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Edmar Honorato de Sousa – Cobrador - Oktiva

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EDMAR HONORATO DE SOUSA 1<br />

COBRADOR<br />

TESOUREIRO<br />

48 ANOS DE TRABALHO<br />

Empresa São Francisco<br />

Auto Viação Fortaleza<br />

Ida<strong>de</strong>: 64 anos<br />

Esposa: Maria do Socorro Cavalcante <strong>de</strong> <strong>Sousa</strong><br />

Filhos: Marcos, Marta Maria, Mardônio, Marcio, Marcelo, Marcílio e <strong>Edmar</strong><br />

Comecei a trabalhar com transporte na Empresa São Francisco. Era ainda garoto,<br />

com mais ou menos uns 14 anos. Na São Francisco, eu passei seis meses<br />

trabalhando como cobrador. Um dia, no final da linha do ônibus, apareceu um<br />

garoto querendo fazer encrenca comigo, fazer confusão. E eu engrossei com ele<br />

também. Nós nos agarramos para brigar e o fiscal acabou dando parte <strong>de</strong> mim na<br />

empresa. Aí me colocaram para fora, porque não podia brigar. Eu era mesmo<br />

meio esquentado...<br />

Isso foi em 1954. Depois da São Francisco, voltei para Aquiraz, on<strong>de</strong> moravam<br />

meus avós, e passei uma temporada por lá. Fiquei ajudando meu avô na roça,<br />

com as plantações. Um dia pensei: “- Rapaz, eu vou atrás <strong>de</strong> outra coisa! Não vou<br />

ficar aqui não...”<br />

Um dia, um conhecido <strong>de</strong> meu pai <strong>de</strong>u a dica: “<strong>–</strong> Rapaz, vá para a Empresa<br />

Fortaleza e fale com uma pessoa <strong>de</strong> lá... Po<strong>de</strong> até ser que você consiga trabalhar<br />

como cobrador <strong>de</strong> novo”. Eu fiquei todo interessado...<br />

Cheguei na casa do Seu Lima, da Empresa Fortaleza, e falei para um senhor que<br />

estava sentado numa re<strong>de</strong>: “- Olha, eu queria saber se tem vaga para cobrador...”<br />

1 Depoimento à Luciana Cardoso e Patrícia Menezes, na manhã do dia 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, na Auto<br />

Viação Fortaleza. Transcrito em 05 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004, por Patrícia Menezes.


Num dia, o motorista do carro era o Arlindo. Eu era cobrador. O carro começou a<br />

esquentar, porque quando dá problema no radiador, ele começa a esquentar. O<br />

carro estava cheio <strong>de</strong> passageiros e o Arlindo disse: “- <strong>Cobrador</strong>, bota água aqui<br />

no carro, por que está fervendo”.<br />

Eu <strong>de</strong>sci e fui colocar a torneirinha: levantei o capô e coloquei água no carro. Eu já<br />

sentia que o carro vinha <strong>de</strong>scendo e que começava encostar em minhas pernas...<br />

Eu falei para o motorista: “- Rapaz, este carro está me imprensando aqui!” Parece<br />

que ele não ouviu e eu comecei a ficar sufocado. Então ele percebeu o que<br />

acontecia e se aperreou para passar até a marcha ré do carro... Era um daqueles<br />

carros antigos, um Chevrolet 1946. Então ele conseguiu passar a marcha e<br />

quando tirou o carro dali, eu caí. Ele ficou apavorado! Me levaram para o hospital,<br />

que na época era a Assistência Municipal e hoje é o Frotão. Mas, graças a Deus,<br />

não houve nada.<br />

No ônibus, a gente encontra toda espécie <strong>de</strong> passageiros. Tem o passageiro bom,<br />

tem aquele passageiro que irrita a pessoa e fica exigindo porque, às vezes, o<br />

cobrador não tem o troco, outras vezes por que faltava um troquinho...e aí ficava<br />

fazendo aquela confusão toda. Mas eu ia levando com jeito.<br />

Com as pessoas que trabalhavam comigo eu me dava bem. Até hoje, graças a<br />

Deus, me relaciono muito bem com os colegas. Na época <strong>de</strong> cobrador eu fiz<br />

amigos na empresa. A gente saía junto para ir às festas - que se chamavam<br />

“quermesses” - para paquerar. Eu era rapazinho <strong>de</strong> 18, 20 anos! Até que enfim eu<br />

arranjei uma namorada e me casei com 22 anos.<br />

Como cobrador, trabalhei em muitas linhas. Tinha a linha do Alto da Balança, a<br />

linha Djalma Petit, Vila dos Sargentos, on<strong>de</strong> eu trabalhei muito tempo. Tinha<br />

também Dias Macedo.


Mas eu gostava mesmo <strong>de</strong> trabalhar na linha do Alto da Balança, porque era um<br />

pouco mais longa. Então, <strong>de</strong>morava mais no final e dava para bater papo com o<br />

pessoal. Tinha até o barzinho para a gente lanchar. E eu jogava sinuca. De<br />

sinuca a turma gostava! A hora <strong>de</strong> lanche era pequena, uns 10 ou 15 minutos...<br />

mas quando a gente chegava no final da linha e tinha dois ou três carros parados,<br />

eles iam saindo por vez... e <strong>de</strong>morava para o meu carro sair. Se no fim da linha<br />

tivesse três carros parados, eu ia passar ali pelo menos uns cinco minutos. E eu<br />

ficava feliz.<br />

Mas eu não achava muito bom trabalhar como cobrador, não. Eu sentia que não<br />

tinha nenhuma perspectiva <strong>de</strong> vida. Eu achava que como cobrador eu nunca ia ter<br />

uma chance. Eu via que os outros cobradores ficavam um ano, dois anos, três<br />

anos e <strong>de</strong>pois eram postos para fora. Ou então ficavam passando <strong>de</strong> empresa<br />

para empresa e trabalhavam sempre como cobrador. Nós temos um cobrador aqui<br />

na empresa que começou a trabalhar em 1972 e ainda hoje é cobrador.<br />

Além disso, naquele tempo, o pessoal discriminava muito o cobrador. A profissão<br />

era <strong>de</strong>svalorizada. Até para conseguir um flerte com uma menina, tinha sempre<br />

aquela barreira... Quando ela perguntava: “<strong>–</strong> Você trabalha <strong>de</strong> quê?”, eu ficava até<br />

com vergonha <strong>de</strong> dizer que trabalhava como cobrador.<br />

E eu tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> passar a ser motorista. Tem uma história, <strong>de</strong> quando eu fui<br />

tirar a carteira <strong>de</strong> motorista. Coloquei na cabeça que eu tinha que tirar minha<br />

carteira <strong>de</strong> motorista, aí eu falei com o Seu Lima - sempre quando eu queria<br />

alguma coisa, ia falar com o Seu Lima. “- Seu Lima, eu quero tirar minha carteira<br />

<strong>de</strong> motorista”.<br />

Ele me ajudou nisso. Inclusive, ele tinha uma caminhonete e me ensinou a dirigir<br />

no carro <strong>de</strong>le. Mandou eu entrar no carro - eu já sabia mais ou menos como era -,<br />

<strong>de</strong>u umas voltas e mandou eu dirigir para pegar prática e po<strong>de</strong>r tirar a carteira. Eu<br />

só sei que tirei a carteira em 1959.


Mas nunca cheguei a trabalhar <strong>de</strong> motorista. Somente um tempo, em que eu, já<br />

com a carteira <strong>de</strong> motorista, vi uma vaga no jornal e fui ver como era. Falei com o<br />

homem e ele disse que eu voltasse no outro dia. Eu cheguei na Empresa<br />

Fortaleza e avisei o rapaz do setor... não falei nem com o Seu Lima: “<strong>–</strong> Rapaz, eu<br />

vou tentar um serviço, se <strong>de</strong>r certo, eu vou ficar por lá.”<br />

O serviço era para dirigir uma Kombi <strong>de</strong> um doutor, o Dr. <strong>Edmar</strong>... era até meu<br />

xará. Só que eu era um motorista meio... Ainda não tinha aquela prática. Eu<br />

trabalhei uma só semana com o Dr. <strong>Edmar</strong>, porque parece que ele notou que eu<br />

não dirigia bem... Pagou só a minha semana, no valor <strong>de</strong> 600 cruzeiros na época.<br />

Era pouco.<br />

Eu voltei para Empresa Fortaleza. Quando cheguei, eu disse: “- Rapaz, o serviço<br />

lá não <strong>de</strong>u certo, não. Acho que eu era um motorista “rabo <strong>de</strong> cabra”, um motorista<br />

enrolado, um mau motorista. Eu tinha era que trabalhar na Fortaleza mesmo.<br />

Apesar <strong>de</strong> um não querer ser cobrador, quando a gente é novo tudo é bom para<br />

gente. Principalmente os amigos... E eu tinha muitas paqueras no ônibus! Só que<br />

muitas moças só queriam paquerar para a gente dispensar a passagem <strong>de</strong>las...<br />

Quando encontravam a gente em outro local, faziam que nem nos conheciam! Eu<br />

cheguei a notar que era muita paquera por interesse, porque às vezes elas que<br />

não tinham condição financeira e faziam amiza<strong>de</strong> com cobrador e motorista só<br />

para que não cobrassem a passagem <strong>de</strong>las.<br />

Eu trabalhei até 1960 como cobrador. Até que uma vez, fui escalado para<br />

trabalhar num carro, do meio dia até meia noite. Naquela época, os menores não<br />

podiam trabalhar até meia noite, mas eles colocavam a gente mesmo assim.<br />

Acontece que era um dia <strong>de</strong> futebol. Eu gostava <strong>de</strong> futebol. Furei a escala e não<br />

fui trabalhar. No outro dia eu fui chamado pela diretoria da empresa e peguei <strong>de</strong>z<br />

dias <strong>de</strong> suspensão, por causa <strong>de</strong>ste negócio.


Quando eu estava voltando para trabalhar, o Seu Lima mandou me chamar para<br />

ficar na gerência. Tem coisa que é coisa <strong>de</strong> Deus! Aconteceu esta suspensão e eu<br />

já estava pronto para levar uma bronca, quando fui chamado para trabalhar na<br />

gerência! Acho isso aconteceu <strong>de</strong>vido ao meu comportamento, pois esse tempo<br />

todo como cobrador eu nunca tinha feito mais nada que prejudicasse e empresa.<br />

A proposta <strong>de</strong> trabalhar na gerência foi uma felicida<strong>de</strong> para mim. Era como se eu<br />

tivesse sido promovido. Era para eu para prestar contas, à noite, com os<br />

cobradores. Então, eu trabalhava o expediente normal e ainda trabalhava a noite<br />

também. Tinha também outro rapaz que trabalhava comigo. E tinha um vigia, que<br />

também trabalhava na época. Esse vigia auxiliava a gente a <strong>de</strong>spejar as fichas da<br />

caixa coletora. Ele dava uma mãozinha... tirava as fichas da caixa e trazia para o<br />

rapaz contar.<br />

Quando os cobradores traziam as fichas e a gente anotava num mapa: colocava o<br />

número do carro, o número da linha e fazia a conta do cobrador. Era assim: o<br />

cobrador saía no carro com 1.000 fichas inteiras e com 600 fichas meias. Se ele<br />

tinha levado 1.000 fichas e trazia 500, por exemplo, então ele tinha vendido 500. E<br />

aí a gente calculava com o valor da passagem. Se tivesse saído com 600 meias e<br />

voltado com 400, ele tinha vendido 200 meias.<br />

Depois eu fazia a conta das meias com as inteiras e <strong>de</strong>scontava na hora o salário<br />

do cobrador para ele po<strong>de</strong>r receber o dinheiro diariamente. Naquela época, o<br />

pagamento era pela diária, tanto do motorista como do cobrador. Motorista recebia<br />

comissão <strong>de</strong> 10%. Do cobrador o percentual era <strong>de</strong> 5%. Era carteira assinada,<br />

mas eles recebiam diariamente, por comissão... Como é no comércio, só que no<br />

comércio tem salário mais comissão. Não me lembro quando foi que esse sistema<br />

mudou, mas lembro que ficou por pouco tempo. Já o meu salário era fixo, mas eu<br />

não tenho lembrança quanto era na época.


Muitos cobradores pegavam o dinheiro e no outro dia já estavam sem nada.<br />

Pegavam e gastavam tudo. Eu nunca gostei <strong>de</strong> fazer isto não... Sempre eu<br />

guardava um pouco para ter no outro dia. Eu sempre gostei <strong>de</strong> me preocupar com<br />

o dia <strong>de</strong> amanhã, porque ninguém nunca sabe o que vai acontecer amanhã.<br />

Ás vezes, o cobrador queria levar vantagem e enganava o passageiro: o cara<br />

dava um valor e ele dava o troco errado... Isso acontecia muito. Não é que eu<br />

queira ser bonzinho não, mas graças a Deus, eu tratei <strong>de</strong> fazer meu serviço<br />

direitinho, a prova é que eu estou trabalhando até hoje na empresa. Se eu não<br />

tivesse feito meu serviço direito, hoje eu não estaria aqui.<br />

Na gerência nunca <strong>de</strong>u problema, porque eu prestava a conta <strong>de</strong>les aqui e já<br />

<strong>de</strong>scontava a comissão. Aí eles saíam na or<strong>de</strong>m, ficavam na fila. Um cobrador<br />

vinha, prestava conta e saía. Depois vinha outro, prestava conta, e saía. E aí eu<br />

guardava o dinheiro num cofre. Inclusive, o cofre está ainda aqui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1955,<br />

quando cheguei na empresa. Ele ficava na sala do Seu Lima. As fichas ficavam<br />

num caixote.<br />

Algumas vezes eu cheguei a discutir com os cobradores por questão <strong>de</strong> dinheiro<br />

<strong>de</strong>sarrumado. Quando eles traziam o dinheiro <strong>de</strong>sarrumado, com muita moeda,<br />

dava muito trabalho para a gente conferir. Eu reclamava com o cobrador: “<strong>–</strong><br />

Rapaz, ajeita mais esse dinheiro aí. Tu estás trazendo este dinheiro todo<br />

<strong>de</strong>sarrumado, <strong>de</strong>sorganizado...”<br />

Nessa época, eu gostava da hora do almoço. Tinha uma senhora que fazia uma<br />

comida muito gostosa. A empresa ficava lá na Aerolândia, em frente à Base<br />

Aérea. O almoço a gente comprava e muitas vezes, pagava por semana.<br />

Além <strong>de</strong>sse trabalho com os cobradores, eu fazia outra tarefa também: Encerrava<br />

a prestação <strong>de</strong> contas e pegava o dinheiro todo numa maleta, que, naquela época<br />

era chamada <strong>de</strong> maleta 007. E eu saía, pegava um táxi e ia <strong>de</strong>ixar o dinheiro no


Banco Parnaíba. Naquela época a gente andava com dinheiro tranqüilo, não tinha<br />

nenhum problema. Eu ia <strong>de</strong> táxi todos os dias. Era como um office boy. Cheguei a<br />

fazer esse trabalho <strong>de</strong> ônibus também, mas logo falei com o dono da empresa,<br />

dizendo que era muito ruim andar <strong>de</strong> ônibus com aquela mala cheia <strong>de</strong> dinheiro e<br />

perguntando se ele me autorizava ir <strong>de</strong> táxi.<br />

Assim eu saía, <strong>de</strong>positava o dinheiro, percorria os bancos fazendo pagamentos,<br />

quitando duplicatas e quando chegava no último, eu voltava. O pessoal dos<br />

bancos já me conhecia, então eu <strong>de</strong>ixava os papéis lá: “- Eu quero pagar uma<br />

duplicata da Auto Viação Fortaleza”... O pessoal do banco já sabia. Aí eu não<br />

ficava esperando, porque tinha muita fila. Depois vinha só recolhendo as<br />

duplicatas. Era muito cansativo... quando terminava o expediente, eu ia direto para<br />

casa, jantava e vinha trabalhar <strong>de</strong> novo. A mulher ficava em casa, cuidando dos<br />

meninos.<br />

Teve um dia eu saí com o dinheiro <strong>de</strong>ntro da pasta 007. Cheguei no banco e<br />

coloquei no balcão o dinheiro todo espalhado. Eu não tinha medo <strong>de</strong> ladrão,<br />

porque naquela época tinha menos... Mesmo assim, chegou um rapaz e colocou a<br />

mão em um dos pacotes. Então eu disse: “- Eh, rapaz... Espere aí, <strong>de</strong>ixe aí!”. Aí<br />

ele disse para mim: “- Não dê sopa, senão eu levo. “<br />

Enfim, quando eu comecei a trabalhar na gerência, eu entrava às sete da manhã,<br />

ia para casa almoçar e entrava <strong>de</strong> novo à uma da tar<strong>de</strong>. Ficava na empresa até às<br />

três horas, porque eu tinha que levar o dinheiro para o banco e resolver alguma<br />

coisa no comércio. De lá, eu ia para casa, chegava mais ou menos às cinco e<br />

meia, tomava banho, jantava, - muitas vezes eu nem jantava, porque chegava em<br />

cima da hora e <strong>de</strong>ixava para jantar quando eu voltasse. Voltava para a empresa<br />

às sete horas da noite e saía às nove ou <strong>de</strong>z horas... Isso era sacrificado para a<br />

minha família.


Passei 17 anos trabalhando nesse sistema. Foi muito tempo... Inclusive hoje, eu<br />

ainda trabalho na tesouraria. Só que mudou: antigamente chamava <strong>de</strong> gerência.<br />

Tenho 31 anos como tesoureiro. Eu me acordo às cinco horas da manhã e entro<br />

na empresa às seis horas. Trabalho até 11 horas, <strong>de</strong>pois vou para casa, com<br />

intervalo <strong>de</strong> duas horas. Depois, entro <strong>de</strong> volta à uma da tar<strong>de</strong> e saio às quatro.<br />

Só que eu nunca saio às quatro... fico sempre mais um pouco, porque eu acho<br />

que é muito cedo para estar às quatro horas em casa. Fazendo o quê?<br />

A tesouraria tem sete pessoas. Teve uma época que eu fazia o pagamento dos<br />

motoristas. Fazia um envelope para cada um todos os dias. Depois pagamento <strong>de</strong><br />

pessoal passou a ser semanal, <strong>de</strong>pois quinzenal. Hoje, eu não faço mais<br />

pagamentos <strong>de</strong> funcionários, porque essa parte ficou com o setor pessoal. Minha<br />

responsabilida<strong>de</strong> é só com dinheiro que entra na tesouraria. Além disso, hoje os<br />

funcionários recebem em banco, o que acho muito bom para uma empresa como<br />

esta, com 800 pessoas...<br />

Em computador não mexo muito, não. Meu serviço é mais fazendo conferência <strong>de</strong><br />

dinheiro. Faço pagamentos internos ou <strong>de</strong> empresas que prestam serviço para cá<br />

e fornecedoras. Atendo também os cobradores, quando eles chegam com aqueles<br />

malotes, para conferir a conta <strong>de</strong>les. Muitos querem que a gente confira logo na<br />

hora, porque às vezes, no malote, falta dinheiro. Eu acho melhor que o cobrador<br />

espere para sair tudo limpo.<br />

Quem trabalha com dinheiro sempre tem momentos estressantes, e, às vezes,<br />

cheguei a levar problemas para casa. È um ramo muito sério, pois quem trabalha<br />

com dinheiro sempre sofre <strong>de</strong>sconfianças. Mas, graças a Deus, eu procuro fazer<br />

<strong>de</strong> uma maneira para que não haja nenhuma <strong>de</strong>sconfiança. Muitas vezes, eu vou<br />

encerrar aquela contagem <strong>de</strong> dinheiro, e aí dá problema... dá uma falta e já é um<br />

problema! Muitas vezes você procura e encontra, mas em outras vezes você não


encontra... O responsável pela tesouraria sou eu. Eu é que tenho <strong>de</strong> prestar conta<br />

daquele dinheiro que recebi.<br />

Uma vez, eu estava almoçando e teve um assalto aqui. Levaram R$ 29.000,00.<br />

Outra vez, levaram mais R$ 35.500. Ren<strong>de</strong>ram o diretor, o Ronaldo, no chão e<br />

ficaram com a arma apontada para ele. Depois veio um rapaz que fez a<br />

ocorrência. Mas o dinheiro é segurado. A gente só mostra os boletos, para checar<br />

com a quantia que foi roubada. O seguro é só <strong>de</strong> R$ 30.000,00 e o que exce<strong>de</strong> a<br />

isso, a empresa per<strong>de</strong>.<br />

No final <strong>de</strong> meu serviço, eu pago à contabilida<strong>de</strong>. O carro forte vem pegar uma<br />

parte do dinheiro, mas a papelada <strong>de</strong> pagamento eu passo toda para<br />

contabilida<strong>de</strong>. O dinheiro que cobradores trazem à tar<strong>de</strong>, eu ainda guardo no meu<br />

cofre antigo. Agora, o da noite não coloco nele, porque é muito dinheiro. Esse, o<br />

pessoal passa para a boca <strong>de</strong> lobo, que é um cofre muito maior, que comporta<br />

muito mais dinheiro.<br />

Eu me aposentei no dia 25 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1987. Foi o seguinte: eu me aposentei<br />

proporcional, não esperei nem pelo tempo. Fui contar meu tempo <strong>de</strong> serviço e na<br />

época <strong>de</strong>u 31 anos e dois meses. Eu conversava muito com o seu Lima e ele<br />

disse assim: “- Rapaz, tu <strong>de</strong>vias se aposentar, porque ao invés <strong>de</strong> você pagar, vai<br />

é receber.” Aí eu disse: “- Sabe que é mesmo?!”<br />

Então fui falar com o Ronaldo e perguntei a ele: “- Se eu me aposentar, posso<br />

continuar trabalhando aqui?” Ele disse que eu podia, que não tinha problema<br />

nenhum. O Seu Lima já tinha me dado luz e o Ronaldo confirmou. Então eu fui<br />

atrás da aposentadoria.<br />

Se eu não pu<strong>de</strong>sse continuar na empresa, não tinha me aposentado. Não queria<br />

ficar ocioso. Resolvi me aposentar e recebi meus direitos, fundo <strong>de</strong> garantia,


seguro, tudo. Fiquei na empresa. Eles assinaram minha carteira <strong>de</strong> novo no dia 1º<br />

<strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1987 e já estou com 16 anos <strong>de</strong> carteira assinada novamente.<br />

Hoje eu sou o tesoureiro e é bom. Graças a Deus posso trabalhar e consegui uma<br />

vida melhor. Tenho uma casa on<strong>de</strong> morar, um carrinho para andar, tenho uma<br />

família com quem me relaciono muito bem. Tenho 07 filhos.<br />

Meus filhos Marcos e Marcelo também trabalham aqui na Fortaleza. O Márcio está<br />

no setor pessoal e o Marcelo é digitador na tesouraria. Fui eu que trouxe o Marcos<br />

para cá. Ele estava fazendo faculda<strong>de</strong> e ficava a parte da tar<strong>de</strong> sem fazer nada. Aí<br />

eu falei com o Ronaldo, nosso diretor, perguntando se eu podia trazer um filho que<br />

estava fazendo faculda<strong>de</strong>, para ele po<strong>de</strong>r fazer alguma coisa e ajudar nos<br />

estudos. Aí ele veio e está aí até hoje. Já tem 22 anos <strong>de</strong> empresa.<br />

O outro filho trabalha comigo, mas está <strong>de</strong> férias. Eu tenho três filhos que<br />

trabalham no setor dos transportes: dois estão na Fortaleza e um outro está na Via<br />

Urbana. Cinco dos meus filhos já são formados e tem um outro que já está<br />

chegando lá.<br />

A gente sempre quer o melhor para os filhos... Eu gostaria que eles... Mas aqui é<br />

bom. Se você for comparar em termos <strong>de</strong> salário, pouca gente tem o salário que a<br />

gente tem aqui. Po<strong>de</strong>mos nos consi<strong>de</strong>rar privilegiados.<br />

Eu acho que a minha tarefa na empresa é importante. Há uma confiança, e, aqui,<br />

se confia plenamente naquele setor do qual eu sou responsável. Eu acho muito<br />

isso muito importante. Principalmente na tesouraria, on<strong>de</strong> se trabalha com<br />

dinheiro, precisa ter muita confiança. Tem gente que não po<strong>de</strong> ver dinheiro, não. É<br />

uma responsabilida<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong>. Graças a Deus eu sou recompensado por<br />

isso.


No dia 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong>ste ano completei 48 anos e 9 meses <strong>de</strong> trabalho, contando<br />

tudo até hoje! Eu acho que isso é até uma felicida<strong>de</strong>, porque existem poucos<br />

casos <strong>de</strong>stes. Às vezes eu paro para pensar e fico imaginado como é que po<strong>de</strong> a<br />

pessoa passar este tempo todo trabalhando, enquanto está faltando tanto<br />

emprego.<br />

Essa empresa tem mais <strong>de</strong> 50 anos. Quando o Seu Lima comprou, ela já tinha<br />

outro dono. Já tinha passado por dois donos. O primeiro dono foi o Manoel<br />

Serafim e o segundo foi o Herculano, que é cunhado do Seu Lima. Foi do<br />

Herculano que passou para o Seu Lima.<br />

Nesse tempo todo aqui, vivi alguns momentos <strong>de</strong> crise, que a gente acaba<br />

acompanhando. Mas essas crises não afetaram o meu trabalho, porque sempre fiz<br />

a mesma coisa durante elas. Só que a gente se preocupa com as crises, porque<br />

quem trabalha numa empresa <strong>de</strong>stas tem que zelar pelo seu bem estar. Se a<br />

empresa está bem, o funcionário tem que acompanhar; se a empresa está mal, aí<br />

fica ruim para o funcionário também.<br />

Na época que entrou este grupo do Seu Jacob, a empresa melhorou muito! Ele<br />

colocou muito dinheiro aqui e melhorou muito a situação. Ele chegou em 1991. A<br />

empresa cresceu muito mais. Veio muito sangue novo e a gente vai apren<strong>de</strong>ndo<br />

com isso.<br />

E nunca gostei <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> sindicato, não. Eu era apenas um contribuinte...<br />

Até a época que eu me aposentei eu paguei trinta e tantos anos <strong>de</strong> sindicato.<br />

Depois que me aposentei eu não paguei mais. O sindicato sempre traz algum<br />

benefício para a gente. Ele faz aquelas greves e as empresas sempre ce<strong>de</strong>m um<br />

pouco.<br />

Só que eu nunca participei <strong>de</strong> greve. Quando elas aconteciam, a gente ficava<br />

sempre na empresa, só vendo e recolhendo os ônibus. Alguns funcionários iam,


mas, eu mesmo, nunca fui. E nunca ninguém reclamou por eu não ir às greves...<br />

Cada um tinha a sua opção. Eles ficavam lá fazendo a greve e <strong>de</strong>pois chegavam a<br />

beneficiar a gente também.<br />

Sabe, eu gosto muito <strong>de</strong> trabalhar aqui. Passei minha vida toda aqui. Só cheguei a<br />

fazer até o primário, e esta empresa é como se fosse uma escola, um colégio para<br />

mim. Eu aprendi muitas coisas aqui. Parece que eu fui para uma sala <strong>de</strong> aula...<br />

Quando eu cheguei aqui, mesmo com a 5ª série, eu não sabia quase nada. Acho<br />

que me acomo<strong>de</strong>i <strong>de</strong>mais... Me preocupei só com trabalho, trabalho... Aí esqueci<br />

do futuro, esqueci <strong>de</strong> estudar. Comecei a trabalhar cedo, ganhando dinheiro e fui<br />

me empolgando com aquele dinheirinho que ganhava. Depois veio o namoro, o<br />

casamento, os filhos e pronto. Mas graças a Deus eu estou feliz, mesmo assim.<br />

Eu era muito amigo do Seu Lima. Ele foi como o meu segundo pai, porque ele fez<br />

muita coisa por mim. Me ajudou comprar uma casa, eu fiz o acordo com a<br />

empresa para não sair....<br />

Por isso, se eu fosse começar <strong>de</strong> novo, escolheria <strong>de</strong> novamente essa história no<br />

transporte. Foi um caminho que eu procurei e me <strong>de</strong>i bem... mesmo com a minha<br />

pouca escolarida<strong>de</strong>.<br />

Hoje, nem penso nas coisas que eu gostaria <strong>de</strong> mudar no meu serviço. Acho que<br />

não vou passar muito tempo mais por aqui... Não que eu esteja cansado, mas<br />

porque estou aqui há tanto tempo e acho que vai chegar o dia <strong>de</strong> o dono pedir<br />

para eu sair. Só que eu fiz um propósito comigo mesmo: assim como eu cheguei<br />

pedindo para entrar, quero, um dia, chegar lá nos homens e pedir para sair. Não<br />

quero nunca ser posto para fora da empresa, não. “ - Ah! Botaram o <strong>Edmar</strong> para<br />

fora da empresa!”. Isso não. Eu quero que chegue um dia que eu vá lá e agra<strong>de</strong>ça<br />

a todos os diretores por tudo que eles fizeram por mim. E eu sei que nesse dia o<br />

impacto vai ser gran<strong>de</strong> para mim.

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