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O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

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Paulo Honório não é nenhum “fi lhinho da mamãe” mofi no<br />

e cheio de dedos como Bentinho. Na sua própria descrição, o<br />

dono de São Bernardo tem “um nariz enorme, uma boca enorme,<br />

dedos enormes”. Sua linguagem, diferentemente do feltro<br />

de Bento Santiago, não alisa. Se este, para descrever a subserviência<br />

do agregado da mãe, informa com aquela graça toda<br />

machadiana que ele “sabia opinar obedecendo”, aquele, mais<br />

próximo da zoologia, informa de um dos seus que ele “parecia<br />

um cágado”. No processo de composição do texto, os “narradores<br />

conscientes”, que são um e outro, não têm a mesma delicadeza.<br />

Se Bentinho anuncia que “esta página vale por meses,<br />

outras valerão por anos, e assim chegaremos ao fi m”. Honório,<br />

mais próximo da agricultura, diz como funciona sua economia:<br />

“extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço.”<br />

O processo de absorção dos respectivos agregados também<br />

apresenta diferenças signifi cativas. É assim que José Dias é incorporado<br />

à casa de D. Glória, depois que esta enviúva:<br />

Quando meu pai morreu, a dor que o pungiu foi<br />

enorme [...]. Minha mãe fi cou-lhe muito grata, e não<br />

consentiu que ele deixasse o quarto da chácara; ao<br />

sétimo dia, depois da missa, ele foi despedir-se dela.<br />

— Fique, José Dias.<br />

— Obedeço, minha senhora.<br />

Teve um pequeno legado no testamento, uma apólice<br />

e quatro palavras de louvor. Copiou as palavras,<br />

encaixilhou-as e pendurou-as no quarto, por cima<br />

da cama. ‘Esta é a melhor apólice’, dizia ele muita vez.<br />

Será necessário lembrar que o pobre do José Dias na verdade<br />

não tinha para onde ir? Que a dignidade em aceitar a<br />

proposta de D. Glória é mais um pequeno episódio da “comédia<br />

ideológica” de que fala Schwarz? Com Paulo Honório essa<br />

sutileza não existe, a miséria é grande, escancarada e ele não<br />

precisa salvar as aparências para preservar qualquer resto de<br />

dignidade — mesmo fi ngida — da velha Margarida:<br />

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