do seu livro Luciano argumenta<br />

com propriedade em defesa de linhas convergentes<br />

observáveis na obra de Machado de Assis e na de Graciliano<br />

Ramos. Sua argumentação é sólida e ademais necessária, já<br />

que é sabida a resistência do segundo à obra e antes de tudo<br />

à biografi a do primeiro. Diria que esta contamina a aprecia-<br />

13


ção criticamente isenta daquela. Luciano vai antes de tudo à<br />

obra, que é o que de fato importa para a atividade crítica, e<br />

aí destaca e ilumina aproximações bem fortes entre ambos.<br />

Importaria ainda acentuar que a resistência de Graciliano a<br />

Machado encobre sentidos bem mais abrangentes. Quero dizer,<br />

outros escritores contemporâneos do <strong>Rabugento</strong>, igualmente<br />

importantes e reconhecíveis pela penetração com que<br />

apreciaram muito da nossa literatura, incorreram em reservas<br />

semelhantes que, ao cabo, comprometem o apreciador, eles,<br />

não o apreciado, Machado.<br />

É o caso ainda mais signifi cante do famoso ensaio de Mário<br />

de Andrade, igualmente considerado por Luciano. Seria<br />

ainda o caso de lembrarmos Gilberto Freyre, sobrepondo José<br />

de Alencar, Euclides da Cunha e José Lins do Rego ao mestre<br />

supremo do Cosme Velho; também Jorge Amado, que re<strong>parte</strong><br />

nossa tradição narrativa em duas vertentes, uma representada<br />

por José de Alencar, outra por Machado, para em seguida<br />

coerentemente alinhar-se com a <strong>primeira</strong>. Há certamente outros<br />

que omito, pois não é minha intenção recensear o assunto<br />

numa breve consideração espremida nas linhas de um prefácio.<br />

A menção a este fato parece-me todavia importar na medida<br />

em que aponta para um reconhecimento mais sólido e<br />

consensual da singularidade estética de Machado no conjunto<br />

da nossa história literária.<br />

Presumo que atualmente nenhum crítico, salvo a fração<br />

residualmente provinciana dos que lhe medem a excelência<br />

indiscutível, erra na avaliação substancial de sua universalidade,<br />

tantas vezes no passado incompreendida por estudiosos,<br />

ora turvados por nossa renitente tradição atada ao par<br />

romantismo e nacionalismo cultural — doença crônica e camaleônica<br />

da cultura brasileira, como observou Sérgio Paulo<br />

Rouanet em tom polêmico —, ora por outras formas de estreiteza<br />

ideológica, ou ainda psicológica, como aparenta ser<br />

o caso de Lima Barreto e a resistência de Graciliano Ramos<br />

já acima sublinhada. Resumindo, o fato imperativo é que a<br />

recepção da obra de Machado de Assis vale hoje como me-<br />

14 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


dida de sensibilidade e inteligência literária. No Brasil, como<br />

no estrangeiro, sucedem-se estudos de qualidade unânime no<br />

reconhecimento de valores artísticos que elevam Machado à<br />

altura dos seus melhores contemporâneos e pósteros. Luciano<br />

tem ciência disso. Essa é uma das razões de, em vários pontos<br />

da sua obra, centrar o foco argumentativo em críticos como<br />

Augusto Meyer, Roberto Schwarz, John Gledson, Sérgio Paulo<br />

Rouanet, José Guilherme Merquior, Alfredo Bosi e outros que<br />

tanto concorreram para consolidar um ponto de consenso em<br />

torno da obra de Machado.<br />

Sem querer abusar da elasticidade do conceito de obra<br />

aberta, acredito que muitas leituras, mesmo aquelas mais aderentes<br />

às linhas de sentido objetivamente aferíveis na obra do<br />

autor analisado, projetam em graus variáveis algo da personalidade<br />

e até diria das idiossincrasias do crítico. Desconfi o de<br />

que isso efetivamente ocorre no modo como Luciano Oliveira<br />

nos devolve sua recriação de Graciliano Ramos. O aspecto<br />

dessa recriação ou releitura que objetivo salientar prende-se<br />

aos elementos de humor acaso espelhados na obra do <strong>Rabugento</strong>.<br />

Este designativo já por si trai o vinco de humor intencionado<br />

pelo crítico. Visando a melhor articular meu argumento,<br />

valho-me da longa intimidade que tenho o privilégio<br />

de compartilhar com Luciano para sugerir em linhas menos<br />

turvas a medida em que um traço decisivo da sua personalidade<br />

incide sobre as camadas de humor supostamente inscritas<br />

na obra do <strong>Rabugento</strong>.<br />

Esperando ainda não incorrer numa chave psicologicamente<br />

redutora, ressalto o fato de que Luciano é um dos seres<br />

mais entranhadamente engraçados que conheço. Seu senso<br />

de humor — o termo vai aqui compreendido também na<br />

sua acepção inglesa, cuja expressão brasileira mais plena está<br />

contida na obra do <strong>Bruxo</strong> do Cosme Velho — tende sempre a<br />

desatar-se ao estímulo do primeiro contato. Mais que senso de<br />

humor, nele se somam e se sobrepõem o galhofeiro, o palhaço<br />

de picadeiro (ele de resto deplora não ser na vida efetivamente<br />

um deles), o menino trocista rebelde às convenções impostas<br />

15


pela sociedade e a experiência acumulada pelo profi ssional<br />

maduro. Se Oswald de Andrade perdia um amigo para não<br />

perder uma piada, Luciano perde ambos, amigo e piada, contanto<br />

que ele e os circunstantes riam. Ora, essa matizada e irrefreável<br />

força de humor e galhofa pulsa no centro da vida e<br />

da personalidade do nosso crítico. É assim compreensível que<br />

a projete num estudo de apreciação literária. O que de certo<br />

modo desorienta o leitor mais austero é a circunstância de Luciano<br />

— operando num quadro no qual livremente se mesclam<br />

os sentidos objetivamente dados pela obra e sua indócil personalidade<br />

de crítico — ressaltar no velho Graça precisamente<br />

essa tão inesperada componente de humor e riso inscrita no<br />

cerne de alguns dos ensaios aqui reunidos. A tudo adicionaria,<br />

tanto em defesa do meu argumento quanto em defesa das<br />

pérolas que recolhe e exibe ao cabo de sua jornada, que eu<br />

próprio aprendi com ele a enxergar nas pernas entrançadas<br />

de Julião Tavares uma irresistível cena de humor. Foi lendo e<br />

ouvindo Luciano, sobretudo acompanhando sua alegre e ao<br />

mesmo tempo angustiada tarefa de composição do livro, que<br />

passei a reler Julião Tavares, assim como outros personagens<br />

e cenas descritas na obra do <strong>Rabugento</strong>, que enfi m assimilei à<br />

minha leitura de uma obra, sempre apreciada como áspera e<br />

opressiva, esse ingrediente de humor tão original e desconcertante<br />

inscrito nas linhas de O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong>.<br />

O que Luciano acrescenta às leituras correntes no paralelo<br />

que ensaia entre Machado de Assis e Graciliano Ramos é precisamente<br />

essa camada de sentido dentro da qual subitamente<br />

irrompe uma gargalhada inusitada. Que o leitor confi ra por<br />

si próprio. No caso de concordar com o autor, atestando que<br />

somente as pessoas sérias gozam do privilégio de rir dos disparates<br />

de Julião Tavares narrados por Luís da Silva, concluirá<br />

assim que fora antes traído pelas aparências quando opunha<br />

Machado de Assis a Graciliano Ramos, preso a incompatibilidades<br />

sem dúvida aferíveis, mas nunca substantivas. De humor<br />

e de riso já se disse muito quando a obra em questão era<br />

16 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


a de Machado de Assis. Luciano Oliveira sem dúvida altera<br />

e enriquece a fortuna crítica de Graciliano Ramos, a quem,<br />

isento de qualquer cerimônia, trata como o velho Graça,<br />

quando nela ilumina uma sombra que nenhum rabugento ou<br />

leitor inocente antes notara. Acrescentaria que nem mesmo o<br />

velho Graça, dizem que rabugento demais para fazer humor<br />

e provocar riso à custa do que odiava ou desprezava. Se for o<br />

caso, mais uma vez estaremos diante de um autor traduzido<br />

a contrapelo de si próprio. Espero, por fi m, que o leitor se divirta,<br />

que ria muito como rimos Luciano Oliveira e eu. Afi nal,<br />

somos gente séria demais.<br />

Fernando da Mota Lima<br />

Professor da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE<br />

17


O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong><br />

Afi nidades não eletivas entre<br />

Machado de Assis e Graciliano Ramos<br />

Dos três nomes frequentemente<br />

arrolados como a trinca<br />

sagrada da literatura brasileira,<br />

dois deles, Machado de Assis e Graciliano<br />

Ramos (o outro é Guimarães Rosa),<br />

são autores que estamos acostumados a<br />

considerar, na vida e na obra, como antípodas um<br />

do outro. No que diz respeito à <strong>primeira</strong> oposição, não há<br />

muito o que dizer ou acrescentar ao que já se sabe. Mesmo<br />

Machado não tendo sido o completamente omisso de que uma<br />

leitura tradicional sempre o acusou, a verdade é que passou a<br />

maior <strong>parte</strong> da existência protegido das atribulações da vida<br />

nos ambientes de repartição em que foi funcionário exemplar<br />

— chegando mesmo a ser Cavaleiro da Ordem da Rosa e fundador<br />

e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras.<br />

19


Os dados da biografi a, é fato, não autorizam desmentir a imagem<br />

do burguês acomodado no “funcionarismo garantido” de<br />

que fala Mário de Andrade num texto célebre em que não esconde<br />

seu desamor por Machado! 1 É verdade, porém, que isso<br />

não tem importância. Afi nal, como lembrou certa vez George<br />

Steiner, “enquanto o policial ou o censor interroga o escritor,<br />

o crítico interroga apenas o livro”. 2<br />

Como quer que seja, do ponto de vista das histórias de vida<br />

há, sim, um abismo entre ele e Graciliano Ramos, o incorrigível<br />

rabugento que mais de uma vez externou o desejo de que<br />

Alagoas, seu estado natal, afundasse no oceano — o que faria<br />

o Brasil ganhar um golfo! —; o comunista que amargou 11<br />

meses de prisão nos cárceres imundos do Estado Novo de Getúlio<br />

Vargas; o sujeito que não escondia o “ódio ao burguês”;<br />

o escritor engajado responsável por uma das obras mais pungentes<br />

sobre a desgraça social do país, o romance Vidas Secas.<br />

Graciliano, aliás, que em mais de uma ocasião, fazendo coro<br />

com os críticos do Machado acomodado, externou a opinião<br />

então partilhada pelo senso comum:<br />

O que mais me distancia de Machado de Assis é o seu<br />

medo de defi nir-se, a ausência completa da coragem<br />

de uma atitude. O escritor tem o dever de refl etir<br />

sua época e iluminá-la ao mesmo tempo. Machado<br />

não foi assim. Trabalhando a língua como nenhum,<br />

poderia ter feito uma obra transitável às ideias. 3<br />

Numa palavra, o <strong>Rabugento</strong> não gostava do <strong>Bruxo</strong>. Chegou<br />

mesmo, por vezes, a referir-se a ele em termos depreciativos<br />

que uma leitura retrospectiva classifi caria hoje de simplesmente<br />

racista! A conhecida anglofi lia machadiana, por<br />

exemplo, irá fornecer-lhe o mote para um lamentável vitupério<br />

— é bem verdade que em conversa livre, descompromissada<br />

de maior rigor, registrada pelo amigo Aurélio Buarque de<br />

Holanda: “Negro burro, metido a inglês, a fazer umas gracinhas<br />

chochas, pensando que tem humor! Não vale nada, uma<br />

20 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


porcaria.” 4 Por escrito, entretanto, a avaliação era mais serena.<br />

Numa crônica intitulada Os amigos de Machado de Assis, ele<br />

ironiza os que nutrem uma admiração beata pela obra do escritor<br />

sem propriamente conhecê-la, infl uenciados pelo culto<br />

que lhe rendem os críticos que lhe analisaram “a obra excelente”.<br />

O objeto da ironia de Graciliano não é propriamente<br />

Machado ou seus verdadeiros admiradores, mas o “leitor comum,<br />

que se agita com excessos literários de meado do século<br />

XIX”. Fazendo referência a três admiradores verdadeiros de<br />

Machado, Graciliano comenta com bom humor:<br />

O prazer que A Causa Secreta e Trio em lá menor<br />

despertam no Sr. Augusto Meyer, na Sra. Lúcia Miguel<br />

Pereira e no Sr. Peregrino Júnior é diferente do<br />

entusiasmo que uma novela de aventuras produz no<br />

espírito simples de uma criatura normal [que], desconhecendo<br />

Machado, facilmente o louva, não por<br />

ele ter escrito bons romances e ótimos contos, mas<br />

porque em certas rodas se tornou uma relíquia. 5<br />

Mesmo podendo-se vislumbrar uma alfi netada na referência<br />

à “relíquia”, Graciliano não negaceou adjetivos quando tratou<br />

do Machado escritor: bom, excelente, ótimo. Além disso,<br />

numa lista dos dez melhores romances brasileiros pedida pela<br />

Revista Acadêmica, não deixaria de incluir Dom Casmurro. 6<br />

Mas, como quer que seja, mesmo rendendo a homenagem<br />

incontornável ao estilista, Graciliano manterá sempre um pé<br />

atrás em relação ao Machado de Assis das antologias e dos<br />

discursos, o notável coberto de glórias.<br />

Só que, nos últimos anos, os juízos tradicionais sobre o<br />

<strong>Bruxo</strong> foram submetidos a uma drástica revisão que já conta<br />

com uma considerável fortuna bibliográfi ca. Nesse sentido, é<br />

de citação incontornável a releitura de Machado feita por Roberto<br />

Schwarz 7 , a partir da qual se sedimenta uma nova visão<br />

sobre os signifi cados políticos disseminados — mas também<br />

dissimulados — na sua obra. Ou seja, mesmo nunca tendo<br />

21


sido homem de proclamações ou de gestos temerários, o famoso<br />

absenteísmo político de Machado de Assis deve ser encarado<br />

com muitas nuances. Mas, de outro lado, deve também<br />

ser encarado com vários bemóis o engajamento político de<br />

Graciliano. No plano da arte que praticou, ele não foi propriamente<br />

um escritor engajado.<br />

Numa analogia — só que trafegando em sentido contrário<br />

— com a revisão por que o suposto absenteísmo político de<br />

Machado tem passado, deve ser também revista a visão, pertencente<br />

a um certo senso comum alimentado pelo fato de Vidas<br />

Secas ter-se tornado seu livro mais conhecido, de um Graciliano<br />

praticando uma literatura “social”, por oposição a um<br />

Machado praticando uma literatura “psicológica”. A literatura<br />

do <strong>Rabugento</strong> nunca teve o caráter de “denúncia” — bastando<br />

sobre isso lembrar que, apesar de comunista literalmente de<br />

carteirinha (pois era inscrito no PCB), Graciliano Ramos<br />

sempre recusou as diretrizes estéticas do Partido, devotando<br />

especial horror ao chamado “realismo socialista” à época em<br />

voga. De toda forma, provavelmente pela suposta oposição<br />

profunda entre os dois, Machado e Graciliano não têm sido<br />

objeto de estudos comparativos sistemáticos. 8<br />

É verdade que não faltam referências aproximando um e<br />

outro — uma evocação, afi nal, natural, dada a proeminência<br />

que ambos desfrutam na literatura brasileira. Mas são rápidas<br />

e esporádicas observações a respeito de um ou outro aspecto<br />

geral da obra — como o óbvio “classicismo” detectado em ambos<br />

por Tristão de Athayde 9 , ou o “tom dubitativo, de eterno<br />

fronteiriço do ‘sim’ e do ‘não’”, que seria de Machado e que<br />

Agripino Grieco vê na obra de estreia de Graciliano Ramos<br />

— Caetés. 10 Já Álvaro Lins aproxima a visão de mundo de um<br />

e de outro pelo traço de união do pessimismo, sustentando<br />

que os dois partilham “a mesma concepção da vida, o mesmo<br />

julgamento dos homens”, fazendo até uma diferença entre<br />

o humour de ambos: enquanto o do primeiro seria “destruidor,<br />

mas sereno”, o do segundo seria “sombrio e áspero”, concluindo<br />

com um julgamento sobre o conjunto da obra do Velho<br />

22 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


Graça como sendo “um panfl eto furioso contra a humanidade”.<br />

11 Roger Bastide não será menos terrível na sua avaliação:<br />

Os heróis de Graciliano Ramos são seres que se comem<br />

a eles mesmos, que se devoram por dentro;<br />

não têm outro objetivo que não o de se destruírem<br />

lentamente, completamente, e de continuar, num<br />

clima de febre, de suor quente, de tremor de músculos,<br />

a lenta desorganização de sua própria vida. 12<br />

A menção de Bastide a seres “que se devoram por dentro”<br />

até que poderia servir para um personagem como Brás Cubas,<br />

que dedica suas memórias “ao verme que primeiro roeu as<br />

frias carnes do meu cadáver”. De Cubas, afi nal — como de<br />

Rubião em Quincas Borba, como de Bento Santiago em Dom<br />

Casmurro —, pode-se dizer que passou a existência tecendo “a<br />

lenta desorganização de sua própria vida”. Mas, é importante<br />

ressaltar, o ambiente aveludado em que todos eles se movem<br />

não é, seguramente, o de “febre, de suor quente, de tremor de<br />

músculos”. Excetuados o “delírio” de Brás Cubas e a “agonia,<br />

que foi curta”, de Rubião, os heróis machadianos não têm febre,<br />

não exalam suor nem tremem os músculos em exaltações<br />

dostoievskianas. Nenhum deles é capaz da brutalidade de chicote<br />

na mão de um Paulo Honório (São Bernardo) ou do ódio<br />

homicida de um Luís da Silva (Angústia). São, antes, “oblíquos<br />

e dissimulados”, para usar a conhecida expressão. Obliquidade<br />

e dissimulação que, atribuídas a Capitu, parecem aplicáveis<br />

antes de tudo ao próprio Machado... Mas voltemos aos dois.<br />

Este ensaio é literalmente um ensaio — ou seja, uma tentativa<br />

de algumas aproximações entre Machado de Assis e<br />

Graciliano Ramos sugeridas por releituras dos dois em anos<br />

recentes. Essas releituras, por seu lado, benefi ciaram-se de leituras<br />

da fortuna crítica de ambos — que ora sugeriam insights,<br />

ora os “confi rmavam”. Como sempre, é difícil dizer quem nasce<br />

primeiro: se o ovo, se a galinha. Só para dar um exemplo.<br />

Em 2003, numa releitura que fi z de São Bernardo, deparei-me<br />

23


com trechos como o seguinte, ao fi m do capítulo 13:<br />

Hoje isso forma para mim um todo confuso, e se eu<br />

tentasse uma descrição, arriscava-me a misturar os<br />

coqueiros da lagoa, que apareceram às três e quinze,<br />

com as mangueiras e os cajueiros que vieram<br />

depois. Essa descrição, porém, só seria aqui embutida<br />

por razões de ordem técnica. E não tenho o<br />

intuito de escrever em conformidade com as regras.<br />

Tanto que vou cometer um erro. Presumo que é um<br />

erro. Vou dividir um capítulo em dois.<br />

O trecho, praticamente sem tirar nem pôr, poderia ter sido<br />

escrito por Machado, que, sobretudo na segunda fase, iniciada<br />

com Brás Cubas, faz dessas idas e vindas, dialogando e às vezes<br />

“negociando com o leitor” o andamento da narrativa, uma de<br />

suas imagens de marca mais notáveis. Veja-se, a título de comparação,<br />

esse trecho do capítulo cxxx de Dom Casmurro:<br />

Perdão, mas este capítulo devia ser precedido de<br />

outro, em que contasse um incidente, ocorrido<br />

poucas semanas antes [...]. Vou escrevê-lo; podia<br />

antepô-lo a este, antes de mandar o livro ao prelo,<br />

mas custa muito alterar o número das páginas; vai<br />

assim mesmo.<br />

Aproveito para uma refl exão metodológica em forma de<br />

pergunta: teria eu descoberto essa proximidade narrativa entre<br />

os dois “sozinho”, ou teria sido, mesmo inconscientemente,<br />

infl uenciado por leituras que fi zera naquele mesmo ano? —<br />

ano em que se lembrava o cinquentenário da morte de Graciliano<br />

e em que foram publicados vários dossiês sobre ele. De<br />

um modo geral, os escritos então publicados punham ênfase<br />

na originalidade e na qualidade estilística da obra do homenageado.<br />

Num deles, notava seu autor: “releituras recentes de<br />

Graciliano Ramos enfatizam o caráter metalinguístico de sua<br />

obra [...], ultrapassando os estereótipos regionalistas e enfati-<br />

24 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


zando a complexidade do seu engajamento político e estilístico.”<br />

13 Por essa época, o subtítulo de um livro que aborda idêntica<br />

problemática chamou-me a atenção: a metalinguagem em<br />

Graciliano Ramos e a tradição literária brasileira. Seu autor ia<br />

também na mesma direção, ao sustentar a tese de que ela, a<br />

metalinguagem, constituía um “aspecto indissociável de sua<br />

produção literária.” 14 Distanciando-se da abordagem de um<br />

Graciliano consagrado pelos leitores como um “escritor da<br />

seca”, o autor expunha um Graciliano permanentemente preocupado<br />

com problemas de composição, “quase sempre associados<br />

ao laboratório de experimentos modernistas” — em<br />

relação aos quais, aliás, Graciliano nunca escondeu sua antipatia.<br />

Daí surgia um escritor no qual o texto exercia permanentemente<br />

um “voltar-se sobre si mesmo” 15 bem típico dos<br />

modernos — e de Machado!<br />

Voltando à pergunta do parágrafo anterior sobre a anterioridade<br />

do ovo ou da galinha, a resposta é que não sei. O que<br />

sei é que, desde então, passei a ler os dois autores municiado<br />

pela hipótese da afi nidade existente entre ambos em relação a<br />

certos aspectos cruciais de suas obras. E isso malgrado a opinião<br />

fortemente crítica de Graciliano sobre Machado. Daí a<br />

hipótese das afi nidades não eletivas contida no subtítulo. Aqui,<br />

um parêntese. O conceito de afi nidades eletivas, cuja origem<br />

remonta à alquimia, adentrou a área da literatura e depois da<br />

sociologia por meio, respectivamente, de Goethe e Max Weber.<br />

Do primeiro retém-se o romance que escreveu com esse<br />

mesmo nome, no qual se trata de seres que “se procuram um<br />

ao outro, se atraem, se capturam e, em seguida, ressurgem<br />

dessa união íntima numa forma renovada e imprevista”. Com<br />

Weber, a expressão transforma-se em “conceito sociológico”,<br />

guardando da antiga acepção as “conotações de escolha recíproca,<br />

atração e combinação”. Isso permitiria compreender<br />

um certo tipo de conjunção entre fenômenos aparentemente<br />

disparatados, no seio de um mesmo<br />

campo cultural (religião, fi losofi a, literatura) ou<br />

25


entre esferas sociais distintas: religião e economia,<br />

mística e política etc.<br />

O exemplo mais conhecido disso é o encontro aparentemente<br />

inesperado entre “ética protestante e espírito do capitalismo”,<br />

conforme estudado no clássico do sociólogo alemão. 16<br />

Aqui, porém, se estamos em presença de fenômenos disparatados,<br />

verifi camos também a presença de um movimento<br />

de “eleição” no sentido de sua aproximação, daí justamente a<br />

defi nição dessas afi nidades como eletivas. Ora, no caso das<br />

afi nidades que julgo ver entre Machado e Graciliano, elas não<br />

se dão em razão de uma escolha de qualquer dos pólos na direção<br />

um do outro. Machado, mesmo tendo sido um “defunto<br />

autor”, que aboliu as fronteiras do tempo, não esperou a vinda<br />

de Graciliano ao mundo para escrever as suas Memórias Póstumas!<br />

E Graciliano, que poderia ter escrito seu São Bernardo<br />

depois de ler Dom Casmurro, rejeitava vigorosamente qualquer<br />

infl uência do <strong>Bruxo</strong>. Quando se falou nisso, o <strong>Rabugento</strong><br />

se defendeu com o “argumento fulminante” de que “nunca<br />

havia lido antes Machado de Assis...” 17 Argumento incrível no<br />

sentido mais etimológico da expressão: impossível de ser acreditado!<br />

Quando Graciliano começou a escrever seu primeiro<br />

romance, Caetés, já ia bem adiantado na terceira década de<br />

vida; mas, segundo seu biógrafo, a descoberta de Machado teria<br />

se dado quando ele estava na casa dos vinte! 18 Como quer<br />

que seja, o argumento — a ser verdadeiro — é mais um elemento<br />

a demonstrar o quanto o <strong>Rabugento</strong> fazia questão de<br />

manter a distância do <strong>Bruxo</strong>. Daí a defi nição de suas afi nidades<br />

como sendo não eletivas. Neste caso, a aproximação é feita<br />

na suposição de que elas existem, mas por uma terceira <strong>parte</strong>:<br />

o analista que os lê. É o caso de Álvaro Lins, já citado, descobrindo<br />

uma visão pessimista sobre os homens partilhada por<br />

ambos. No meu caso, irei tentar demonstrar a hipótese da<br />

afi nidade sobre outros aspectos de sua obra. Quais?<br />

Comecemos por voltar a explorar o tema da problematização<br />

da escrita — dito de outra forma, da metalinguagem<br />

26 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


—, praticada por ambos. Segundo Marta de Senna, um dos<br />

elementos constitutivos da arte contemporânea seria aquilo<br />

que a crítica de tradição anglo-americana chama de “narrativa<br />

autoconsciente”:<br />

Ao invés de obliterar o material de que é feita, como<br />

o faz a arte bem comportada, a arte contemporânea,<br />

confi rmando uma estratégia já ensaiada por Michelangelo<br />

e Rembrandt (para citar somente dois expoentes),<br />

exibe-o na sua contundência, que perfura a<br />

ilusão de realidade, valorizando o fazer e a concretude<br />

do sistema sígnico que utiliza. 19<br />

Nesse sentido, mesmo não sendo propriamente modernistas,<br />

Machado e Graciliano seriam moderníssimos! A “narrativa<br />

autoconsciente” é, nos dois, uma constante no corpus<br />

romanesco de suas obras. Em três dos cinco livros da segunda<br />

fase de Machado — Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom<br />

Casmurro e Memorial de Ayres —, e, no caso de Graciliano,<br />

com a única exceção de Vidas Secas, em todos os outros livros<br />

— Caetés, São Bernardo, Angústia, Infância e Memórias<br />

do Cárcere — existe um narrador não onisciente à maneira do<br />

século XIX, mas consciente — o que é algo bem diverso — à<br />

maneira do século XX, conduzindo a narrativa; e ela própria<br />

torna-se matéria para refl exão. Em dois deles, por sinal (Caetés<br />

de Graciliano, Dom Casmurro de Machado), os narradores<br />

João Valério e Bentinho tentam, debalde, escrever outros livros.<br />

Para não me alongar desnecessariamente, não insistirei<br />

sobre outros exemplos atestando a problematização da própria<br />

escritura nos dois autores, bastando, para fi xar esse ponto,<br />

lembrar o clima de paródia e gozação que se instala logo<br />

nas <strong>primeira</strong>s linhas de Brás Cubas — no qual um “defunto<br />

autor” se propõe a contar sua história começando-a pelo fi m,<br />

estabelecendo assim uma “diferença radical entre este livro e<br />

o Pentateuco” —, e a metalinguagem explícita com que Graciliano<br />

abre espetacularmente o São Bernardo, informando<br />

27


solenemente: “Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo<br />

pela divisão do trabalho.” Paulo Honório, o narrador, convoca<br />

diversos amigos para ajudá-lo a “contribuir para o desenvolvimento<br />

das letras nacionais”: Padre Silvestre fi caria com a<br />

<strong>parte</strong> moral e as citações latinas; João Nogueira, com a pontuação,<br />

a ortografi a e a sintaxe; Arquimedes, com a composição<br />

tipográfi ca; e Lúcio Gomes de Azevedo Gondim, jornalista<br />

de província, com a composição literária. Ele, Paulo Honório,<br />

com uma franqueza brutal e desrespeitosa, informa seu papel<br />

na empreitada: “Eu traçaria o plano, introduziria na história<br />

rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria<br />

o meu nome na capa.” Ao fi m da página, o projeto já tinha<br />

dado com os burros n´água: “João Nogueira queria o romance<br />

em língua de Camões, com períodos formados de trás para<br />

diante. Calculem.”<br />

Na opinião de alguns críticos, que aqui seguirei, essas irrupções<br />

um tanto acintosas do <strong>Bruxo</strong> e do <strong>Rabugento</strong> no texto<br />

não seriam simplesmente pirotecnias gratuitas de dois autores<br />

— tão diferentes no temperamento, aliás — brincando com<br />

seu público. Umas e outras fariam <strong>parte</strong> de um investimento<br />

no texto, com sutileza e intensidade por <strong>parte</strong> de dois escritores<br />

que teriam realizado, com sucesso, a conjunção de forma<br />

e conteúdo — aquela não sendo meramente uma expressão<br />

externa deste, mas sua expressão internalizada. 20 Ilustro esse<br />

movimento com a análise que Roberto Schwarz faz da obra<br />

de Machado, a qual adquiriu, entre nós, uma dimensão mais<br />

reluzente depois do trabalho de revisão por ele promovido.<br />

A matriz da reinterpretação de Machado que Schwarz imprimirá<br />

em suas pesquisas é o trabalho seminal já citado, cujo primeiro<br />

capítulo se chama, signifi cativamente, “As ideias fora do lugar”. Do<br />

que se trata? Trata-se do Brasil do século XIX e da “disparidade<br />

entre a sociedade brasileira, escravista, e as ideias do liberalismo<br />

europeu [...], referências para todos”. Está montada o<br />

que o autor chama de “comédia ideológica”. Schwarz, enquanto<br />

leitor de Marx, não se furta de observar que “a liberdade<br />

do trabalho, a igualdade perante a lei e, de modo geral, o uni-<br />

28 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


versalismo eram ideologia na Europa também”. Mas lá, pelo<br />

menos, “correspondiam às aparências, encobrindo o essencial<br />

— a exploração do trabalho.” Já entre nós, nem isso: “a Declaração<br />

dos Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em<br />

<strong>parte</strong> na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia<br />

nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão”. E<br />

pergunta: “Que valiam, nestas circunstâncias, as grandes abstrações<br />

burguesas que usávamos tanto?” 21<br />

Ao Vencedor é de 1977. Apenas em 1990 aparecerá sua<br />

continuação, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, no qual<br />

Schwarz, abordando com especial ênfase o romance inaugural<br />

da segunda fase de Machado, Memórias Póstumas de Brás<br />

Cubas, enriquece sua análise com a preciosa hipótese de que<br />

os dois traços onipresentes no texto do defunto autor — a “volubilidade<br />

do narrador” e o “constante desrespeito de alguma<br />

norma” —, sendo comportamentos típicos da nossa classe<br />

senhorial de então, representariam “uma estilização de uma<br />

conduta própria à classe dominante brasileira”. 22 Teríamos<br />

aqui um bom exemplo da internalização do externo de que<br />

falamos logo acima. Brás Cubas, dentro dessa leitura, é um<br />

“fi lhinho de papai” que se compraz em montar cavalinho com<br />

o “moleque de casa”, Prudêncio, e praticar estripulias com os<br />

convidados, sob o olhar complacente do pai que, “passado o<br />

alvoroço, dava-[lhe] pancadinhas na cara e exclamava a rir:<br />

Ah! brejeiro! Ah! brejeiro!” Para Schwarz, esse mesmo capricho<br />

de classe embrenha-se no texto, e Brás Cubas, com uma<br />

desfaçatez inédita na literatura brasileira, agride os leitores ao<br />

adotar o arbítrio e a volubilidade como princípios condutores<br />

da trama.<br />

Um dos elementos desse ambiente histórico-social aparece<br />

no verdadeiro “show de cultura geral caricata, uma espécie<br />

de universalidade de pacotilha, na melhor tradição pátria”,<br />

que constitui o discurso de Brás Cubas apresentando o famoso<br />

“emplasto” com que pretendia salvar a humanidade de<br />

sua melancolia. 23 Trata-se do mundo do “bacharel com bela<br />

cultura” 24 tipicamente nosso, tão bem ilustrado pelo próprio<br />

29


Machado no famoso conto Teoria do Medalhão, onde um orgulhoso<br />

pai dá ao fi lho recém diplomado conselhos para subir<br />

na vida:<br />

— Se for ao parlamento, posso ocupar a tribuna?<br />

— Podes, e deves; é um modo de convocar a atenção<br />

pública. Quanto à matéria dos discursos, tens<br />

à escolha: ou os negócios miúdos, ou a metafísica<br />

política, mas prefere a metafísica.<br />

À luz dessas considerações, o “humanitismo” bolorento de<br />

Quincas Borba, os superlativos ocos do agregado José Dias da<br />

família de Bentinho, a genealogia fantasiosa de Brás Cubas<br />

etc. adquirem matizes que não tínhamos percebido. O que<br />

nos remete ao fenômeno do bacharelismo, que não passou<br />

despercebido de Sérgio Buarque de Holanda quando tratou<br />

de inventariar as nossas raízes. 25 Traço impagável do nosso<br />

homem cordial, o bacharelismo é defi nido como “um amor<br />

pronunciado pelas formas fi xas e pelas leis genéricas, que circunscrevem<br />

a realidade complexa e difícil dentro do âmbito<br />

dos nossos desejos”. Daí “a facilidade com que [os brasileiros]<br />

se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados<br />

matizes e com que sustentam, simultaneamente, as convicções<br />

mais díspares”. 26 É um julgamento em tudo semelhante<br />

ao que diz Schwarz a respeito do uso das “grandes abstrações<br />

burguesas” sem correspondência alguma com a realidade socioeconômica<br />

de então, sequer com sua “aparência”, produzindo<br />

o que ele chama de “comédia ideológica”. Exprimindose<br />

em termos que bem poderiam ter sido escritos pelo autor<br />

de Raízes do Brasil, Schwarz conclui a descrição dessa comédia<br />

com uma nota de bom humor: “Sem prejuízo de existir, o<br />

antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de<br />

mãos dadas.” 27 Lida dessa forma, a obra de Machado presta-se<br />

a um interessante exercício de aproximação com certos temas<br />

explorados por Graciliano, sendo o bacharelismo, no sentido<br />

aqui empregado, um deles.<br />

30 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


Pegue-se o capítulo “Um Soneto”, de Dom Casmurro. Um<br />

belo dia, Bentinho acorda com um verso na cabeça: Oh! fl or<br />

do céu! oh! fl or cândida e pura. Não adianta lhe perguntar de<br />

onde veio. É o próprio narrador que informa, naquele inconfundível<br />

humour machadiano: “Como e por que me saiu este<br />

verso da cabeça, não sei; saiu assim, estando eu na cama, como<br />

uma exclamação solta.” Apaixonado, logo imagina quem seria<br />

a fl or do misterioso verso: “Capitu, naturalmente”. Mas sem<br />

muita convicção, pois “podia ser a virtude, a poesia, a religião,<br />

qualquer outro conceito a que coubesse a metáfora da fl or, e<br />

fl or do céu”. Vem-lhe a ideia de produzir um soneto. E, depois<br />

de “muito suar”, acode-lhe esta chave de ouro: Perde-se a vida,<br />

ganha-se a batalha! O problema agora é produzir os 12 versos<br />

que faltam entre o primeiro e o último. Como e com que<br />

recheá-los? Machado, dir-se-ia, compraz-se num exercício de<br />

gozação com as “grandes abstrações burguesas”, ao mudar subitamente<br />

de registro: “A ideia agora, à vista do último verso,<br />

pareceu-me melhor não ser Capitu; seria a justiça.”<br />

Ora, esse tipo de sonetista foi desde sempre um personagem<br />

fustigado por Graciliano Ramos. O Bentinho do episódio<br />

lembra, sem tirar nem pôr, a fi gura sem qualquer convicção<br />

do poeta de província evocada por Graciliano numa de suas<br />

crônicas: um tipo que “anda com a cabeça no ar, como convém<br />

a um indivíduo que faz versos. Através da fumaça branca de<br />

seu cigarro percebe vagamente alguma coisa muito brilhante<br />

e muito grande a acenar-lhe”. 28 O quê, pouco importa. O que<br />

importa — remetendo-me outra vez a Sérgio Buarque e a uma<br />

das descrições que ele faz do tipo bacharelesco — é “certo tipo<br />

de erudição sobretudo formal e exterior, onde os apelidos raros,<br />

os epítetos supostamente científi cos, as citações em língua<br />

estranha se destinam a deslumbrar o leitor como se fossem<br />

uma coleção de pedras brilhantes e preciosas”. 29 Na forma e no<br />

conteúdo, a fi gura corresponde a um outro tipo de Graciliano,<br />

o do funcionário lotado “numa cidadezinha de 5 mil habitantes”,<br />

que ele evoca numa das crônicas escritas para a revista<br />

Cultura Política na década de 1940:<br />

31


O funcionário mencionado era por desgraça um literato.<br />

Os literatos da roça fazem de ordinário sonetos,<br />

acrósticos, discursos, dramas, onde se juntam<br />

palavras bonitas e inofensivas, pedaços da Revolução<br />

Francesa, Tiradentes e Iracema.<br />

A descrição, por sua vez, cai como uma luva na refl exão de<br />

João Valério (Caetés) quando este, num daqueles serões típicos<br />

do interior brasileiro dos anos 1920, entra numa discussão<br />

com o indefectível vigário local a respeito da grandeza de Augusto<br />

Comte, arriscando um blefe — ou, como o Velho Graça<br />

escreveria, um bluff :<br />

Declarei que aquele senhor era, não obstante, um<br />

inspirado poeta, e logo me arrependi de ter falado.<br />

Sei realmente, sem nenhuma sombra de dúvida,<br />

que Augusto Comte foi grande, mas ignoro que espécie<br />

de grandeza era a dele. Depois serenei, porque<br />

ninguém ali [...] compreendia um disparate.<br />

E eis como Luís da Silva, o pequeno funcionário ressentido<br />

e pobre — mas sonhando com grandeza literária —, destila em<br />

Angústia seu ódio ao “caráter bacharelesco” 30 de Julião Tavares,<br />

o burguês gordo, vermelho e falador que termina seduzindo<br />

e abandonando Marina, a vizinha pobre com quem Luís<br />

pretendia casar:<br />

O que não achava certo era ouvir Julião Tavares todos<br />

os dias afi rmar, em linguagem pulha, que o Brasil<br />

é um mundo, os poetas alagoanos uns poetas enormes<br />

e Tavares pai, chefe da fi rma Tavares & Cia., um<br />

talento notável, porque juntou dinheiro. Essas coisas<br />

a gente diz no jornal, e nenhuma pessoa medianamente<br />

sensata liga importância a elas. Mas na sala de<br />

jantar, fumando, de perna trançada, é falta de vergonha.<br />

Francamente, é falta de vergonha.<br />

32 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


Na fi gura de Julião Tavares concentra-se o “ódio ao burguês”<br />

e ao “bacharelismo da linguagem” 31 de que ele se vale<br />

para pontifi car nos serões suburbanos de Maceió, onde vai<br />

procurar moças pobres para seduzir. Retomo, aqui, a refl exão<br />

de Marcelo Bulhões sobre a dimensão metalinguística<br />

da obra de Graciliano: “Trata-se de uma atitude desmistifi -<br />

cadora da linguagem estereotipada, beletrista, vinculada ao<br />

movimento ideológico que consiste em substituir a realidade<br />

dos fatos vivos por uma apoteose verbal.” 32 Essa tensão entre<br />

realidade real e realidade apoteótica fi ca mais do que nunca<br />

clara em Caetés, romance de estreia de Graciliano, geralmente<br />

considerado um livro menor na sua obra e, muito injustamente,<br />

repudiado pelo próprio autor — que, aliás, num exercício<br />

de autopunição ou, quem sabe, excessiva vaidade, compraziase<br />

em depreciar o próprio valor literário.<br />

Como se sabe, o romance conta a história de João Valério<br />

— certamente um alter ego de Graciliano — e sua tentativa,<br />

infrutífera, de escrever um romance que teria o mesmo título<br />

do livro que o narrador acaba escrevendo. As implicações metalinguísticas<br />

são evidentes:<br />

João Valério é o narrador de Caetés de Graciliano e<br />

ao mesmo tempo autor de um romance cujo título<br />

é certamente o mesmo. Desse modo, João Valério<br />

inscreve-se no espaço de cruzamento entre duas<br />

linguagens opostas. O discurso narrativo de Caetés<br />

de Graciliano é a própria ‘fala’ de João Valério. Entretanto,<br />

quando Valério se põe a narrar sua aventura<br />

de escritor e quando se põe a ‘escrever’ seu livro,<br />

este mantém com o livro de Graciliano, do qual é<br />

narrador, uma evidente oposição no plano estilístico<br />

e na própria matéria narrada. 33<br />

33


A oposição deriva do fato de que, enquanto Graciliano,<br />

João Valério escreve uma prosa limpa, clara e contundente;<br />

mas enquanto autor do livro dentro do livro, põe-se a buscar<br />

“belos efeitos”, inclusive um vocabulário desconhecido, “na<br />

intenção de impressionar o leitor”. 34 O próprio narrador faz<br />

a confi ssão: “O meu fi to era empregar uma palavra de efeito:<br />

tibicoara. Se alguém me lesse, pensaria talvez que entendo de<br />

tupi, e isso me seria agradável.” 35 Vê-se aqui, em ato, a “linguagem<br />

pulha” de Julião Tavares, servindo a fi ns de empulhação...<br />

Não é de admirar, assim, que João Valério — vale dizer, Graciliano<br />

— não consiga levar adiante o livro que “João Valério”<br />

tenta escrever. Nesse fracasso reside a sutil dimensão metalinguística<br />

de Caetés, e, no fi m das contas, a alta qualidade desse<br />

livro que precisa ser reavaliado — para cima! Juntando-se os<br />

dois fi os desse percurso, a “apoteose verbal” dos burgueses de<br />

província de Graciliano entrelaça-se com a “bela cultura” dos<br />

ociosos senhores de Machado. As afi nidades podem não ser<br />

eletivas, mas que há, há! Para além da empulhação, porém, há<br />

mais grave, aquilo que Schwarz chama de “exercício de abjeção”.<br />

Em Um Mestre na Periferia do Capitalismo, que é de 1990,<br />

Schwarz refere-se um tanto de passagem ao “abjeto humor de<br />

classe praticado por Brás”. 36 No ano seguinte, em um debate a<br />

propósito do livro, ele teoriza o tema: o dissimulado Machado,<br />

“ao invés de [...] falar em nome próprio, com lirismo ou<br />

refl exões sinceras, [identifi cou] o seu ‘eu lírico’ com o lado mais<br />

abjeto da classe dominante. [Ele] faz, por assim dizer, exercícios<br />

de abjeção”. 37 Schwarz ilustra isso comentando os episódios em<br />

que Brás Cubas, já maduro, reencontra, respectivamente, seu<br />

antigo mestre-escola, Ludgero Barata — “um nome funesto” — ,<br />

e seu antigo colega Quincas Borba — um “náufrago da existência”<br />

—, ambos agora reduzidos à miséria:<br />

O mestre-escola a quem Brás deve as <strong>primeira</strong>s letras<br />

havia ensinado meninos ‘durante vinte e três<br />

anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casinha<br />

da rua do Piolho’. Ao morrer, ninguém — ‘nem<br />

34 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


eu’, conforme diz o próprio narrador com escárnio<br />

— o chorou. Uma vida de trabalho humilde e honrado,<br />

que não colhe reconhecimento algum: este é<br />

o X do episódio. Noutro passo, quando encontra<br />

um amigo de infância em andrajos e mendigando,<br />

a reação é inversa: o que Brás lastima é que o antigo<br />

coleguinha desdenhe o trabalho e não se dê ao<br />

respeito. ‘Quisera ver-lhe a miséria digna.’ Assim, a<br />

dignidade que Brás não reconhece ao trabalhador,<br />

ele a exige do vadio. 38<br />

A abjeção reside na “moral da história” que Schwarz extrai<br />

desses dois casos: “Não [se] deve nada a quem trabalhou, mas<br />

quem não trabalhou não tem direito a nada (salvo à reprovação<br />

moral). Segundo a conveniência, valem a norma burguesa<br />

ou o desprezo por ela.” 39<br />

Exercícios desse tipo podem ser facilmente encontrados<br />

na obra de Graciliano, sobretudo nos três primeiros livros,<br />

cuja narrativa é conduzida na <strong>primeira</strong> pessoa — João Valério,<br />

Paulo Honório e Luís da Silva, respectivamente, por<br />

trás dos quais é impossível não perceber muito do <strong>Rabugento</strong><br />

que os criou! Se no primeiro tais exercícios não chegam<br />

a perturbar — dada, aliás, a própria mediocridade de João<br />

Valério —, no último eles chegam a incomodar, dada a ferocidade<br />

da linguagem de Luís da Silva, que logo na <strong>primeira</strong><br />

página avisa:<br />

Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por<br />

exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e,<br />

aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios:<br />

vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.<br />

Verdade seja dita, esse ódio que espuma de um funcionário<br />

subalterno não tripudia apenas os que estão por baixo. Ao<br />

contrário, seu ódio preferencial vai para Julião Tavares, o burguês<br />

porcino que é apresentado assim:<br />

35


Conheci esse monstro numa festa de arte no Instituto<br />

Histórico. De quando em quando um cidadão se levantava<br />

e lia uma composição literária. [...] Pelo meio<br />

da função um sujeito gordo assaltou a tribuna e gritou<br />

um discurso furioso e patriótico. Citou os coqueiros,<br />

as praias, o céu azul, os canais e outras preciosidades<br />

alagoanas [...]. Conversa vai, conversa vem, fi quei sabendo<br />

por alto a vida, o nome e as intenções do homem.<br />

Família rica. Tavares & Cia., negociantes de secos<br />

e molhados, donos de prédios, membros infl uentes<br />

da Associação Comercial, eram uns ratos.<br />

Aqui, o “eu lírico” que Graciliano se põe a exercitar é contra<br />

todas as classes — no limite, contra a humanidade inteira —,<br />

não havendo a identifi cação, que Schwarz detecta em Machado,<br />

com a classe dominante, até pelo fato de Luís da Silva não<br />

passar de um funcionário subalterno. Em São Bernardo, ao<br />

invés, há sim essa identifi cação: Paulo Honório representando<br />

com brio o lado mais brutal da dominação classista como ela<br />

se dá entre nós, aquela que se exerce às escâncaras nos nossos<br />

grotões rurais. Já se falou de São Bernardo como “um Dom<br />

Casmurro ruralizado”. 40 Concordo com o insight e aqui invisto<br />

nele. Em primeiro lugar, ambos os livros têm num ciúme doentio<br />

e em suas consequências o núcleo dramático em torno<br />

do qual se constrói a narrativa. Uma comparação de caráter<br />

anedótico, entretanto, traria uma objeção inicial: Madalena, a<br />

Capitu de São Bernardo, vítima de Paulo Honório, seu Bento<br />

Santiago, é comprovadamente inocente. Uma maneira de superar<br />

a oposição é observar, como o fez Silviano Santiago, que<br />

“os críticos [estão] interessados em buscar a verdade sobre<br />

Capitu, ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu,<br />

quando a única verdade a ser buscada é a de Dom Casmurro”.<br />

41 Noutros termos, a afi nidade que vejo existir entre os dois<br />

livros desloca seu enfoque da trama e privilegia seus narradores.<br />

E é aí, nos “exercícios de abjeção” que ambos promovem,<br />

que reside a meu ver sua similitude mais interessante.<br />

36 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


Paulo Honório não é nenhum “fi lhinho da mamãe” mofi no<br />

e cheio de dedos como Bentinho. Na sua própria descrição, o<br />

dono de São Bernardo tem “um nariz enorme, uma boca enorme,<br />

dedos enormes”. Sua linguagem, diferentemente do feltro<br />

de Bento Santiago, não alisa. Se este, para descrever a subserviência<br />

do agregado da mãe, informa com aquela graça toda<br />

machadiana que ele “sabia opinar obedecendo”, aquele, mais<br />

próximo da zoologia, informa de um dos seus que ele “parecia<br />

um cágado”. No processo de composição do texto, os “narradores<br />

conscientes”, que são um e outro, não têm a mesma delicadeza.<br />

Se Bentinho anuncia que “esta página vale por meses,<br />

outras valerão por anos, e assim chegaremos ao fi m”. Honório,<br />

mais próximo da agricultura, diz como funciona sua economia:<br />

“extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço.”<br />

O processo de absorção dos respectivos agregados também<br />

apresenta diferenças signifi cativas. É assim que José Dias é incorporado<br />

à casa de D. Glória, depois que esta enviúva:<br />

Quando meu pai morreu, a dor que o pungiu foi<br />

enorme [...]. Minha mãe fi cou-lhe muito grata, e não<br />

consentiu que ele deixasse o quarto da chácara; ao<br />

sétimo dia, depois da missa, ele foi despedir-se dela.<br />

— Fique, José Dias.<br />

— Obedeço, minha senhora.<br />

Teve um pequeno legado no testamento, uma apólice<br />

e quatro palavras de louvor. Copiou as palavras,<br />

encaixilhou-as e pendurou-as no quarto, por cima<br />

da cama. ‘Esta é a melhor apólice’, dizia ele muita vez.<br />

Será necessário lembrar que o pobre do José Dias na verdade<br />

não tinha para onde ir? Que a dignidade em aceitar a<br />

proposta de D. Glória é mais um pequeno episódio da “comédia<br />

ideológica” de que fala Schwarz? Com Paulo Honório essa<br />

sutileza não existe, a miséria é grande, escancarada e ele não<br />

precisa salvar as aparências para preservar qualquer resto de<br />

dignidade — mesmo fi ngida — da velha Margarida:<br />

37


Lembro-me de um cego que me puxava as orelhas<br />

e da velha Margarida, que vendia doces. O cego<br />

desapareceu. A velha Margarida mora aqui em S.<br />

Bernardo, numa casinha limpa, e ninguém a incomoda.<br />

Custa-me dez mil-réis por semana, quantia<br />

sufi ciente para compensar o bocado que me deu.<br />

Malgrado isso, existem restos de humanidade em Paulo<br />

Honório de que não se vê fi apo em Bentinho. 42 Já não direi do<br />

tratamento que ele dá à morte de Capitu: “creio que ainda não<br />

disse que estava morta e enterrada. Estava; lá repousa na velha<br />

Suíça” — e só. Isso dito assim, desleixadamente, como se fosse<br />

a irrupção de um parêntese incômodo. Não argumentarei com<br />

esse gélido “assassinato” porque, afi nal, Bentinho crê — ou quer<br />

crer — na sua traição. O pior vem depois. Filho adulterino ou<br />

não, Ezequiel, nascido de suas núpcias, morre de uma febre<br />

tifoide nos arredores de Jerusalém e os amigos mandam o desenho<br />

da sepultura junto com um resto de dinheiro que ele<br />

levava. Comentário do presumido pai: “pagaria o triplo para<br />

não tornar a vê-lo.” E, um parágrafo depois, esse acréscimo<br />

dispensável e, por isso, odioso: “Apesar de tudo, jantei bem e<br />

fui ao teatro.” Paulo Honório, incapaz de amar, também não<br />

quer bem ao fi lho que teve com Madalena. Ao fi m do livro, só<br />

e insone, tenta repousar a cabeça na mesa onde escreve, sem<br />

nenhuma benevolência: “É horrível! Se aparecesse alguém...<br />

Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse... Nem<br />

sequer tenho amizade a meu fi lho. Que miséria!”<br />

Também não há amor nesse desfecho. Mas aí, pelo menos,<br />

há sofrimento.<br />

<br />

Deixemos em paz esses infelizes. Suas diferenças poderiam<br />

nos levar a investir nas próprias diferenças entre as duas fi guras<br />

humanas que os engendraram, quando a intenção deste<br />

texto é a de sobrelevar suas afi nidades. Essas, como disse, se<br />

constroem a posteriori e até malgrado os autores afi ns, mas<br />

não é uma construção arbitrária. Ela não nasce “da infl uência<br />

38 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


direta de um autor sobre o outro, mas de uma certa identidade<br />

de sentimentos em face da vida e da literatura” 43 que, obviamente,<br />

cabe ao leitor/intérprete intuir num primeiro momento<br />

e, em seguida, demonstrar — se não com a exatidão e a<br />

certeza das demonstrações científi cas, pelo menos com uma<br />

verossimilhança razoável; em todo caso, possível.<br />

Retomemos a hipótese da “identidade de sentimentos em<br />

face da vida e da literatura” de que fala Álvaro Lins. A princípio<br />

parece uma temeridade sugerir tal coisa a propósito de<br />

duas fi guras cujas diferenças não podem ser escamoteadas.<br />

Nada, numa <strong>primeira</strong> mirada, parece aproximá-los. Machado,<br />

de temperamento acomodado, viveu e escreveu sobre o<br />

mundo da Corte brasileira no pachorrento Segundo Reinado;<br />

Graciliano, um enfezado, viveu e escreveu sobre o pedaço de<br />

chão entre o litoral e o sertão do nordeste brasileiro — com o<br />

estreito agreste de permeio. Entretanto, se a hipótese e os elementos<br />

que a sustentam aqui apresentados são bons, haveria,<br />

abaixo da superfície enganosa, uma signifi cativa homologia<br />

freática entre os textos de ambos. Afi nal, a surpreendente semelhança<br />

na gozação que um e outro fazem do bacharelismo e<br />

o exercício de abjeção em que ambos se comprazem — para só<br />

fi car nesse dois elementos — acodem em favor de tal hipótese.<br />

Vamos explorá-la um pouco.<br />

Identidade de sentimentos em face da vida — é o primeiro<br />

elemento da proximidade que Lins vê entre os dois. É verdade<br />

que, aqui, ele está se referindo a um elemento por assim<br />

dizer fi losófi co: o pessimismo de ambos. Mas talvez seja interessante<br />

explorar um outro tipo de sentimento comum: o<br />

estranhamento de um e de outro em relação à sociedade em<br />

que viveram. Referida a Graciliano — um comunista que não<br />

escondia o famoso “ódio ao burguês” —, a afi rmação chega a<br />

ser um truísmo; referida a Machado — o exemplar servidor<br />

apegado ao seu “funcionarismo garantido” —, parece um despropósito.<br />

Talvez não seja. John Gledson, num dos livros que<br />

dedicou ao <strong>Bruxo</strong>, deu-lhe o subtítulo de “Impostura e realismo”.<br />

Nele, Gledson sugere que a “agudeza, a lâmina pontia-<br />

39


guda” de Machado deve-se sua “visão da sociedade na qual se<br />

criou, na qual teve muito sucesso profi ssional, mas que — em<br />

um nível que só encontra expressão em suas maiores obras —<br />

talvez detestasse”. 44 É possível. Bem possível. Machado foi na<br />

infância um mulatinho pobre que chegou a vender doces na<br />

rua, feitos pela madrasta, Maria Inês, para viver. Sua ascensão<br />

social foi impressionante, por mérito próprio, à custa de muito<br />

esforço e trabalho, mas também do rompimento com o lado<br />

paupérrimo de suas origens, que deixou defi nitivamente para<br />

trás assim que se arranjou na vida. Maria Inês — doceira, mulata,<br />

analfabeta — foi praticamente abandonada no subúrbio<br />

onde morava e nunca chegou sequer a ser apresentada à esposa<br />

portuguesa, branca e instruída de Machado. Sem pretender<br />

fazer psicanálise óbvia, o <strong>Bruxo</strong> reprimiu esse lado escuro da<br />

sua vida. E ainda sem querer resvalar na obviedade psicanalítica,<br />

parece que mais tarde ele foi alcançado pelo “retorno do<br />

reprimido”. É o que especula Lúcia Miguel Pereira, na biografi<br />

a que lhe dedicou:<br />

No momento, essa separação fria e voluntária não o<br />

parece ter feito sofrer; mas causou-lhe um mal-estar<br />

íntimo, um remorso subterrâneo que explodirá, depois<br />

de longo trabalho interior, em A Mão e a Luva,<br />

em Helena, em Iaiá Garcia, na Casa Velha [...], todos<br />

girando em torno do problema da hierarquia social,<br />

do direito, para o indivíduo, de mudar de classe, da<br />

luta entre a ambição e o sentimento. 45<br />

E a partir de Brás Cubas, como se sabe, o <strong>Bruxo</strong> iria abrir<br />

a porteira por onde passaria, agora sem peias, uma obra literária<br />

tão corrosiva e de um cinismo tão incrivelmente explícito<br />

que chega a causar espécie que seu autor, ao contrário<br />

de se tornar um maldito, tenha se tornado um ícone saudado<br />

no seu enterro por Ruy Barbosa e outras glórias da época. A<br />

explicação mais corrente, a de que ele não foi corretamente<br />

entendido, parece verossímil. Tanto mais que, tendo-a escrito<br />

40 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


com a “pena da galhofa”, como o próprio memorialista defunto<br />

diz, Machado pode ter sido agraciado pelo benefício da<br />

dúvida: estava ele falando sério? Provavelmente a resposta, a<br />

maior <strong>parte</strong> das vezes, foi negativa — como provavelmente foi<br />

também negativa a resposta à pergunta que as pessoas se fi zeram<br />

quando Swift sugeriu que os pobres deveriam comer os<br />

próprios fi lhos para acabar com o problema da fome: poderia<br />

ser a sério um absurdo desses? Em um nível superfi cial, sabe<br />

o leitor, não! Em um nível mais signifi cativo, a resposta, em termos<br />

literais, continua sendo negativa, mas a proposta dá o que<br />

pensar. Machado, leitor de Swift , provavelmente estava empulhando<br />

os seus leitores — ele que, conforme relatado por Araripe<br />

Júnior, tinha especial apreço por essa máxima: “Tudo! meu<br />

amigo, tudo! menos viver como um perpétuo empulhado!” 46<br />

Essa recusa da empulhação por <strong>parte</strong> de Machado — ao<br />

mesmo tempo em que, suprema ironia!, a praticava — é também<br />

um traço poderoso na obra de Graciliano Ramos. “Nenhuma<br />

concessão. Nenhuma trucada.” 47 Foi assim que o “espiritualista”<br />

Octavio de Faria resumiu a atitude do rabugento<br />

“materialista” frente à literatura. Não será essa também, se<br />

bem que dissimulada, a atitude do <strong>Bruxo</strong>? Por isso John Gledson<br />

defi niu-lhe a obra como fundamentalmente realista — “se<br />

entendemos por realismo a intenção do romancista de revelar,<br />

através da fi cção, a verdadeira natureza da sociedade que está<br />

retratando”. 48 Nesse caso, para voltar à formulação de Álvaro<br />

Lins, haveria entre Machado e Graciliano também uma identidade<br />

de sentimentos face à literatura.<br />

Mas por realismo não se deve entender uma pretensão<br />

ingênua de traduzir, em forma de texto, o real em sua integralidade.<br />

Um e outro eram “narradores conscientes” o<br />

bastante para saber, e declará-lo, que uma “página vale por<br />

meses” (Machado) e que, extraídas dos acontecimentos algumas<br />

parcelas, “o resto é bagaço” (Graciliano). Por mais que<br />

seja problemático defi nir o que seja realismo, e não tenho<br />

essa pretensão, intuímos todos o que isso quer dizer quando<br />

contrapomos a obra de ambos a alguns de seus contempo-<br />

41


âneos. No caso de Machado, percebemos todos que ele fala<br />

de uma realidade mais real do que aquela de Alencar e seus<br />

gaúchos, sertanejos e índios decalcados de cavalheiros europeus;<br />

no caso de Graciliano, que seus pobres diabos têm<br />

bem mais carne e osso do que os pescadores de Jorge Amado<br />

derramando dores de amor como se estivessem recitando<br />

Castro Alves em um sarau burguês. Machado e Graciliano,<br />

malgrado suas diferenças — que não são pequenas —, são<br />

um e outro imensos escritores cuja leitura nos ensina muita<br />

coisa sobre essa mistura de chanchada e esperança chamada<br />

Brasil. Se o leitor que me acompanhou até aqui está interessado<br />

nesse enigma, recomendo que troque uma das várias<br />

frivolidades que nos distraem nesse mundo entulhado de<br />

“cultura” pela leitura de ambos.<br />

<br />

Notas<br />

1 Mário de Andrade, “Machado de Assis”. In: Aspectos da Literatura Brasileira.<br />

São Paulo/Brasília: <strong>Martins</strong>/INL, p. 89, 1972.<br />

2 Citado por Zuenir Campos Reis, “Sinal de Menos”. In: Teresa — revista de<br />

literatura brasileira. São Paulo: USP/Editora 34, nº 2, p. 160, 2001.<br />

3 Citado por Dênis de Moraes, O Velho Graça. Rio de Janeiro: José Olympio,<br />

pp. 171-172, 1996.<br />

4 Idem, op. cit., p. 69.<br />

5 Graciliano Ramos, Linhas Tortas. Rio de Janeiro: Record, pp. 104-105, 1989.<br />

6 Dênis de Moraes, op. cit., p. 171.<br />

7 Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1977.<br />

8 Como exceção à regra, anote-se o estudo recente de Gledson, “Machado de<br />

Assis e Graciliano Ramos – Especulações sobre sexo e sexualidade”. In: Por<br />

um Novo Machado de Assis. São Paulo: Cia. das Letras, pp. 312-334, 2006.<br />

9 Tristão de Athayde, “Os Ramos de Graciliano”. In: Viventes das Alagoas.<br />

Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, p. 197, 1992.<br />

10 Agripino Grieco, “Graciliano Ramos — Caetés”. In: Sônia Brayner (org.),<br />

Graciliano Ramos — Seleção de Textos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira<br />

(Coleção Fortuna Crítica), p. 149, 1978.<br />

42 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


11 Álvaro Lins, “Valores e Misérias das Vidas Secas”. In: Graciliano Ramos,<br />

Vidas Secas. São Paulo: <strong>Martins</strong>, p. 13, 1974.<br />

12 Roger Bastide, “O mundo trágico de Graciliano Ramos”. In: Teresa, op.<br />

cit., p. 139.<br />

13 Manuel da Costa Pinto, “Os cárceres da linguagem”. In: Cult – Revista<br />

Brasileira de Literatura. São Paulo: ano IV, nº 42, p. 45.<br />

14 Marcelo Magalhães Bulhões, Literatura em Campo Minado. São Paulo:<br />

Annablume/FAPESP, p. 15, 1999.<br />

15 Idem, op. cit., p. 17.<br />

16 Informações e citações extraídas de Löwy, Rédemption et Utopie — Le judaïsme<br />

libertaire en Europe Centrale: une étude d´affi nité élective. Paris: Presses<br />

Universitaires de France, pp. 13-21, 1988. Citações traduzidas pelo autor.<br />

17 Álvaro Lins, op. cit., p. 13.<br />

18 Dênis de Moraes, op. cit., p. 39.<br />

19 Marta de Senna, O Olhar Oblíquo de Machado de Assis – Ensaios em<br />

torno de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 24, 1998.<br />

20 Sobre o externo que se torna interno, ver Antonio Candido, “Crítica e<br />

Sociologia”. In: Literatura e Sociedade. São Paulo: Editora Nacional, 1976.<br />

21 Roberto Schwarz, op. cit., pp. 13 e 14.<br />

22 Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo. São Paulo:<br />

Duas Cidades/Editora 34, pp. 29 e 18, respectivamente, 2000.<br />

23 Idem, op. cit., p. 32.<br />

24 Roberto Schwarz, Duas Meninas, São Paulo: Cia. das Letras, p. 13, 1997.<br />

25 Da mesma maneira que não passou despercebido de Silviano Santiago,<br />

na análise que faz do pouco confi ável Bentinho (“Retórica da Verossimilhança”.<br />

In: Uma Literatura nos Trópicos. São Paulo: Perspectiva/Secretaria<br />

da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, p. 42, 1978.<br />

26 Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras,<br />

pp. 158 e 155, respectivamente, 1995.<br />

27 Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Batatas, p. 17.<br />

28 Graciliano Ramos, Linhas Tortas, p. 41.<br />

29 Sérgio Buarque de Holanda, op. cit., p 165.<br />

30 Marcelo Magalhães Bulhões, op. cit., p. 96.<br />

31 Idem, op. cit., p. 156.<br />

43


32 Idem, op. cit., p. 161.<br />

33 Idem, op. cit., p. 30.<br />

34 Idem, op. cit., p. 86.<br />

35 Idem, ibidem.<br />

36 Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, p. 107.<br />

37 Roberto Schwarz, intervenção em “Machado de Assis: um debate”. In:<br />

Novos Estudos CEBRAP. São Paulo: nº 29, p. 63, março de 1991.<br />

38 Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, p. 104.<br />

39 Idem, op. cit., p. 105.<br />

40 Reinaldo Azevedo, “Graciliano, ou da piedade intransitiva”. In: Primeira<br />

Leitura, nº 13, p. 120, março de 2003.<br />

41 Silviano Santiago, op. cit., p. 32.<br />

42 Como, aliás, em nenhum protagonista de Machado. O <strong>Bruxo</strong> era de<br />

uma crueldade tão integral que dele nunca brotariam — em todo caso nunca<br />

brotaram — páginas tão cheias de piedade como aquelas em que o <strong>Rabugento</strong><br />

descreve a morte da cachorra Baleia; de um pessimismo tão radical<br />

que nunca escreveria uma página apesar de tudo tão prenhe de esperança<br />

como aquela última de Vidas Secas.<br />

43 Álvaro Lins, op. cit., p. 13.<br />

44 John Gledson, Machado de Assis: impostura e realismo. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, p. 17, 1991.<br />

45 Lúcia Miguel Pereira, Machado de Assis: estudo crítico e biográfi co. Belo<br />

Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Universidade de São Paulo, p. 123, 1988.<br />

46 Cit. por Roberto Schwarz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo, p. 59.<br />

47 Octavio de Faria, “Graciliano Ramos e o sentido do humano”. In: Graciliano<br />

Ramos, Infância. Rio de Janeiro: Record, p. 264, 1998.<br />

48 John Gledson, Machado de Assis: impostura e realismo, p. 13.<br />

<br />

44 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira


cip-brasil. catalogação-na-fonte<br />

sindicato nacional dos editores de livro, rj.<br />

048B<br />

Oliveira, José Luciano Góis de<br />

O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> : ensaios sobre<br />

Machado de Assis e Graciliano Ramos<br />

/ José Luciano Góis de Oliveira. - Rio de<br />

Janeiro : Vieira & Lent, 2010.<br />

160p.<br />

ISBN 978-85-88782-65-5<br />

1. Assis, Machado de, 1839-1908 - Crítica e<br />

interpretação. 2. Ramos, Graciliano, 1892-<br />

1953 - Crítica e interpretação. 3. Literatura<br />

brasileira - História e crítica. I. Título. II.<br />

Título: Ensaios sobre Machado de Assis e<br />

Graciliano Ramos.<br />

09-5291. CDD: 869.93<br />

CDU: 821.134.3(81-3<br />

06.10.09 13.10.09 015685


Este livro foi produzido no Rio de Janeiro, no<br />

verão de 2010, pela vieira & lent casa editorial.<br />

Editado conforme o Acordo Ortográfi co da Língua<br />

Portuguesa em vigor a partir de 2009. Composto<br />

em Minam Pro 11.5/11 sobre papel offset 90 gr/m2 e cartão 250 gr/m2 . Impresso nas oficinas gráficas<br />

da Vozes.

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