O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
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Conheci esse monstro numa festa de arte no Instituto<br />
Histórico. De quando em quando um cidadão se levantava<br />
e lia uma composição literária. [...] Pelo meio<br />
da função um sujeito gordo assaltou a tribuna e gritou<br />
um discurso furioso e patriótico. Citou os coqueiros,<br />
as praias, o céu azul, os canais e outras preciosidades<br />
alagoanas [...]. Conversa vai, conversa vem, fi quei sabendo<br />
por alto a vida, o nome e as intenções do homem.<br />
Família rica. Tavares & Cia., negociantes de secos<br />
e molhados, donos de prédios, membros infl uentes<br />
da Associação Comercial, eram uns ratos.<br />
Aqui, o “eu lírico” que Graciliano se põe a exercitar é contra<br />
todas as classes — no limite, contra a humanidade inteira —,<br />
não havendo a identifi cação, que Schwarz detecta em Machado,<br />
com a classe dominante, até pelo fato de Luís da Silva não<br />
passar de um funcionário subalterno. Em São Bernardo, ao<br />
invés, há sim essa identifi cação: Paulo Honório representando<br />
com brio o lado mais brutal da dominação classista como ela<br />
se dá entre nós, aquela que se exerce às escâncaras nos nossos<br />
grotões rurais. Já se falou de São Bernardo como “um Dom<br />
Casmurro ruralizado”. 40 Concordo com o insight e aqui invisto<br />
nele. Em primeiro lugar, ambos os livros têm num ciúme doentio<br />
e em suas consequências o núcleo dramático em torno<br />
do qual se constrói a narrativa. Uma comparação de caráter<br />
anedótico, entretanto, traria uma objeção inicial: Madalena, a<br />
Capitu de São Bernardo, vítima de Paulo Honório, seu Bento<br />
Santiago, é comprovadamente inocente. Uma maneira de superar<br />
a oposição é observar, como o fez Silviano Santiago, que<br />
“os críticos [estão] interessados em buscar a verdade sobre<br />
Capitu, ou a impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu,<br />
quando a única verdade a ser buscada é a de Dom Casmurro”.<br />
41 Noutros termos, a afi nidade que vejo existir entre os dois<br />
livros desloca seu enfoque da trama e privilegia seus narradores.<br />
E é aí, nos “exercícios de abjeção” que ambos promovem,<br />
que reside a meu ver sua similitude mais interessante.<br />
36 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira