esTruTura agrária e produção de açÚcar nas FaZendas ... - CCHLA
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ESTRUTURA AGRÁRIA E PRODUÇÃO DE AÇÚCAR<br />
NAS FAZENDAS DOS INCONFIDENTES MINEIROS<br />
ALVARENGA PEIXOTO E JOSÉ AIRES GOMES<br />
André Figueiredo Rodrigues 1<br />
Não menos mostra o Gênio a agricultura<br />
Tão rara do País, aon<strong>de</strong> a dura<br />
Força dos bois não geme ao grave arado;<br />
Só do bom lavrador o braço armado<br />
Derriba os matos, e se ateia logo<br />
Sobre a seca matéria o ar<strong>de</strong>nte fogo.<br />
Da mole <strong>produção</strong> da cana loura<br />
Ver<strong>de</strong>ja algum terreno, outro se doura;<br />
O lavrador a corta, e lhe prepara<br />
As ligeiras moendas; ali pára<br />
O espremido licor nos fundos cobres:<br />
Tu, ar<strong>de</strong>nte fornalha, me <strong>de</strong>scobres<br />
Como em brancos torrões haja tornado<br />
A estímulos do fogo o mel coalhado.<br />
O arbusto está, que o vício tem subido<br />
A inestimável preço, reduzido<br />
A pó sutil o talo e a folha inteira.<br />
Cláudio Manuel da Costa. Vila Rica, Canto X<br />
Em 1773, Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) concluiu o poema épico<br />
Vila Rica. Celebrando a <strong>de</strong>scoberta do ouro e a fundação das cida<strong>de</strong>s mineiras,<br />
conferiu a esses acontecimentos nítida louvação ao valor dos paulistas que primeiro<br />
<strong>de</strong>sbravaram as Mi<strong>nas</strong> Gerais 2 .<br />
A primeira <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> ouro oficial foi registrada por Antônio Rodrigues Arzão<br />
nos sertões do rio Casca (1692), embora muito antes já o fora, sem manifesto às<br />
autorida<strong>de</strong>s, por Manuel Borba Gato, no Sabarabuçu (hoje região <strong>de</strong> Sabará), assim<br />
como pelo mulato referido pelo jesuíta André João Antonil (1649-1716), em sua<br />
obra Cultura e opulência do Brasil (1711). Com o <strong>de</strong>scoberto aurífero oficial teve<br />
1 Doutorando em História pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, Letras e Ciências Huma<strong>nas</strong> da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo (FFLCH-USP) e Bolsista da Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa do Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />
(FAPESP). E-mail: andre_his@bol.com.br<br />
2 Sobre Cláudio Manuel da Costa e seu contexto histórico e literário, conferir: ALCIDES, Sérgio. Estes<br />
penhascos: Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Mi<strong>nas</strong>, 1753-1773. São Paulo: Hucitec,<br />
2003 e MUZZI, Eliana Scotti. Epopéia e história. In: COSTA, Cláudio Manuel da; GONZAGA,<br />
Tomás Antônio; PEIXOTO, Alvarenga. A poesia dos inconfi<strong>de</strong>ntes. Organização <strong>de</strong> Domício<br />
Proença Filho. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Aguilar, 1996, p. 349-354.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 129
início o verda<strong>de</strong>iro povoamento <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais.<br />
A corrida pelo ouro levou gente <strong>de</strong> toda a parte da colônia para aquela região,<br />
sobretudo vindos <strong>de</strong> São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro e Bahia, e também <strong>de</strong> Portugal.<br />
Em poucos anos, o território, então habitado ape<strong>nas</strong> por indíge<strong>nas</strong>, tem procura<br />
intensa. É tal a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas que se dirigem às mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong> ouro que logo<br />
se formam arraiais.<br />
Nos anos finais do século XVII e princípios do XVIII, aventureiros à caça <strong>de</strong> ouro<br />
ampliaram o número <strong>de</strong> faisqueiras, catas e povoados. E na mesma proporção,<br />
acirrando conflitos <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m, principalmente com os paulistas, que se julgavam<br />
donos das mi<strong>nas</strong> como pioneiros <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scoberta.<br />
Apesar dos métodos rudimentares <strong>de</strong> mineração, as primeiras extrações foram<br />
relativamente fáceis e lucrativas. Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda registra que as remessas<br />
<strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais para Portugal subiram <strong>de</strong> 725 quilos em 1699 para 1.785<br />
quilos em 1701 e para 4.350 em 1703 3 . Esse crescimento <strong>de</strong>u-se pela rápida<br />
expansão das áreas <strong>de</strong> mineração com os <strong>de</strong>scobertos <strong>de</strong> Ouro Preto, Mariana, São<br />
João <strong>de</strong>l Rei e São José <strong>de</strong>l Rei.<br />
Três caminhos se <strong>de</strong>stacavam <strong>nas</strong> rotas que se dirigiam as Mi<strong>nas</strong> Gerais. O<br />
Caminho do Rio São Francisco, que ligava a cida<strong>de</strong> da Bahia (Salvador) às mi<strong>nas</strong><br />
do rio das Velhas; o Caminho Geral do Sertão, conhecido por Caminho Velho, que<br />
partia da vila <strong>de</strong> São Paulo e se dirigia até Vila Rica, e o Caminho Novo dos Campos<br />
Gerais, chamado somente <strong>de</strong> Caminho Novo, que ligava as zo<strong>nas</strong> auríferas ao Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Ao longo dos caminhos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos do setecentos, surgiram<br />
as primeiras fazendas (terras utilizadas para a prática da pecuária) e roças (terras<br />
utilizadas para agricultura ou ativida<strong>de</strong>s mistas – agricultura e criação <strong>de</strong> animais)<br />
como ativida<strong>de</strong>s auxiliares da economia da mineração.<br />
A distância entre as áreas <strong>de</strong> extração do ouro e os centros <strong>de</strong> abastecimento dos<br />
produtos <strong>de</strong> primeira necessida<strong>de</strong>, que se localizavam na Bahia, em São Paulo e no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, os locais mais próximos <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais, ocasionou graves crises <strong>de</strong><br />
abastecimento alimentar. Ante a <strong>de</strong>sproporcional quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bocas a alimentar<br />
e as pessoas que chegavam à região mineira, levando consigo ape<strong>nas</strong> as reservas<br />
alimentares necessárias a sua viagem <strong>de</strong> ida, os mineiros enfrentaram a fome nos<br />
períodos <strong>de</strong> 1697-1698, e 1700-1701.<br />
Além <strong>de</strong>sses fatores, outros se somavam às crises alimentares dos primeiros anos<br />
das Mi<strong>nas</strong> – a natureza muitas vezes intervinha ocasionando o transbordamento<br />
dos rios e seus afluentes, <strong>de</strong>ixando trilhas ao longo <strong>de</strong> suas margens intransitáveis<br />
para rebanhos <strong>de</strong> gado e transeuntes, isolando ainda mais os distritos mineiros dos<br />
centros populacionais costeiros. As crises alimentícias serviram como lembretes<br />
<strong>de</strong>sanimadores da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-suficiência na <strong>produção</strong> <strong>de</strong> alimentos e<br />
certamente foram seguidas pela atenção dada ao <strong>de</strong>senvolvimento da agricultura<br />
e criação <strong>de</strong> gado 4 .<br />
3 HOLANDA, Sérgio Buarque <strong>de</strong>. Metais e pedras preciosas. In: HOLANDA, Sérgio Buarque <strong>de</strong> (Dir.).<br />
História geral da civilização brasileira: a época colonial – administração, economia, socieda<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 259-310; p. 265.<br />
4 BERGARD, Laird W. Escravidão e história econômica: <strong>de</strong>mografia <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais, 1720-1888.<br />
Trad. Beatriz Sidou. Bauru, SP: Edusc, 2004, p. 51.<br />
130 [18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008.
A <strong>produção</strong> <strong>de</strong> alimentos não só emanou ape<strong>nas</strong> da necessida<strong>de</strong>, mas também<br />
das impressionantes oportunida<strong>de</strong>s comerciais que oferecia, <strong>de</strong>vido aos elevados<br />
preços pagos por qualquer mercadoria <strong>nas</strong> zo<strong>nas</strong> <strong>de</strong> mineração. Antonil apresenta<br />
uma lista com vários preços para as mercadorias básicas <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> em 1703, preços<br />
extraordinariamente elevados quando comparados aos correntes na América<br />
portuguesa. Na Bahia, um boi para corte, no início do século XVIII, que custava<br />
1$500 réis, atingindo algumas vezes 5$000 réis, em 1719 alcançava <strong>de</strong> 8 a 10$000<br />
réis. Em São Paulo, era comprado por 2$000 réis no início do setecentos. Nas Mi<strong>nas</strong>,<br />
segundo Antonil, um boi custava a exorbitância <strong>de</strong> 150$000 réis! 5 .<br />
No contexto dos preços elevados e da forte <strong>de</strong>manda por alimentos básicos<br />
diversificados, emergiram a lavoura e a criação <strong>de</strong> gado em Mi<strong>nas</strong> Gerais. Des<strong>de</strong><br />
o início do século XVIII estabeleceram-se fazendas com produções variadas, que<br />
uniam a agricultura e a pecuária. Algumas proprieda<strong>de</strong>s também se <strong>de</strong>dicavam a<br />
extração do ouro.<br />
Coube a Miguel Costa Filho, em livro clássico sobre a ativida<strong>de</strong> agrícola no<br />
território mineiro, A cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong> Gerais, mostrar que “a maioria das<br />
fazendas estabelecidas em Mi<strong>nas</strong> Gerais possuía conjuntamente roças e lavras; eram<br />
essas fazendas, simultaneamente, <strong>de</strong> agricultura e mineração”. A esta realida<strong>de</strong><br />
chamou <strong>de</strong> “fazenda mista” 6 .<br />
A <strong>produção</strong> agrícola no contexto mineiro: a cana-<strong>de</strong>-açúcar<br />
Como lembrou o poeta e inconfi<strong>de</strong>nte Cláudio Manuel da Costa, no excerto<br />
que abre esse texto, as ativida<strong>de</strong>s agrícolas eram indispensáveis à subsistência dos<br />
mineradores e das populações urba<strong>nas</strong> e rurais. Sabia que a agricultura era ativida<strong>de</strong><br />
fundamental ao sustento da mineração, embora as terras das zo<strong>nas</strong> do ouro não<br />
fossem propícias à cultura <strong>de</strong> gêneros alimentícios.<br />
Durante todo o século XVIII, a agricultura sempre foi uma ativida<strong>de</strong> presente em<br />
Mi<strong>nas</strong> Gerais, mesmo não sendo, aos olhos das autorida<strong>de</strong>s metropolita<strong>nas</strong>, a mais<br />
importante do vasto complexo econômico.<br />
A <strong>produção</strong> agrícola que mais se sobressaiu em Mi<strong>nas</strong> foi a da cana-<strong>de</strong>-açúcar,<br />
em especial a <strong>de</strong>dicada ao fabrico da aguar<strong>de</strong>nte (= cachaça).<br />
A chegada da cultura da cana remonta aos primeiros povoadores que para lá<br />
se dirigiam, levando consigo a tecnologia da lavoura e da <strong>de</strong>stilação da gramínea.<br />
Os colonos, vindos da Bahia e <strong>de</strong> Pernambuco, ao Norte, e <strong>de</strong> São Paulo e Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, ao Sul, plantavam a cana-<strong>de</strong>-açúcar <strong>nas</strong> proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os centros<br />
<strong>de</strong> mineração e <strong>nas</strong> regiões em que as pessoas se fixavam ou por on<strong>de</strong> se passavam<br />
os viajantes que atravessavam a capitania. Eles construíam pequenos engenhos<br />
para a <strong>produção</strong> <strong>de</strong> cachaça e rapadura, <strong>de</strong> acordo com o aumento da população<br />
5 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:<br />
Edusp, 1982, p. 170; PINTO, Virgílio Noya. O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. São<br />
Paulo: Nacional, 1979, p. 56-57; BERGARD, op. cit., p. 51.<br />
6 COSTA FILHO, Miguel. A cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong> Gerais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Instituto do Açúcar e<br />
do Álcool, 1963, p. 160.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 131
e do consumo. Nessa época era comum o proprietário das lavras <strong>de</strong> ouro fornecer<br />
cachaça para seus escravos, pois acreditavam que a pinga os fariam trabalhar com<br />
mais <strong>de</strong>dicação, por horas a fio, principalmente nos meses chuvosos do verão e no<br />
frio úmido do inverno.<br />
Várias proprieda<strong>de</strong>s não se <strong>de</strong>dicavam à <strong>produção</strong> exclusiva <strong>de</strong> cana e cachaça,<br />
mas ao cultivo variado <strong>de</strong> legumes, frutas, verduras e a criação <strong>de</strong> gado. Diferente das<br />
plantações açucareiras da Bahia, especializadas e voltadas para o mercado externo;<br />
<strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>, a cana e seus subprodutos eram <strong>de</strong>stinados ao consumo local.<br />
Os mineiros mais ricos geralmente estabeleciam roças e currais para abastecer<br />
suas próprias lavras e ven<strong>de</strong>r o exce<strong>de</strong>nte nos distritos urbanos mais próximos. O<br />
uso <strong>de</strong> escravos <strong>nas</strong> fazendas produtoras <strong>de</strong> açúcar e seus <strong>de</strong>rivados era tão comum<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos das Mi<strong>nas</strong> que, em 1715, a coroa portuguesa emitiu um<br />
Edito proibindo a construção <strong>de</strong> novos engenhos.<br />
A principal preocupação das autorida<strong>de</strong>s metropolita<strong>nas</strong> era com a aguar<strong>de</strong>nte,<br />
que estimulava os extravios <strong>de</strong> ouro e diamantes, <strong>de</strong>struía a saú<strong>de</strong> dos escravos,<br />
causando prejuízos aos mineradores, e concorria com a aguar<strong>de</strong>nte do reino. Além<br />
disso, os canaviais <strong>de</strong>sviavam mão-<strong>de</strong>-obra da mineração 7 .<br />
O receio com o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> trabalhadores para outras ativida<strong>de</strong>s, que não estivessem<br />
ligadas às lavras, mostrou-se presente em ações governamentais. O <strong>de</strong>sembargador<br />
José João Teixeira Coelho, em 1780, alertava que uma das principais preocupações<br />
se referia à instalação em território mineiro dos engenhos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stilar aguar<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
cana, pois estes, ao lado do <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> braços da mineração, “eram prejudiciais ao<br />
sossego público, o qual se perturbava com as <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns causadas pelas bebedices<br />
dos negros” 8 .<br />
Mesmo lembrando que a primeira medida administrativa foi tomada em 18 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1715 e, retomada em 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1743, no sentido <strong>de</strong> se proibir a<br />
instalação <strong>de</strong> novos engenhos <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>, estas se mostraram inúteis e ignoradas 9 .<br />
Eram raras as fazendas on<strong>de</strong> não existiam engenhos. O diagnóstico que traçou <strong>de</strong>ssa<br />
7 SILVA, Flávio Marcus. Os engenhos e o po<strong>de</strong>r. História & Perspectivas: Revista dos Cursos <strong>de</strong><br />
Graduação e do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História da UFU, Uberlândia: Edufu, n. 24, p.<br />
71-96, jan./jun. 2001, p. 74; GODOY, Marcelo Magalhães. Os ‘engenheiros’ entre a norma e a<br />
clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>: as relações entre o estado e a agroindústria canavieira <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais no século XIX.<br />
In: SEMINÁRIO SOBRE ECONOMIA MINEIRA, 9., 2000, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte:<br />
UFMG, 2000, p. 213-256; p. 216.<br />
8 COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da capitania <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais. Estudo crítico<br />
<strong>de</strong> Francisco Iglésias. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Centro <strong>de</strong> Estudos Históricos e<br />
Culturais, 1994, p. 250.<br />
9 Miguel Costa Filho lembra-nos que a perseguição aos engenhos em Mi<strong>nas</strong> Gerais datam <strong>de</strong> 1714,<br />
quando o então governador dom Brás Baltasar da Silveira proibiu a construção <strong>de</strong> novos engenhos,<br />
com a pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>molição e pagamento <strong>de</strong> severas multa, por parte dos proprietários, <strong>de</strong> fábricas<br />
montadas a partir <strong>de</strong> então. Outras proibições e perseguições apareceram em 1718 e anos posteriores,<br />
durante o governo do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Assumar; 1736, 1743 e 1745, no governo <strong>de</strong> Gomes Freire <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>; <strong>de</strong> 1768 a 1773, na administração <strong>de</strong> José Luís <strong>de</strong> Meneses Abranches Castelo Branco e<br />
entre 1775-1780, no governo <strong>de</strong> dom Antônio <strong>de</strong> Noronha. Sobre <strong>de</strong>talhes, conferir o capítulo “Guerra<br />
dos engenhos”. In: COSTA FILHO, Miguel. A cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong> Gerais, p. 103-118. Detalhes<br />
sobre as perseguições po<strong>de</strong>m ser consultados em: GODOY, Marcelo Magalhães. Os ‘engenheiros’<br />
entre a norma e a clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, p. 216-218.<br />
132 [18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008.
situação foi o seguinte:<br />
Os prejuízos <strong>de</strong>stas fábricas são evi<strong>de</strong>ntes, porque os negros embebedamse<br />
e fazem mil distúrbios, e os escravos que trabalham nelas podiam<br />
empregar-se na extração do ouro. Na capitania <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> somente se<br />
<strong>de</strong>ve trabalhar <strong>nas</strong> lavras e na cultura <strong>de</strong> terras que produzem os gêneros<br />
necessários para o sustento dos povos, e as aguar<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> cana <strong>de</strong>vem<br />
ir para as mi<strong>nas</strong> das capitanias <strong>de</strong> São Paulo e do Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong><br />
não há ouro; é certo que <strong>de</strong>ste modo hão <strong>de</strong> ser mais caras, mas assim<br />
mesmo é conveniente, para que os negros não possam beber tanto e<br />
para que não sejam tantos os bêbados. 10<br />
O típico engenho <strong>de</strong> cana mineiro tinha <strong>produção</strong> sazonal e estruturava-se<br />
na diversificação econômica. Conviviam com outras culturas (comerciais ou <strong>de</strong><br />
autoconsumo), pecuária (principalmente a criação <strong>de</strong> gado vacum), ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
beneficiamento (mandioca, milho, tabaco, laticínios), ações extrativistas minerais<br />
(especialmente a mineração do ouro), extrativismo vegetal, peque<strong>nas</strong> forjas,<br />
artesanato têxtil e variado universo <strong>de</strong> ofícios manuais e mecânicos 11 .<br />
As fazendas mistas e as terras dos inconfi<strong>de</strong>ntes mineiros<br />
Nas fazendas da comarca do Rio das Mortes, <strong>de</strong>vido às ligações que essas<br />
proprieda<strong>de</strong>s possuíam com áreas exter<strong>nas</strong> à capitania mineira, notadamente o Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, não se sofreu com os percalços da retração mineratória. Dentro <strong>de</strong>ssa<br />
perspectiva, a constituição da agricultura na região Sul <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>u<br />
da exaustão das lavras. Surgiu da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abastecer o Rio <strong>de</strong> Janeiro que,<br />
ao longo do século XVIII, foi se tornando cada vez mais um mercado emergente,<br />
beneficiado pela condição <strong>de</strong> porto mais importante para a região das Mi<strong>nas</strong>.<br />
A <strong>produção</strong> agrícola <strong>de</strong>ssas fazendas caracterizou-se pela diversificação.<br />
Gran<strong>de</strong>s proprieda<strong>de</strong>s, como as pertencentes aos inconfi<strong>de</strong>ntes José Aires Gomes<br />
e Inácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto tinham produções variadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lavras<br />
auríferas até engenhos, plantações <strong>de</strong> milho, feijão, arroz e trigo, explorações<br />
pecuárias, canaviais, cafezais, entre outras culturas. Estes gran<strong>de</strong>s senhores <strong>de</strong><br />
terras, com suas proprieda<strong>de</strong>s rurais horizontalmente integradas (fazendas mistas),<br />
eram particularmente capazes <strong>de</strong> absorver o choque das transformações ocorridas<br />
após a exaustão do ouro aluvial. As suas proprieda<strong>de</strong>s tinham capacida<strong>de</strong> para<br />
correspon<strong>de</strong>rem tanto ao estímulo recebido da economia interna, quanto do<br />
amplo comércio exterior que fluía pelo Caminho Novo, que ligava a região aurífera<br />
mineira ao Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
a-) Inácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto<br />
O magistrado e poeta Inácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto <strong>nas</strong>ceu na cida<strong>de</strong> do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro em 1742 e era filho legítimo do português Simão <strong>de</strong> Alvarenga Braga e<br />
10 COELHO, José João Teixeira. Instrução para o governo da capitania <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais, p. 251.<br />
11 GODOY, Marcelo Magalhães. Os ‘engenheiros’ entre a norma e a clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, p. 221.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 133
da fluminense Ângela Micaela da Cunha. Após cursar Cânones na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Coimbra foi convidado, por ato do marquês <strong>de</strong> Pombal, para o cargo <strong>de</strong> juiz-<strong>de</strong>-fora<br />
na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sinta, em Portugal. Em 1776 foi nomeado ouvidor da comarca do Rio<br />
das Mortes, com se<strong>de</strong> em São João <strong>de</strong>l Rei.<br />
Des<strong>de</strong> que retornou ao Brasil, empregou suas economias adquirindo proprieda<strong>de</strong>s<br />
e pô<strong>de</strong> construir apreciável fortuna. Já veio para Mi<strong>nas</strong> Gerais com o título <strong>de</strong><br />
ouvidor. Na função judiciária, exerceu o cargo por pouco mais <strong>de</strong> três anos, tendo<br />
obtido bom conceito <strong>de</strong> competência, mas nem sempre <strong>de</strong> ética. Nos idos <strong>de</strong> 1780,<br />
passou a se <strong>de</strong>dicar à mineração, à agricultura, à fabricação <strong>de</strong> açúcar, aguar<strong>de</strong>nte<br />
e outros produtos, e à criação <strong>de</strong> animais 12 .<br />
O núcleo inicial <strong>de</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s territoriais é a fazenda da Boa Vista,<br />
localizada na freguesia <strong>de</strong> Santo Antônio do Vale <strong>de</strong> Pieda<strong>de</strong> da Campanha do Rio<br />
Ver<strong>de</strong>, no termo da vila <strong>de</strong> São João <strong>de</strong>l Rei. Segundo consta, Alvarenga Peixoto<br />
encaminhou requerimento à rainha dona Maria I solicitando que lhe conce<strong>de</strong>sse<br />
licença para construir um novo engenho <strong>de</strong> cana na fazenda, o que era necessário<br />
após as or<strong>de</strong>ns régias <strong>de</strong> 1715 e 1743, que controlavam a existência <strong>de</strong> novos<br />
engenhos <strong>nas</strong> mi<strong>nas</strong>. No documento alegou que quando comprou a proprieda<strong>de</strong>,<br />
ali encontrou um engenho velho, “insuficiente” e com “pouca utilida<strong>de</strong>”.<br />
Como a autorização estava <strong>de</strong>morando, Alvarenga Peixoto pediu ao governador<br />
dom Rodrigo José <strong>de</strong> Meneses permissão para construir o novo engenho, enquanto<br />
a resolução real não chegasse ao seu conhecimento. No pedido, fundamentando-o,<br />
alegou ter cabedal, gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos e área plantada.<br />
O engenho existente, localizado numa “fragosa serra”, era movido por bois e não<br />
tinha capacida<strong>de</strong> produtiva para moer toda a cana plantada na fazenda. O seu plano,<br />
segundo se constata do requerimento en<strong>de</strong>reçado ao governador, era construir outra<br />
fábrica, perto, aliás, da anterior, e que seria movimentada pela água, que a própria<br />
fazenda forneceria. O novo estabelecimento seria mais possante, mais aperfeiçoado<br />
e a<strong>de</strong>quado aos projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento agrícola pensados por Alvarenga.<br />
Com as melhorias na proprieda<strong>de</strong>, informa que ele, como dono da fazenda,<br />
teria bons lucros e que estes também reverteriam para a Fazenda Real, por meio da<br />
cobrança do Subsídio Literário dos fabricantes <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte 13 .<br />
Hábil argumento que o governador não <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> levar em conta na avaliação<br />
da solicitação, tanto mais quanto, esclarece ainda a petição, até aquele momento, só<br />
tinha sido possível utilizar nos trabalhos do engenho um terço <strong>de</strong> toda a escravaria<br />
12 O primeiro autor a estudar as práticas agrícolas <strong>de</strong>senvolvidas <strong>nas</strong> proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto<br />
foi Miguel Costa Filho. Na revista Brasil Açucareiro, <strong>nas</strong> décadas <strong>de</strong> 1950 e até meados <strong>de</strong> 1960,<br />
publicou vários artigos contendo referências a esses temas. Ele reuniu esses conteúdos e os publicou<br />
sob o título <strong>de</strong> O engenho <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Instituto do Açúcar e do Álcool,<br />
1959. As principais conclusões <strong>de</strong>ste trabalho encontram-se incorporadas em A cana-<strong>de</strong>-açúcar em<br />
Mi<strong>nas</strong> Gerais (1963). Além <strong>de</strong>sses textos são significativas as notas que publicou no artigo “Mi<strong>nas</strong>,<br />
fazendas e outros bens <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto e Bárbara Heliodora”. Revista do Instituto Histórico e<br />
Geográfico Brasileiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 239, p. 138-151, abr./jun. 1958.<br />
13 Imposto <strong>de</strong>stinado às <strong>de</strong>spesas com a instrução pública e <strong>de</strong>rivado do pagamento <strong>de</strong> 4 réis por<br />
canada <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte, um real pela <strong>de</strong> vinho e 160 réis por cada pipa <strong>de</strong> vinagre.<br />
134 [18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008.
da fazenda. A licença do governador foi concedida em 21 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1780 14 .<br />
Na fazenda Engenho dos Pinheiros, localizada na mesma freguesia e contígua<br />
à proprieda<strong>de</strong> chamada Boa Vista, <strong>de</strong> três léguas <strong>de</strong> comprimento por uma légua<br />
e meia <strong>de</strong> largura (cerca <strong>de</strong> cinco quilômetros quadrados), Alvarenga Peixoto<br />
estabeleceu outro engenho <strong>de</strong> cana, coberto <strong>de</strong> telhas e que fabricava açúcar e<br />
aguar<strong>de</strong>nte. Na fazenda tinha um moinho que contava com “dois alambiques <strong>de</strong><br />
cobre, [sendo que] um levava <strong>de</strong>zesseis barris <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte, e outro <strong>de</strong>zessete”,<br />
uma cal<strong>de</strong>ira “<strong>de</strong> cobre, que levava <strong>de</strong>zoito barris”, um tacho <strong>de</strong> cobre, “que levava<br />
cinco barris”, três tonéis, “que levavam duzentos e cinqüenta barris cada um <strong>de</strong>les”,<br />
duas pipas, “que levavam setenta barris cada uma”, além <strong>de</strong> paiol coberto <strong>de</strong> telhas,<br />
horta, roças, senzala coberta <strong>de</strong> capim, 50 bois <strong>de</strong> carro, três bestas muares e 40<br />
porcos e uma tenda <strong>de</strong> ferreiro. Contíguas à área <strong>de</strong>stinada a roçaria e à criação <strong>de</strong><br />
animais estavam as lavras minerais 15 .<br />
As terras e as mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong> ouro do Engenho dos Pinheiros eram trabalhadas por<br />
44 escravos, distribuídos em ofícios domésticos, mecânicos, agrícolas, pastoris e<br />
mineratórios.<br />
Como inconfi<strong>de</strong>nte, Alvarenga Peixoto, após ser preso, julgado e con<strong>de</strong>nado como<br />
“réu infame”, teve seus bens listados e seqüestrados pela <strong>de</strong>vassa da Inconfidência, no<br />
ano <strong>de</strong> 1789. Sua esposa, Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira, sob a alegação<br />
<strong>de</strong> ser casada “por carta <strong>de</strong> meta<strong>de</strong>”, requereu a divisão e separação (partilha) dos<br />
bens que tinha direito, “com igualda<strong>de</strong> tanto do seu valor, como da sua qualida<strong>de</strong>,<br />
dando também a cada um meação igual nos bens raiz, tanto da fazenda <strong>de</strong> engenho,<br />
como das lavras e águas minerais, e seus serviços” 16 .<br />
Estimou-se em 84:126$310 réis os valores totais dos bens do casal, cabendo à<br />
esposa a quantia <strong>de</strong> 42:063$155 réis. Feita a separação, a meta<strong>de</strong> que coube ao<br />
poeta e magistrado ficou sob a responsabilida<strong>de</strong> do furriel Francisco Xavier Pereira,<br />
nomeado fiel <strong>de</strong>positário e incumbido <strong>de</strong> “administrar a fábrica seqüestrada ao<br />
dito Doutor Inácio José <strong>de</strong> Alvarenga, tanto na fazenda do Engenho como <strong>nas</strong><br />
lavras”, alocando os escravos “on<strong>de</strong> melhor enten<strong>de</strong>r, assistindo a este para o seu<br />
sustento com a parte do milho que também foi seqüestrado e com o feijão, e mais<br />
que for necessário para o alimento dos mesmos, com a precisa ferramenta para os<br />
14 Arquivo Público Mineiro, Secretaria <strong>de</strong> Governo, códice 186, fls. 208-208v. Interessante também<br />
foi o pedido enviado à corte pelo capitão Manuel Lopes <strong>de</strong> Oliveira, o primeiro marido <strong>de</strong> Maria<br />
Inácia <strong>de</strong> Oliveira, casada em segundas núpcias com o inconfi<strong>de</strong>nte José Aires Gomes, ao informar<br />
que o açúcar e a aguar<strong>de</strong>nte eram importantes para os moradores das Mi<strong>nas</strong>, que os consumiam<br />
com freqüência. Manuel Lopes solicitou a mercê real para reconstruir o engenho que tinha em sua<br />
proprieda<strong>de</strong> “ao pé dos matos gerais da Mantiqueira”, na Borda do Campo, que permanecia ainda<br />
com suas moendas, alambiques e tachos em condições <strong>de</strong> serem reparados. O requerente pretendia<br />
plantar cana e com ela produzir açúcar, melado e aguar<strong>de</strong>nte, que “se fazia muito necessário para<br />
a conveniência dos moradores circunvizinhos à mesma fazenda, e ainda a muitos viandantes, que<br />
com gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>trimento os mandam comprar dali muitas léguas”. In: Arquivo Histórico Ultramarino,<br />
Documentos Manuscritos sobre Mi<strong>nas</strong> Gerais, Caixa 83, doc. 01.<br />
15 “Traslado do seqüestro feito a Inácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto”. São João <strong>de</strong>l Rei. 05/10/1789.<br />
In: AUTOS <strong>de</strong> Devassa da Inconfidência Mineira [doravante ADIM]. 2. ed. Brasília: Câmara dos<br />
Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais, 1982, v. 6,<br />
p. 171-172.<br />
16 ADIM, v. 6, p. 178; 194-195.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 135
ministérios da dita fábrica” 17 .<br />
Francisco Xavier Pereira administrou a parte seqüestrada dos bens <strong>de</strong> Alvarenga<br />
Peixoto até a sua arrematação pelo ex-contratador <strong>de</strong> Entradas e Dízimos <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong><br />
Gerais João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo, em 1795. Macedo, ao adquirir aquela meta<strong>de</strong>,<br />
passou a administrar as proprieda<strong>de</strong>s e os negócios herdados do inconfi<strong>de</strong>nte na<br />
região da Campanha do Rio Ver<strong>de</strong>.<br />
Através <strong>de</strong> sua correspondência, trocada com Bárbara Eliodora e com os<br />
feitores ou administradores da fazenda agrícola, do engenho <strong>de</strong> cana e das mi<strong>nas</strong>,<br />
percebemos que o ex-contratador João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo recomendava com<br />
insistência o envio <strong>de</strong> escravos ora para as lavras ora para as roças. Em uma <strong>de</strong>ssas<br />
cartas, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1795, encaminhada a Francisco José Alves Nogueira,<br />
faz recomendações sobre a disposição dos escravos nos serviços. Parecia-lhe que<br />
bastavam 30 “pessoas escolhidas” para o trabalho das roças. Todos os negros, diz,<br />
dispensáveis na prática agrícola, <strong>de</strong>viam ir para a mineração, cujos regos mandava<br />
conservar bem limpos. Manda, também, que se plante cana-<strong>de</strong>-açúcar e café na<br />
fazenda Engenho dos Pinheiros 18 .<br />
Uma carta do feitor Lúcio José Monteiro, sem data, en<strong>de</strong>reçada a Macedo, informa<br />
o “<strong>de</strong>plorável estado” do canavial, que daria uns 150 barris <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte se não<br />
estivesse <strong>de</strong>baixo do mato. E complementa afirmando que havia outros pequenos<br />
canaviais mais novos que, se não se tomassem providências, po<strong>de</strong>riam cair na<br />
mesma situação, <strong>de</strong> abandono ou <strong>de</strong>scuido 19 .<br />
No mesmo dia, 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1795, Macedo escreveu carta ao guarda-mor José<br />
<strong>de</strong> Bastos <strong>de</strong> Oliveira lembrando que já era tempo <strong>de</strong> mudar a cana, ou seja, <strong>de</strong> se<br />
plantar novas socas, e que não se plantasse feijão nem milho entre a gramínea 20 .<br />
Na tabela 1, a seguir, indica-se a <strong>produção</strong> do açúcar e da aguar<strong>de</strong>nte na fazenda<br />
Engenho dos Pinheiros, <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto, juntamente com os rendimentos<br />
líquidos recebidos por sua esposa Bárbara Eliodora e por João Rodrigues <strong>de</strong> Macedo,<br />
seu sócio, a partir <strong>de</strong> 1795.<br />
No período contábil <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1790 ao início <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1792,<br />
que para nós correspon<strong>de</strong> ao ano <strong>de</strong> 1791, as roças <strong>de</strong> cana re<strong>de</strong>ram 338 barris<br />
17 ADIM, v. 6, p. 170, 215-216.<br />
18 Fundação Biblioteca Nacional. Seção <strong>de</strong> Manuscritos, II-31, 31, 5.<br />
19 COSTA FILHO, Miguel. A cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong> Gerais, p. 146.<br />
20 Fundação Biblioteca Nacional. Seção Manuscritos, Mi<strong>nas</strong> Gerais, I-13, 12, 12, n. 3.<br />
136 [18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008.
<strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte. Dona Bárbara Eliodora, segundo consta no documento “Apenso<br />
relativo ao seqüestro dos bens <strong>de</strong> Inácio José <strong>de</strong> Alvarenga Peixoto”, ven<strong>de</strong>u aquela<br />
<strong>produção</strong> por 405$600 réis, ou seja, cada barril foi comercializado pela quantia <strong>de</strong><br />
1$200 réis. Estes valores correspon<strong>de</strong>m ao total líquido extraído da <strong>produção</strong>, sem<br />
abatimento algum, pois as dívidas e os ônus da proprieda<strong>de</strong> eram <strong>de</strong>scontados dos<br />
valores finais extraídos da <strong>produção</strong> mineral 21 .<br />
Em 1792, Bárbara Eliodora lançou dúvidas quanto aos valores (rendimentos e<br />
<strong>de</strong>spesas) apresentados pelo fiel <strong>de</strong>positário na prestação <strong>de</strong> contas das proprieda<strong>de</strong>s<br />
seqüestradas. No documento, contestou que os rendimentos estavam abaixo do<br />
esperado e menores que a média dos anos anteriores, manifestando “escândalo <strong>de</strong><br />
falcatrua” contra o que realmente <strong>de</strong>veria receber. Na parte final, ela citou que a<br />
aguar<strong>de</strong>nte produzida no Engenho dos Pinheiros ren<strong>de</strong>u-lhe 151-¾-7 oitavas <strong>de</strong> ouro,<br />
que em dinheiro valia 182$362,5 réis, ou seja, pouco menos <strong>de</strong> 44% do recebido<br />
no ano anterior 22 . Observando-se a literatura sobre o período, a documentação<br />
contábil e as correspondências trocadas entre os feitores e seus administradores, ou<br />
entre Bárbara Eliodora e terceiros, não encontramos quaisquer indicações <strong>de</strong> que a<br />
roça daquela proprieda<strong>de</strong> tenha sofrido intempéries ao longo do ano <strong>de</strong> 1792, que<br />
<strong>de</strong>termi<strong>nas</strong>se aquela diminuição da <strong>produção</strong> da cana-<strong>de</strong>-açúcar.<br />
Já no período seguinte, é nítida a observação <strong>de</strong> que tanto a <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />
aguar<strong>de</strong>nte quanto a <strong>de</strong> açúcar aumentaram entre os anos <strong>de</strong> 1796 e 1798, sendo<br />
a <strong>de</strong> cachaça mais significativa. Enquanto a <strong>produção</strong> açucareira, <strong>de</strong> um extremo a<br />
outro do triênio, subiu duas vezes e meia, a <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte octuplicou.<br />
Os dados numéricos gerais do segundo período (<strong>de</strong> 1796 a 1798) atestam a<br />
ocorrência <strong>de</strong> uma fase <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> <strong>nas</strong> proprieda<strong>de</strong>s anteriormente confiscadas<br />
pela coroa portuguesa, com rendimento talvez superior ao do tempo em que o<br />
próprio Alvarenga Peixoto administrava as suas fazendas, engenhos e lavras.<br />
O aumento da <strong>produção</strong> do engenho, por exemplo, <strong>de</strong>ve ser, em gran<strong>de</strong> parte,<br />
fruto da administração geral <strong>de</strong> Macedo, que já possuía experiência no cultivo da<br />
gramínea, como se observa na carta que enviou ao seu irmão, Bento Rodrigues<br />
<strong>de</strong> Macedo, em Coimbra, no ano <strong>de</strong> 1783. Percebe-se pela missiva transcrita por<br />
Miguel Costa Filho em A cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong> Gerais, que João Rodrigues<br />
<strong>de</strong> Macedo exportava açúcar da capitania mineira para Portugal, embora o fizesse<br />
esporadicamente, e que o açúcar produzido <strong>nas</strong> suas proprieda<strong>de</strong>s chegavam ao<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro transportados por 42 tropeiros. No lombo <strong>de</strong> burros, os tropeiros<br />
levaram rumo à capital fluminense cerca <strong>de</strong> 18.036 arrobas e fração. Quer dizer,<br />
aproximadamente 264.913 quilos 23 .<br />
O açúcar que <strong>de</strong>scia <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> juntava-se ao açúcar produzido na capitania do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e era exportado para Portugal ou consumido naquela e em outras<br />
localida<strong>de</strong>s brasileiras. Vejamos um trecho da carta trocada entre eles:<br />
21 Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência. Apenso relativo ao seqüestro dos bens <strong>de</strong> Inácio José<br />
<strong>de</strong> Alvarenga Peixoto (1792). Mapoteca, gav. 3, fls. 2; 3; 5.<br />
22 Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência. Apenso relativo a dúvidas que opôs D. Bárbara<br />
Heliodora Guilhermina da Silveira às contas dadas pelo administrador <strong>de</strong>positário Francisco Xavier<br />
Pereira. 1792. Mapoteca, gav. 3, fls. 3; 4.<br />
23 COSTA FILHO, A cana-<strong>de</strong>-açúcar..., p. 207.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 137
(...) o açúcar está nesta a 2.200 e por empenhos para se comprar neya<br />
(?) do meu dinheiro. Eu em Mi<strong>nas</strong> tenho bastante meu dos dízimos que<br />
são da safra passada. E esta agora se for boa, hei <strong>de</strong> mandar a Vossa<br />
Mercê bastante para vir a troco <strong>de</strong> ferro que para daqui a dois anos hei<br />
<strong>de</strong> precisar 12.000, até 20.000 quintais, <strong>de</strong> ferro para me ficar <strong>de</strong>ntro do<br />
Registro para ganhar para mim os quantos 4.500 réis. De cada quintal<br />
toca-me a meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta conta 24 .<br />
Por estes termos, conclui-se que Mi<strong>nas</strong> e Macedo, especificamente, enviavam<br />
açúcar para Portugal. Com o produto da venda do açúcar mineiro remetido para<br />
Lisboa, o ex-contratador compraria artefatos <strong>de</strong> ferro, que não podiam ser fabricados<br />
em Mi<strong>nas</strong>, já que a coroa portuguesa não permitia a extração <strong>de</strong>sse minério.<br />
b-) José Aires Gomes<br />
José Aires Gomes <strong>nas</strong>ceu em 1734. Era o filho mais novo <strong>de</strong> João Gomes Martins<br />
e Clara Maria <strong>de</strong> Melo. O casal, após casamento em 1725, no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
transferiu-se para a freguesia <strong>de</strong> Nossa Senhora da Assunção do Engenho do Mato<br />
(atual distrito <strong>de</strong> Paula Lima, Barbacena), no caminho que ia do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
a Vila Rica. No local, fixou-se na fazenda (atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santos Dumont, antiga<br />
Palmira), primitivamente <strong>de</strong>signada João Gomes, on<strong>de</strong> erigiu capela sob a proteção<br />
<strong>de</strong> São Miguel e Almas. A proprieda<strong>de</strong>, nomeada como Roça <strong>de</strong> João Gomes, Sítio<br />
<strong>de</strong> João Gomes ou Rocinha do Gomes era pequena e não tinha meios para se<br />
<strong>de</strong>senvolver, apesar do rancho <strong>de</strong> passageiros e <strong>de</strong> tropa ali instalados.<br />
Na fazenda João Gomes, o casal teve os seguintes filhos: Francisco Gomes Martins<br />
(o mais velho), Manuel Gomes Martins, Ana Joaquina <strong>de</strong> Melo e José Aires Gomes<br />
(o mais jovem).<br />
Francisco Gomes Martins, após a morte <strong>de</strong> seu genitor, tornou-se o responsável<br />
pela manutenção da fazenda João Gomes (a principal proprieda<strong>de</strong> da família) e <strong>de</strong><br />
outras terras que tinham na região do Caminho Novo. Expandiu territorialmente suas<br />
posses com a compra da fazenda da Borda do Campo ao tenente-coronel Manuel<br />
Lopes <strong>de</strong> Oliveira, em 2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1768, pela quantia <strong>de</strong> 24 contos <strong>de</strong> réis 25 .<br />
Por motivos que <strong>de</strong>sconhecemos, Aires Gomes, na década <strong>de</strong> 1770, passou a<br />
administrar alguns bens familiares e a gerir negócios próprios na região da serra da<br />
Mantiqueira. Entre eles, vale <strong>de</strong>stacar, a compra, em 1775, da fazenda da Borda<br />
24 Fundação Biblioteca Nacional. Seção <strong>de</strong> Manuscritos, I, 9, 30. Apud. COSTA FILHO, A cana-<strong>de</strong>açúcar...,<br />
p. 207-208.<br />
25 RODRIGUES, André Figueiredo. Um potentado na Mantiqueira: José Aires Gomes e a ocupação da<br />
terra na Borda do Campo. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado em História Social) – Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Filosofia, Letras e Ciências Huma<strong>nas</strong>, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, p. 45. Sobre a história da fazenda da<br />
Borda do Campo, conferir, além da <strong>de</strong>talhada discussão bibliográfica contida no primeiro capítulo da<br />
dissertação citada, os trabalhos <strong>de</strong>: BONIFÁCIO, José. A fazenda da Borda do Campo: o inconfi<strong>de</strong>nte<br />
Jose Ayres Gomes. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano XI, p. 631-639, 1907;<br />
SILVA, José Bonifácio <strong>de</strong> Andrada. Uma fazenda histórica – Borda do Campo. Revista do Instituto<br />
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, t. 72, n. 120, p. 127-151, 1909; BASTOS, Wilson<br />
<strong>de</strong> Lima. A fazenda da Borda do Campo e o inconfi<strong>de</strong>nte José Aires Gomes (Comemorativo do 2º<br />
centenário da Inconfidência Mineira). Juiz <strong>de</strong> Fora: Paraibuna, 1992.<br />
138 [18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008.
do Campo ao seu irmão, pelos mesmos 24 contos <strong>de</strong> réis. Além <strong>de</strong>sta proprieda<strong>de</strong>,<br />
adquiriu outras terras na Mantiqueira, segundo se constata da “escritura <strong>de</strong> venda<br />
do alferes Francisco Gomes Martins ao tenente-coronel José Aires Gomes”:<br />
(...) da fazenda chamada a Cachoeira, com casas <strong>de</strong> vivenda, engenho<br />
<strong>de</strong> pilões, moinho corrente, casas <strong>de</strong> vivenda, rancho <strong>de</strong> passageiros,<br />
casas <strong>de</strong> morada do capitão, capela com invocação <strong>de</strong> Nossa Senhora<br />
da Pieda<strong>de</strong>, quatro moradas <strong>de</strong> casas que se costumam alugar, dois<br />
ranchos mais (...), paióis, olaria e todos os mais pertences, tudo coberto<br />
<strong>de</strong> telha e as senzalas <strong>de</strong> capim; o sítio chamado do Narciso, com casa<br />
e paiol <strong>de</strong> telha; o sítio do Quilombo, com todos os seus [pertences]; o<br />
sítio do Pinheirinho, com suas casas <strong>de</strong> vivenda, engenho <strong>de</strong> pilões, tudo<br />
coberto <strong>de</strong> telha e seus pertences (...); o sítio e fazenda do Calheiros,<br />
que consta <strong>de</strong> casas <strong>de</strong> vivenda e ranchos cobertos <strong>de</strong> telhas com todos<br />
os mais pertences (...); a fazenda da Mantiqueira (...); uma sesmaria<br />
nos matos do Zapato [Xopotó!] (...); uma morada <strong>de</strong> casas assobradada<br />
coberta <strong>de</strong> telha com seu quintal e olaria, citas no arraial da Borda do<br />
Campo (...), oitenta e oito escravos por nomes (...), vinte e sete [bois]<br />
machos; <strong>de</strong>zesseis cavalos, todos arriados com cangalhas, cabrestos,<br />
selas, sobrecargas e todos os mais pertences da mesma tropa; seis éguas<br />
e duas crias; <strong>de</strong>zesseis cabeças <strong>de</strong> ovelhas; seis cabeças <strong>de</strong> cabras;<br />
trezentas cabeças <strong>de</strong> gado vacum, pouco mais ou menos, (...) cinqüenta<br />
cabeças <strong>de</strong> porcos, entre gran<strong>de</strong>s e pequenos; entram os bois <strong>de</strong> carro<br />
que servem <strong>nas</strong> ditas fazendas; seis carros ferrados, dos quais se acham<br />
quatro quebrados; dois carretões usados, tudo com seus preparos e<br />
arreios; mais três cavalos selados e enfreados com selas usadas. 26<br />
Francisco Gomes Martins ven<strong>de</strong>u oito proprieda<strong>de</strong>s territoriais e mais uma morada<br />
<strong>de</strong> casas no arraial da Borda do Campo (atual Solar dos Andradas, em Barbacena)<br />
ao seu irmão.<br />
Ao comprar a fazenda da Borda do Campo e as proprieda<strong>de</strong>s adjacentes a<br />
ela, que compreendiam perto <strong>de</strong> 10 léguas <strong>de</strong> terras, e ao administrar alguns bens<br />
patrimoniais que foram <strong>de</strong> seu irmão (e anteriormente <strong>de</strong> seu pai), como a fazenda<br />
João Gomes, José Aires Gomes tornou-se senhor <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> domínio territorial<br />
na serra da Mantiqueira. No último quartel do século XVIII, já era o maior potentado<br />
da Mantiqueira. Posição que será endossada, cada vez mais, com futuras ampliações<br />
<strong>de</strong> terras (ora comprando, ora tomando posse) e constituindo extenso círculo <strong>de</strong><br />
amiza<strong>de</strong>s e re<strong>de</strong> <strong>de</strong> compadrio 27 .<br />
Na fazenda da Borda do Campo, por on<strong>de</strong> passava o Caminho Novo, existiam<br />
casas <strong>de</strong> vivenda coberta <strong>de</strong> telhas; rancho <strong>de</strong> tropas, <strong>de</strong> pedra; rancho <strong>de</strong><br />
passageiros, um <strong>de</strong> palha e outro <strong>de</strong> pedra; um engenho <strong>de</strong> fazer farinha <strong>de</strong> trigo,<br />
coberto <strong>de</strong> telhas; um moinho; uma seara <strong>de</strong> trigo que levaria <strong>de</strong> semeadura um<br />
26 Centro <strong>de</strong> Estudos Mineiros. Acervo da Família Andrada. Proprieda<strong>de</strong> da Família, Caixa 3. P17.<br />
“Carta precatória”, fls. 32v.-36. Itálico nosso.<br />
27 RODRIGUES, André Figueiredo. Um potentado na Mantiqueira: José Aires Gomes e a ocupação da<br />
terra na Borda do Campo, p. 44-52.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 139
alqueire (mineiro) e meio <strong>de</strong> trigo, o equivalente a 72.600 m²; olaria; campos <strong>de</strong><br />
criar, <strong>de</strong>stinado à cultura extensiva <strong>de</strong> gado vacum; um estabelecimento comercial<br />
(uma venda); 22 escravos e uma capela, entre outros pertences 28 .<br />
Em outra <strong>de</strong> suas fazendas, a do Engenho do Mato <strong>de</strong> São Sebastião, que<br />
integrava unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>produção</strong> voltadas para as práticas agrícolas e pastoris,<br />
encontramos indicada a presença <strong>de</strong> casas <strong>de</strong> vivenda e sobrados cobertos <strong>de</strong> telhas;<br />
um engenho <strong>de</strong> moer cana com bois (engenho <strong>de</strong> trapiche), “moendas chapeadas<br />
<strong>de</strong> chapéu <strong>de</strong> ferro, das quais faltam cinco chapas”, “um moinho preparado”, forno<br />
<strong>de</strong> cobre assentado em fornalha, paiol, casas <strong>de</strong> tropas, monjolo – tudo coberto<br />
com telhas; senzala coberta <strong>de</strong> capim; alambique <strong>de</strong> cobre, coberto com telhas, e<br />
com <strong>produção</strong> <strong>de</strong> 24 barris. Além <strong>de</strong>stes, encontravam-se plantadas duas roças <strong>de</strong><br />
milho que totalizavam 32 alqueires mineiros (= 1.548.800 m²); uma roça <strong>de</strong> feijão<br />
com 11 alqueires (= 532.400 m²); um canavial com 20 alqueires (= 968.000 m²)<br />
e 20 alqueires <strong>de</strong> arroz com casca (= 968.000 m²) 29 .<br />
A mão-<strong>de</strong>-obra que trabalhava <strong>nas</strong> práticas agrícolas da fazenda do Engenho que<br />
foi seqüestrada pela <strong>de</strong>vassa da Inconfidência em 1791 constava <strong>de</strong> 51 escravos,<br />
sendo que <strong>de</strong>stes, 46 eram homens e cinco mulheres. Os animais <strong>de</strong> porte listados<br />
pelos inquiridores foram 30 ovelhas, 15 cabras e 20 porcos. Além <strong>de</strong>stes pertences,<br />
também foram seqüestrados 28 enxadas, 28 foices e seis machados 30 .<br />
A esposa <strong>de</strong> José Aires Gomes, Maria Inácia <strong>de</strong> Oliveira <strong>de</strong>clarou às autorida<strong>de</strong>s<br />
metropolita<strong>nas</strong> que os rendimentos agrícolas <strong>de</strong>sta proprieda<strong>de</strong> foram os<br />
seguintes:<br />
Pelos números apresentados acima, dá para se perceber que a proprieda<strong>de</strong> foi<br />
sendo “aparentemente” abandonada pela família ao longo dos anos. No período<br />
que vai <strong>de</strong> 1791 a 1796, Maria Inácia relatou que as <strong>de</strong>spesas da fazenda eram da<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 166$547,5 réis 31 . Como se percebe, mesmo <strong>de</strong>sconhecendo os valores<br />
dos rendimentos originários nos anos <strong>de</strong> 1791 e 1792, a proprieda<strong>de</strong> gerou um<br />
superávit <strong>de</strong> 51$997 réis.<br />
Por fim, é interessante frisar que os locais ligados à <strong>produção</strong>, como os engenhos,<br />
os moinhos, a casa do monjolo e o paiol, eram cobertos <strong>de</strong> telhas, enquanto as<br />
construções <strong>de</strong>stinadas à moradia escrava eram cobertas por capim. Outro dado<br />
<strong>de</strong>ve ser ressaltado: nos lugares em que as fazendas tinham ligações com caminhos<br />
e/ou estradas que rompiam o território mineiro, como o Caminho Novo e as vias<br />
28 Centro <strong>de</strong> Estudos Mineiros. Acervo da Família Andrada. Proprieda<strong>de</strong> da Família, Caixa 3. P12.<br />
“Escritura <strong>de</strong> compra e venda da fazenda da Borda do Campo”; Instituto Histórico e Geográfico<br />
Brasileiro. “Traslado <strong>de</strong> auto <strong>de</strong> seqüestro feito em bens do coronel José Aires Gomes”. Igreja Nova<br />
(Barbacena). Maio/junho <strong>de</strong> 1791, fls. 4v.-10.<br />
29 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. “Traslado...”, fls. 19-22.<br />
30 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. “Traslado...”,, fls. 19-22.<br />
31 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. “Traslado...”, fls. 294-296.<br />
140 [18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008.
fluviais, por exemplo, percebe-se a ocorrência <strong>de</strong> fazendas do tipo mistas, on<strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>senvolviam a agricultura <strong>de</strong> abastecimento interno e as práticas mineratórias. Os<br />
produtos <strong>de</strong>stas proprieda<strong>de</strong>s rurais alimentavam o comércio tanto no interior da<br />
capitania como ao longo das rotas para as capitanias vizinhas.<br />
RESUMO<br />
As histórias e os padrões <strong>de</strong> riqueza (entenda-se<br />
aqui, estrutura <strong>agrária</strong> e ativida<strong>de</strong>s<br />
econômico-financeiras) dos inconfi<strong>de</strong>ntes<br />
mineiros <strong>de</strong> 1789 foram conhecidos graças<br />
aos <strong>de</strong>poimentos, às acareações e aos seqüestros<br />
<strong>de</strong> seus bens pela coroa portuguesa<br />
publicados nos Autos <strong>de</strong> Devassa da Inconfidência<br />
Mineira. Por meio <strong>de</strong> seqüestros e<br />
documentos correlatos ao movimento, como<br />
cartas <strong>de</strong> sesmarias e listas <strong>de</strong> rendimentos<br />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s confiscadas,<br />
po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>monstrar a estrutura <strong>agrária</strong> dos<br />
conjurados, as relações <strong>de</strong> <strong>produção</strong> <strong>de</strong><br />
alimentos e suas oportunida<strong>de</strong>s comerciais,<br />
assim como a integração, <strong>nas</strong> proprieda<strong>de</strong>s,<br />
entre a lavoura, a pecuária e a mineração.<br />
As produções ligadas à cana-<strong>de</strong>-açúcar,<br />
encontradas <strong>nas</strong> proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> José Aires<br />
Gomes e Alvarenga Peixoto, os mais ricos<br />
participantes da Inconfidência, serão analisadas<br />
em <strong>de</strong>talhes.<br />
Palavras-chave: Estrutura <strong>agrária</strong>,<br />
Ocupação da terra, Produção <strong>de</strong> açúcar.<br />
Artigo recebido em janeiro <strong>de</strong> 2008. Aprovado em abril <strong>de</strong> 2008.<br />
ABSTRACT<br />
The history of the 1789 inconfi<strong>de</strong>ntes and<br />
their wealth (agrarian structures and economic<br />
activities) are known thanks to <strong>de</strong>positions,<br />
confrontations and seizing of goods by the<br />
Portuguese Crown published in the Autos <strong>de</strong><br />
Devassa da Inconfidência Mineira. By means<br />
of sesmarias’ letters, reports on ownership<br />
and usurpation of lands, inquiries about<br />
the crime of disloyalty, and reports about<br />
the seizing of goods, it is possible to analyze<br />
the agrarian structure, food production and<br />
commercial opportunities of those involved<br />
in the conspiracy, as well as the integration<br />
between farming, cattle raising and mining in<br />
their properties. Special concern is <strong>de</strong>voted<br />
to the study of sugarcane production in José<br />
Aires Gomes and Alvarenga Peixoto’s lands,<br />
the richest participants of the Inconfidência.<br />
Keywords: Agrarian structures, Land<br />
occupation, Sugar production.<br />
[18]; João Pessoa, jan/ jun. 2008. 141