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O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

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Os dados da biografi a, é fato, não autorizam desmentir a imagem<br />

do burguês acomodado no “funcionarismo garantido” de<br />

que fala Mário de Andrade num texto célebre em que não esconde<br />

seu desamor por Machado! 1 É verdade, porém, que isso<br />

não tem importância. Afi nal, como lembrou certa vez George<br />

Steiner, “enquanto o policial ou o censor interroga o escritor,<br />

o crítico interroga apenas o livro”. 2<br />

Como quer que seja, do ponto de vista das histórias de vida<br />

há, sim, um abismo entre ele e Graciliano Ramos, o incorrigível<br />

rabugento que mais de uma vez externou o desejo de que<br />

Alagoas, seu estado natal, afundasse no oceano — o que faria<br />

o Brasil ganhar um golfo! —; o comunista que amargou 11<br />

meses de prisão nos cárceres imundos do Estado Novo de Getúlio<br />

Vargas; o sujeito que não escondia o “ódio ao burguês”;<br />

o escritor engajado responsável por uma das obras mais pungentes<br />

sobre a desgraça social do país, o romance Vidas Secas.<br />

Graciliano, aliás, que em mais de uma ocasião, fazendo coro<br />

com os críticos do Machado acomodado, externou a opinião<br />

então partilhada pelo senso comum:<br />

O que mais me distancia de Machado de Assis é o seu<br />

medo de defi nir-se, a ausência completa da coragem<br />

de uma atitude. O escritor tem o dever de refl etir<br />

sua época e iluminá-la ao mesmo tempo. Machado<br />

não foi assim. Trabalhando a língua como nenhum,<br />

poderia ter feito uma obra transitável às ideias. 3<br />

Numa palavra, o <strong>Rabugento</strong> não gostava do <strong>Bruxo</strong>. Chegou<br />

mesmo, por vezes, a referir-se a ele em termos depreciativos<br />

que uma leitura retrospectiva classifi caria hoje de simplesmente<br />

racista! A conhecida anglofi lia machadiana, por<br />

exemplo, irá fornecer-lhe o mote para um lamentável vitupério<br />

— é bem verdade que em conversa livre, descompromissada<br />

de maior rigor, registrada pelo amigo Aurélio Buarque de<br />

Holanda: “Negro burro, metido a inglês, a fazer umas gracinhas<br />

chochas, pensando que tem humor! Não vale nada, uma<br />

20 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira

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