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Jose Estevao Sobrinho - Oktiva

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JOSÉ ESTEVÃO SOBRINHO 1<br />

EMPRESÁRIO<br />

EMPRESA BOM JESUS DO HORTO<br />

Idade: 67 anos<br />

Nascido em Juazeiro do Norte - Ceará<br />

Esposa: Maria Rici Lima Estevão<br />

Filhos: Selma, José Filho, Stênio, Kátia, Cássia e Silvana.<br />

O primeiro ônibus que circulou dentro de Juazeiro do Norte foi um Chevrolet a<br />

gasolina ano 1951. Era do meu compadre Lunga. Naquele tempo, ninguém<br />

aqui em Juazeiro falava em ônibus. O pessoal dizia que era “sopa”. Chamavam<br />

os carros de transporte de passageiros de “sopa”, já viu? Eu nem sei que<br />

diabos pode ser essa “sopa”. Sopa, para mim, é de comer...<br />

Eu nasci nesses brejos do Rio Salgadinho. Sempre gostei de motor. Desde<br />

pequeno, eu só queria brincar com carro. Não queria brinquedo de bola, essas<br />

coisas. Gostava mesmo era de fazer estradinhas para passar os carrinhos.<br />

Lembro que estavam construindo a estrada e eu passava o dia todinho<br />

correndo atrás das máquinas, levando poeira e sol, só para escutar o barulho<br />

dos motores. Os cabras iam operando as máquinas e eu olhando... Minha<br />

vocação na vida é carro.<br />

Quando eu tinha uns 12 ou 13 anos fui trabalhar com o Seu Alfredo Martins da<br />

Silva. Ele tinha uma caminhonete rural, que fazia o transporte do Juazeiro. Eu<br />

era o motorista. Carregava passageiros e cargas, mas não tinha linha certa.<br />

Resolvíamos na hora: “- Vamos no Caririaçu,” ou “- Vamos em Aurora”... E<br />

íamos, sempre com a rural. Aquilo era uma beleza, uma satisfação para nós.<br />

As rurais não eram de empresa nenhuma. Tinham só o nome do proprietário.<br />

Eram do Seu Alfredo ou do “Cumpadi” Lunga, que tinha umas caminhonetes<br />

Willis. Eu trabalhava junto deles. Naquele tempo, o “Cumpadi” Lunga tinha uma<br />

padaria, uma moageira de milho e vendia colorau, café, bolacha... Eu e o Seu<br />

Alfredo levávamos as mercadorias dele para deixar no Crato, na Barbalha e até<br />

nesses cantos mais longe, aqui mesmo no Juazeiro. Às vezes, usávamos as<br />

Willis dele, porque ele dirigia pouco, deixava as caminhonetes mais para<br />

fretamento.<br />

As caminhonetes tinham aquelas carrocerias fundas. Quando levávamos<br />

carga, era só carga. Quando levávamos passageiros, era só passageiro. Os<br />

passageiros, nós levávamos daqui para a Palmeirinha. A Palmeirinha foi a<br />

primeira linha do Juazeiro, que nós formamos com as rurais. Só depois é que<br />

foram surgindo os ônibus.<br />

1 Depoimento à Aida Eskinazi e Patrícia Menezes, na manhã do dia 30 de novembro de 2010, na sede da<br />

Empresa Bom Jesus do Horto, em Juazeiro do Norte. Transcrito em 03 de janeiro de 2011.


Eu fiquei dezoito anos e meio trabalhando com o Seu Alfredo. Depois resolvi<br />

trabalhar para mim. Juntei uma bicicleta, um rádio, uma máquina de costura e<br />

vendi. Deu pouca coisa, uns 80 mil... O rádio precisava ficar chiando meia hora<br />

até chegar a fala... Tem gente que diz que, depois de tanto tempo de trabalho<br />

com o Seu Alfredo, eu merecia ganhar um ônibus. Hoje, se um motorista fica<br />

quinze dias trabalhando para você, já vai “procurar seus direitos” na Justiça. É<br />

isso que a gente vê hoje. Mas eu acho que não. Eu tinha o meu direito, que era<br />

o que eu recebia toda a semana para trabalhar.<br />

O “Cumpadi” Lunga tinha comprado aquele Chevrolet 1951 no Rio de Janeiro.<br />

Foi o primeiro ônibus de Juazeiro. Só passava dentro da cidade. Eu comprei o<br />

ônibus dele com os 80 mil e ele deixou que eu pagasse o resto em prestações,<br />

do jeito que pudesse.<br />

O ônibus era a gasolina, ficava rodando no meio dos matos. No inverno era<br />

lama, no verão era areia. Não deu certo, porque, naquele tempo, a cidade do<br />

Juazeiro ia só da Prefeitura ou do Mercado Central até a Matriz. Não tinha<br />

passageiro para circular. O que eu apurava no número de passageiros só dava<br />

para botar a gasolina.<br />

Quando eu terminei de pagar o ônibus, desmanchei e transformei num<br />

caminhão. Fiz sozinho. Então comecei carregando pedra, areia, tijolo, lenha.<br />

Era dia e noite, sem parar. Só eu na direção. Com o dinheiro desse caminhão,<br />

eu consegui comprar outro ônibus, mais moderno. Era um carrinho desses que<br />

levantava os vidros como um trem. Tinha janela de trem. Trabalhar com ônibus<br />

já tinha ficado melhor do que com caminhão.<br />

Depois vendi esse ônibus com janela de trem e comprei outro. Um Caio<br />

curtinho, muito antigo. Mais ou menos 1966 ou 1968... De lá para cá, fui<br />

trocando os ônibus até que passei a ter 5 Ciferal com janelinha, coisa de luxo.<br />

Foi com o ônibus Caio que eu consegui a linha do Horto. Foram o Padre Nestor<br />

mais o finado Leandro Bezerra que ajeitaram para mim. Começou com a linha<br />

do Juazeiro – Espinho - Sítio Taquari, o caminho dos romeiros. Naquele tempo,<br />

chegava muito romeiro no Juazeiro nos paus-de-arara. Eu ficava com o ônibus<br />

parado na Praça Padre Cícero e eles pediam: “- Vamos no Horto?”. Lá ia eu,<br />

fretado para o Horto. Quando chegava lá: “- Dá para o senhor esperar até a<br />

gente terminar a visita e nos levar de volta?”. Então eu esperava e voltava. E<br />

foram indo e voltando, até que deu essa ideia de registrar a linha. O Padre<br />

Nestor e o Leandro Bezerra registraram e depois deram para mim.<br />

Eu ainda não tinha empresa. Só tinha os ônibus registrados na Inspetoria do<br />

Trânsito, que ficava numa casinha de esquina, pertinho do Socorro. Ia até lá e<br />

emplacava. Para fazer a linha, não precisava ter empresa. Era o prefeito quem<br />

autorizava. Pagava-se uma taxa e pronto. Todo o mês, o prefeito dava aquela<br />

linha para mim. Me chamavam de “José Estevão da linha do Horto”. Vinha um<br />

carnezinho para pagar. Eu pagava o carnê e rodava. Só isso. Depois foi<br />

modernizando e o prefeito passou a receber por porcentagem. Era 2,5%,


depois 3,0% e chegou a 5,0% do bruto. Hoje não tem mais isso. A gente paga<br />

um imposto fixo para a Prefeitura e a Receita Federal, tudo junto.<br />

Isso foi por volta de 1968. Eu registrei a empresa depois, entre 1978 e 1982...<br />

Não lembro bem. A documentação está toda com o contador. Pus o nome de<br />

Viação Bom Jesus do Horto. Quando eu registrei, era uma empresa<br />

pequenininha, só tinha dois ônibus. Com o tempo é que eu fui crescendo.<br />

Nessa história, já comprei 16 ônibus e fiz este galpão. Hoje, eu tenho nove<br />

ônibus, três motoristas e três cobradores.<br />

Eu trabalho sozinho. Nunca tive sócios. Nunca botei gerente para administrar.<br />

Como é pouca coisa, eu mesmo posso resolver. No começo, eu fazia até a<br />

manutenção. Éramos eu, minha esposa e meus meninos. Depois minha<br />

esposa morreu e ficamos só nós.<br />

Estou na linha do Horto e do Sítio Taquari até agora. São praticamente a<br />

mesma linha, só que a do Taquari termina um quilômetro antes. É uma linha<br />

pinga-pinga, daquelas que vão parando e que o passageiro dá com a mão para<br />

subir. Como se fosse circular. Hoje, a passagem custa R$ 1,50.<br />

Teve um tempo em que o José Gonçalves, da Viação Pernambucana, me deu<br />

a linha do Crato para as Batatateiras, dentro do município do Cariri (sic). Mas<br />

eu abandonei. Abandonei também as linhas aqui do Juazeiro. No tempo em<br />

que eu tinha o caminhão, apareceu um rapaz, o José Firmino, e formou a<br />

Viação Padre Cícero, dentro do Juazeiro. Rodava para os matos, começando<br />

no lado do Romeirão. Era só mato, mas era para onde a cidade estava indo.<br />

Depois, o Antônio Lobo comprou a Viação Padre Cícero e formou a Empresa<br />

Lobo. Ele era muito organizado e cresceu muito. Tinha ônibus muito bons.<br />

Teve vezes, que rodava meses sem carregar passageiros, mas sempre ia para<br />

onde a cidade estava crescendo. Então deu certo. O Antônio Lobo fazia as<br />

linhas do Juazeiro e eu fazia para Horto. Fiquei para trás. Deixei as linhas da<br />

cidade, para não concorrer com ninguém. Aí chegaram outras empresas. A<br />

Viação Brasília, do Raimundo Ferreira, comprou o direito de um bocado de<br />

kombis que rodavam daqui para o Crato e se sustentou.<br />

São empresas maiores que a minha, que tem faturamentos grandes. A Viação<br />

Bom Jesus do Horto é a menor. Acho que a minha é a história mais sofrida do<br />

Juazeiro do Norte, talvez do Ceará. Meu faturamento é pequeno. Ganho um<br />

pouco mais quando tem as romarias. Os ônibus começam a rodar às 04 horas<br />

da manhã e vão até às 07 da noite, saindo dos terminais. Eu consegui um lugar<br />

nos terminais.<br />

Minha empresa está encolhendo. Principalmente por causa do idoso, que não<br />

paga passagem. Na minha linha, tem mais idoso que passageiro pagando<br />

passagem. Aí vem a polícia, vem a guarda municipal, vem o agente de saúde...<br />

É tanta entidade que anda de graça, que se for carregar tudo, não precisa de<br />

cobrador. Basta colocar o ônibus na linha.<br />

Sempre foi a Prefeitura que deu o preço da passagem. Em Juazeiro, cada linha<br />

tem um preço. Hoje, tem linha de R$ 1,30, de R$ 1,50. Na época do prefeito


Salviano, toda a vez que tinha aumento da passagem em Fortaleza,<br />

aumentava o preço da passagem um pouquinho aqui também.<br />

Hoje tem o Demutran para organizar o transporte. Os meninos do Demutran<br />

estão planejando com as empresas, para no final do ano, fazer uma promoção<br />

de alguns dias, diminuindo a passagem para R$ 1,00. Só que quem tem 1.000<br />

passageiros por dia, pode fazer essa promoção. O pobrezinho do Zé Estevão<br />

não pode, não. Meus ônibus só dão 200 passageiros por dia. Tem dia que nem<br />

dão 200 passageiros... Mostre o faturamento, minha filha.<br />

Houve uma reunião e nós combinamos com o Demutran de ficar usando esses<br />

ônibus até 2015. Depois de 2015, só vamos poder rodar com ônibus de menos<br />

de dez anos. Vai melhorar. Vão ficar carros bons. É bom para o passageiro e<br />

bom para a gente, porque não vão dar muita preocupação.<br />

Só que eu, agora, estou com esse horror de carro na garagem, sem poder mais<br />

rodar para fora. Não posso mais fazer o fretamento para outros lugares, só<br />

posso colocar ônibus dentro da cidade. Porque o Governo fez essa licitação<br />

para o transporte intermunicipal e só podem rodar ônibus com menos de dez<br />

anos.<br />

Com meus ônibus só posso rodar se for clandestino. Se eu for para o Crato e<br />

for pego, vou preso. Se for para Barbalha, vou preso. Se for para Caririaçú, vou<br />

preso. Estamos numa situação em que não se vê saída, não. Temos que ter<br />

muita calma para ver como vamos fazer. Meus ônibus são velhos, mas são<br />

bons. Eles podem rodar até São Paulo, se quiserem. É só encher o tanque que<br />

chegam até lá, mesmo o ônibus mais velho que eu tenho. Uma prova é a<br />

ladeira do Horto. A maior ladeira que tem no município do Juazeiro se chama<br />

ladeira do Horto. E meus ônibus sobem, com 60, 70 passageiros, todos os<br />

anos.<br />

Agora estão parados aí, se desmanchando, porque não posso usar para<br />

fretamento. Quem vai querer comprar meus ônibus? Se eu não posso rodar<br />

para fora, ninguém vai poder também... Eles valem uns 70 mil, mas não posso<br />

vender... Então, o Governo do Estado do Ceará botou a gente dentro de uma<br />

casa e trancou a porta. Não deu saída.<br />

Essa é a minha história. Não teve acidente, não teve nada demais. Só trabalho.<br />

Abaixo de Deus, só o “Cumpadi” Lunga, que é esse historiador, um cabra muito<br />

sincero e muito seguro nas coisas que diz. E também o Seu Alfredo. Todos os<br />

dois. Eles me ensinaram a comprar, a vender, a saber viver.

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