O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
—, praticada por ambos. Segundo Marta de Senna, um dos<br />
elementos constitutivos da arte contemporânea seria aquilo<br />
que a crítica de tradição anglo-americana chama de “narrativa<br />
autoconsciente”:<br />
Ao invés de obliterar o material de que é feita, como<br />
o faz a arte bem comportada, a arte contemporânea,<br />
confi rmando uma estratégia já ensaiada por Michelangelo<br />
e Rembrandt (para citar somente dois expoentes),<br />
exibe-o na sua contundência, que perfura a<br />
ilusão de realidade, valorizando o fazer e a concretude<br />
do sistema sígnico que utiliza. 19<br />
Nesse sentido, mesmo não sendo propriamente modernistas,<br />
Machado e Graciliano seriam moderníssimos! A “narrativa<br />
autoconsciente” é, nos dois, uma constante no corpus<br />
romanesco de suas obras. Em três dos cinco livros da segunda<br />
fase de Machado — Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom<br />
Casmurro e Memorial de Ayres —, e, no caso de Graciliano,<br />
com a única exceção de Vidas Secas, em todos os outros livros<br />
— Caetés, São Bernardo, Angústia, Infância e Memórias<br />
do Cárcere — existe um narrador não onisciente à maneira do<br />
século XIX, mas consciente — o que é algo bem diverso — à<br />
maneira do século XX, conduzindo a narrativa; e ela própria<br />
torna-se matéria para refl exão. Em dois deles, por sinal (Caetés<br />
de Graciliano, Dom Casmurro de Machado), os narradores<br />
João Valério e Bentinho tentam, debalde, escrever outros livros.<br />
Para não me alongar desnecessariamente, não insistirei<br />
sobre outros exemplos atestando a problematização da própria<br />
escritura nos dois autores, bastando, para fi xar esse ponto,<br />
lembrar o clima de paródia e gozação que se instala logo<br />
nas <strong>primeira</strong>s linhas de Brás Cubas — no qual um “defunto<br />
autor” se propõe a contar sua história começando-a pelo fi m,<br />
estabelecendo assim uma “diferença radical entre este livro e<br />
o Pentateuco” —, e a metalinguagem explícita com que Graciliano<br />
abre espetacularmente o São Bernardo, informando<br />
27