17.04.2013 Views

O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

O Bruxo e o Rabugento primeira parte.indd - Livraria Martins Fontes

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

guda” de Machado deve-se sua “visão da sociedade na qual se<br />

criou, na qual teve muito sucesso profi ssional, mas que — em<br />

um nível que só encontra expressão em suas maiores obras —<br />

talvez detestasse”. 44 É possível. Bem possível. Machado foi na<br />

infância um mulatinho pobre que chegou a vender doces na<br />

rua, feitos pela madrasta, Maria Inês, para viver. Sua ascensão<br />

social foi impressionante, por mérito próprio, à custa de muito<br />

esforço e trabalho, mas também do rompimento com o lado<br />

paupérrimo de suas origens, que deixou defi nitivamente para<br />

trás assim que se arranjou na vida. Maria Inês — doceira, mulata,<br />

analfabeta — foi praticamente abandonada no subúrbio<br />

onde morava e nunca chegou sequer a ser apresentada à esposa<br />

portuguesa, branca e instruída de Machado. Sem pretender<br />

fazer psicanálise óbvia, o <strong>Bruxo</strong> reprimiu esse lado escuro da<br />

sua vida. E ainda sem querer resvalar na obviedade psicanalítica,<br />

parece que mais tarde ele foi alcançado pelo “retorno do<br />

reprimido”. É o que especula Lúcia Miguel Pereira, na biografi<br />

a que lhe dedicou:<br />

No momento, essa separação fria e voluntária não o<br />

parece ter feito sofrer; mas causou-lhe um mal-estar<br />

íntimo, um remorso subterrâneo que explodirá, depois<br />

de longo trabalho interior, em A Mão e a Luva,<br />

em Helena, em Iaiá Garcia, na Casa Velha [...], todos<br />

girando em torno do problema da hierarquia social,<br />

do direito, para o indivíduo, de mudar de classe, da<br />

luta entre a ambição e o sentimento. 45<br />

E a partir de Brás Cubas, como se sabe, o <strong>Bruxo</strong> iria abrir<br />

a porteira por onde passaria, agora sem peias, uma obra literária<br />

tão corrosiva e de um cinismo tão incrivelmente explícito<br />

que chega a causar espécie que seu autor, ao contrário<br />

de se tornar um maldito, tenha se tornado um ícone saudado<br />

no seu enterro por Ruy Barbosa e outras glórias da época. A<br />

explicação mais corrente, a de que ele não foi corretamente<br />

entendido, parece verossímil. Tanto mais que, tendo-a escrito<br />

40 • O <strong>Bruxo</strong> e o <strong>Rabugento</strong> • Luciano Oliveira

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!