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Embora invoque aqui o doutor da Igreja, em posições como esta o pensamento<br />
de Mário de Andrade já mostra franca convergência com as<br />
grandes linhas do materialismo histórico marxista, cuja reiterada defesa<br />
— em nível, sobretudo, político — constitui, justamente, um dos núcleos<br />
conceptivos das notas, como se verá a seguir.<br />
Na nota 27, outra vez em campo histórico, como o autor pondere<br />
que “existe um semitismo tão racista como o germânico e tão místico,<br />
como o antissemitismo”, o comentarista exclama:<br />
Oh, meu Deus! Mas que generalização malvada! E sectária! Não<br />
nego um semitismo, mas o A. nega toda a história nesta igualação,<br />
palavra-de-honra, desavergonhada! Mas a Idade Média é uma espécie<br />
de ideal para o A., como lembrar os guetos?<br />
Em suma, na nota conclusiva, Mário de Andrade assim resume<br />
a limitação de fundo contida na atitude de Alceu: “O autor avisa e sabe<br />
que uma civilização nova está nascendo. E, idealistamente, não cuida<br />
de orientá-la, a nega.” Residiria aí aquela “falta de fecundidade terrestre<br />
e social” que, na mesma nota, o leitor atribui ao pensamento do escritor<br />
católico, como veremos mais adiante.<br />
Defesa do comunismo<br />
Sua forte sensibilidade social, a índole confessadamente “analítica”,<br />
voltada para o exame atento dos fatos e de suas causas, e a tendência<br />
particularmente “socializante” dos anos que se seguiram à Revolução de<br />
1930 fizeram com que Mário de Andrade acabasse se inclinando ao marxismo<br />
e, mesmo, simpatizasse com o comunismo soviético, ao qual só<br />
não aderiu formalmente, como confessa na citada carta de 1943 a Alceu,<br />
por medo de inutilizar-se “num qualquer tiro de esquina” 17 .<br />
Esse veio socializante (que já repontara no jovem poeta de “Há<br />
uma gota de sangue em cada poema”) acabou por fomentar em sua obra<br />
uma importante viragem paradigmática, a partir da qual um mais amplo<br />
e humano interesse artístico passa a prevalecer sobre o desinteresse<br />
estético e a suplantar qualquer resquício formalista de “arte pela arte”.<br />
A ideia de “interesse artístico” reconhece que, embora moldada em linguagem<br />
estética e destinada à fruição estética, a arte é — como tudo o<br />
que pertence ao homem — movida originariamente por paixões e ideais<br />
humanos e, como tal, também deve ser considerada. Assim, chega a ser<br />
17 Apud FERNANDES, Lygia (Org.), op. cit., p. 30.<br />
revista ieb n49 2009 mar/set p. x-xx