O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
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Na fi gura de Julião Tavares concentra-se o “ódio ao burguês”<br />
e ao “bacharelismo da linguagem” 31 de que ele se vale<br />
para pontifi car nos serões suburbanos de Maceió, onde vai<br />
procurar moças pobres para seduzir. Retomo, aqui, a refl exão<br />
de Marcelo Bulhões sobre a dimensão metalinguística<br />
da obra de Graciliano: “Trata-se de uma atitude desmistifi -<br />
cadora da linguagem estereotipada, beletrista, vinculada ao<br />
movimento ideológico que consiste em substituir a realidade<br />
dos fatos vivos por uma apoteose verbal.” 32 Essa tensão entre<br />
realidade real e realidade apoteótica fi ca mais do que nunca<br />
clara em Caetés, romance de estreia de Graciliano, geralmente<br />
considerado um livro menor na sua obra e, muito injustamente,<br />
repudiado pelo próprio autor — que, aliás, num exercício<br />
de autopunição ou, quem sabe, excessiva vaidade, compraziase<br />
em depreciar o próprio valor literário.<br />
Como se sabe, o romance conta a história de João Valério<br />
— certamente um alter ego de Graciliano — e sua tentativa,<br />
infrutífera, de escrever um romance que teria o mesmo título<br />
do livro que o narrador acaba escrevendo. As implicações metalinguísticas<br />
são evidentes:<br />
João Valério é o narrador de Caetés de Graciliano e<br />
ao mesmo tempo autor de um romance cujo título<br />
é certamente o mesmo. Desse modo, João Valério<br />
inscreve-se no espaço de cruzamento entre duas<br />
linguagens opostas. O discurso narrativo de Caetés<br />
de Graciliano é a própria ‘fala’ de João Valério. Entretanto,<br />
quando Valério se põe a narrar sua aventura<br />
de escritor e quando se põe a ‘escrever’ seu livro,<br />
este mantém com o livro de Graciliano, do qual é<br />
narrador, uma evidente oposição no plano estilístico<br />
e na própria matéria narrada. 33<br />
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