O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
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A oposição deriva do fato de que, enquanto Graciliano,<br />
João Valério escreve uma prosa limpa, clara e contundente;<br />
mas enquanto autor do livro dentro do livro, põe-se a buscar<br />
“belos efeitos”, inclusive um vocabulário desconhecido, “na<br />
intenção de impressionar o leitor”. 34 O próprio narrador faz<br />
a confi ssão: “O meu fi to era empregar uma palavra de efeito:<br />
tibicoara. Se alguém me lesse, pensaria talvez que entendo de<br />
tupi, e isso me seria agradável.” 35 Vê-se aqui, em ato, a “linguagem<br />
pulha” de Julião Tavares, servindo a fi ns de empulhação...<br />
Não é de admirar, assim, que João Valério — vale dizer, Graciliano<br />
— não consiga levar adiante o livro que “João Valério”<br />
tenta escrever. Nesse fracasso reside a sutil dimensão metalinguística<br />
de Caetés, e, no fi m das contas, a alta qualidade desse<br />
livro que precisa ser reavaliado — para cima! Juntando-se os<br />
dois fi os desse percurso, a “apoteose verbal” dos burgueses de<br />
província de Graciliano entrelaça-se com a “bela cultura” dos<br />
ociosos senhores de Machado. As afi nidades podem não ser<br />
eletivas, mas que há, há! Para além da empulhação, porém, há<br />
mais grave, aquilo que Schwarz chama de “exercício de abjeção”.<br />
Em Um Mestre na Periferia do Capitalismo, que é de 1990,<br />
Schwarz refere-se um tanto de passagem ao “abjeto humor de<br />
classe praticado por Brás”. 36 No ano seguinte, em um debate a<br />
propósito do livro, ele teoriza o tema: o dissimulado Machado,<br />
“ao invés de [...] falar em nome próprio, com lirismo ou<br />
refl exões sinceras, [identifi cou] o seu ‘eu lírico’ com o lado mais<br />
abjeto da classe dominante. [Ele] faz, por assim dizer, exercícios<br />
de abjeção”. 37 Schwarz ilustra isso comentando os episódios em<br />
que Brás Cubas, já maduro, reencontra, respectivamente, seu<br />
antigo mestre-escola, Ludgero Barata — “um nome funesto” — ,<br />
e seu antigo colega Quincas Borba — um “náufrago da existência”<br />
—, ambos agora reduzidos à miséria:<br />
O mestre-escola a quem Brás deve as <strong>primeira</strong>s letras<br />
havia ensinado meninos ‘durante vinte e três<br />
anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casinha<br />
da rua do Piolho’. Ao morrer, ninguém — ‘nem<br />
34 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira