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O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

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Lembro-me de um cego que me puxava as orelhas<br />

e da velha Margarida, que vendia doces. O cego<br />

desapareceu. A velha Margarida mora aqui em S.<br />

Bernardo, numa casinha limpa, e ninguém a incomoda.<br />

Custa-me dez mil-réis por semana, quantia<br />

sufi ciente para compensar o bocado que me deu.<br />

Malgrado isso, existem restos de humanidade em Paulo<br />

Honório de que não se vê fi apo em Bentinho. 42 Já não direi do<br />

tratamento que ele dá à morte de Capitu: “creio que ainda não<br />

disse que estava morta e enterrada. Estava; lá repousa na velha<br />

Suíça” — e só. Isso dito assim, desleixadamente, como se fosse<br />

a irrupção de um parêntese incômodo. Não argumentarei com<br />

esse gélido “assassinato” porque, afi nal, Bentinho crê — ou quer<br />

crer — na sua traição. O pior vem depois. Filho adulterino ou<br />

não, Ezequiel, nascido de suas núpcias, morre de uma febre<br />

tifoide nos arredores de Jerusalém e os amigos mandam o desenho<br />

da sepultura junto com um resto de dinheiro que ele<br />

levava. Comentário do presumido pai: “pagaria o triplo para<br />

não tornar a vê-lo.” E, um parágrafo depois, esse acréscimo<br />

dispensável e, por isso, odioso: “Apesar de tudo, jantei bem e<br />

fui ao teatro.” Paulo Honório, incapaz de amar, também não<br />

quer bem ao fi lho que teve com Madalena. Ao fi m do livro, só<br />

e insone, tenta repousar a cabeça na mesa onde escreve, sem<br />

nenhuma benevolência: “É horrível! Se aparecesse alguém...<br />

Estão todos dormindo. Se ao menos a criança chorasse... Nem<br />

sequer tenho amizade a meu fi lho. Que miséria!”<br />

Também não há amor nesse desfecho. Mas aí, pelo menos,<br />

há sofrimento.<br />

<br />

Deixemos em paz esses infelizes. Suas diferenças poderiam<br />

nos levar a investir nas próprias diferenças entre as duas fi guras<br />

humanas que os engendraram, quando a intenção deste<br />

texto é a de sobrelevar suas afi nidades. Essas, como disse, se<br />

constroem a posteriori e até malgrado os autores afi ns, mas<br />

não é uma construção arbitrária. Ela não nasce “da infl uência<br />

38 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira

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