O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
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O funcionário mencionado era por desgraça um literato.<br />
Os literatos da roça fazem de ordinário sonetos,<br />
acrósticos, discursos, dramas, onde se juntam<br />
palavras bonitas e inofensivas, pedaços da Revolução<br />
Francesa, Tiradentes e Iracema.<br />
A descrição, por sua vez, cai como uma luva na refl exão de<br />
João Valério (Caetés) quando este, num daqueles serões típicos<br />
do interior brasileiro dos anos 1920, entra numa discussão<br />
com o indefectível vigário local a respeito da grandeza de Augusto<br />
Comte, arriscando um blefe — ou, como o Velho Graça<br />
escreveria, um bluff :<br />
Declarei que aquele senhor era, não obstante, um<br />
inspirado poeta, e logo me arrependi de ter falado.<br />
Sei realmente, sem nenhuma sombra de dúvida,<br />
que Augusto Comte foi grande, mas ignoro que espécie<br />
de grandeza era a dele. Depois serenei, porque<br />
ninguém ali [...] compreendia um disparate.<br />
E eis como Luís da Silva, o pequeno funcionário ressentido<br />
e pobre — mas sonhando com grandeza literária —, destila em<br />
Angústia seu ódio ao “caráter bacharelesco” 30 de Julião Tavares,<br />
o burguês gordo, vermelho e falador que termina seduzindo<br />
e abandonando Marina, a vizinha pobre com quem Luís<br />
pretendia casar:<br />
O que não achava certo era ouvir Julião Tavares todos<br />
os dias afi rmar, em linguagem pulha, que o Brasil<br />
é um mundo, os poetas alagoanos uns poetas enormes<br />
e Tavares pai, chefe da fi rma Tavares & Cia., um<br />
talento notável, porque juntou dinheiro. Essas coisas<br />
a gente diz no jornal, e nenhuma pessoa medianamente<br />
sensata liga importância a elas. Mas na sala de<br />
jantar, fumando, de perna trançada, é falta de vergonha.<br />
Francamente, é falta de vergonha.<br />
32 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira