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Nesse sentido, sem deixar de confessar-se católico, o pensamento<br />
de Mário de Andrade aspira ser, a um só tempo, mais cristão e mais pluralista,<br />
face ao modelo de cristandade herdado da Europa.<br />
Crítica do idealismo<br />
Em certa medida, este núcleo conceptivo já se acha entranhado no<br />
anterior. Com efeito, a julgar pelas notas, a primazia conferida por Mitos<br />
à cristandade ocidental — em particular à Idade Média — como modelo<br />
trans-histórico de civilização cristã se apoia em um pensamento generalizador<br />
que recusa o enfrentamento acurado dos fatos para confirmar<br />
ideias e ideais já supostos. Referindo-se à parte da obra consagrada aos<br />
“contramitos”, o leitor assim o registra, na nota 26:<br />
De resto, o mal demagógico infelizmente revestido de Cristianismo,<br />
ou simplesmente de Filosofia, de toda a pregação idealista desta parte,<br />
é que o A. não enxerga o homem, mas sonha com o Homo. E o que<br />
é mais idílico, mas apenas idílico, um Homo dotado de historicidade,<br />
um sonho do Homo pré-renascente, pré-rafaelista, ao mesmo tempo<br />
que esquece toda a história do homem anterior a Cristo e posterior à<br />
Civilização Cristã. Nunca o A. abusou tanto da verdade e da filosofia<br />
pra criar um sonho não apenas improvável: absolutamente vão.<br />
Assim, ao idealizar a cristandade medieval, o autor de Mitos incorreria,<br />
segundo seu crítico, em um duplo equívoco: o de ignorar os limites<br />
históricos da própria cristandade e o de desconsiderar as possibilidades<br />
humanizadoras das demais civilizações “anteriores a Cristo e posteriores<br />
à Civilização Cristã”, entre as quais estaria a própria civilização<br />
brasileira, ainda em gérmen, para cuja consolidação histórica Mário de<br />
Andrade dedicou sua vida e sua obra, trabalhando, sobretudo, em campo<br />
cultural e estético.<br />
Noutro momento, essa atitude generalizadora é reconhecida por<br />
Mário como traço definidor da personalidade intelectual de Alceu, a contrastar<br />
com a sua própria:<br />
[...] eu como todos os sutis decadentes tendo necessariamente a<br />
distinguir, a ser um analítico, e você como todos os ditadores, condutores<br />
etc. tende necessariamente a englobar e a ser sintético.<br />
Eu vejo na síntese, não uma imbecilidade, mas certamente uma<br />
primaridade que sob o ponto-de-vista da realidade é falso. Você vê<br />
revista ieb n49 2009 mar/set p. x-xx