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O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

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explica algumas das vias por meio das quais aproxima dois<br />

escritores na aparência tão divergentes.<br />

Depois de muito debruçar-se sobre a obra do <strong>Bruxo</strong> do<br />

Cosme Velho e a do <strong>Rabugento</strong> de Palmeira dos Índios, eis<br />

que um dia se dá conta de que obscuras linhas convergentes<br />

aproximam autores tão, na aparência, canonicamente separados.<br />

E o que mais surpreende é o fato de empenhar-se na tarefa<br />

de extrair ou trazer à luz a componente de humor subtraída<br />

das leituras correntes de Graciliano Ramos. Talvez a <strong>primeira</strong><br />

pista que lhe tenha ocorrido se prenda à fi gura sórdida de Julião<br />

Tavares. Julião, bem sabem os leitores do velho Graça, é o<br />

sedutor vulgar que fi nda por subtrair Marina das garras devaneantes<br />

de Luís da Silva, o atormentado narrador de Angústia,<br />

tão exasperado e corrosivo quanto o protagonista de Notas do<br />

Subsolo, de Dostoiévski.<br />

Com seu olhar clinicamente cômico, também por vezes cinicamente<br />

cômico, imagino Luciano relendo Angústia dentro<br />

de uma certa manhã ensolarada de Recife. De repente, uma<br />

luz insofreável rebrilha no centro do seu olhar matreiro. Eis<br />

que defronta Julião Tavares, com as pernas entrançadas sob<br />

a cadeira, vertendo disparates sobre as grandezas ilusórias de<br />

Maceió. O tom aparente do narrador – Luís da Silva, evidentemente<br />

– é de pura e áspera rabugice. Muitos leitores decerto<br />

atravessaram essa passagem retendo sua percepção na linha<br />

crua da entonação ácida que percorre o conjunto da narrativa.<br />

Talvez tenham ido além, talvez tenham fi gurado na persona<br />

de Luís da Silva uma projeção da rabugice do próprio<br />

autor reiteradamente enfatizada em testemunhos e anedotas<br />

de contemporâneos e críticos demasiado aderentes às chaves<br />

biográfi cas da obra literária.<br />

Em mais de uma passagem do seu livro Luciano argumenta<br />

com propriedade em defesa de linhas convergentes<br />

observáveis na obra de Machado de Assis e na de Graciliano<br />

Ramos. Sua argumentação é sólida e ademais necessária, já<br />

que é sabida a resistência do segundo à obra e antes de tudo<br />

à biografi a do primeiro. Diria que esta contamina a aprecia-<br />

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