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PENSANDO A RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NA ... - CCE

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<strong>PENSANDO</strong> A <strong>RELAÇÃO</strong> <strong>TEORIA</strong> E <strong>PRÁTICA</strong> <strong>NA</strong> FORMAÇÃO DOCENTE<br />

Julma D. Vilarinho Pereira BORELLI<br />

UNIFAN/UFG<br />

Resumo: O presente trabalho constitui parte de uma pesquisa interpretativista<br />

desenvolvida com quatro professoras de inglês de uma escola da rede privada da cidade<br />

de Goiânia. Nosso principal objetivo é promover uma discussão sobre a relação teoria e<br />

prática na formação docente. Para isso, retomamos três formas de abordar esta relação:<br />

a ideal-racionalista, a pragmático-utilitarista e a dialética, para, ao final, apresentar a<br />

concepção adotada neste estudo e que orienta a nossa análise. Além disso, apresentamos<br />

alguns dados que nos mostram não apenas a concepção das participantes sobre o<br />

assunto em questão, mas também a reelaboração de alguns conceitos, que se torna<br />

possível por meio da reflexão colaborativa. Ao propor tal discussão, esperamos<br />

contribuir para uma reflexão sobre a valorização dos diferentes tipos de conhecimento<br />

que atuam no desenvolvimento do profissional docente.<br />

Palavras-chave: formação de professores; reflexão; teoria e prática.<br />

Introdução<br />

A pesquisa universitária na área da educação e a prática do ofício de professor não são<br />

regidas pela relação entre teoria e prática, pois ambas são portadoras e produtoras de<br />

práticas e de saberes, de teorias e de ações, e ambas comprometem os atores, seus<br />

conhecimentos e suas subjetividades. Nessa perspectiva, a relação entre a pesquisa<br />

universitária e o trabalho docente nunca é uma relação entre uma teoria e uma prática, mas<br />

uma relação entre atores, entre sujeitos cujas práticas são portadoras de saberes.<br />

Maurice Tardif<br />

Os estudos na área de formação de professores têm apontado para uma crescente<br />

valorização do saber docente. Este profissional que já teve sua prática ditada por<br />

pesquisadores e estudiosos, hoje se aproxima de um estágio em que a construção do<br />

conhecimento sobre ensino parte de seus saberes e de sua experiência. Tal mudança<br />

implica em uma valorização deste profissional que começa a se afastar do papel de<br />

aplicador de teorias para assumir um status de quem também produz conhecimento.<br />

Este artigo apresenta parte de um estudo realizado com quatro professoras de<br />

inglês, no qual a reflexão colaborativa foi adotada como proposta de desenvolvimento<br />

profissional. Tendo em vista um dos princípios que fundamentou o estudo, o da<br />

valorização do conhecimento acadêmico e do conhecimento pessoal do professor,<br />

apresentamos uma discussão acerca da relação teoria e prática neste contexto de<br />

formação. Assim, a pergunta que orienta nossa investigação é a seguinte:<br />

Como as participantes vêem a relação entre teoria e prática em seu fazer<br />

diário?<br />

Para abordar esta questão, iniciamos com uma retomada de como a relação entre<br />

teoria e prática tem sido vista por alguns estudiosos. Em seguida, apresentamos uma<br />

diferenciação entre as teorias acadêmica e pessoal e explicitamos como esses conceitos


são vistos neste estudo. Por fim, apresentamos nossas considerações a partir da<br />

discussão e análise dos dados, fazendo uma retomada de como esta relação é proposta<br />

na perspectiva da formação reflexiva.<br />

1. O estudo<br />

Este artigo é parte de um estudo interpretativista (Erickson, 1986) intitulado<br />

“Reflexão colaborativa sobre teoria e prática: uma experiência de formação com quatro<br />

professoras de inglês”, que foi desenvolvida em uma escola da rede privada da cidade<br />

de Goiânia. Na ocasião da pesquisa, as participantes, que serão identificadas como<br />

Eduarda, Patrícia, Cláudia e Suzana, atuavam no ensino infantil e primeira fase do<br />

ensino fundamental. Neste estudo, as participantes e a pesquisadora formaram um grupo<br />

de reflexão colaborativa que, durante um período de seis meses, manteve encontros<br />

quinzenais, perfazendo um total de treze sessões reflexivas. Nos encontros, a reflexão<br />

foi estimulada por dois principais instrumentos: a leitura de textos e a discussão sobre<br />

aulas das participantes, que eram assistidas pelo grupo. Todas as sessões reflexivas<br />

foram gravadas em áudio dando origem aos dados primários deste estudo. O Quadro 1 (<br />

ver Anexo) apresenta a organização dos encontros realizados e o tema abordado em<br />

cada um deles.<br />

2. Algumas visões acerca da relação teoria e prática<br />

Além do fato de que, por um longo tempo, o trabalho do professor e do<br />

pesquisador foram vistos como algo sistematicamente independente, outros fatores<br />

também colaboraram para a manutenção da separação entre teoria e prática. Segundo<br />

Gamboa (2003), historicamente, teoria e prática têm sido objeto de diferentes<br />

interpretações. Exemplificando, o autor apresenta duas concepções que ilustram a<br />

possibilidade de relacionar esses conceitos, uma delas buscando a união e a outra<br />

enfatizando o conflito entre eles.<br />

Gamboa (2003) esclarece que, dentre as abordagens que propõem a união entre<br />

teoria e prática, há aquelas que enfatizam o papel da teoria, de acordo com as<br />

abordagens ideal-racionalistas. Retomando as palavras do autor, “nessas abordagens a<br />

teoria tem primazia já que os conjuntos de conceitos e representações são formados<br />

independentemente da prática dos homens. A prática vem a ser a projeção e extensão<br />

das idéias” (Gamboa, 2003, p. 124).<br />

Por outro lado, há as concepções que priorizam a prática, defendendo-a como<br />

critério de validação das teorias. Nessa linha, estão as abordagens pragmáticoutilitaristas,<br />

que tem como um de seus representantes John Dewey. Segundo os<br />

autores que adotavam essa perspectiva, “a prática experimental é o único critério da<br />

verdade científica e a teoria forma-se com base nos resultados eficazes da açãohumana”<br />

(Gamboa, 2003, p. 124). Independentemente da ênfase dada por cada<br />

abordagem apresentada anteriormente, o intuito de ambas consiste em aproximar teoria<br />

e prática.<br />

Uma outra proposta pode ser encontrada na concepção dialética que,<br />

diferentemente das anteriores, não considera a relação entre teoria e prática como uma<br />

tentativa de ajuste ou adequação de uma à outra, mas como um conflito ou tensão entre<br />

211


elas. Gamboa (2003, p. 125) acrescenta que, para que possamos compreender a interrelação<br />

proposta por essa concepção, é preciso, primeiramente, reconhecer a unidade<br />

dos termos:<br />

Nesse sentido não é possível conceber a teoria separada da prática. É a relação com a prática que<br />

inaugura a existência de uma teoria; não pode existir uma teoria solta. Ela existe como teoria de<br />

uma prática. A prática existe, logicamente, como a prática de uma dada teoria. É a própria<br />

relação entre elas que possibilita sua existência.<br />

Gamboa (2003) sugere que o termo “práxis” pode esclarecer essa relação de<br />

tensão, já que estamos tratando de termos integrantes. Ao procurar entender melhor o<br />

conceito de práxis, encontramos a reflexão de Marx (apud Pimenta, 2002, p. 86), para<br />

quem “práxis é a atitude (teórico-prática) humana de transformação da natureza e da<br />

sociedade. Não basta conhecer e interpretar o mundo (teórico), é preciso transformá-lo<br />

(práxis)”. Assim, teríamos um termo que subentende a junção desses dois elementos em<br />

questão.<br />

Concluindo, o autor ressalta que as pesquisas que adotam as concepções idealracionalistas<br />

ou pragmático-utilitaristas partem da polarização entre teoria e prática, o<br />

que dificulta a inter-relação desses conceitos. Para Gamboa (2003, p. 126),<br />

a contribuição das pesquisas como forma de compreender a realidade dos educadores que<br />

atuam nos sistemas escolares realiza-se na medida em que o circuito do conhecimento<br />

volta-se sobre essa realidade. Isto é, deve ser uma compreensão para a ação transformadora<br />

das condições reais.<br />

Após retomarmos algumas possíveis visões sobre a relação entre teoria e prática,<br />

apresentamos a seguir como esses conceitos são utilizados neste estudo.<br />

3. Diferentes teorias, diferentes relações com a prática<br />

Tratar da relação entre teoria e prática no contexto da formação de professores é<br />

algo complexo e que requer alguns cuidados. Por isso, já que optamos por abordar tal<br />

discussão, é importante que nos posicionemos e explicitemos nosso ponto de vista<br />

acerca desses conceitos e de sua importância no contexto da formação de professores.<br />

Após leituras e em comunicação pessoal com uma professora da área de<br />

formação, chegamos às concepções que utilizamos para embasar as nossas<br />

considerações acerca da relação entre teoria e prática. Assim, neste estudo, ao tratarmos<br />

de teoria estamos nos referindo a conhecimento. Já a prática consiste na ação que<br />

transforma esse conhecimento e a realidade. As definições apresentadas ilustram a interrelação<br />

que discutiremos neste capítulo e que são desenvolvidas a partir da adoção de<br />

formas particulares de compreensão da noção de teoria.<br />

Partindo da definição de teoria que nos serviu de base, identificamos a<br />

coexistência de dois tipos de teoria, uma teoria acadêmica e outra pessoal (Handal e<br />

Lauvas apud Zeichner e Liston, 1987; Chan, 2001; Pessoa e Sebba, 2006). A<br />

acadêmica é aquela produzida por estudiosos, que se dedicam a compreender um<br />

determinado assunto por meio de investigação e publicam suas conclusões. Já a teoria<br />

pessoal, como o próprio nome nos permite inferir, é aquela que o professor traz<br />

consigo e que foi construída a partir de sua prática, de sua experiência de vida e<br />

também de seus conhecimentos acadêmicos.<br />

212


Primeiramente, se estabelecermos a teoria como conhecimento acadêmico,<br />

temos um saber que não é produzido pelo professor 1 , porém, nem por isso podemos<br />

dizer que ele foi construído em completa separação com a prática. O autor não conhece<br />

a especificidade de cada contexto, é verdade, no entanto quem o produziu possui<br />

conhecimento sobre o fazer docente, ainda que naquele momento não esteja atuando.<br />

Para que alguém produza conhecimento sobre o ensino é necessário que esta<br />

pessoa, se não estiver atuando nesse contexto, tenha um vasto conhecimento desse<br />

processo. Alguém que se dedica ao estudo de um assunto e procura conhecê-lo<br />

profundamente sabe que os livros não são suficientes, é preciso voltar-se para a<br />

realidade do que se pretende compreender. Ainda assim, poderíamos argumentar que tal<br />

estudioso parte do ponto de vista de uma comunidade e, por isso, seus saberes não<br />

seriam relevantes em contextos com realidades variadas.<br />

Se aceitarmos o fato de que apenas o contexto é suficiente para garantir a<br />

relevância de uma teoria, estaremos desprezando o papel do professor que irá interagir<br />

com aquele conhecimento. Por um longo tempo, acreditou-se que os professores<br />

deveriam aplicar à sua prática o conhecimento produzido por estudiosos. Isso causou a<br />

rejeição de algumas propostas e logo se popularizou a tão conhecida idéia: “teoria é uma<br />

coisa, prática é outra”. Hoje, sabemos que o conhecimento não chega pronto até o<br />

professor, e que, ao entrar em contato com uma teoria acadêmica, ele precisa<br />

ressignificá-la de acordo com sua realidade. Será essa interação que poderá tornar a<br />

teoria acadêmica relevante ou não em diferentes contextos.<br />

Seguindo esse pensamento, nenhuma teoria acadêmica chegaria até o professor<br />

pronta para fazer sentido em sua prática. Esta teoria seria de certa forma inacabada,<br />

pois, ao atingir realidades diversas, será a ressignificação de sua proposta, feita pelos<br />

atores daqueles contextos, que lhe atribuirá sentido.<br />

Com os argumentos apresentados, demonstramos nosso ponto de vista sobre<br />

como a teoria acadêmica estaria permeada por aspectos da prática. Vejamos agora os<br />

argumentos para abordar uma prática que também esteja sempre conjugada a uma<br />

teoria.<br />

Ao adotarmos uma definição de prática, afirmamos que esta é a ação que<br />

transforma o conhecimento e a realidade. Temos então uma relação direta entre teoria<br />

(conhecimento) e prática. Além desse conhecimento que a prática do professor irá<br />

transformar, temos o seu conhecimento pessoal que, entre outros fatores, determinará de<br />

que forma tal transformação ocorrerá em um determinado contexto. O que acontece é<br />

que este conhecimento que dá suporte ao fazer do professor nem sempre é aquele<br />

produzido por pesquisadores. O conhecimento mobilizado pelo professor em sua prática<br />

tem raízes em muitos saberes, dentre os quais aquele adquirido pela experiência.<br />

Este conhecimento que advém da experiência e que nem sempre é valorizado<br />

constitui as teorias pessoais dos professores. Segundo Handal e Lauvas (1987, apud<br />

Zeichner e Liston, 1996), tais teorias têm sua origem nas experiências pessoais, no<br />

conhecimento transmitido e nos valores essenciais. Trata-se então de um conhecimento<br />

que fundamenta-se, entre outros aspectos, no conhecimento acadêmico adquirido por<br />

cada professor. Contudo, o professor muitas vezes não está consciente ou consegue<br />

sistematizar este conjunto de saberes que formam suas teorias pessoais, isso faz com<br />

que eles não consigam precisar quais os princípios que embasam a sua prática.<br />

1 O professor também pode se tornar um pesquisador e produzir conhecimento acadêmico. Porém, da forma que<br />

sistematizamos aqui, ao fazer isso, este professor se tornaria também um estudioso. Professores seriam, então,<br />

aqueles que estão, até o momento, dedicando-se apenas à atividade de ensino.<br />

213


O que pretendemos demonstrar, então, é que o fato de não se tratar de um<br />

conhecimento explícito não o descaracteriza, como muitas vezes se supõe. Trata-se de<br />

um conhecimento construído pelo próprio professor e de domínio particular, todavia<br />

isso não o torna menos importante do que o conhecimento que foi tornado público.<br />

Como encontramos em Tardif (2000, p. 236),<br />

[o] trabalho – como toda práxis – exige, por conseguinte, um sujeito do trabalho, isto é, um<br />

ator que utiliza, mobiliza e produz os saberes de seu trabalho. Não poderia ser diferente<br />

com os professores, os quais realizam um trabalho que não é simples nem previsível, mas<br />

complexo e enormemente influenciado pelas próprias decisões e ações desses atores.<br />

Retomando brevemente o que foi dito, a teoria é vista neste trabalho sob duas<br />

acepções: uma acadêmica, que, além de não ser produzida em completa separação com<br />

a prática, necessita da ação do professor para fazer sentido em seu contexto de atuação;<br />

e uma pessoal, fruto, entre outros aspectos, da própria experiência do professor.<br />

Esperamos assim ter demonstrado a relação que, a nosso ver, impossibilita a separação<br />

entre teoria e prática.<br />

Uma discussão semelhante pode ser encontrada em Tardif (2000), que chama a<br />

atenção para a importância dos saberes que formam a subjetividade do professor. A idéia<br />

de valorização desses saberes se opõe à concepção tradicional que estabelecia o saber<br />

como sendo existente apenas do lado da teoria acadêmica. À prática relegava-se um falso<br />

saber, fruto de crenças e do senso comum. Sendo assim estabelecida a relação, tínhamos o<br />

saber produzido apenas por pesquisadores, o qual por sua vez distanciava-se da prática,<br />

onde deveria ser aplicado.<br />

Ainda segundo Tardif (2000), subjacente a esta concepção está o princípio de<br />

que nas universidades é possível produzir um saber independente de atores e de suas<br />

subjetividades, teorias desvencilhadas de práticas e conhecimentos que não partem de<br />

ações. Ao posicionar-se a respeito dessa concepção, Tardif (2000, p. 235) também<br />

afirma que<br />

a concepção tradicional não é apenas profundamente redutora, ela também é contrária à<br />

realidade. Hoje, sabemos que aquilo que chamamos de “teoria”, de “saber” ou de<br />

“conhecimentos” só existe através de um sistema de práticas e de atores que as produzem e<br />

assumem.<br />

Após essas considerações, além de demonstrar nosso entendimento a respeito da<br />

relação entre teoria e prática, é preciso também discutir o valor atribuído a esses dois<br />

conhecimentos – o acadêmico e o pessoal.<br />

Tradicionalmente, a separação entre teoria e prática promoveu uma valorização do<br />

conhecimento acadêmico, tornado público por meio de livros ou revistas especializadas,<br />

quando comparado ao conhecimento pessoal. Isso gerou uma hierarquia entre pesquisadores e<br />

professores, os primeiros como produtores de conhecimento e os últimos como consumidores<br />

desse saber.<br />

Acerca dessa separação encontramos novamente em Tardif (2000, p. 236) a<br />

seguinte reflexão:<br />

[...] a ilusão tradicional de uma teoria sem prática e de um saber sem subjetividade gera a ilusão<br />

inversa que vem justificá-la: a de uma prática sem teoria e de um sujeito sem saberes. De fato, é<br />

como se o trabalho dos professores fosse permeado por diferentes saberes [...], mas esses saberes<br />

não pudessem nem devessem ser produzidos pelos próprios professores. Compreender por que<br />

isso acontece é uma questão de poder e não de saber [...].<br />

214


Neste estudo, aos conhecimentos acadêmicos e pessoais é atribuída a mesma<br />

importância, já que o conhecimento produzido pelo professor é igualmente visto como<br />

teoria. Tal teoria fundamenta-se nas exigências da prática, nas experiências vividas pelo<br />

professor, e carrega consigo, ainda que inconscientemente, aspectos do conhecimento<br />

acadêmico.<br />

Este posicionamento nos levou à proposta de formação docente desenvolvida<br />

com as participantes deste estudo. Ao mesmo tempo em que promovemos momentos de<br />

reflexão colaborativa e discussão sobre a prática, valorizamos também a discussão de<br />

textos que pudessem trazer elementos novos para tais momentos de reflexão.<br />

Apesar do inegável valor do conhecimento que o profissional adquire<br />

diariamente em sua prática, o qual, como vimos em Schön (1983), permite que ele<br />

ultrapasse os limites do conhecimento técnico, a teoria acadêmica desempenha também<br />

um importante papel no processo de formação. Podemos dizer que, no momento em que<br />

a prática torna-se cristalizada por um conjunto de ações que se tornaram rotineiras, a<br />

teoria acadêmica poderá trazer novos elementos para a análise daquela situação.<br />

Vemos este movimento de construção e desconstrução de conhecimento, que se<br />

torna possível com a intervenção do conhecimento acadêmico e sua interação com o<br />

conhecimento pessoal, como parte essencial do processo de desenvolvimento do<br />

professor. Como veremos nos dados que discutiremos a seguir, a leitura de um texto ou<br />

o questionamento de uma colega pode causar no professor uma sensação de desconforto<br />

que há muito havia desaparecido como resultado de uma prática já consolidada.<br />

Acerca do papel da teoria acadêmica, temos um exemplo em nosso sexto<br />

encontro quando as participantes discutiam o texto Reasoning Teaching, de Johnson<br />

(1999) 2 . Este texto trata da complexidade das situações enfrentadas pelo professor, as<br />

quais requerem que este se engaje em um processo reflexivo que lhe permita levar em<br />

consideração aspectos específicos de seu contexto. A autora inicia o texto com um<br />

exemplo de uma conversa típica entre uma professora iniciante e sua orientadora. Nessa<br />

conversa a professora busca solucionar suas dúvidas fazendo perguntas à orientadora.<br />

Esta, por sua vez, responde às perguntas dizendo que depende e imediatamente faz outra<br />

pergunta à professora, de forma que ela possa, por si só, refletir sobre seu contexto e<br />

chegar às respostas de que necessita. A respeito desse texto, seguem alguns comentários<br />

de Eduarda:<br />

[1] [...] Eu achei interessante que ler esse capítulo foi uma forma de eu fazer uma reflexão<br />

mesmo. Por que depende? Por que eu vou fazer isso? Às vezes, “ah eu vou ensinar para os<br />

meus alunos esse e aquele vocabulário”, mas por quê? Por que você está ensinando?<br />

Porque é automático às vezes. (SRT – 6º encontro – dia 17/11/2004)<br />

[2] Eu achei interessante esse texto aqui que ele não avalia o professor, ele não dá teoria.<br />

Nada. Ele tenta fazer com que o professor compreenda o que ele faz. O que é isso? É uma<br />

reflexão. [...] Então, não é aquela coisa que diz é isso ou é aquilo. Ele não te dá a coisa<br />

pronta, ele faz você refletir. Você reflete o tempo inteiro. Tudo depende. E esse<br />

“depende” muitas vezes me incomodou. Não sei se incomodou a vocês também. Mas,<br />

gente, depende? E eu lia de novo. Será que eu entendi? Depende? Isso aqui também<br />

depende? De quê? Mas tudo que eu vou fazer depende? Pára e pensa. Tudo o que você vai<br />

fazer depende. Então foi um texto que eu li e me incomodou. [...] (SRT – 6º encontro –<br />

dia 17/11/2004)<br />

2 JOHNSON, K. E. Reasoning teaching. In: ______. Understanding language teaching: reasoning in action. Boston:<br />

Heinle & Heinle Publishers, 1999, p. 1-13.<br />

215


É possível que esse incômodo de que Eduarda se queixa seja causado pela<br />

tomada de consciência de que ações que em sua prática já se tornaram mecânicas, na<br />

verdade, merecem reflexões que atualmente não têm sido contempladas. Como ela<br />

mesma afirma, algumas coisas se tornam automáticas e com isso fica mais difícil<br />

questioná-las.<br />

Outro exemplo dessa inquietação pode ser encontrado na fala de Suzana que<br />

demonstra a necessidade de rever sua prática. Tal desejo foi motivado pela leitura do<br />

texto de Moon (2000) 3 que discute o uso de material em sala de aula. Mais<br />

especificamente, o texto trata do processo de elaboração e avaliação do material a ser<br />

utilizado pelo professor e o que deve ser levado em consideração neste processo de<br />

escolha. Em sua fala, Suzana revela o desejo de mudar e procurar adotar ou adaptar<br />

algumas sugestões do livro para sua prática:<br />

[3] O texto é muito relevante para nós, principalmente agora que estamos terminando o ano<br />

letivo [...]. O texto me fez pensar muito na minha prática até agora. [...] Mas eu pensei e<br />

até falei com a Eduarda e a Patrícia, quando elas chegaram aqui mais cedo, que se isso<br />

aqui é o certo, eu vou ter que passar por uma reciclagem muito longa, talvez, para chegar<br />

a produzir materiais dessa maneira. E fazer as atividades com as crianças da maneira que<br />

o texto propõe, levando em consideração vários fatores que circundam a atividade em si e<br />

a questão de como selecionar as atividades, eu até sublinhei algumas coisas aqui. Mas de<br />

uma maneira geral, só para começar, ele me fez pensar no que eu tenho feito e naquilo<br />

que eu nunca fiz. Então naquela parte que tem os balõezinhos aqui da frente, eu fui<br />

ticando algumas coisas, e eu faço tão pouco do que está proposto aqui, então eu acho que<br />

está na hora mesmo de pensar, de rever o contexto em relação às atividades com as<br />

crianças. (SRT – 9º encontro – dia 10/12/2004)<br />

Poderíamos discutir outros exemplos para revelar este aspecto do conhecimento<br />

acadêmico. Porém, o que pretendemos ilustrar aqui é um dos fatores que confere à<br />

teoria acadêmica sua relevância para a formação do professor. Como é possível<br />

observar nos exemplos citados, as participantes discutem os textos relacionando-os<br />

diretamente à sua realidade diária. Acreditamos que seja essa a interação que devamos<br />

promover entre a teoria acadêmica e a prática. Dessa forma, o professor poderá<br />

relacioná-la à sua própria teoria, de forma que o conhecimento advindo da prática possa<br />

ser valorizado e possa ampliar-se ao interagir com os saberes acadêmicos (Pimenta,<br />

2002).<br />

Na discussão levantada por Pimenta (2002), ela retoma o conceito de<br />

profissional reflexivo e aborda, entre outros aspectos, o risco que se corre frente a um<br />

conceito que, em um espaço relativamente curto de tempo, alcançou grande<br />

popularidade em diversos países, dentre eles o Brasil. Por isso, a autora propõe que<br />

esse conceito seja submetido a uma análise crítica. Na proposta de formação do<br />

profissional reflexivo, Schön (1983) valoriza um perfil de profissional que seja capaz<br />

de usar os fatos de sua realidade e um conhecimento que ultrapasse a mera aplicação<br />

de técnicas para construir novos saberes e novas formas de atuar. Tal profissional<br />

seria capaz de refletir sobre sua ação e, assim, buscar respostas que o conhecimento<br />

técnico, por si só, não seria capaz de oferecer.<br />

Dessa forma, o conceito de professor reflexivo vence o distanciamento que<br />

existia até então entre teoria e prática. Os professores passam a ser vistos como<br />

produtores de teoria a partir de sua prática e do conhecimento que utilizam diariamente.<br />

3 MOON, J. Can we do ‘Pocker face’ again, Miss?. In: ______. Children learning English. Oxford: Macmillan<br />

Publishers, 2000, p. 86-98.<br />

216


Certamente, esse novo papel atribuído aos professores marca o início de grandes<br />

mudanças que dizem respeito não somente à atuação, mas também à formação desse<br />

profissional.<br />

Ao tratar da busca pela aproximação entre teoria e prática, Lisita (2006) chama a<br />

atenção para o fato de que não apenas a proposta de Schön (1983) para a formação do<br />

profissional reflexivo, mas também os estudos de Stenhouse (1987), que defendem a<br />

postura investigativa da prática por parte do professor, têm em comum a preocupação<br />

com a possibilidade de articulação entre teoria e prática. É possível perceber nas<br />

propostas desses estudiosos o intuito de promover a integração desses dois elementos e<br />

o reconhecimento da importância de tal conjugação na formação profissional.<br />

Neste contexto, há uma grande valorização da prática docente como provedora<br />

de conhecimento para o professor e da pesquisa como forma de investigação sobre<br />

questões da prática. Ao abordar a formação reflexiva, Pimenta (2002) retoma as<br />

preocupações que foram apresentadas por alguns autores com relação a este conceito,<br />

dentre elas o risco de que tais idéias acabem por resultar em um certo “praticismo”,<br />

levando a entender que a prática é suficiente para a construção do saber docente. Outra<br />

preocupação diz respeito ao que Pimenta (2002) referiu-se como uma “hegemonia<br />

autoritária”, que seria a aceitação de que a reflexão pode dar conta de qualquer<br />

problema encontrado na prática. Pimenta (2002, p. 24) afirma que<br />

o saber docente não é formado apenas da prática, sendo também nutrido pelas teorias da<br />

educação. Dessa forma, a teoria tem importância fundamental na formação dos docentes,<br />

pois dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação contextualizada, oferecendo<br />

perspectivas de análise para que os professores compreendam os contextos históricos,<br />

sociais, culturais, organizacionais e de si próprios como profissionais.<br />

Tratando ainda da valorização da teoria acadêmica, Pimenta (2002) retoma<br />

Gimeno (1999), que considera produtivo o conceito de epistemologia da prática, desde<br />

que haja uma constante conciliação entre teoria e prática. Segundo esse autor, o<br />

conhecimento do professor não é formado apenas pela experiência concreta e pode – a<br />

nosso ver, deve – ser nutrido pelas teorias acadêmicas. No que concerne à relação entre<br />

os saberes, Pimenta (2002, p. 26) ressalta que “os saberes teóricos propositivos se<br />

articulam, pois, aos saberes da prática, ao mesmo tempo ressignificando-os e sendo por<br />

eles ressignificados”.<br />

Em um dos encontros, Eduarda e Suzana, ao buscarem compreender a figura<br />

que aparece no texto de Wallace (1995) e explicar o modelo reflexivo de formação<br />

profissional, reconhecem a ligação que há entre a teoria e a experiência. Em princípio,<br />

Eduarda parece interpretar a seta bidirecional que une os conhecimentos recebido e<br />

experiencial, como algo que significasse a separação e o distanciamento entre esses<br />

conhecimentos. Porém, Suzana faz uma interpretação diferente, explica seu ponto de<br />

vista e ajuda Eduarda a compreendê-lo:<br />

Esquemas<br />

conceituais ou<br />

construtos<br />

mentais do<br />

profissional<br />

em formação<br />

Estágio 1<br />

(Pré-treinamento)<br />

Conhecimento<br />

Recebido<br />

Conhecimento<br />

Prático<br />

Prática<br />

Reflexão<br />

Estágio 2<br />

(Formação/desenvolvimento profissional)<br />

COMPETÊNCIA<br />

PROFISSIO<strong>NA</strong>L<br />

OBJETIVO<br />

217


Figura 1: Reflective practice model of professional education/development (Wallace, 1995, p. 49).<br />

[4] Eduarda: Esses dois pontos aqui divergem, não é, a teoria com a prática? (SRT – 3º<br />

encontro – 28/09/2004)<br />

[5] Suzana: Eu não compreendo que seja uma coisa separada da outra. Bom, na prática isso a<br />

gente separa, mas depois que você vai refletir, agora eu acho que isso não está (separado).<br />

Olha a setinha. A setinha está para lá e para cá, então isso significa que o received e o<br />

experiential (knowledge) estão um com o outro. (SRT – 3º encontro – 28/09/2004)<br />

Posteriormente, ainda no mesmo encontro, Eduarda, que havia questionado<br />

sobre a divergência entre teoria e prática, explicita sua opinião acerca da relação entre<br />

esses dois elementos. Ao fazer isso, a participante demonstra uma reelaboração de sua<br />

teoria inicial, após a intervenção de Suzana:<br />

[6] É como você falou. Eu acho que a teoria é feita, mas cabe a você aplicá-la de acordo com<br />

a realidade da sua sala. Porque, por exemplo, está na teoria que você deve ensinar o inglês<br />

de uma forma lúdica e tal. Mas você pega uma sala com trinta alunos, que não tem espaço<br />

para nada. Você vai ter que aplicar aquela teoria, mas de acordo com a realidade da sua<br />

sala. Agora você vai deixar de ensinar a língua de uma forma lúdica? Não. Você tem que<br />

buscar, você tem que refletir, você tem que vivenciar. (SRT – 3º encontro – 28/09/2004)<br />

Vemos então que, após compreender melhor a relação entre teoria e prática<br />

proposta por Wallace, Eduarda ainda acrescenta um participante que dará significado a<br />

essa ligação entre teoria e prática. Eduarda chama a atenção para o papel do professor,<br />

responsável por promover a ponte entre a teoria acadêmica e a realidade de sua prática<br />

diária. Apesar de a participante usar a palavra “aplicar”, ela está se referindo a uma<br />

ressignificação, já que o professor se encarregará de fazer as adaptações necessárias de<br />

acordo com o seu contexto. Neste momento, a teoria a que Eduarda se refere é a<br />

acadêmica.<br />

Buscando confirmar sua compreensão, Cláudia expressa seu ponto de vista:<br />

[7] [...] é como a Suzana falou da setinha. Vai e volta, não é? Tem que ter essa comunicação,<br />

então você observando a prática, pode modificar, você pode obter dados para um<br />

embasamento teórico, para uma tese que vá melhorar aquela prática. É assim que a gente<br />

pode se desenvolver. (SRT – 3º encontro – 28/09/2004)<br />

É interessante observar como Cláudia ressalta o fato de que o desenvolvimento do<br />

professor depende de um movimento de ida e vinda dos conhecimentos teóricos e práticos.<br />

Ela coloca o professor no centro desse movimento, já que ele deve observar e analisar sua<br />

prática para buscar, na teoria acadêmica, embasamento para enriquecê-la e desenvolver-se<br />

profissionalmente. Este processo acabará por promover também uma reconstrução das<br />

teorias pessoais deste professor.<br />

Como encontramos em Pimenta (2002), Cláudia demonstra ter reconhecido a<br />

218


importância da integração entre teoria e prática. Um fator que a participante não<br />

menciona, e que será discutido por Eduarda posteriormente, é a possibilidade de que,<br />

partindo de sua prática e dos conhecimentos que possui, o professor elabore também sua<br />

própria teoria. Ao referir-se à teoria, Cláudia o faz tendo em vista a noção do<br />

conhecimento que é produzido por pesquisadores.<br />

Temos que reconhecer, contudo, que essa relação dialógica entre teoria e<br />

prática não é facilmente estabelecida. Muitas vezes, ansiosos por resolver os<br />

problemas que enfrentam no dia-a-dia, os professores tendem a dar um maior valor às<br />

questões práticas. Uma discussão dessa questão é encontrada em Winkler (2001).<br />

Após ministrar um curso de uma semana para professores de uma zona rural, no sul da<br />

África, a autora se vê envolta em questionamentos sobre o valor da experiência, que é<br />

exatamente o que aqueles professores possuem, e a importância da teoria acadêmica,<br />

que para eles se torna de tão difícil acesso. A autora então questiona-se: “Poderiam<br />

professores com uma vasta experiência, e pouca qualificação, ser considerados<br />

competentes (experts)? E qual o papel do conhecimento formal e teórico no<br />

desenvolvimento da competência do professor (teacher’s expertise)?” (Winkler, 2001,<br />

p. 440).<br />

Como verificou Winkler (2001), a ênfase dada às questões da prática pode<br />

limitar o desenvolvimento dos professores, não permitindo que eles reconheçam a<br />

relevância dos assuntos que não oferecem uma direta aplicabilidade às suas questões<br />

diárias. A autora argumenta em seu artigo que a reflexão sobre a prática não é suficiente<br />

para a formação do professor e que a reflexão sobre a teoria acadêmica é crucial no<br />

desenvolvimento da habilidade do professor:<br />

Diferentemente da reflexão prática, a reflexão teórica não atende à pressão diária da sala de<br />

aula e, por isso, leva em conta uma interação muito mais distanciada e crítica com a<br />

realidade. Perguntas são mais importantes que respostas e, apesar de muitos professores<br />

considerarem inútil ir além do senso comum da prática, é exatamente tal conflito com a<br />

“irrelevância” da teoria que nos oferece uma plataforma externa, de onde é possível<br />

explorar e desafiar as limitações da nossa prática. (Winkler, 2001, p. 447, grifo da autora)<br />

Como ressalta Winkler (2001), por maior que seja a importância que devamos<br />

atribuir à experiência, ela não deve constituir a única forma de desenvolvimento do<br />

professor. O professor precisa ter acesso a outros tipos de conhecimento que são<br />

produzidos fora de sua sala de aula. Retomando as palavras da autora, “a experiência de<br />

ensino não levará, por si só, à competência profissional” (Winkler, 2001, p. 444). Estes<br />

conhecimentos, que revelam outros pontos de vista, possibilitam que o professor tenha<br />

acesso a olhares e perspectivas diferentes, com o auxílio dos quais ele poderá refletir<br />

sobre sua prática.<br />

Em consonância com as palavras de Winkler (2001), podemos acompanhar na<br />

fala da participante Suzana o reconhecimento de que, no processo de formação de<br />

professores, outros elementos são necessários, além da experiência:<br />

[8] Quando está falando aqui, no início desse parágrafo que a Julma citou, sobre a<br />

apprenticeship of observation que ela pode ser a blessing and a curse, eu pensei em duas<br />

palavras, uma para cada adjetivo. Eu acho que pode ser blessing quando ela se torna uma<br />

experiência na qual você pode se basear no início da sua atividade. Mas passa a ser uma<br />

maldição quando você se torna uma pessoa acomodada, que foi o que vocês falaram.<br />

Quando existe a acomodação, eu fui ensinada assim, é assim que eu sou, é assim que vai<br />

ser, aí já acho que as experiências caem por terra porque muitas coisas mudam, o tempo<br />

muda, os alunos mudam, as coisas todas são diferentes e o ensino muda. [...] E se nós,<br />

219


educadores, professores de uma língua estrangeira, não nos libertarmos desse pensamento<br />

de que a experiência vale tudo e de que a experiência é o que conta, eu acho que a gente<br />

morre. Se a experiência fosse tudo, se anos de profissão fossem tudo, eu estaria muito<br />

bem, mas eu sei que não. (SRT –5º encontro – 27/10/2004)<br />

Suzana discute, então, um problema que acreditamos que seja vivido por muitos<br />

docentes. Às vezes, é difícil conscientizar os profissionais da importância da formação<br />

continuada. Quanto mais tempo um professor exerce sua profissão, mais segurança ele<br />

tem para repetir suas ações, como uma receita que dá certo. Não pretendemos<br />

questionar a eficiência de uma prática que se baseia principalmente na experiência,<br />

porém, como temos discutido, há outros elementos que podem atuar no<br />

desenvolvimento do professor. Como professores, desejosos de promover um bom<br />

ensino, devemos estar abertos às novas possibilidades e descobri-las em nossos próprios<br />

estudos, pois assim teremos a certeza de que estamos em busca do melhor para nós e<br />

para nossos alunos.<br />

Retomando a questão apontada por Winkler (2001) sobre uma certa tendência<br />

de valorização de questões ligadas à prática, encontramos respaldo em Christov (1998),<br />

que nos mostra como este conflito entre teoria e prática está presente desde os anos<br />

escolares ou de formação inicial. Qualquer um de nós, esteja no papel de aluno ou de<br />

professor, deve se recordar da fala de um amigo ou mesmo própria que lembre algo<br />

como: “não queremos tanta teoria... precisamos é de prática” ou “os professores querem<br />

respostas prontas para seus problemas de sala de aula, não querem ficar estudando...”<br />

(Christov, 1998, p. 32). Tais falas nos revelam o conflito entre a teoria acadêmica a que<br />

os professores gostariam que seus alunos tivessem acesso e a busca por questões<br />

práticas que move muitos aprendizes.<br />

Para desenvolver suas idéias, a autora parte de dois comentários que serão<br />

retomados aqui para comentarmos sua pertinência no contexto deste trabalho. O<br />

primeiro comentário diz: “teoria e prática são diferentes, mas andam juntas: às vezes de<br />

forma desapercebida, às vezes de forma refletida” (Christov, 1998, p. 32). Apesar do<br />

tempo de estudo que os professores têm em seu processo de formação inicial, muitos, ao<br />

iniciarem sua prática, sentem um grande distanciamento entre o que viram na academia<br />

e a prática que vivenciam diariamente. Assim, desprovidos da reflexão que lhes poderia<br />

permitir estabelecer tal relação, os professores iniciam uma prática na qual não<br />

reconhecem a teoria acadêmica que tiveram acesso em seu período de formação.<br />

Vejamos como uma pergunta, presente em um dos textos lidos, desperta uma discussão<br />

semelhante entre as participantes do grupo de formação:<br />

[9] Julma: Na página 51, no meio do parágrafo, fala assim: “sometimes actions received<br />

intellectual discovery”, acharam? “I have occasionally been thanked by in-service<br />

teachers at the end of a talk because I have provided the intellectual justification for what<br />

they have been doing anyway”. Muitas vezes a gente já pode ter passado por uma situação<br />

dessas de estar em um seminário e alguém falar alguma coisa e ali você encontrar a base<br />

teórica para o que tem feito por um longo tempo. Isso foi o que aconteceu aqui. Eu queria<br />

que a gente pensasse sobre essa questão de ter uma prática e uma justificativa intelectual.<br />

Essa justificativa intelectual seria uma teoria, eu imagino. E a minha pergunta é, “do we<br />

have the intellectual justification for our actions?”. (SRT – 3º encontro – dia 28/09/2004)<br />

[10] Eduarda: Eu vou responder, eu não tenho. Eu tenho a minha própria teoria eu não sigo<br />

ninguém. Eu sigo aquilo que eu acho correto e que dá certo. [...] De ninguém, eu falo,<br />

porque eu não posso falar que é de fulano de tal. Eu pego todas as teorias, que eu sei, no<br />

meu estudo (risos); do meu graaande estudo e, de acordo com a realidade da minha sala<br />

de aula, eu aplico. Mas não vem de alguém específico. Mas aí você vai me falar assim,<br />

220


“ah Eduarda, mas tem uma teoria que você segue mais”. Não, eu não tenho. Eu uso um<br />

método numa sala de 2ª série e na mesma série, em outra sala, eu uso outro método. De<br />

acordo com a realidade da sala. Mas não fui eu que criei. Algumas até pode ter sido<br />

(risos). Eu só não sei. Eu acho que falta estudo mesmo para eu saber mais sobre teoria,<br />

porque é correto o que eu faço? É, porque meus alunos aprendem. Mas é baseado em quê?<br />

Em que teoria? Não sei. O que falta? Eu tenho a prática, mas eu não tenho a minha<br />

reflexão. (SRT – 3º encontro – dia 28/09/2004)<br />

Observamos, então, que Eduarda afirma de forma incisiva que sua prática não<br />

está baseada na teoria de ninguém. Ela mesma cria sua forma de trabalhar com os<br />

alunos, que advém de tudo que ela estudou, aplicado diferentemente, de acordo com<br />

cada contexto. Isso gera a sua própria teoria, mas a participante não a reconhece como<br />

tal. Esta é uma participante que sempre ressalta a importância de levar em consideração<br />

o contexto em que o professor atua. Por fim, suas palavras nos deixam inferir que o que<br />

está faltando realmente é a consciência de sua forma de ação. Ela reconhece que faltou<br />

um pouco de estudo para que ela soubesse um pouco mais de teoria, neste caso de teoria<br />

acadêmica. Reconhece que faz um bom trabalho, mas não consegue precisar em que ele<br />

está embasado. Diz que tem a sua prática, mas que esta não tem sido permeada por<br />

momentos de reflexão.<br />

Contrapondo-se ao posicionamento de Eduarda, Cláudia defende a presença de<br />

uma teoria subjacente a nossa prática:<br />

[11] Olha, eu não concordo. Eu acho que a gente é fruto de uma teoria. Por exemplo, eu<br />

quando estudei era o auge da teoria behaviorista. Então eu fui treinada, embasada sob essa<br />

teoria. Então era tudo muito de você treinar, de você não errar, de você ganhar um elogio<br />

quando acerta, de ter uma recompensa e tal. Por quê? Porque essa era a teoria que estava<br />

no auge. [...] Então, eu acho que a gente é isso mesmo. (SRT – 3º encontro – dia<br />

28/09/2004)<br />

Aqui, Cláudia relata sua experiência como aprendiz de língua dentro de<br />

princípios behavioristas de ensino. Esta foi, em sua opinião, uma experiência positiva,<br />

já que proporcionou sua aprendizagem. Hoje Cláudia possui conhecimento de outras<br />

teorias de ensino, porém, é possível que haja em sua prática influências da maneira que<br />

foi ensinada. Neste momento não aprofundaremos a análise das possíveis teorias de<br />

ensino que embasam a prática desta professora<br />

Suzana então expressa sua opinião com relação ao que foi expresso pelas duas<br />

colegas:<br />

[12] Eu concordo com as duas, ao mesmo tempo que discordo (risos). Bom, de acordo com o<br />

que a Eduarda falou, ela não aplica a teoria de ninguéeem. Ela criiiia a teoria dela (risos).<br />

Muitas vezes a gente nega mesmo a teoria dos outros, a gente faz questão de negar, por<br />

quê? Porque aquilo na minha aplicação não funciona [...] E agora falando da minha amiga<br />

Cláudia, eu concordo e discordo. Concordo que na minha época também era behaviorista,<br />

(é, sou velha, mesmo). De uns anos para cá a coisa tem revolucionado, surgiram novas<br />

teorias e novas formas de aplicar aquilo, a educação mudou. Mas a gente não deixou essa<br />

forma que fomos criados, que fomos educados pra lá. A gente não consegue desvincular<br />

de tudo, porque você foi formada assim. Como diz (cita o nome de um professor de sua<br />

época de universidade), it is in the vein, so you can not deny that. (SRT – 3º encontro –<br />

dia 28/09/2004)<br />

Vemos, então, que Suzana e Cláudia estranham o fato de Eduarda não conseguir<br />

reconhecer uma teoria, neste caso a acadêmica, que embase a sua prática. Segundo o<br />

ponto de vista que adotamos neste estudo, o distanciamento visto por Eduarda entre<br />

221


algumas teorias acadêmicas e sua prática pode dever-se à concepção de teoria que ela<br />

demonstra. Ao pensar em aplicação de teorias, Eduarda deixa de considerar o<br />

importante papel desempenhado por ela na ressignificação e contextualização daquele<br />

conhecimento à sua prática.<br />

Já em relação à Cláudia, ela reforça a questão da interferência da forma com que<br />

aprendeu inglês e chama a atenção para a influência dessa experiência na configuração de<br />

sua prática. O papel das experiências de vida, que compõem os fatores que dão origem às<br />

teorias pessoais dos professores, é o que mais se destaca na colocação feita por Cláudia.<br />

Como os comentários que aparecem nesta seqüência se originaram de uma conversa entre<br />

as professoras, chegamos, então, às considerações de Patrícia:<br />

[13] Quando vocês estavam falando da mistura entre teoria e prática, olha o que o autor diz:<br />

“in other words, the trainees may evaluate the input in terms of their own practice and<br />

either decide to change their teaching in some way, or not”. Aí vem a parte que eu queria<br />

comentar, “if they incorporate the new techniques in their subsequent practice they may<br />

then reevaluate them in the light of that practice”. É bem o que a Eduarda estava falando.<br />

Quer dizer, apesar da técnica ser nova, eu vou reavaliar aquilo. Eu acho que é aí que entra<br />

a nossa teoria, porque eu vou mesclar uma com a outra. E a reflexão em cima disso. (SRT<br />

– 3º encontro – dia 28/09/2004)<br />

Patrícia se utiliza das palavras do autor para apresentar um ponto relevante na<br />

discussão que vinha se desenvolvendo. A participante chama a atenção para o que<br />

compõe a nossa teoria – algo externo, que é aprendido e reavaliado de acordo com a<br />

nossa prática. Assim, temos a teorização que é nossa, porque é ressignificada a partir da<br />

nossa realidade, não deixando de ter, contudo, uma origem ou proposta inicial que foi<br />

por nós modificada. Todo esse processo pode, sim, confundir um pouco o professor e<br />

fazer parecer que suas ações se originam apenas da própria prática. Todavia, ao<br />

considerarmo-nos seres históricos e sociais, é impossível identificar os aspectos de<br />

nossa prática que estariam livres de influências de nossas leituras, experiência de<br />

aprendizagem, ensino e outros fatores oriundos de nossa formação pessoal e<br />

profissional.<br />

Retomando o que discutia Christov (2001), vemos pelas palavras de algumas<br />

participantes que a teoria ainda está “desapercebida” ou em alguns momentos é<br />

percebida, mas não pode ser ainda reconhecida. Por quê? Por diversas razões. Não<br />

cometamos o erro, como ressalta Pimenta (2002), de responsabilizar a reflexão por tudo.<br />

No entanto, como diz Eduarda, muitas vezes é isso que está faltando. Acreditamos que<br />

aqui resida um dos grandes entraves da formação, que, às vezes, por inúmeros motivos<br />

– tempo, condições, disposição dos professores – faz com que o desenvolvimento da<br />

reflexão fique aquém do esperado nos cursos de formação inicial. Vale atentar, então,<br />

para o fato de que a prática da reflexão constitui parte importante do processo de<br />

formação continuada.<br />

Ainda com base em Christov (2001, p. 33), passemos ao seu segundo<br />

comentário: “Entre a teoria de um autor que queremos assumir e a prática que<br />

pretendemos transformar com esta teoria, existe a nossa teoria”. Como afirma essa<br />

autora, é importante que, a partir da nossa prática e da teoria acadêmica em que<br />

pretendemos nos embasar, tenhamos consciência de que será a nossa teoria que<br />

promoverá o diálogo entre a teoria acadêmica e a nossa prática. Após alguns encontros,<br />

Eduarda retoma o momento em que negou recorrer a alguma teoria e reitera suas<br />

palavras. Aqui, chamamos mais uma vez a atenção para o fato de esta participante<br />

reforçar a importância de ter uma teoria própria, uma teoria que seja coerente com o<br />

222


contexto em que atua:<br />

[14] Eduarda: Foi num desses encontros que eu comecei a refletir sobre teoria, porque até então<br />

eu era super revoltada com teorias. Não, essas teorias não adiantam nada, ninguém sabe<br />

da realidade. Pega um que está lá na França e outro que está lá não sei onde e quer<br />

arrumar uma teoria pra gente que está aqui no Brasil. [...] Então eu era um pouco<br />

revoltada com esse negócio de teoria. E foi a partir de um texto que nós lemos, eu não me<br />

lembro, que estava falando muito das teorias, se não me engano foi o primeiro texto. Que<br />

até eu falei assim, “não, sou eu que faço a minha própria teoria, eu não sigo ninguém”.<br />

Até que a minha amiga Suzana assustou (risos). Então eu acho que nós sempre estamos<br />

baseados em alguma teoria. E, baseados nessa teoria, nós criamos, até sem saber, a nossa<br />

teoria de acordo com a realidade da nossa sala. Eu não posso falar que eu não criei uma<br />

teoria, se eu for parar e pensar, eu criei um método, eu criei uma teoria. [...] Então eu acho<br />

que nós, inconscientemente, desenvolvemos a nossa própria teoria, mas de acordo com a<br />

realidade da sala. Então, quer dizer, agora eu mesma discordo de quando eu falei “teoria<br />

nenhuma”. Como assim? Eu me baseei em alguém para ensinar esse método. Aí, o<br />

método dele é bom nisso, é bom naquilo? É a partir da realidade da sua turma que você<br />

vai fazendo a sua própria teoria. [...] (SRT – 7º encontro – dia 01/12/2004)<br />

Este relato de Eduarda constitui um momento em que podemos ver a ação da<br />

reflexão colaborativa em nosso estudo. Em nosso sétimo encontro, ela retoma uma<br />

colocação que havia feito no terceiro encontro e demonstra estar mais consciente acerca<br />

de uma possível relação entre teoria e prática. Eduarda expressa inicialmente um<br />

descrédito no papel exercido pelas teorias acadêmicas e, ao explicar sua fala, nos dá<br />

indício de uma compreensão de grande pertinência sobre o papel da teoria no ofício do<br />

professor. Ela revela que a incomodava o fato de pessoas que não tinham conhecimento<br />

do nosso contexto produzirem teorias que deviam ser aplicadas aqui. O sentimento de<br />

Eduarda é muito relevante, pois, como temos visto, o conhecimento só poderá fazer<br />

sentido para um professor se ele for capaz de relacioná-lo com sua prática, de<br />

reconhecer naquela proposta uma possibilidade de melhoria do seu contexto de trabalho.<br />

E, como ela bem coloca, para que tais teorias nos sirvam, precisamos ressignificá-las,<br />

trazê-las para a nossa realidade e não simplesmente aplicá-las.<br />

É importante ressaltar também o momento em que Eduarda afirma que sua<br />

compreensão melhorou a partir de um texto que lemos e discutimos em grupo. Na<br />

primeira discussão, Eduarda negou qualquer base teórica para a sua prática. Neste<br />

encontro, porém, ela retoma essa fala e diz que agora ela mesma discorda do momento<br />

em que disse não utilizar teoria nenhuma. A explicitação desta mudança demorou algum<br />

tempo, cerca de dois meses, permitindo que Eduarda refletisse e reelaborasse suas<br />

concepções. Ela termina reconhecendo que existem, sim, teorias que subjazem à sua<br />

prática; estas, porém, passam por toda a contextualização necessária para que sirvam à<br />

sua realidade e é neste momento que Eduarda cria a sua própria teoria.<br />

Em um estudo realizado por Vieira (2005), a autora pergunta a uma das<br />

participantes por que ela não se utiliza da teoria acadêmica para falar de sua prática, já<br />

que em sua prática podem ser reconhecidos tantos aspectos dessa teoria. A participante<br />

responde que não a reconhece. Aqui, acredito ser possível constatar que Eduarda inicia<br />

este reconhecimento, apesar de ainda não fazer referência a uma teoria específica.<br />

Considerações finais<br />

Após termos apresentado os dados que nos permitiram, juntamente com o<br />

223


conhecimento acadêmico retomado, desenvolver nossa proposta de discussão sobre a<br />

relação teoria e prática na formação docente, chegamos ao momento em que<br />

procuramos responder a pergunta que deu origem às nossas reflexões:<br />

As participantes vêem a relação entre teoria e prática em seu fazer diário?<br />

Apesar de a relação entre teoria e prática ter sido abordada em diferentes<br />

estágios das discussões do grupo, houve um momento em que um dado texto trouxe este<br />

tema à tona. Estamos nos referindo à discussão do texto de Wallace (1995), durante a<br />

qual, utilizando uma colocação do autor, dirigi às participantes a seguinte pergunta: e se<br />

nós pensarmos a respeito da nossa prática, vocês teriam isso que o autor chama de<br />

justificativa intelectual para a sua prática?<br />

Como resposta a esta pergunta tivemos diferentes manifestações das<br />

participantes. Eduarda disse ter uma teoria própria, fruto de todas as teorias que conhece<br />

aplicadas à sua realidade. Suzana e Cláudia discordaram de Eduarda enfatizando a<br />

influência de alguns fatores, dentre eles a própria maneira em que foram ensinadas, em<br />

sua prática como professora. A participante Patrícia não respondeu diretamente à<br />

pergunta, mas retomando uma passagem do texto, ela afirmou que a teoria do professor<br />

aparece quando reavaliamos uma dada proposta de acordo com o nosso contexto de<br />

atuação.<br />

Poderíamos embasar nossa resposta nas colocações apresentadas, contudo, é<br />

necessário levar em consideração as reelaborações que o período de formação<br />

colaborativa proporcionou. Dessa forma, temos em nosso sétimo encontro um momento<br />

em que Eduarda retoma suas colocações acerca da relação entre teoria e prática,<br />

demonstrando um novo entendimento sobre o assunto. Aqui, não poderíamos deixar de<br />

ressaltar a importância do grupo de reflexão como promotor da revisão que Eduarda faz<br />

em torno de suas concepções.<br />

Eduarda revelou que foi em nossos encontros que começou a pensar sobre<br />

teorias. Até então tendia a rejeitá-las como algo que era proposto por alguém que<br />

desconhecia sua realidade. Ela acrescentou que suas considerações foram motivadas<br />

pela leitura de um texto que discutimos em grupo. Apesar de não conseguir precisar em<br />

qual exatamente, ela reconhece que sua prática possui uma base teórica (acadêmica e<br />

pessoal). Todavia, a participante mantém a relevância de seu papel na interação com as<br />

teorias acadêmicas, para que estas possam ser relevantes em seu contexto de atuação.<br />

A partir do que observamos, poderíamos dizer que, em princípio, a relação entre<br />

o conhecimento acadêmico e a prática não estava clara para algumas participantes.<br />

Contudo, o período de reflexão serviu também a este propósito, fazendo com que<br />

pudessem reconhecer a presença de conhecimentos que subjazem ao seu fazer<br />

pedagógico. Não aprofundamos esta questão a ponto de as participantes conseguirem<br />

precisar quais princípios servem de base para seu ensino. Entretanto, a existência da<br />

relação entre conhecimentos acadêmicos e pessoais de cada professor com a prática que<br />

realiza foi reconhecida.<br />

Além disso, a participante Eduarda trouxe para a discussão um importante<br />

elemento: a existência de uma teoria criada pelo próprio professor. Isso enriqueceu<br />

ainda mais o processo que intencionávamos promover, pois as participantes não apenas<br />

reconheceram que conhecimentos acadêmicos estão presentes em suas ações, mas que a<br />

interação promovida entre esses conhecimentos e o dos professores dá origem a novas<br />

teorias. Como ressalta Pimenta (2002), é a articulação entre os saberes dos professores e<br />

os conhecimentos acadêmicos que permite a ressignificação de ambos.<br />

224


Como vimos e argumentamos neste trabalho, a abordagem dos conhecimentos,<br />

sejam eles acadêmicos ou pessoais, e a possibilidade de reflexão colaborativa sobre<br />

esses saberes e a prática são fatores capazes de atuar no desenvolvimento de<br />

professores. Por meio dessa reflexão, acreditamos que os professores possam se tornar<br />

mais conscientes de sua prática, dos conhecimentos que ela mobiliza e, assim, atuar<br />

mais efetivamente em busca de melhorias.<br />

Concluindo, este trabalho procurou evidenciar a importância da reflexão em um<br />

ambiente colaborativo de formação. Isso significa aceitar que os professores são agentes<br />

capazes de atuar como formadores de seus colegas ao mesmo tempo em que se<br />

desenvolvem profissionalmente. A partir disso, abordamos a valorização do<br />

conhecimento pessoal dos professores que, longe de constituir senso comum, é a base<br />

sobre a qual estes profissionais elaboram todos os outros tipos de conhecimento,<br />

tornando-os relevantes para a sua prática.<br />

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PESSOA, R; SEBBA, M. A. Y. Mudanças nas teorias pessoais e na prática pedagógica<br />

de uma professora de inglês. In: BARCELOS, A. M. F.; ABRAHÃO, M. H. V. (orgs.).<br />

225


Crenças e ensino de línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores.<br />

Campinas: Pontes, 2006.<br />

PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G;<br />

GHEDIN, E. (orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 2.<br />

ed. São Paulo: Cortez, 2002.<br />

SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York: BasicBooks, 1983.<br />

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002.<br />

VIERA, F. Pontes (in)visíveis entre teoria e prática na formação de professores.<br />

Currículo sem fronteiras, v. 5, n. 1, p. 116-138, 2005. Disponível em http://www.<br />

curriculosemfronteiras.org/vol5iss1articles/flavia2.pdf. Acesso: 20 fev. 2006.<br />

WALLACE, M. J. Relating theory and practice: the reflective model. In: ______.<br />

Training foreign language teachers: a reflective approach. Cambridge: Cambridge<br />

University Press, 1995, p. 48-59.<br />

WINKLER, G. Reflection and theory: conceptualising the gap between teaching<br />

experience and teacher expertise. Educational action research, v. 9, n. 3, p. 437-449,<br />

2001.<br />

ZEICHNER, K. M; LISTON, D. P. Reflective teaching: an introduction. New Jersey:<br />

Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 1996.<br />

Anexo<br />

Quadro 1: Encontros realizados com o grupo de formação<br />

Encontro/data Tema abordado no encontro<br />

1º encontro - Discussão inicial com o objetivo de mostrar às professoras como seriam feitas as<br />

dia 18/08/2004 gravações em áudio de nossas conversas e familiarizá-las com a situação. As<br />

professoras conversaram sobre sua experiência profissional e como iniciaram a<br />

carreira.<br />

2º encontro - 1º momento: Sessão de visionamento – Aula 1 – Eduarda. Discussão sobre a aula.<br />

dia 08/09/2004 2º momento: Discussão do texto: Exploring with a supervisor.<br />

OPRANDY, R. Exploring with a supervisor. In: GEBHARD, J. G.; OPRANDY, R.<br />

Language teaching awareness: a guide to exploring beliefs and practices. Cambridge:<br />

Cambridge University Press, 1999, p. 99-121.<br />

3º encontro - Devido a problemas com os equipamentos, não foi possível realizar a sessão de<br />

dia 28/09/2004 visionamento programada para este dia.<br />

1º momento: Retomada de alguns aspectos do texto discutido no encontro anterior.<br />

2º momento: Discussão do texto: Relating theory and practice: the reflective model.<br />

WALLACE, M. J. Relating theory and practice: the reflective model. In: ______.<br />

Training foreign language teachers: a reflective approach. Cambridge: Cambridge<br />

University Press, 1995, p. 48-59.<br />

4º encontro - 1º momento: Sessão de visionamento – Aula 1 – Cláudia. Discussão sobre a aula.<br />

dia 06/10/2004 2º momento: Sessão de visionamento – Aula 1 – Suzana. Discussão sobre a aula.<br />

5º encontro - Discussão do texto: Teachers’ knowledge: a view from the inside out.<br />

dia 27/10/2004 JOHNSON, K. E. Teacher’s knowledge: a view from the inside out. In: ______.<br />

Understanding language teaching: reasoning in action. Boston: Heinle & Heinle<br />

Publishers, 1999, p. 14-29.<br />

6º encontro - 1º momento: Sessão de visionamento – Aula 1 – Patrícia. Discussão sobre a aula.<br />

dia 17/11/2004 2º momento: Retomada e conclusão do texto do encontro anterior. Início da discussão<br />

do texto Reasoning teaching.<br />

JOHNSON, K. E. Reasoning teaching. In: ______. Understanding language teaching:<br />

reasoning in action. Boston: Heinle & Heinle Publishers, 1999, p. 1-13.<br />

226


7º encontro -<br />

dia 01/12/2004<br />

8ºencontro -<br />

dia 08/12/2004<br />

9º encontro -<br />

dia 10/12/2004<br />

10º encontro -<br />

dia 15/12/2004<br />

11º encontro -<br />

dia 26/01/2005<br />

12º encontro -<br />

dia 02/03/2005<br />

13º encontro -<br />

dia 26/10/2005<br />

1º momento: Continuação e conclusão da discussão do texto do encontro anterior.<br />

2º momento: Início da discussão do texto Learning literacy skills.<br />

CAMERON, L. Learning literacy skills. In: ______. Teaching languages to young<br />

learners. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 123-158.<br />

1º momento: continuação e conclusão da discussão do texto sobre literacy skills.<br />

2º momento: Sessão de visionamento – Aula 2 – Eduarda. Discussão sobre a aula.<br />

1º momento: Discussão do texto Can we do ‘Pocker face’ again, Miss?.<br />

2º momento: Sessão de visionamento – Aula 2 – Cláudia. Discussão sobre a aula.<br />

MOON, J. Can we do ‘Pocker face’ again, Miss? In: ______. Children learning<br />

English. Oxford: Macmillan Publishers, 2000, p. 86-98.<br />

1º momento: Sessão de visionamento – Aula 2 – Patrícia. Discussão sobre a aula.<br />

2º momento: Sessão de visionamento – Aula 2 – Suzana. Discussão sobre a aula.<br />

Discussão do texto Why did I do it like this?.<br />

MOON, J. Why did I do it like this? In: ______. Children learning English. Oxford:<br />

Macmillan Publishers, 2000, p. 99-117.<br />

Discussão do texto Tracing the development of robust reasoning.<br />

JOHNSON, K. E. Tracing the development of robust reasoning. In: ______.<br />

Understanding Language Teaching: reasoning in action. Boston: Heinle & Heinle<br />

Publishers, 1999, p. 130-145.<br />

Discussão do questionário sobre os conceitos de língua e ensino de inglês.<br />

227

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