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Hamlet à luz de Bakhtin: a carnavalização da tragédia - CCHLA ...

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Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba<br />

Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />

Departamento <strong>de</strong> Letras Estrangeiras Mo<strong>de</strong>rnas<br />

Curso <strong>de</strong> Letras – Habilitação em Língua Inglesa<br />

<strong>Hamlet</strong> <strong>à</strong> <strong>luz</strong> <strong>de</strong> <strong>Bakhtin</strong>:<br />

A <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong><br />

BRUNO RAFAEL DE LIMA VIEIRA<br />

Orientadora: Profª. Drª. Elinês <strong>de</strong> Albuquerque Vasconcelos e Oliveira<br />

João Pessoa - PB<br />

2011


Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba<br />

Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes<br />

Departamento <strong>de</strong> Letras Estrangeiras Mo<strong>de</strong>rnas<br />

Curso <strong>de</strong> Letras – Habilitação em Língua Inglesa<br />

BRUNO RAFAEL DE LIMA VIEIRA<br />

<strong>Hamlet</strong> <strong>à</strong> <strong>luz</strong> <strong>de</strong> <strong>Bakhtin</strong>:<br />

A <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong><br />

Trabalho apresentado ao Curso <strong>de</strong> Licenciatura em Letras <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba como requisito para<br />

obtenção do grau <strong>de</strong> Licenciado em Letras – Inglês.<br />

Orientadora: Profª. Drª. Elinês <strong>de</strong> Albuquerque Vasconcelos e Oliveira<br />

João Pessoa - PB<br />

2011<br />

2


BRUNO RAFAEL DE LIMA VIEIRA<br />

<strong>Hamlet</strong> <strong>à</strong> <strong>luz</strong> <strong>de</strong> <strong>Bakhtin</strong>:<br />

A <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong><br />

Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso, aprovado como requisito parcial para obtenção do grau<br />

<strong>de</strong> Licenciado em Letras no Curso <strong>de</strong> Letras, habilitação em Língua Inglesa, <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba.<br />

Data <strong>de</strong> Aprovação:<br />

__/__/_____<br />

Banca Examinadora:<br />

__________________________________________<br />

Profª. Drª Elinês <strong>de</strong> Albuquerque Vasconcelos e Oliveira<br />

Orientadora<br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba<br />

__________________________________________<br />

Profª. Drª Maria Luiza Teixeira Batista<br />

Avaliadora<br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba<br />

__________________________________________<br />

Prof. PhD. Michael Harold Smith<br />

Avaliador<br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba<br />

3


Catalogação <strong>da</strong> Publicação na Fonte.<br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba.<br />

Biblioteca Setorial do Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes (<strong>CCHLA</strong>).<br />

Vieira, Bruno Rafael <strong>de</strong> Lima.<br />

<strong>Hamlet</strong> <strong>à</strong> <strong>luz</strong> <strong>de</strong> <strong>Bakhtin</strong>: a <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong>./ Bruno Rafael <strong>de</strong><br />

Lima Vieira. - João Pessoa, 2011.<br />

42f.<br />

Monografia (Graduação em Letras) – Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>da</strong> Paraíba -<br />

Centro <strong>de</strong> Ciências Humanas, Letras e Artes.<br />

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elinês <strong>de</strong> Albuquerque Vasconcelos e Oliveira<br />

1. Literatura - Tragédia. 2. Literatura - Carnavalização. 3. <strong>Hamlet</strong>. 4.<br />

Comédia. I. Título<br />

BSE-<strong>CCHLA</strong> CDU 82-21<br />

4


“Don't go around saying the world owes you a living. The world owes you nothing. It was<br />

here first, and don't part with your illusions. When they are gone you may still exist, but<br />

you have ceased to live”.<br />

Mark Twain<br />

5


AGRADECIMENTOS<br />

Deixo aqui meus agra<strong>de</strong>cimentos aquelas pessoas que <strong>de</strong> uma forma, ou <strong>de</strong> outra<br />

me aju<strong>da</strong>ram a chegar ao final <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>safio que é concluir um curso.<br />

Aos meus pais que me suportam ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, contribuindo com uma educação<br />

impecável, e será ela o maior tesouro que eles po<strong>de</strong>rão me <strong>de</strong>ixar. Se olhar <strong>de</strong> perto eles<br />

encontraram em mim traços do que eles são, e eu agra<strong>de</strong>ço por isso. Também agra<strong>de</strong>ço a<br />

minha irmã, e meus avôs.<br />

A escritora J.K. Rowling por ter escrito Harry Potter e me fez apaixonar ain<strong>da</strong><br />

pequeno por literatura, se hoje eu gosto tanto <strong>de</strong> Shakespeare, foi porque um dia eu li essa<br />

série <strong>de</strong> livros escritos para crianças.<br />

Aos meus amigos Jennyfer, Mayara, Thalita, Aline, Hermes, Vanessa,Kempes<br />

João, Jorge pelo companheirismo, a falação <strong>de</strong> besteira, as risa<strong>da</strong>s e as dores. Dedico aqui<br />

um espaço especial a Mayara que me ajudou com a escolha do curso quando parecia pairar<br />

um nevoeiro em minha mente em relação ao meu futuro; e a Jennyfer por está na batalha<br />

comigo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tínhamos 11 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, e crescemos juntos mesmo com muitas<br />

brigas, mas no fundo temos uma amiza<strong>de</strong> mais pura e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira que possa existir. Ao meu<br />

amigo João Paulo eu <strong>de</strong>ixo minhas sinceras sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Aos meus amigos <strong>da</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong>: Carolina Tavares, Isabela, Ciro, Raquel,<br />

Pâmela, Aline, Tiara, Monya por terem sofrido comigo ao longo <strong>de</strong>sses quatros anos, <strong>à</strong>s<br />

vezes, o caminho parecia cheio <strong>de</strong> incertezas, mas enfim chegamos aqui, ao fim. Ou ao<br />

começo <strong>de</strong> um novo caminho. Levarei vocês comigo em minha mente para o sempre.<br />

Aos professores: Maria Luiza, Michael, Elizabeth Peregrino, Carla Reichman,<br />

Betânia Medrado, que contribuíram para minha formação, e eu não tenho palavras para<br />

<strong>de</strong>screver o valor que isso tem para mim.<br />

E por fim a todos aqueles que me aju<strong>da</strong>ram na vi<strong>da</strong> acadêmica e que por causa do<br />

espaço não pu<strong>de</strong>ram ser citados aqui, <strong>de</strong>ixo o meu sincero “Obrigado”.<br />

6


RESUMO<br />

Atualmente é vasto o campo crítico-acadêmico que trata <strong>da</strong>s <strong>tragédia</strong>s <strong>de</strong> Shakespeare.<br />

Porém, esse vasto campo po<strong>de</strong> se tornar maior com o advento <strong>de</strong> algumas linhas <strong>de</strong><br />

pesquisa ain<strong>da</strong> pouco explora<strong>da</strong>s por pesquisadores e críticos <strong>da</strong> área <strong>da</strong> literatura. Uma<br />

<strong>de</strong>ssas possíveis novas áreas é a trata<strong>da</strong> nessa monografia que passa a analisar a <strong>tragédia</strong><br />

máxima <strong>de</strong> Shakespeare, <strong>Hamlet</strong>, pelo o olhar <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura. Para isso, há<br />

o uso <strong>da</strong>s teorias críticas <strong>de</strong> <strong>Bakhtin</strong> (1997), alia<strong>da</strong> <strong>à</strong> fala Aristóteles sobre a <strong>tragédia</strong>, e sua<br />

visão sobre a dicotomia entre: <strong>tragédia</strong> e comédia. A <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura é o<br />

processo pelo qual a literatura passou a ser influencia<strong>da</strong> pelos costumes pagãos do<br />

carnaval, levantando com isso uma série <strong>de</strong> elementos novos que foram se espalhando pela<br />

literatura, e está presente em algumas obras até os dias atuais. Objetivamos aqui analisar,<br />

então, como esses elementos estão presentes na <strong>tragédia</strong> <strong>Hamlet</strong>. A análise mostra que<br />

mesmo a peça sendo consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s maiores <strong>tragédia</strong>s <strong>de</strong> todos os tempos apresenta<br />

traços fortes <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura. Para <strong>da</strong>r suporte <strong>à</strong> esta pesquisa também<br />

utilizar-se-á o pensamento <strong>de</strong> BRADLEY (1994), BLOOM(2004) e HELIODORA(2004),<br />

entre outros críticos <strong>da</strong> poética shakespeariana.<br />

Palavras-chaves: Carnavalização, <strong>Hamlet</strong>, Tragédia, Comédia.<br />

7


SUMÁRIO<br />

Introdução ....................................................................................................................08<br />

Capítulo 1 : Dos conceitos aristotélicos aos alicerces <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong>................11<br />

1.1 A <strong>tragédia</strong> aristotélica................................................................................11<br />

1.2 Da <strong>carnavalização</strong>......................................................................................13<br />

1.2.1 Os gêneros sério-cômicos..........................................................................16<br />

1.2.2 Os Diálogos Socráticos.............................................................................18<br />

1.2.3 A Sátira Menipéia......................................................................................18<br />

Capítulo 2: <strong>Hamlet</strong> e a composição <strong>da</strong>s <strong>tragédia</strong>s shakespearianas........................21<br />

2.1 As <strong>tragédia</strong>s Shakespearianas......................................................................21<br />

Capítulo 3: Diálogos entre <strong>Bakhtin</strong> e Shakespeare...................................................25<br />

3.1 O Herói- I<strong>de</strong>ológico....................................................................................25<br />

3.2 Os solilóquios..............................................................................................28<br />

3.3 Elementos Carnavalesco no Ato 5:Clowns e o Bobo..................................31<br />

3.3.1 Os Clowns................................................................................................31<br />

3.3.2 O Bobo <strong>da</strong> corte.......................................................................................33<br />

3.4 Polifonia Shakespeariana Verso, Prosa e Metalinguagem .........................35<br />

3.4.1 Verso e Prosa: Polifonia..........................................................................35<br />

3.4.2 Metalinguagem........................................................................................35<br />

3.5 Loucura e Comportamento excêntrico...............................................................37<br />

Conclusão...................................................................................................................39<br />

Referências.................................................................................................................40<br />

8


Introdução<br />

A literatura é o meio pelo qual o homem consegue representar aspectos do seu dia-<br />

a-dia, do seu mundo, dos seus medos e <strong>de</strong> suas dúvi<strong>da</strong>s. A literatura, <strong>à</strong>s vezes, atuar ao lado<br />

<strong>de</strong> outras áreas do conhecimento, como a filosofia, a história ou a psicologia, por exemplo,<br />

afim <strong>de</strong> discutir temas instigantes para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Muitos são os autores que tem seu<br />

nome gravado no imaginário popular ao longo dos séculos. Não po<strong>de</strong>ríamos falar <strong>de</strong><br />

literatura, e dos gran<strong>de</strong>s clássicos, sem falar em William Shakespeare.<br />

Shakespeare nasceu por volta <strong>de</strong> 1564 em Starford-upon-Avon, Inglaterra. Os seus<br />

pais tiveram uma vi<strong>da</strong> financeira boa, além <strong>de</strong> terem uma posição eleva<strong>da</strong> socialmente.<br />

Shakespeare recebeu uma educação consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> <strong>de</strong> “alto-nível” para sua época, chegou a<br />

cursar o Petty School, quando criança, e o Grammar School, que correspon<strong>de</strong> ao ensino<br />

fun<strong>da</strong>mente e médio. Shakespeare casou-se com Anne Hathawey, com quem teve três<br />

filhos: uma filha e um casal <strong>de</strong> gêmeos. Depois do nascimento dos gêmeos, entre 1558-<br />

1592, ocorre que é consi<strong>de</strong>rado os “anos perdidos”, já que não há registro sobre sua vi<strong>da</strong>.<br />

Em 1592, quando os <strong>da</strong>dos biográficos são retomados, ele já está instalado em Londres.<br />

Shakespeare ganhou sucesso rapi<strong>da</strong>mente o que levou a inveja <strong>de</strong> alguns dramaturgos <strong>da</strong><br />

época. Entre os anos <strong>de</strong> 1593 e 1594 a peste bubônica abateu a capital londrina, fechando<br />

assim os teatros. O autor passou a “viver” <strong>de</strong> seus sonetos que po<strong>de</strong>m ser divididos em três<br />

partes: para um jovem garoto, para um escritor rival, e para uma moça <strong>de</strong> cabelos negros.<br />

Em 1596, Shakespeare conseguiu para sua família, um brasão, o que é consi<strong>de</strong>rado<br />

importante, já que as pessoas que trabalham com teatro eram vistas como “pessoas <strong>de</strong><br />

menos prestígio social”. Em 1616, Shakespeare morre, porém a causa não é certa.<br />

Shakespeare, enquanto dramaturgo escreveu cerca <strong>de</strong> 36 peças solo, e mais duas em<br />

conjunto com outros escritores. Segundo Barbara Heliodora (2004), o autor “inventou” as<br />

peças históricas, escrevendo no total <strong>de</strong> <strong>de</strong>z peças <strong>de</strong>sse tipo. A primeira seria a trilogia <strong>de</strong><br />

Henrique VI (1591 1 ).<br />

O autor, porém, não se pren<strong>de</strong> a fatos históricos quando escreve essas peças,<br />

tomando liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s “artísticas” para que ficassem mais atraentes ao público. Ele ain<strong>da</strong><br />

escreve cerca <strong>de</strong> quinze comédias, a primeira <strong>de</strong>la sendo a Comédia dos Erros (1589-<br />

1595), mesmo levando ao público riso, ele também precisava <strong>de</strong> ação para manter as<br />

1 As <strong>da</strong>tas <strong>da</strong>s peças são estipula<strong>da</strong>s. Não há certeza sobre o ano que ca<strong>da</strong> uma foi escrita ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente.<br />

9


pessoas atraí<strong>da</strong>s pelo que tivesse no palco. O total <strong>de</strong> <strong>tragédia</strong>s escrita pelo autor soma-se<br />

doze, Tito Andrônico(1588) é ti<strong>da</strong> por alguns como a primeira <strong>tragédia</strong> shakespeariana.<br />

De suas <strong>tragédia</strong>s quatro <strong>de</strong>las recebem os títulos <strong>de</strong>: “Quatro Gran<strong>de</strong>s Tragédias”,<br />

são elas: <strong>Hamlet</strong> (1599), Otelo (1603), Rei Lear (1605), Macbeth (1606). Barbara<br />

Heliodora diz “(...) nas <strong>tragédia</strong>s, são examina<strong>da</strong>s as relações do homem com o universo,<br />

por intermédio <strong>de</strong> situações extremas, nas quais valores últimos <strong>de</strong>vem ser avaliado e<br />

postos <strong>à</strong> prova.” Ela acrescenta ain<strong>da</strong> que as “<strong>tragédia</strong>s tratam <strong>de</strong> conflitos irreconciliáveis”<br />

(HELIODORA, 2004, p. 66-67). Essas peças não possuem o formato fechado preconizado<br />

por Aristóteles. Shakespeare misturava humor e drama, comédia e <strong>tragédia</strong>, ou seja, não<br />

seguia o formato <strong>de</strong> um gênero “puro”.<br />

Shakespeare tem um papel importantíssimo não apenas na literatura. Seu nome<br />

aparece ligado <strong>à</strong>s mais diversas áreas do conhecimento humano. Sua obra ajudou na<br />

consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> língua inglesa, no <strong>de</strong>senvolvimento do teatro, e também no<br />

amadurecimento <strong>da</strong> própria literatura oci<strong>de</strong>ntal. Shakespeare, como diz Bloom (2004),<br />

parecia saber construir não apenas personagens, mas também seres humanos. Personagens<br />

inquietos em suas emoções e ações <strong>de</strong> alta profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual e psicológica.<br />

Shakespeare parecia ser arquiteto na criação <strong>de</strong> questionamentos que ain<strong>da</strong> hoje penetram<br />

na mente e criam pensamentos profundos e complexos.<br />

Diante do exposto, esta pesquisa tem como objetivo principal investigar como uma<br />

<strong>da</strong>s maiores e mais conheci<strong>da</strong>s <strong>tragédia</strong>s shakespearianas, a peça <strong>Hamlet</strong>, tem em sua<br />

estrutura elementos cômicos oriundos dos gêneros sério-cômicos <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para<br />

isso, nos basearemos nos estudos realizados pelo teórico russo Mikhail <strong>Bakhtin</strong> (1895-<br />

1974) sobre os gêneros sério-cômicos com ênfase nas representações do Diálogo Socrático<br />

e <strong>da</strong> Sátira Menipéia – subgêneros que se encontram <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> órbita maior dos gêneros<br />

sério-cômicos. Com esta análise, preten<strong>de</strong>-se analisar o processo <strong>de</strong> <strong>carnavalização</strong> que<br />

acontece em <strong>Hamlet</strong>, o que <strong>de</strong>sconstrói a idéia <strong>de</strong> uma <strong>tragédia</strong> “pura” alinhando-se a fala<br />

<strong>da</strong> crítica Barbara Heliodora.<br />

Para um melhor entendimento, esse trabalho foi divido em três capítulos:<br />

O primeiro capítulo trará as discussões teóricas sobre os autores que<br />

fun<strong>da</strong>mentaram esta pesquisa e que constroem o seu alicerce teórico. Para o entendimento<br />

do processo <strong>de</strong> formação <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong>, esse trabalho faz uma breve revisão do conceito <strong>à</strong> <strong>luz</strong><br />

<strong>da</strong>s palavras do filósofo grego Aristóteles, cuja importância nos estudos <strong>da</strong> poética do<br />

drama e <strong>da</strong> própria literatura é irrefutável. Já para o entendimento do processo <strong>de</strong><br />

<strong>carnavalização</strong>, investigaremos as suas origens e as suas particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, em uma pequena<br />

10


digressão histórica. Essa investigação é importante, pois nos permite uma melhor<br />

compreensão do aparecimento e <strong>da</strong> formação que esse processo <strong>da</strong>rá origem. Em segui<strong>da</strong>,<br />

nos <strong>de</strong>bruçaremos sobre o gênero sério-cômico, <strong>da</strong>ndo atenção particular a dois <strong>de</strong> seus<br />

subgêneros: o Diálogo Socrático e Sátira Menipéia.<br />

No segundo capítulo serão analisados os fun<strong>da</strong>mentos shakespearianos sobre a<br />

<strong>tragédia</strong> e a origem <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong>.<br />

No terceiro capítulo, analisaremos alguns aspectos <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong> <strong>à</strong> <strong>luz</strong> <strong>da</strong> teoria<br />

postula<strong>da</strong> por <strong>Bakhtin</strong> sobre os gêneros sério-cômicos. A intenção é constatar que uma <strong>da</strong>s<br />

maiores <strong>tragédia</strong>s <strong>de</strong> todos os tempos tem em sua estrutura central elementos oriundos <strong>da</strong><br />

<strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura que teve gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média e no Renascimento.<br />

Como esse trabalho apresenta limitação física, nem todos os pontos abor<strong>da</strong>dos por <strong>Bakhtin</strong><br />

nas discussões sobre estes temas estarão aqui presentes.<br />

11


1 – DOS CONCEITOS ARISTÓTELICOS AOS ALICERCES DO PROCESSO DE<br />

CARNAVALIZAÇÃO<br />

Nesse primeiro capítulo vamos nos aprofun<strong>da</strong>r nos conceitos sobre a <strong>tragédia</strong> para<br />

Aristóteles. Investigar história <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura que resultou nos gêneros<br />

sério-cômicos.<br />

1.1 A <strong>tragédia</strong> aristotélica<br />

Reconhecido como um dos principais pensadores do mundo oci<strong>de</strong>ntal, o filósofo<br />

grego Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) <strong>de</strong>ixou um legado inestimável através <strong>de</strong> seus<br />

pensamentos e <strong>de</strong> suas teses sobre as artes, teatro, formas <strong>de</strong> governo, entre outros. Um dos<br />

seus trabalhos mais influentes que chegou até os nossos dias é a Arte Poética, escrita por<br />

volta <strong>de</strong> 300 a.C que, mesmo incompleta, ain<strong>da</strong> guia o pensamento e o caminho <strong>da</strong>s artes.<br />

No mencionado livro, Aristóteles discutiu gêneros teatrais, como a epopéia, a <strong>tragédia</strong> e a<br />

comédia.<br />

Segundo Aristóteles, <strong>da</strong> imitação vêm os gêneros. E ca<strong>da</strong> gênero tinha o seu objeto<br />

que lhe era característico. Ele chama <strong>de</strong> Mimesis que é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como imitação, ou<br />

representação <strong>da</strong> natureza através <strong>da</strong>s artes. Os seres humanos, diz Aristóteles, são seres<br />

com tendência imanente para a cópia, “A tendência para imitação é instintiva no homem,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância” (ARISTÓTELES, 2011, p. 30). Eles criam, se baseiam e refletem sobre a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. No caso <strong>da</strong> linguagem teatral, a Mimesis tem uma função importante, que é a <strong>de</strong><br />

fazer com que o público reconheça e acredite no que está sendo representado pelos atores.<br />

Esse reconhecimento, por sua vez, é chamado verossimilhança.<br />

Dentro <strong>da</strong> linguagem teatral, Aristóteles entendia que havia dois gêneros<br />

organicamente separados um do outro: a <strong>tragédia</strong> e a comédia. Esses dois gêneros não têm<br />

origens claras. Há vestígios do surgimento <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> nas <strong>da</strong>nças e cantos ao <strong>de</strong>us grego<br />

Dionísio e também na poesia e na religião grega. Por exemplo, atribui-se aos sátiros, seres<br />

mitológicos, meio-bo<strong>de</strong> e meio-humano, as representações que <strong>de</strong>ram origem a <strong>tragédia</strong>.<br />

Já a comédia, por sua vez, segundo Aristóteles, teria sido origina<strong>da</strong> na Sicília. No<br />

livro, a História do Teatro, Margot Berthold (2000), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a origem <strong>da</strong> comédia se<br />

<strong>de</strong>u em dois momentos, o primeiro com Aristófanes (447 a.C – 385 a.C ), e no segundo<br />

com Menandro (342 a.C – 291 a.C ) durante o período helenístico.<br />

12


Como já foi dito, os dois gêneros vão imitar objetos diferentes. A comédia vai ter<br />

como objeto <strong>de</strong> imitação os homens piores, caricaturando-os, exagerando em suas<br />

características, por exemplo, nos traços físicos <strong>de</strong>sses. Os personagens na comédia têm<br />

falta <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s. Já as <strong>tragédia</strong>s têm como objetivo <strong>de</strong> imitar os homens melhores, <strong>de</strong><br />

caráter elevado. Para enten<strong>de</strong>r melhor essa diferença é necessário observar as palavras <strong>de</strong><br />

Aristóteles sobre ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>sses gêneros:<br />

Sobre a <strong>tragédia</strong>:<br />

Sobre a comédia:<br />

É pois a <strong>tragédia</strong> imitação <strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong> caráter elevado, completa e <strong>de</strong> certa<br />

extensão, em linguagem ornamenta<strong>da</strong> e com várias espécies <strong>de</strong> ornamentos<br />

distribuí<strong>da</strong>s pelas diversas partes do drama, imitação que se efetua não por<br />

narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a pie<strong>da</strong><strong>de</strong>, tem por<br />

efeito a purificação <strong>de</strong>ssas emoções. (ARISTÓTELES,2011, p. 39)<br />

A comédia é, como dissemos, imitação <strong>de</strong> homens inferiores; não to<strong>da</strong>via,<br />

quanto a to<strong>da</strong> espécie <strong>de</strong> vícios, mas só quanto <strong>à</strong>quela parte do torpe que é<br />

ridículo. O ridículo é apenas certo <strong>de</strong>feito, torpeza anódina e inocente; que bem o<br />

<strong>de</strong>monstra, por exemplo, a máscara cômica, que, sendo feia e disforme, não tem<br />

expressão <strong>de</strong> dor. (ARISTÓTELES,2011, p. 33)<br />

A imitação <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> é completa, ou seja, tem início, meio e fim. Esse fim <strong>de</strong>veria<br />

ser único, ou seja, não <strong>de</strong>veria abrir espaço para uma duali<strong>da</strong><strong>de</strong>. E essa imitação é basea<strong>da</strong><br />

na ação, não na personagem. Os enredos nas <strong>tragédia</strong>s não po<strong>de</strong>m contar outros enredos<br />

aleatórios, <strong>de</strong>vem ser centrados em um único enredo, se essa centralização <strong>de</strong> enredo não<br />

ocorrer, não será gera<strong>da</strong> a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ação.<br />

Aristóteles dizia que a <strong>tragédia</strong> <strong>de</strong>veria se limitar a ser encena<strong>da</strong> durante a<br />

“resolução solar”, diferente <strong>da</strong> epopéia, que não tinha limites para encenação, o que<br />

constituiria a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo.<br />

As <strong>tragédia</strong>s po<strong>de</strong>riam ser divi<strong>da</strong>s em duas: as simples, que são aquelas cujo enredo<br />

é linear; e as complexas que tinham elementos fixos como as peripécias, o reconhecimento<br />

e o acontecimento patético ou catástrofe. Aristóteles explica que “a peripécia é a mu<strong>da</strong>nça<br />

<strong>da</strong> ação no sentido contrário ao que foi indicado e sempre” (ARISTÓTELES,2011, p. 47);<br />

enquanto “o reconhecimento [...] faz passar <strong>da</strong> ignorância ao conhecimento, mu<strong>da</strong>ndo a<br />

amiza<strong>de</strong> em ódio ou inversamente nas pessoas vota<strong>da</strong>s <strong>à</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou ao infortúnio”<br />

(ARISTÓTELES, 2011, p.47); e, por fim, o acontecimento patético ou catástrofe é<br />

entendido como “ uma ação que provoca a morte ou sofrimento como a <strong>da</strong>s mortes em<br />

cena, <strong>da</strong>s dores agu<strong>da</strong>s, dos ferimentos e outros casos análogos.” (ARISTÓTELES,2011, p.<br />

48)<br />

13


A ação na <strong>tragédia</strong> <strong>de</strong>veria gerar dois sentimentos que vão ser característicos: o<br />

medo e a compaixão. Esses sentimentos faziam parte <strong>da</strong> catarse. Era <strong>de</strong>ver dos poetas -<br />

ou dramaturgos – estarem voltados para os assuntos que interessassem e que<br />

conseguissem fazer os espectadores <strong>de</strong>senvolverem esses sentimentos.<br />

Diferentemente <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong>, a comédia teria como foco central a personagem, não a<br />

ação. O ponto central <strong>da</strong> comédia era rir dos vícios dos homens. Vícios esses consi<strong>de</strong>rados<br />

ridículos. Até hoje, as máscaras que simbolizam a comédia são disformes, não por causa <strong>da</strong><br />

dor, como acontece na <strong>tragédia</strong>, mas por causa do ridículo vindo <strong>de</strong> um vício ou <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>feito <strong>da</strong> personagem.<br />

A comédia vai brincar com a linguagem utiliza<strong>da</strong> pela <strong>tragédia</strong>. Segundo<br />

Aristóteles, os termos utilizados nas <strong>tragédia</strong>s não eram usuais do dia-a-dia, são termos<br />

utilizados apenas nas representações, e os poetas <strong>da</strong> comédia vão brincar com esses termos<br />

em seus espetáculos, zombando <strong>de</strong>les:<br />

Arífra<strong>de</strong>s, em suas comédias, zombava dos autores <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> por servirem <strong>de</strong><br />

termos que ninguém emprega na conversação, dizendo, por exemplo, “<strong>da</strong>s casas<br />

longe” em vez <strong>de</strong> “longe <strong>da</strong>s casas” e” <strong>de</strong> Aquiles acerca em vez <strong>de</strong> “acerca <strong>de</strong><br />

Aquiles e expressões idênticas (ARISTÓTELES , p. 80)<br />

Aristóteles diz que essa diferenciação dos termos é necessária na <strong>tragédia</strong> porque<br />

diminui a vulgari<strong>da</strong><strong>de</strong>, melhorando a elocução.<br />

Como se po<strong>de</strong> verificar, esses dois gêneros apresentam características diferentes.<br />

Para Aristóteles, como já foi dito, a <strong>tragédia</strong> e a comédia não <strong>de</strong>veriam se misturar, porque<br />

o primeiro seria mais elevado que o segundo. Porém, Platão, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em sua peça “O<br />

Banquete” a união <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> com a comédia “O mesmo homem será capaz <strong>de</strong> escrever<br />

comédia e <strong>tragédia</strong>” (PLATÃO apud. BERTHOLD, 2000). Dessa forma, Platão avaliza a<br />

análise que preten<strong>de</strong>mos realizar em <strong>Hamlet</strong>.<br />

Na próxima sessão será abor<strong>da</strong>do o surgimento e os fun<strong>da</strong>mentos do Gênero Sério-<br />

Cômico, através <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura. Nela será possível observar características<br />

e elementos cômicos em textos trágicos, pondo em chegue assim parte do que Aristóteles<br />

dizia sobre a <strong>tragédia</strong>.<br />

1.2 – Da <strong>carnavalização</strong><br />

14


Nessa sessão será abor<strong>da</strong>do o papel <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura que refletirá na<br />

construção <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> <strong>Hamlet</strong> <strong>de</strong> Shakespeare. Faz-se necessário, então, uma breve<br />

explanação sobre a origem <strong>de</strong>sse processo.<br />

Mikhail <strong>Bakhtin</strong> em seu livro Problemas <strong>da</strong> Poética <strong>de</strong> Dostoiévski (1997)<br />

apresenta o aflorar <strong>de</strong> um gênero literário que teve suas origens na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> Clássica e<br />

influenciou todos os períodos <strong>da</strong> história <strong>da</strong> literatura alcançando até os dias <strong>de</strong> hoje. Esses<br />

gêneros são conhecidos como os gêneros sério-cômicos. Esse tipo <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>u origem a<br />

vários subgêneros que foram influenciados pela <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura. A título <strong>de</strong><br />

esclarecimento, <strong>de</strong>ver ser entendido como <strong>carnavalização</strong> um processo pelo qual a própria<br />

literatura é influencia<strong>da</strong> pelo carnaval.<br />

A palavra carnaval aqui <strong>de</strong>ve ser toma<strong>da</strong> por seu conjunto <strong>de</strong> especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

uma manifestação festiva que é representa<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, sendo essa uma forma plural <strong>de</strong><br />

manifestação. <strong>Bakhtin</strong> explicita:<br />

O carnaval propriamente dito [...] não é, evi<strong>de</strong>ntemente um fenômeno literário. É<br />

uma forma muito complexa e varia<strong>da</strong>, que, sob sua base carnavalesca geral,<br />

apresenta diversos matrizes e variações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong> diferentes épocas, povos<br />

e festejos particulares. (BAKHTIN, 1997, pág.22)<br />

Com o carnaval surge a cultura do riso que é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como sendo um “patrimônio<br />

do povo” e “universal”. O riso no carnaval tem duas faces: uma é usa<strong>da</strong> para satirizar<br />

enquanto a outra face privilegia o riso alegre fun<strong>da</strong>mentando assim um dos aspectos do<br />

carnaval – a duali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

As festas faziam parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos homens na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média, e gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>ssas<br />

festas estavam diretamente liga<strong>da</strong>s <strong>à</strong> cultura do riso. <strong>Bakhtin</strong> cita como exemplo a “festa<br />

do asno”, a “festa dos tolos” e a” festa pascal”. Até mesmo as festas ditas “religiosas” eram<br />

volta<strong>da</strong>s para a comici<strong>da</strong><strong>de</strong>. O carnaval não estava ligado <strong>à</strong>s gran<strong>de</strong>s festas <strong>de</strong> santos,<br />

serviam apenas como ponte para a quaresma. Essa comici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s festas liberava o homem<br />

<strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média <strong>da</strong> repressão do Estado e <strong>da</strong> Igreja. No livro A Cultura Popular na I<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Média e Renascimento (1996), <strong>Bakhtin</strong> diz que o carnaval representa uma segun<strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

para o povo, representando um tipo <strong>de</strong> reino utópico para as pessoas, libertando-as <strong>de</strong> uma<br />

vi<strong>da</strong> diferencia<strong>da</strong> e com liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>quela que não existiam no seu dia-a-dia e que era<br />

regulamenta<strong>da</strong> pela Igreja e pelo Estado. No carnaval as leis normais são revoga<strong>da</strong>s. Ou<br />

seja, as leis que regem a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> no período <strong>de</strong> não-carnaval são suspensas. Algumas<br />

ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s chegavam a ter três meses <strong>de</strong> festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s carnavalescas. E durante o carnaval são<br />

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cria<strong>da</strong>s outras leis as quais duram até o fim <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: “Nessas circunstâncias a festa<br />

convertia-se na forma <strong>de</strong> que se revestia a segun<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do povo, o qual penetrava<br />

temporariamente no reino utópico <strong>da</strong> universali<strong>da</strong><strong>de</strong>, liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, igual<strong>da</strong><strong>de</strong> e abundância”<br />

(BAKHTIN, 1996, p. 08). Com essa diferenciação na vi<strong>da</strong> comum e na vi<strong>da</strong> cria<strong>da</strong> pelo<br />

carnaval, cria-se uma espécie <strong>de</strong> duali<strong>da</strong><strong>de</strong> na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, uma espécie <strong>de</strong> “reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

alternativa”.<br />

Dessa duali<strong>da</strong><strong>de</strong>, veio o surgimento <strong>da</strong> paródia que “é a criação <strong>de</strong> duplo<br />

<strong>de</strong>stronante, do mesmo mundo <strong>à</strong>s avessas” (BAKHTIN, 1997, p. 127). A paródia vai<br />

atingir várias cama<strong>da</strong>s do cristianismo, como parte do processo <strong>de</strong> profanação. Até os dias<br />

atuais essa é uma <strong>da</strong>s características principais <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> – a “mistura” do profano<br />

com o sagrado, do alto e do baixo. As paródias foram surgindo ao longo <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong>ntre<br />

seus tipos, houve o surgimento dos “diálogos paródicos”, <strong>da</strong>s “crônicas paródicas”, <strong>da</strong>s<br />

“homilias paródicas”, <strong>da</strong>s “len<strong>da</strong>s sagra<strong>da</strong>s” e <strong>da</strong>s “epopéias paródicas”. Essa parodização<br />

chega também <strong>à</strong>s feiras livres, tendo a sua materialização nas representações feitas nos<br />

teatros <strong>de</strong> feira.<br />

O teatro é uma <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> arte na qual o artista e o público mais se aproximam.<br />

<strong>Bakhtin</strong> (1996) diz que o teatro <strong>de</strong> feira é tipicamente carnavalesco, pois elimina o palco,<br />

que representa a divisória com o povo, e esses passam a viver o espetáculo. O carnaval é a<br />

representação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> com traços <strong>de</strong> comici<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Percebe-se assim que uma <strong>da</strong>s características mais relevantes do carnaval é a<br />

quebra <strong>de</strong> barreiras sociais. O carnaval não permite <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Nele, os tabus sociais<br />

caem, assim como to<strong>da</strong> e qualquer divisão <strong>de</strong> classe existente, inclusive as institucionais.<br />

Aquelas pessoas que não se permitiam ao contato social com as pessoas <strong>de</strong> classe sociais<br />

“menores” durante o dia-a-dia, se vêem no carnaval igual a elas.<br />

Além <strong>da</strong>s barreiras sociais, sistemas que estavam aparentemente distantes se<br />

tornam pares, ou seja, há uma aproximação <strong>de</strong> coisas que psicologicamente e fisicamente<br />

são distantes, ou aparentemente são, “[...] elogio e impropérios, moci<strong>da</strong><strong>de</strong> e velhice, alto e<br />

baixo, face e traseiro, tolice e sabedoria [...]” (BAKHTIN, 1997, p. 126). Dessa forma, a<br />

principal característica do carnaval é a ambivalência.<br />

Essa abolição <strong>de</strong> barreiras sociais no carnaval faz emergir uma linguagem<br />

diferencia<strong>da</strong> na literatura. Esta linguagem é marca<strong>da</strong> pela utilização <strong>de</strong> grosserias, palavras<br />

“pesa<strong>da</strong>s”, além <strong>da</strong>s blasfêmias. Porém, é importante salientar que esses traços lingüísticos<br />

adquiridos no carnaval servem para reforçar a libertação do povo.<br />

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Em conseqüência, essa eliminação provisória, ao mesmo tempo i<strong>de</strong>al e efetiva,<br />

<strong>da</strong>s relações hierárquicas entre os indivíduos criava na praça publica um tipo<br />

particular <strong>de</strong> comunicação inconcebível em situações normais. (<strong>Bakhtin</strong>, 1996,<br />

p.9)<br />

Diante do exposto até agora, po<strong>de</strong>-se inferir que a representação <strong>da</strong> linguagem,<br />

origina<strong>da</strong> <strong>de</strong>ssa <strong>carnavalização</strong> tem suas raízes finca<strong>da</strong>s na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong>, na órbita <strong>de</strong> um<br />

gênero conhecido como sério-cômico. Graças <strong>à</strong> existência <strong>de</strong>sse gênero e suas<br />

especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s, seria permitido o cruzamento <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> com a comédia em uma mesma<br />

peça. A próxima sessão discutirá este tema.<br />

1.2.1- Os gêneros sério-cômicos<br />

As manifestações discuti<strong>da</strong>s e mostra<strong>da</strong>s nas sessões anteriores são, em essência,<br />

o que sustentam as origens dos gêneros sério-cômicos. Esses gêneros como já foi apontado<br />

antes, estavam profun<strong>da</strong>mente influenciados pelo folclore carnavalesco, sendo divididos<br />

em vários subgêneros. Nessa sessão, trataremos apenas dos aspectos gerais dos gêneros<br />

sério-cômicos.<br />

Segundo <strong>Bakhtin</strong> (1997), há três pilares que sustentam os gêneros sério-cômicos<br />

como gêneros e que os i<strong>de</strong>ntificam e os caracterizam como tal. Esses gêneros tratam <strong>de</strong><br />

assuntos sérios, em sua essência, mas contém traços <strong>de</strong> uma literatura carnavaliza<strong>da</strong>.<br />

Porém, não é fácil <strong>de</strong>limitar as fronteiras <strong>de</strong>sse gênero. Parte <strong>de</strong>sses entrava em oposição<br />

aos gêneros ditos sérios, como a <strong>tragédia</strong>, a epopéia, o drama, etc. Observa-se também que<br />

há uma renúncia <strong>à</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> estilística <strong>de</strong>sses gêneros ditos “sérios”, pois havia to<strong>da</strong> uma<br />

nova configuração estilística como uma mistura <strong>de</strong> prosa e verso, por exemplo.<br />

O primeiro pilar que fun<strong>da</strong>mentava esses gêneros os separa <strong>da</strong>s antigas len<strong>da</strong>s, ou<br />

seja, eles não trazem para suas histórias as len<strong>da</strong>s que as gran<strong>de</strong>s <strong>tragédia</strong>s tratavam. As<br />

histórias por eles apresenta<strong>da</strong>s são atualiza<strong>da</strong>s, prosifica<strong>da</strong>s, ou seja, falam do dia-a-dia. Os<br />

mitos têm espaço, mas esses são trazidos para a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e tempo real <strong>da</strong> ação, além <strong>de</strong><br />

serem histórias familiares ao público.<br />

Enquanto o primeiro pilar distancia os gêneros sério-cômicos <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, negando-<br />

as. O segundo pilar trata <strong>da</strong> “fonte” <strong>da</strong>s novas histórias, já que as len<strong>da</strong>s são nega<strong>da</strong>s. As<br />

bases para as histórias passam a ser a experiência e a fantasia livre <strong>da</strong>quele que escreve o<br />

enredo. “Baseiam-se conscientemente na experiência [...] e na fantasia livre” (BAKHTIN,<br />

1996, p. 108).<br />

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Já o terceiro e mais importante pilar envolve a questão <strong>da</strong> polifonia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses<br />

gêneros. A polifonia po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como a presença <strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong><br />

forma intercala<strong>da</strong>, que se fun<strong>de</strong>m para formação <strong>de</strong> um todo. Como exemplo <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>ssas fusões é o cruzamento entre o verso e a prosa, muito característico do texto<br />

shakespeariano e que será abor<strong>da</strong>do com mais profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> no próximo capítulo, quando<br />

trataremos aplicação dos gêneros sério-cômicos a <strong>Hamlet</strong>.<br />

Em seu estudo sobre os gêneros sério-cômicos, <strong>Bakhtin</strong> aponta a presença <strong>de</strong> dois<br />

subgêneros <strong>de</strong>sse gênero. Para o propósito <strong>de</strong>ste trabalho, utilizaremos dois subgêneros<br />

<strong>de</strong>stacados por <strong>Bakhtin</strong>, o diálogo socrático, e a sátira menipéia. Esses dois serão tratados<br />

nas duas próximas sessões.<br />

1.2.2- Diálogo Socrático<br />

Sócrates (469-399) foi um pensador que viveu na Grécia e que indiscutivelmente<br />

influenciou o pensamento oci<strong>de</strong>ntal ao lado <strong>de</strong> Aristóteles e Platão. O Diálogo Socrático –<br />

subgênero do gênero sério cômico – recebe este nome porque se baseia em parte nos<br />

ensinamentos orais enunciados pelo pensador durante seus discursos, sendo, <strong>à</strong>s vezes,<br />

confundido com um gênero memorialista. Esse subgênero evolui e passa a ser a base para a<br />

busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e a forma <strong>de</strong> organizar os diálogos em narrativas (BAKHTIN, 1997, p.<br />

109).<br />

<strong>Bakhtin</strong> caracteriza este subgênero <strong>de</strong>stacando alguns pontos, são eles: o primeiro<br />

<strong>de</strong>les: é a busca pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, como já foi dito, essa ver<strong>da</strong><strong>de</strong> não estaria pronta, mas<br />

<strong>de</strong>veria ser construí<strong>da</strong> através <strong>de</strong> discussões. O pensamento ain<strong>da</strong> não estava fechado, ou<br />

seja, suas idéias não estavam prontas. Sócrates, segundo <strong>Bakhtin</strong>, rejeitava a idéia <strong>de</strong> “pai”<br />

<strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ela usa <strong>da</strong> metáfora <strong>da</strong> “parteira” para ilustrar seu pensamento, ou seja, ele<br />

seria apenas um auxiliador na busca pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. “A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> não nasce nem se encontra<br />

na cabeça <strong>de</strong> um único homem; ela nasce entre os homens, que junto a procurar no<br />

processo <strong>de</strong> comunicação dialógica.” (BAKHTIN, 1997, p. 110).<br />

No dialogo socrático, a busca pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong> se dá em dois caminhos <strong>de</strong><br />

confrontação, são eles: síncrese e anácrise. A síncrise é busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> pela confrontação<br />

baseando-se em vários pontos <strong>de</strong> vistas <strong>de</strong> um mesmo objeto. A anácrise é o método<br />

socrático <strong>de</strong> confrontação <strong>de</strong> busca pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong> através <strong>de</strong> provocação pela própria<br />

palavra. <strong>Bakhtin</strong> diz que esses dois pontos se fun<strong>de</strong>m e acontece o surgimento <strong>da</strong> réplica,<br />

pelo diálogo.<br />

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A anácrise e a síncrise não necessariamente aparecem em contextos diferentes, <strong>à</strong>s<br />

vezes, as duas formas po<strong>de</strong>m estar expressas juntas. Uma forma po<strong>de</strong> <strong>da</strong>r suporte <strong>à</strong> outra<br />

na busca pelo objeto <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Esse subgênero faz emergir um novo tipo <strong>de</strong> herói, o herói-i<strong>de</strong>ológico. Sócrates<br />

acabou por se colocar como um herói-i<strong>de</strong>ológico. As pessoas que o ouviam, viam nele uma<br />

espécie <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo a ser seguido. <strong>Bakhtin</strong> (1997) afirma que é a primeira vez na literatura<br />

européia que um herói <strong>de</strong>sse tipo aparece.<br />

Assim, o homem e a idéia se fun<strong>de</strong>m neste subgênero, formando um único ser, o<br />

que <strong>Bakhtin</strong> chama <strong>de</strong> agente. O homem passa a ser o portador <strong>da</strong> idéia, ou seja, o homem<br />

“veste” essa idéia tornando-se responsável por ela.<br />

O diálogo socrático aparecerá em <strong>Hamlet</strong> principalmente na construção psíquica do<br />

herói, como ele construirá seu <strong>de</strong>stino, e como encarará o seu “fardo”.<br />

Na próxima sessão será abor<strong>da</strong>do outro subgênero dos gêneros sério-cômicos, a<br />

sátira menipéia que será importantíssima na análise do nosso corpus no próximo capítulo.<br />

1.2.3 - A Sátira Menipéia<br />

O subgênero conhecido como Sátira Menipéia tem sua origem, em parte, no<br />

subgênero dos Diálogos Socráticos. Esse subgênero também tem as suas raízes finca<strong>da</strong>s no<br />

folclore carnavalesco. Um dos elementos que surgiram junto a Sátira Menipéia foi o<br />

solilóquio, muito utilizado por Shakespeare em seus heróis-i<strong>de</strong>ológicos.<br />

Esse subgênero traz um maior grau <strong>de</strong> comici<strong>da</strong><strong>de</strong> que os Diálogos Socráticos,<br />

porém, essa intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> maior <strong>da</strong> comici<strong>da</strong><strong>de</strong> vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do enredo no qual ele será<br />

aplicado. Outra característica é que não há, nesse subgênero, uma obrigação com a vi<strong>da</strong><br />

externa, <strong>de</strong>rrubando assim a verossimilhança com a vi<strong>da</strong> real e <strong>da</strong>ndo mais liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>à</strong><br />

criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

A fantasia e a aventura passam a ser motiva<strong>da</strong>s interiormente. A fantasia tem o<br />

papel <strong>de</strong> provocar a experimentação pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Segundo <strong>Bakhtin</strong> (1997), o fantástico<br />

vai assumir o papel <strong>de</strong> aventura. Uma <strong>da</strong>s principais características <strong>de</strong>sse subgênero é a<br />

busca <strong>da</strong> filosofia interior. A Sátira Menipéia utiliza-se <strong>da</strong> fusão do fantástico com o<br />

simbolismo, e ain<strong>da</strong>, utiliza-se do místico-religioso com o submundo, submundo este que<br />

<strong>de</strong>ve ser entendido por submundo dos homens, submundo do social, ou seja, aquele no<br />

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qual a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> se encontra. Esse embate com o submundo tem a função <strong>de</strong> chocar o<br />

homem sábio.<br />

A liber<strong>da</strong><strong>de</strong> criativa que a Sátira Menipéia propicia criar um mundo aliado ao<br />

fantástico e suas histórias a elevação <strong>de</strong>sse mundo, e dos homens que vivem nele, a posições<br />

altamente filosóficas. Os homens são apresentados em sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, assim como sua vi<strong>da</strong> em<br />

uma totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, através <strong>de</strong> confrontos filosóficos.<br />

O herói-i<strong>de</strong>ológico, que busca a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, conforta com o que <strong>Bakhtin</strong> (1997)<br />

chama <strong>de</strong> “mal universal”. Os confrontos ocorrem em lugares comuns, o que sustenta a<br />

idéia <strong>de</strong> uma negação as len<strong>da</strong>s, e mitos. A mistura <strong>de</strong>sses elementos é uma <strong>da</strong>s principais<br />

características <strong>de</strong>sse subgênero.<br />

<strong>Bakhtin</strong> (1997, p.116-117) cita o surgimento <strong>da</strong>s temáticas diferentes <strong>da</strong> estética<br />

padrão dos gêneros sérios, como a dupla personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e a loucura como pano <strong>de</strong> fundo<br />

com o propósito <strong>da</strong> experimentação <strong>da</strong> moral psicológica. Essa temática psicológica mostra<br />

um homem <strong>de</strong>ntro do homem, ou seja, mostra a personagem por outro olhar. A Sátira<br />

Menipéia também faz o homem conflitar consigo mesmo, entrar em disputa com seu eu<br />

interior.<br />

exemplo:<br />

Os comportamentos fora do padrão também fazem parte <strong>de</strong>sse gênero, por<br />

Comportamento excêntrico, discursos e <strong>de</strong>clarações inoportunas, ou seja, as<br />

diversas violações <strong>da</strong> marcha universalmente aceita e comum dos<br />

acontecimentos, <strong>da</strong>s normas comportamentais estabeleci<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> etiquetas,<br />

incluindo-se também as violações <strong>de</strong> discurso. (BAKHTIN, 1997, p. 117)<br />

Esses comportamentos “excêntricos”, segundo <strong>Bakhtin</strong>, aparecem justamente nesse<br />

subgênero, não existindo antes nas epopéias, e <strong>tragédia</strong>s, por não fazerem parte do contexto<br />

que eles estavam inseridos.<br />

O subgênero abre espaço para uma <strong>da</strong>s características centrais <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong>, a<br />

diminuição, ou seja, o não-distanciamento entre os homens. Por exemplo, segundo <strong>Bakhtin</strong><br />

(1996) , o escravo vira Imperador enquanto o Imperador vira escravo, no inferno.<br />

A Sátira Menipéia faz a utilização <strong>de</strong> uma técnica que a marca profun<strong>da</strong>mente: a<br />

polifonia a mistura <strong>da</strong> prosa e do verso, on<strong>de</strong> os versos são apresentados com uma noção<br />

<strong>de</strong> paródia. São ain<strong>da</strong> misturados gêneros intercalados “novelas, as cartas, discursos<br />

oratórios, simpósios, etc. e pela fusão do discurso <strong>da</strong> prosa e do verso” (BAKHTIN, 1997,<br />

p. 118). A mistura <strong>de</strong>sses gêneros e dos suportes proporcionou uma evolução e uma<br />

multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> literária.<br />

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O subgênero ain<strong>da</strong> traz uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ele vai servir como espécie <strong>de</strong> jornal, nas<br />

palavras <strong>de</strong> <strong>Bakhtin</strong>, pois ele dá enfoque <strong>à</strong>s atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, ou seja, mais um vestígio <strong>de</strong><br />

negação dos mitos, e principalmente <strong>da</strong>s len<strong>da</strong>s, que per<strong>de</strong>m o seu espaço nesse subgênero,<br />

como já discutido nessa sessão.<br />

<strong>Bakhtin</strong> (1996), diz que <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> sátira menipéia há três gêneros por ele<br />

englobados: diatribe; solilóquio, que já foi citado; e o simpósio. Diatribe é uma espécie <strong>de</strong><br />

dialogo interno, um discurso <strong>de</strong> cunho retórico consigo mesmo, ou seja, anula-se o ouvinte.<br />

Esse processo une o pensamento com diálogo. O Solilóquio, assim como a Diatribe, o<br />

solilóquio tem como base um discurso interno, on<strong>de</strong> é buscado o “eu” interior. <strong>Bakhtin</strong> diz<br />

que “[...] <strong>de</strong>strói a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> ingênua dos conceitos sobre si mesmo, que serve <strong>de</strong> base <strong>à</strong>s<br />

imagens lírica, épica e trágica do homem” (BAKHTIN, 1997, p. 120). O solilóquio e a<br />

Diatribe, segundo <strong>Bakhtin</strong>, se fun<strong>de</strong>m com o passar do tempo. O Simpósio po<strong>de</strong> ser<br />

apresentado como um gênero libertador, pois liberta os homens pelo seu discurso,<br />

permitindo o uso <strong>de</strong> palavrões. Esse palavrão vem junto com o elogio, além <strong>de</strong> unir <strong>de</strong> fato<br />

o sério com o cômico. O simpósio foi bastante utilizado em festins sendo caracterizado<br />

como diálogo dos festins.<br />

A sátira menipéia se fun<strong>de</strong> posteriormente a vários outros gêneros. <strong>Bakhtin</strong> lembra<br />

que esse subgênero tem muita força nos genros narrativos cristãos, e algumas obras <strong>da</strong><br />

Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> clássica.<br />

Nos próximos capítulos iremos analisar como as teorias <strong>de</strong> Aristóteles sobre a<br />

<strong>tragédia</strong> se aplicam ao texto <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>. Ain<strong>da</strong> se apoiando nesse texto como base<br />

metodológica, analisaremos como os gêneros sério-cômicos, com os subgêneros: Diálogos<br />

Socráticos e a Sátira Menipéia, aparecem neles.<br />

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2. HAMELT E A COMPOSIÇÃO DAS TRAGÉDIAS SHAKESPEARIANAS.<br />

Antes <strong>de</strong> iniciarmos a análise proposta, faremos uma breve apresentação sobre a<br />

construção <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong>, tão importante no cânone shakesperiano e que se constitui o<br />

objeto <strong>de</strong>ssa monografia.<br />

2.1 – As <strong>tragédia</strong>s shakespearianas<br />

A origem <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong> é um mistério, como quase tudo que Shakespeare tocou.<br />

Shakespeare foi acusado, e ain<strong>da</strong> é, <strong>de</strong> não ter criado as suas histórias, mas apenas <strong>de</strong><br />

a<strong>da</strong>ptar ou reescrever histórias já conheci<strong>da</strong>s. Dentre as peças <strong>da</strong> qual Shakespeare foi<br />

acusado <strong>de</strong> se basear está <strong>Hamlet</strong>. Barbara Heliodora (2004) e Harold Bloom (2004) tratam<br />

do surgimento <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>.<br />

As primeiras aparições <strong>de</strong> uma personagem que tem traços parecidos com <strong>Hamlet</strong><br />

foi no século XII, fora <strong>da</strong> Inglaterra. Em uma história chama<strong>da</strong> Historiae Danicae há<br />

personagens que se assemelham ao <strong>Hamlet</strong> que conhecemos. Porém, a aparição <strong>de</strong>ssa<br />

personagem parece ter ocorrido anos antes, por volta do século V. Em uma <strong>de</strong>ssas histórias<br />

a personagem central <strong>da</strong> trama chama-se Amleth, mas o enredo é diferente <strong>da</strong> história que<br />

nós conhecemos atualmente. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> são três histórias <strong>de</strong> meninos que se fazem <strong>de</strong><br />

bobos para conseguir o querem: vingar a morte <strong>de</strong> seu pai. O personagem Amleth<br />

reaparece anos mais tar<strong>de</strong> em Histoires Tragiques em uma coleção <strong>de</strong> histórias nórdicas.<br />

Na Inglaterra, a primeira aparição <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> ocorre em Ur-<strong>Hamlet</strong> texto<br />

<strong>de</strong>saparecido que alguns atribuem a Thomas Kyd, que escreveu A Tragédia Espanhola e<br />

que, segundo alguns críticos e pesquisadores foi o texto que <strong>de</strong> fato influenciou o <strong>Hamlet</strong><br />

<strong>de</strong> Shakespeare. Outros, como Bloom (2000), atribui a Shakespeare Ur-<strong>Hamlet</strong>, o teórico<br />

ain<strong>da</strong> diz que Ur-<strong>Hamlet</strong> seria o primeiro “esboço” escrito por Shakespeare e teria, na<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> influenciado A Tragédia Espanhola e não o contrário.<br />

Para o <strong>Hamlet</strong> que temos hoje em dia há três versões (cópias), chama<strong>da</strong>s Q1 2 , Q2 3 e<br />

<strong>Hamlet</strong> “atual”. Segundo Barbara Heliodora (2008), os autores não tinham o direito sobre<br />

seus textos no passado, eles vendiam os textos <strong>à</strong>s companhias teatrais que po<strong>de</strong>riam<br />

2 Q1, ou Primeiro Quarto, foi escrito por volta <strong>de</strong> 1602, é consi<strong>de</strong>rado a primeira versão <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>.<br />

3 Q2, ou Segundo Quarto, foi escrito por volta <strong>de</strong> 1603, é consi<strong>de</strong>rado a segun<strong>da</strong> versão <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>.<br />

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encenar como <strong>de</strong>sejassem. Então, surge o Q1, que teria sido baseado em um ator que havia<br />

interpretado um personagem <strong>da</strong> peça e com base nisso reescrito para encenação.<br />

O Q2 seria o texto mais shakespeariano, mas faltam algumas linhas que apareceram<br />

posteriormente no Fólio 4 . Depois temos o texto do Fólio que reuniu alguns <strong>de</strong> seus<br />

trabalhos e o <strong>Hamlet</strong> final. Alguns ain<strong>da</strong> especulam que o Q1 po<strong>de</strong> ser na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> o<br />

rascunho <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>, ou seja, Ur-<strong>Hamlet</strong>.<br />

A peça apresenta um enredo simples, com uma história central a partir <strong>da</strong> qual<br />

todos os conflitos se <strong>de</strong>senvolvem. A estória se passa na Corte <strong>da</strong> Dinamarca, o<br />

protagonista <strong>da</strong> peça é <strong>Hamlet</strong>, príncipe <strong>da</strong> Dinamarca, filho do Rei <strong>Hamlet</strong> já falecido. A<br />

mãe <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>, Gertru<strong>de</strong>s, após a morte do Rei, se casa com seu cunhado, Cláudio, em um<br />

casamento realizado <strong>à</strong>s pressas logo após a morte do rei.<br />

A primeira cena <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> apresenta um clima <strong>de</strong> mistério, pois se passa em uma<br />

noite fria, cerca<strong>da</strong> por um nevoeiro on<strong>de</strong> dois guar<strong>da</strong>s conversam sobre a visão <strong>de</strong> um<br />

fantasma. Os guar<strong>da</strong>s avisam a <strong>Hamlet</strong> sobre essa visão, e eles o convi<strong>da</strong>m para ver <strong>de</strong><br />

perto do fantasma que po<strong>de</strong> ser do seu pai. O fantasma vai ser <strong>de</strong> fato o fantasma do rei<br />

morto.<br />

Esse fantasma vai fazer uma revelação que vai mu<strong>da</strong>r o curso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> e<br />

todos que o cercam. O fantasma do rei morto diz ao protagonista que ele foi assassinado<br />

pelo seu irmão, o agora Rei Cláudio, padrasto <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>. <strong>Hamlet</strong> passa então a se fingir <strong>de</strong><br />

louco até a confirmação <strong>da</strong> veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fala do fantasma, ao mesmo tempo em que<br />

planeja uma vingança contra seu tio.<br />

Entretanto, para atingir essa vingança, <strong>Hamlet</strong> não me<strong>de</strong> esforços e usa as pessoas<br />

como lhe é conveniente para atingir o que <strong>de</strong>seja. A peça apresenta cerca <strong>de</strong> oito mortes,<br />

to<strong>da</strong>s elas acarreta<strong>da</strong>s <strong>de</strong> forma direta, ou indireta pelo personagem central.<br />

Deve ser pontua<strong>da</strong> aqui uma informação importante. Shakespeare costumava<br />

representar o sobrenatural em suas histórias. Dessa representação advêm seres<br />

sobrenaturais que tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>r o rumo dos acontecimentos. Em <strong>Hamlet</strong> é o<br />

fantasma do pai do príncipe, o Velho <strong>Hamlet</strong> que ao cobrar justiça ao filho por seu<br />

assassinato influencia todo o enredo <strong>da</strong> trama. Alucinações, loucura, dor, e sofrimento<br />

também estão presentes nas <strong>tragédia</strong>s shakespearianas.<br />

4 Fólio é nome que se dá a reunião <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> um autor, essa versão <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> teria sido escrito por<br />

volta <strong>de</strong> 1623.<br />

23


Aristóteles dizia que a estrutura <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> <strong>de</strong>veria se centrar nas ações, não nos<br />

personagens. Em Shakespeare, via <strong>de</strong> regra, as <strong>tragédia</strong>s têm em seu enredo ações que são<br />

externas ao personagem. As personagens vão morrer <strong>de</strong> um fato externo. Uma ação que as<br />

matarão <strong>de</strong> forma aci<strong>de</strong>ntal. Além disso, as personagens têm uma posição eleva<strong>da</strong><br />

socialmente, como reis, rainhas, duques, duquesas, etc. Esse sentimento <strong>de</strong> prestigio social<br />

é mantido <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> personagem até o fim, e ela não negará sua posição.<br />

Bradley (2002) diz que as <strong>tragédia</strong>s em Shakespeare têm um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

personagens, em <strong>Hamlet</strong>, por exemplo, são 14 personagens, levando em conta <strong>à</strong>quelas<br />

personagens que tem alguma fala na peça, se levarmos em conta as personagens que não<br />

falam, mas aparecem na peça, o número chega a 30. Apesar disso, a <strong>tragédia</strong><br />

shakespeariana se estruturar em cima <strong>de</strong> apenas uma única personagem, aquela a qual se<br />

chamará <strong>de</strong> “herói”. No máximo, a história dá abertura a um segundo herói, como no caso<br />

<strong>de</strong> Romeu e Julieta (1591). Porém, essas personagens femininas só terão força ativa na<br />

história se tiverem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> para o enredo. Bradley ain<strong>da</strong> chama a atenção para um fato<br />

importantíssimo que é característico nas <strong>tragédia</strong>s shakespearianas: enquanto a peça se<br />

aproxima do fim, o sentimento <strong>de</strong> calami<strong>da</strong><strong>de</strong> leva o personagem central ao seu <strong>de</strong>stino,<br />

muitas vezes inevitável, que é a morte. Morte essa acarreta<strong>da</strong> pelas ações do personagem.<br />

A ação po<strong>de</strong> ter sido premedita<strong>da</strong> pelo personagem central, mas nem sempre se sabe on<strong>de</strong><br />

a ação vai acabar, ou a que ela vai levar. Ou seja, a personagem fica “escrava” do seu<br />

próprio ato.<br />

<strong>Hamlet</strong> contém os três elementos <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> complexa <strong>de</strong>finidos por Aristóteles,<br />

que são: Peripécia, Reconhecimento e Catástrofe. A peripécia, sendo um elemento que<br />

modifica o entendimento do personagem sobre algo que já era estabelecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre,<br />

aparece logo no primeiro Ato <strong>da</strong> peça. <strong>Hamlet</strong> acreditava que seu pai tinha morrido <strong>de</strong><br />

causas naturais, mas esse estado <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça do que havia sido estabelecido é alterado por<br />

um elemento sobrenatural: o fantasma do seu pai morto. <strong>Hamlet</strong>, pelas ações que ele<br />

conduz, percebe que o espectro dizia a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, e que a morte <strong>de</strong> seu pai fora causa<strong>da</strong> pelo<br />

seu tio que o envenenou. A peripécia se mistura ao reconhecimento, já que o fato <strong>de</strong><br />

alteração leva inevitavelmente o personagem a alterar o seu estado <strong>de</strong> espírito também com<br />

seu tio. <strong>Hamlet</strong> passa <strong>de</strong> um estado <strong>de</strong> indiferença pelo seu tio ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sua morte, por<br />

mais que ele adie isso, ele passa a nutri-lo. Essa mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> também atinge a sua<br />

mãe, já que esse pensa que ela, tem, em parte, culpa nisso. O ultimo ponto aristotélico é a<br />

Catástrofe que se refere <strong>à</strong> morte, ou ferimento. Em <strong>Hamlet</strong> temos no total sete personagens<br />

mortos, são eles: Ofélia, Claudio, Gertru<strong>de</strong>s, Polônio, Rosencrantz, Guil<strong>de</strong>ntersn, e o<br />

24


próprio <strong>Hamlet</strong>. Excetuando-se a morte do herói, <strong>Hamlet</strong>, to<strong>da</strong>s as outras mortes estão<br />

diretamente liga<strong>da</strong>s <strong>à</strong>s ações do personagem central, além <strong>de</strong> outras duas mortes pré-<br />

existentes, a do Rei <strong>Hamlet</strong>, e a do pai <strong>de</strong> Fortinbrás.<br />

Também se po<strong>de</strong> verificar em <strong>Hamlet</strong> os sentimentos <strong>de</strong> medo e compaixão. O<br />

espectador vai se compa<strong>de</strong>cer com as ações <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> que busca vingar a morte do seu<br />

pai. A compaixão e o medo nascem junto com a inocência do personagem em relação <strong>à</strong><br />

vi<strong>da</strong>, mais especificamente <strong>à</strong> morte do seu pai (como já foi citado acima) e que se torna um<br />

fardo pior, pois sua mãe acaba se casando com o seu tio, que na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é o assassino do<br />

seu pai.<br />

Po<strong>de</strong>mos observar que vários tratos <strong>da</strong> Arte Poética <strong>de</strong> Aristóteles são mantidos em<br />

<strong>Hamlet</strong>, porém, há alguns <strong>de</strong>svios que po<strong>de</strong>m ser compreendidos através <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong><br />

<strong>da</strong> literatura com os gêneros sério-cômicos.<br />

Na próxima sessão <strong>de</strong>sse capítulo será feita a análise <strong>de</strong> algumas partes <strong>da</strong> peça<br />

pelos subgêneros dos gêneros sério-cômicos.<br />

25


3. HAMLET À LUZ DA CARNAVALIZAÇÃO<br />

A partir <strong>da</strong>qui serão analisados a problemática do herói i<strong>de</strong>ológico, os solilóquios, a<br />

presença dos Clowns e do Bobo <strong>da</strong> Corte, a polifonia shakespeariana representa<strong>da</strong> pela<br />

combinatória do verso com a prosa, a metalinguagem e o comportamento excêntrico<br />

contidos em <strong>Hamlet</strong>. Esses pontos serão analisados baseando-se na teoria bakhtiniana<br />

sobre a <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura e seus subgêneros.<br />

3.1- O Herói I<strong>de</strong>ológico<br />

Um dos traços centrais do subgênero Sátira Menipéia é a filosofia <strong>da</strong> busca interior.<br />

Essa busca, vale lembrar, acontece através do submundo do social, representados pelos<br />

homens, que chocarão o homem sábio. Alinha<strong>da</strong> a essa busca filosófica <strong>da</strong> Sátira<br />

Menipéia, tem-se o subgênero dos Diálogos Socráticos e a presença do “herói-i<strong>de</strong>ológico”,<br />

ou seja, aquele que vai buscar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Analisando a personagem <strong>Hamlet</strong> po<strong>de</strong>mos<br />

encontrar traços <strong>de</strong>sses dois subgêneros em seus atos.<br />

<strong>Hamlet</strong> não é uma personagem fácil <strong>de</strong> ser entendi<strong>da</strong>. Ele é complexo <strong>da</strong> primeira<br />

cena, <strong>da</strong> primeira até a sua última fala, na última cena. <strong>Hamlet</strong> é, sem dúvi<strong>da</strong>, um herói,<br />

mas não é o típico herói aristotélico, ele fica acima do bem e do mal, chegando a beirar os<br />

traços <strong>de</strong> um anti-herói.<br />

Uma <strong>da</strong>s características mais relevantes <strong>de</strong>le são os seus questionamentos, tanto<br />

internos, quanto os externos. A personagem questiona o mundo em que vive, o que ele<br />

sente, o que ele <strong>de</strong>seja. Questiona também os outros para po<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r a si. Um<br />

<strong>de</strong>sses inúmeros questionamentos trazidos sobre a personagem é o que dá o mote <strong>da</strong> peça:<br />

a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a morte <strong>de</strong> seu pai.<br />

A peça to<strong>da</strong> se centra em cima <strong>de</strong>sse mote. A busca pela ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a morte <strong>de</strong><br />

seu pai vai gerar nele uma busca interior pelo seu próprio “eu”, para isso ele tem que<br />

penetrar no submundo dos homens. O início <strong>de</strong>ssa busca é a transformação interna que se<br />

dá através do aparecimento <strong>de</strong> um elemento místico e fantástico: um fantasma, outra<br />

característica <strong>da</strong> Sátira Menipéia. O fantasma além <strong>de</strong> representar uma quebra na reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

em que <strong>Hamlet</strong> se encontra, requisitando <strong>de</strong>le uma tarefa faz com o que o personagem<br />

inicie sua jorna<strong>da</strong> filosófico-interna.<br />

O primeiro confronto <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> com o fantasma é o confronto <strong>de</strong> gerações.<br />

<strong>Hamlet</strong>-Pai é um homem que representa na peça a I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média, é um homem <strong>da</strong> guerra,<br />

26


um homem que sabe matar, que po<strong>de</strong> matar. <strong>Hamlet</strong>-filho é uma personagem que<br />

representa o Renascimento, que cultua as artes e que questiona o papel <strong>da</strong> morte. <strong>Hamlet</strong>-<br />

Pai e <strong>Hamlet</strong>- filho representam uma dicotomia na peça que se fun<strong>de</strong> através do nome, e<br />

apenas por ele parece haver traços que os i<strong>de</strong>ntifiquem como Pai e filho.<br />

O fantasma do rei morto solicita do seu filho uma tarefa que para <strong>Hamlet</strong> não será<br />

fácil, vingar a sua morte. Essa solicitação ocorre junto com uma acusação: que o tio <strong>de</strong><br />

<strong>Hamlet</strong> é o responsável pela morte do Rei- <strong>Hamlet</strong>.<br />

Essa revelação choca <strong>Hamlet</strong> e trás sobre ele marcas que ele levará consigo até o<br />

fim. Porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua primeira aparição no Ato 1, Cena 2 já vemos um <strong>Hamlet</strong><br />

complexo, mesmo antes <strong>de</strong> saber que seu pai tinha sido assassinado pelo tio.<br />

<strong>Hamlet</strong>:<br />

“Oh, se esta carne ru<strong>de</strong> <strong>de</strong>rretesse<br />

E se <strong>de</strong>svanecesse em fino orvalho!<br />

Ou que o Eterno não tivesse oposto<br />

Seu gosto contra a própria <strong>de</strong>struição!<br />

Oh, Deus! Como são gestos vão, inúteis,<br />

A meu ver, esses hábitos do mundo!<br />

Que horror! São quais jardins abandonados<br />

Em que só o que é mau na natureza<br />

Brota e domina. Mas chegar a isto!<br />

Morto há dois meses só! Não, nem dois meses!<br />

Tão excelente rei, em face <strong>de</strong>ste,<br />

Seria como Hipério frente a um sátiro.<br />

Era tão <strong>de</strong>dicado a minha mãe<br />

Que não <strong>de</strong>ixava nem a própia brisa<br />

Tocar a forte o seu rosto. Céus e terras!<br />

Devo lembrar? Ela se reclinava<br />

Sobre ele, qual se a força do apetite<br />

Lhe viesse do alimento; e <strong>de</strong>ntre um mês<br />

-Não quero lembrar- Frivoli<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

O teu nome é mulher. Um mês apenas!<br />

Antes que se gastassem os sapatos<br />

Com que seguiu o enterro <strong>de</strong> meu pai,<br />

Como Níbe em pratos...eis que ela própria-<br />

Oh Deus, um animal sem raciocínio<br />

Guar<strong>da</strong>ria mais luto – ei-la casa<strong>da</strong><br />

Como o irmão <strong>de</strong> meu pai, mas tão diverso<br />

Dele quanto eu <strong>de</strong> Hércules: um mês<br />

E apenas essas lágrimas culposas,<br />

Deixaram <strong>de</strong> correr nos falsos olhos,<br />

Casou-se: Oh, pressa infame <strong>de</strong> lançar-se<br />

Com tal presteza entre os lençóis do incesto!<br />

Não ‘stá certo, nem po<strong>de</strong> ter bom termo:<br />

Estala, coração- mas guar<strong>da</strong> a língua!”<br />

[Ato 1, Cena 2]<br />

27


Essa é a primeira fala mais longa <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> na peça, on<strong>de</strong> a personagem já mostra<br />

para o espectador to<strong>da</strong> sua complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Essa fala é importante, por nos mostrar um<br />

<strong>Hamlet</strong> que <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si tem sentimentos já conflitantes. Vale lembrar que a personagem<br />

ain<strong>da</strong> não sabe <strong>da</strong> trama que envolve a morte <strong>de</strong> seu pai, mas já mostra ser dotado <strong>de</strong> uma<br />

enorme profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>. <strong>Hamlet</strong> carrega consigo um luto que ele não preten<strong>de</strong> esquecer tão<br />

cedo. Esse luto está relacionado ao rápido casamento <strong>da</strong> sua mãe com seu tio. O que<br />

<strong>Hamlet</strong> faz é atacar sua mãe com palavras duras, ao mesmo tempo em que questiona os<br />

motivos que a levaram a casar-se tão <strong>de</strong>pressa, não respeitando o luto pela morte <strong>de</strong> seu<br />

marido.<br />

Esses sentimentos complexos e penetrantes <strong>da</strong> personagem se intensificam com a<br />

aparição do fantasma, e o seu pedido. O que o fantasma pe<strong>de</strong> é uma vingança pela sua<br />

morte. <strong>Hamlet</strong> tem que executar essa vingança, mesmo que para isso ele tenha que negar o<br />

eu-interno. A peça <strong>Hamlet</strong>, então, passa a se configurar como uma <strong>tragédia</strong> <strong>de</strong> vingança.<br />

As tramas <strong>de</strong> vingança têm uma estrutura central sempre manti<strong>da</strong>: Personagem assassina,<br />

Personagem assassina<strong>da</strong>, Personagem a vingar a personagem assina<strong>da</strong>. Há três ciclos <strong>de</strong><br />

vingança na peça: <strong>Hamlet</strong> <strong>de</strong>seja vingar a morte <strong>de</strong> seu pai, o que chamaremos <strong>de</strong> vingança<br />

central; Fortinbrás quer vingar a morte <strong>de</strong> seu pai cometi<strong>da</strong> anos antes pelo Rei <strong>Hamlet</strong>;<br />

Laertes que <strong>de</strong>seja vingar seu pai, Polônio, morto por <strong>Hamlet</strong>. As histórias <strong>de</strong> vingança,<br />

como <strong>Hamlet</strong>, são vistas ao longo <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> uma forma positiva, já que vai restabelecer<br />

uma or<strong>de</strong>m que não pô<strong>de</strong> ser restabeleci<strong>da</strong> pela justiça “convencional”, passando a ser<br />

apenas estabeleci<strong>da</strong> pela justiça particular, ou priva<strong>da</strong>.<br />

Essa vingança é o que <strong>de</strong> fato levará <strong>Hamlet</strong> a suas provações. Provações essas que<br />

passam a ser internas. A personagem começa além, <strong>de</strong> buscar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a morte <strong>de</strong><br />

seu pai, busca a si mesmo. E questionar suas atitu<strong>de</strong>s como ser humano. Ele terá que matar,<br />

mas não está certo sobre a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> do próprio fantasma. <strong>Hamlet</strong> não é como seu pai, um<br />

homem que sabe matar, ele tem que acreditar na sua tarefa. Esse é o motivo que o leva a<br />

adiar a morte do seu tio Cláudio. <strong>Hamlet</strong> quer antes <strong>de</strong> tudo saber a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas para isso<br />

ele terá que investigar. Porém, esse adiamento e essa busca que ele faz traz consequências<br />

não só para si, mas para os outros que estão <strong>à</strong> sua volta.<br />

Essas questões só afetam o caminho <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>. A personagem só saberá <strong>da</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a morte do seu pai apenas no Ato 3, quando escreve cenas <strong>de</strong> uma peça<br />

chama<strong>da</strong> A Ratoeira para ser dramatiza<strong>da</strong> pelos atores que estão na corte. Com essa<br />

dramatização <strong>Hamlet</strong> consegue comprovar que <strong>de</strong> fato seu pai foi assassinado pelo seu tio.<br />

Ali, naquele ponto, ele tem, enfim, o aval <strong>da</strong>do pelo seu próprio eu-interior <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r matar,<br />

28


vale lembrar que ele não busca apenas a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a morte sobre seu pai, mas a sua<br />

própria ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. <strong>Hamlet</strong> tem que se posicionar no mundo. Começa, então, a por em prática<br />

o que ele <strong>de</strong>scobre em sua busca, que é a morte do seu tio.<br />

<strong>Hamlet</strong> chega assim ao fim <strong>de</strong> sua busca filosófica interna que começou com um<br />

ser místico – o fantasma, e que acaba por aprofun<strong>da</strong>r a sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> mais.<br />

Porém, uma coisa <strong>de</strong>ve ser salienta<strong>da</strong>, ele só parece alcançar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> apenas na sua<br />

morte. Sua morte é mais filosófica que física. O personagem quer sua história seja passa<strong>da</strong><br />

<strong>à</strong> frente. A sua história e o eu-interno são as coisas que mais importam a ele.<br />

A peça acaba com <strong>Hamlet</strong> entregando ao amigo Horácio, única personagem que<br />

permanece vivo no palco ao fim <strong>da</strong> peça, uma carta que vai provar a inocência do príncipe<br />

pelos seus atos. Nela <strong>de</strong>sejando explicar ao povo, que tanto lhe estimava, porque agiu <strong>da</strong><br />

forma que agiu. <strong>Hamlet</strong> parece querer <strong>de</strong>ixar um legado: que o mais importa na vi<strong>da</strong> é a<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que o homem po<strong>de</strong> extrair <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, e como o legado do seu “eu” será passado para<br />

o mundo.<br />

3.2- Os Solilóquios<br />

Os solilóquios também são peculiares do campo <strong>da</strong> Sátira Menipéia. Pelos<br />

solilóquios somos capazes <strong>de</strong> conhecer melhor o que o personagem está pensando e<br />

sentindo. Por eles somos levados <strong>à</strong> mente <strong>da</strong> personagem. Principalmente <strong>da</strong>queles heróis-<br />

i<strong>de</strong>ológicos contemplados por <strong>Bakhtin</strong> e cujos conceitos se aplicam a <strong>Hamlet</strong> nesta análise.<br />

No teatro o solilóquio se mostra altamente eficiente, pois não temos o papel <strong>de</strong> um<br />

narrador. É, então, por esse artifício que chegamos mais perto <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira visão <strong>de</strong><br />

mundo <strong>da</strong> personagem. É importante salientar aqui que é a personagem, o herói, quem nos<br />

guia pelos seus pensamentos, não há como sabermos a visão <strong>de</strong> mundo <strong>da</strong>s outras<br />

personagens. Pois os solilóquios se centram no “eu” <strong>da</strong> personagem. Batkhin (1997) diz<br />

que “os solilóquios são diálogos <strong>de</strong> cunho retórico on<strong>de</strong> o ouvinte é anulado. On<strong>de</strong> o eu<br />

está conversando com eu – interior” (BAKHTIN, 1996, p. 120). Se algo for dito sobre<br />

outra personagem através do solilóquio, vai ser através <strong>da</strong> visão <strong>de</strong> mundo do herói, o<br />

julgamento que ele fará do outro, que nem sempre po<strong>de</strong> ser o correto, ou o mais neutro.<br />

Durante os cinco atos <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong>, a personagem título nos permite conhecer<br />

melhor a sua mente através dos solilóquios. Porém, é preciso lembrar que nem sempre<br />

esses solilóquios são <strong>de</strong> fácil entendimento. Quando partimos para a análise dos solilóquios<br />

<strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> os críticos não chegam a um consenso sobre o que a personagem queria dizer<br />

29


sobre isso ou aquilo. Ou seja, os solilóquios nos aju<strong>da</strong>m a enten<strong>de</strong>r certos pontos dos<br />

heróis i<strong>de</strong>ológicos, mas ao mesmo tempo po<strong>de</strong>m nos guiar para “caminhos” mais áridos <strong>da</strong><br />

psique.<br />

Um dos mais conhecidos e complicados solilóquios <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong> é “O ser, ou<br />

não ser?”. O solilóquio do Ato 3, na cena 1 apresenta <strong>Hamlet</strong> conversando com Ofélia, mas<br />

ao mesmo tempo parece falar consigo mesmo, praticamente esquecendo a personagem ao<br />

seu lado. O solilóquio vai mostrar a personagem por <strong>de</strong>ntro. Seus pensamentos, suas<br />

discussões internas e serve para aprofun<strong>da</strong>r a peça, servindo-se, como diz <strong>Bakhtin</strong> <strong>de</strong><br />

imagens líricas para a sua construção (p.120). Nesse solilóquio, <strong>Hamlet</strong> mostra o seu<br />

pensamento interno sobre a morte, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se matar, ele permite que possamos olhar<br />

para sua alma que está divi<strong>da</strong>.<br />

<strong>Hamlet</strong>:<br />

“Ser, ou não ser, essa é que é a questão:<br />

Será mais nobre suportar na mente<br />

As flecha<strong>da</strong>s <strong>da</strong> trágica fortuna,<br />

Ou tomar armas contra um mar <strong>de</strong> escolhos<br />

E, enfrentando-os, vencer?Morrer- dormir,<br />

Na<strong>da</strong> mais, e dizer que pelo sono<br />

Fin<strong>da</strong>m-se as dores, como mil abalos<br />

Inerente <strong>à</strong> carne- é a conclusão<br />

Que <strong>de</strong>vemos buscar. Morrer – dormir;<br />

Pois os sonhos que vieram nesse sono<br />

De morte, uma vez livre <strong>de</strong>ste invólucro<br />

Que prolonga a <strong>de</strong>sdita <strong>de</strong>sta vi<strong>da</strong>.<br />

Quem suportara os golpes do <strong>de</strong>stino,<br />

Os erros do opressor, o escárnio alheio,<br />

A ingratidão no amor, a lei tardia,<br />

O orgulho dos que man<strong>da</strong>m, o <strong>de</strong>sprezo<br />

Que a paciência atura dos indignos,<br />

Na ponta <strong>de</strong> um punhal? Quem carregara<br />

Se o medo do vem <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> morte –<br />

O PIS ignorado <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nunca<br />

Ninguém voltou- não nos turbasse a mente<br />

E nos fizesse arcar co’o mal que temos<br />

Em vez <strong>de</strong> voar para esses, que ignoramos?<br />

Assim nossa consciência se acovar<strong>da</strong>,<br />

E o instinto que inspira as <strong>de</strong>cisões<br />

Desmaia no in<strong>de</strong>ciso pensamento,<br />

E as empresas supremas e oportunas<br />

Deviam-se do fio <strong>da</strong> corrente<br />

E não são mais ação. Silêncio agora!<br />

A bela Ofélia! Ninfa, em tuas preces<br />

Recor<strong>da</strong> os meus pecados.”<br />

[Ato 3, Cena 1]<br />

30


“Ser ou não ser”. O que é o ser ou não ser? Esse questionamento <strong>da</strong> personagem<br />

não se restringe apenas a um simples momento na peça. Ele se esten<strong>de</strong>. Para <strong>Hamlet</strong> tudo<br />

vai ter essa duali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tudo para ele ou é o máximo, representado pelo “ser”, ou o na<strong>da</strong>, ou<br />

seja, o “não ser”. <strong>Hamlet</strong> vai fazer <strong>de</strong> seus atos conseqüências extremas. Esse<br />

questionamento que é mais interno que externo está diretamente ligado a busca do Herói-<br />

I<strong>de</strong>ológico que <strong>Hamlet</strong> representa. A personagem também passa a questionar a morte,<br />

questionar o propósito <strong>de</strong> morrer, questiona se não seria mais fácil morrer do que passar<br />

pelo que ele estava vivendo, sabendo <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s aquelas ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s que vão interferir na sua<br />

construção interna.<br />

<strong>Hamlet</strong> profere ao todo na peça sete solilóquios, <strong>de</strong>ntre os quais o último (Ato 4,<br />

Cena 4) é um dos mais impactantes. Neste último solilóquio, percebe-se que há uma<br />

ligação com o primeiro, vejamos:<br />

<strong>Hamlet</strong>:<br />

Como as coisas se ligam contra mim<br />

E incitam minha tími<strong>da</strong> vingança.<br />

O que é um homem, se o seu gran<strong>de</strong> bem<br />

É dormir e comer? Um bruto apenas.<br />

Aquele que nos fez com <strong>de</strong>scotirno,<br />

Como passado e futuro, certamente<br />

Não nos dotou <strong>de</strong>ssa razão divina<br />

Para mofar sem uso, Seja entanto,<br />

Esquecimento ou escrúpulo covar<strong>de</strong>,<br />

De pensar claramente no que ocorre –<br />

Cérebro que possui somente um quarto<br />

De consciência que possui somente um quarto<br />

De consciência e três quartos <strong>de</strong> baixeza-<br />

Isso <strong>de</strong>ve ser feito, pois não faltam<br />

Razões, vonta<strong>de</strong> e força, e os próprios meios<br />

Para fazê-lo. Exemplo evi<strong>de</strong>ntes<br />

Me exortam a lutar Como essa armadura<br />

Tai vultosa e tão cara, conduzi<strong>da</strong><br />

Por um príncipe jovem e sensível,<br />

Cuja paixão, numa ambição divina<br />

Faz muxoxo <strong>à</strong>s possíveis conseqüências<br />

Expondo o que é mortal e duvidoso<br />

A to<strong>da</strong> essa aventura, <strong>à</strong> morte, ao risco,<br />

Por uma casca <strong>de</strong> ovo... Pois ser gran<strong>de</strong><br />

Não é mover-se sem motivos sérios,<br />

Mas com gran<strong>de</strong>za se bater por na<strong>da</strong><br />

Se a honra está em jogo. Como posso<br />

Eu, que tenho pai morto e não infame-<br />

Estímulos do espírito <strong>de</strong> sangue-<br />

Deixar tudo dormir, enquanto vejo<br />

Para vergonha minha, a sorte absur<strong>da</strong><br />

De vinte mil sol<strong>da</strong>dos, que por causa<br />

De um sonho, ou <strong>da</strong> promessa <strong>de</strong> uma glória,<br />

Vão para a tumba como para o leito,<br />

Lutam por um pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> terreno<br />

On<strong>de</strong> não cabem todos os seus corpos,<br />

Para a todos servir <strong>de</strong> sepultura?<br />

31


Doravante, terei ódio sangrento,<br />

Ou na<strong>da</strong> valerá meu pensamento.<br />

[Ato 4, Cena 4]<br />

Esse solilóquio nos mostra um <strong>Hamlet</strong> diferenciado dos outros atos. Isso só é<br />

possível <strong>de</strong> conhecer quando somos apresentados ao eu-interno do personagem que só os<br />

solilóquios nos propiciam esse conhecimento <strong>da</strong> alma, se no primeiro solilóquio ele<br />

questionava os atos, as suas atitu<strong>de</strong>s e sua própria morte, aqui ele mu<strong>da</strong>, a morte não<br />

parece ser o caminho mais fácil. Ele virou um homem maduro, e consciente dos seus atos,<br />

sabe que será responsável por eles.<br />

Harold Bloom no livro <strong>Hamlet</strong> Poema Ilimitado (2004) chama atenção para outra<br />

função do solilóquio, em especial esse acima citado: ele vai mostrar que <strong>Hamlet</strong> evolui e<br />

que é outra pessoa. Para justificar seu pensamento ele diz que o amadurecimento <strong>de</strong><br />

<strong>Hamlet</strong> faz com que os solilóquios <strong>de</strong>saparecem. Os solilóquios terão, então, o papel <strong>de</strong><br />

marcador temporal <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou seja, mostra o crescimento interno <strong>da</strong> <strong>Hamlet</strong><br />

através <strong>de</strong> sua busca como herói pautado por sua i<strong>de</strong>ologia interna.<br />

3.3 Elementos Carnavalescos: os Clowns e o Bobo<br />

Nessa sessão analisaremos os clowns e o bobo <strong>da</strong> corte que aparecem na peça<br />

<strong>Hamlet</strong>. A idéia é <strong>de</strong>monstrar o embate entre os elementos cômicos e a <strong>tragédia</strong>, e como<br />

um contribui para o melhor o entendimento do outro.<br />

O Ato 5 é o ato on<strong>de</strong> estão presentes os elementos cômicos conflitando com<br />

elementos trágicos. Em uma <strong>tragédia</strong>, pela visão <strong>de</strong> Aristóteles esses dois gêneros não<br />

po<strong>de</strong>riam aparecer juntos. Em <strong>Hamlet</strong> esses gêneros aparecem o quase em todo o tempo <strong>de</strong><br />

forma casa<strong>da</strong>, mas é nesse ato que se encontra o ponto mais alto <strong>de</strong>ssa combinação.<br />

A “mistura” começa no fim do Ato 4, que é conhecido por alguns críticos como<br />

“Ato <strong>de</strong> Ofélia”, pois apresenta a loucura <strong>da</strong> personagem. O ato termina com a rainha<br />

Gertru<strong>de</strong>s falando sobre a morte <strong>da</strong> personagem <strong>de</strong> forma tão inocente e lírica que chega a<br />

soar como um conto <strong>de</strong> fa<strong>da</strong>s.<br />

3.3.1. Os clowns<br />

32


O Ato 5 inicia-se com duas personagens peculiares, dois palhaços shakesperianos<br />

clássicos, que <strong>de</strong>sta vez fazem o papel <strong>de</strong> coveiros e quem têm a função <strong>de</strong> esclarecer tanto<br />

para <strong>Hamlet</strong> quanto para o público o que aconteceu no Ato anterior.<br />

Através <strong>de</strong>les ficamos sabendo que o enterro <strong>de</strong> Ofélia é tipicamente cristão, mas a<br />

sua morte é envolta em dúvi<strong>da</strong>s. Ain<strong>da</strong>, segundo as palavras <strong>de</strong>les, po<strong>de</strong>-se inferir que a<br />

personagem teria se matado, e não se afogado, como a rainha Gertru<strong>de</strong>s havia revelado no<br />

Ato anterior.<br />

Um cemitério<br />

1° Clown 5<br />

Deve ser enterra<strong>da</strong> em sepultura cristã aquela que<br />

Buscou voluntariamente a salvação?<br />

2° Clown<br />

Digo-te que <strong>de</strong>ve; portanto abre logo essa cova.<br />

O pontífice informou-se <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong>liberou que enterro fosse cristão<br />

1° Clown<br />

Como po<strong>de</strong> ser isso,<br />

A não que se que ela se afogasse em própria <strong>de</strong>fesa?<br />

2°Clown<br />

Ora foi <strong>de</strong>cidido que sim<br />

1° Clown<br />

Deve sido se offe<strong>de</strong>ndo, nem po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> outro modo.<br />

Pois esse é ponto: se eu me afogo voltariamente<br />

Isso indica ato, e um ato em três partes<br />

A saber: agir, fazer, e consumar.<br />

Ergum ela afogou-se voluntariamente.<br />

2° Clown<br />

Não; mas escuta, mestre cavuqueiro...<br />

1° Clown<br />

Com licença. Aqui está a água, bem; aqui está o homem<br />

Bem, se o homem, bem;<br />

Se o homem vai para esta água e se afoga,<br />

Mas se a água vem para ele e o afoga<br />

Não é ele que se afoga;<br />

Ergum, ele não é o culpado <strong>de</strong> sua morte<br />

Ele não encurta própria vi<strong>da</strong>.<br />

[Ato 5, cena 1]<br />

5 Na tradução <strong>de</strong> Anna Amélia <strong>de</strong> Queiroz Carneiro <strong>de</strong> Mendonça conti<strong>da</strong> em “<strong>Hamlet</strong> Poema Ilimitado”ela<br />

traduz Clowns como Coveiros, mas como per<strong>de</strong>ríamos o sentindo original que a palavra em inglês transmite<br />

<strong>de</strong>cidimos manter a palavra no original usa<strong>da</strong> em William Shakespeare: Complete Works.<br />

33


Como po<strong>de</strong> ser lido na citação acima, os palhaços, ou clowns em inglês, abrem o<br />

Ato 5 quebrando a linha trágica <strong>da</strong> finalização do Ato 4. Essas personagens ain<strong>da</strong> se<br />

mostram irônicos, pois, são clowns que estão fazendo papel <strong>de</strong> coveiro. São visões<br />

dicotômicas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>: o riso e o choro, o luto e a diversão, unidos em um mesmo elemento.<br />

Eles representam <strong>de</strong> fato o conceito <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong>, na acepção bakhtiniana do termo: a<br />

mistura. Elementos que pareciam distantes um dos outros estão unidos e não há fronteiras<br />

entre eles.<br />

Ain<strong>da</strong> na cena acima, além <strong>da</strong>s informações importantes que eles nos passam sobre<br />

a morte e o enterro <strong>da</strong> personagem Ofélia, há o tom <strong>de</strong> escárnio, <strong>de</strong> humor. O uso <strong>da</strong><br />

palavra afogar no diálogo é <strong>de</strong> duplo sentido, configurando uma sexual pun. Os uso <strong>da</strong>s<br />

puns foi uma forma encontra<strong>da</strong> por Shakespeare para atribuir a uma palavra sentidos<br />

duplo. O autor utiliza a língua para erotizar a fala <strong>da</strong>s personagens <strong>da</strong>ndo um tom <strong>de</strong><br />

comédia e quebrando assim a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> trágica preconiza<strong>da</strong> por Aristóteles.<br />

Um dos clowns, o primeiro, é uma <strong>da</strong>s únicas personagens em to<strong>da</strong> a peça que<br />

consegue manter com <strong>Hamlet</strong> uma conversa que lhe é a altura. Ou seja, mais uma coisa<br />

chama a atenção: uma personagem oriun<strong>da</strong> do universo carnavalizado consegue ter um<br />

diálogo com o Herói <strong>de</strong> forma profun<strong>da</strong>, usando as mesmas técnicas retóricas que ele.<br />

Ele, o palhaço, consegue rebater, e <strong>à</strong>s vezes, parecer ser dotado <strong>de</strong> uma inteligência maior<br />

do que a do próprio <strong>Hamlet</strong>. Os clowns shakespearianos são elementos populares <strong>da</strong><br />

cultura carnavaliza<strong>da</strong>, que, por outro lado, utilizam um linguajar tão apurado quanto o do<br />

próprio príncipe. <strong>Hamlet</strong> parece <strong>à</strong> vonta<strong>de</strong> na conversa com o personagem, parece<br />

reconhecer na personagem um “eu”.<br />

3.3.2 O Bobo <strong>da</strong> Corte<br />

Ain<strong>da</strong> no ato 5, os contextos <strong>da</strong> teatrali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> aparecem muito<br />

fortes. É no Ato 5 que somos informados sobre Yorick. Yorick é o ex-bobo <strong>da</strong> corte <strong>da</strong><br />

Dinamarca que exerceu influências fortes na personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>. No livro A cultura<br />

Popular na I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média e no Renascimento (1997) <strong>Bakhtin</strong> explica um pouco sobre o<br />

papel dos bobos na cortes na cultura medieval e renascimento:<br />

Os bufões e os bobos são personagens característicos <strong>da</strong> cultura cômica <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

Média. [...] Os bufões e bobos [...] não eram atores que <strong>de</strong>sempenhavam seu<br />

papel no palco [...]. Pelo contrário eles continuavam sendo bufões e bobos em<br />

34


to<strong>da</strong>s as circunstâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Como tais, encarnavam uma forma especial <strong>de</strong><br />

vi<strong>da</strong>, ao mesmo tempo real e i<strong>de</strong>al. Situavam-se na fronteira entre a vi<strong>da</strong> e a arte<br />

[...] (BAKHTIN, 1993:07)<br />

Harold Bloom, em <strong>Hamlet</strong> Poema Ilimitado (2004), pergunta como <strong>Hamlet</strong> teria<br />

conseguido uma consciência tão extraordinária. Para ele, a explicação encontra-se<br />

justamente em Yorick. Bloom diz que o bobo <strong>da</strong> corte fez o papel <strong>de</strong> pai <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>,<br />

enquanto seu pai estava ausente. O teórico usa as palavras “criança enjeita<strong>da</strong>” (BLOOM,<br />

2004: 22) para <strong>de</strong>screver a relação <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> com seu pai. A relação <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>-Pai com<br />

seu filho é superficial e sem amor: “O espectro não <strong>de</strong>clara seu amor pelo filho, que<br />

segundo consta, na infância, foi bastante negligenciado.” ( BLOOM,2004, p. 18) .<br />

Na infância, <strong>Hamlet</strong> conviveu bastante com o bobo <strong>da</strong> corte, a quem <strong>de</strong>votou um<br />

carinho especial. Prova <strong>de</strong>sse carinho encontra-se, expressa no Ato 5, Cena 1, quando<br />

olhando para a caveira <strong>de</strong> Yorick, <strong>Hamlet</strong> <strong>de</strong>monstra to<strong>da</strong> sua ternura e amabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo<br />

bobo que foi seu ex-tutor e mentor.<br />

<strong>Hamlet</strong><br />

Ai,ai, pobre Yorick. Eu o conheci, Horácio, um tipo <strong>de</strong> infinita graça e <strong>da</strong> mais<br />

excelente fantasia. Carregou-me nas suas costas mais <strong>de</strong> mil vezes e agora- agora<br />

como é horrível imaginar essas coisas! Apertame a garganta ao pensar nisso.<br />

Aqui ficavam os lábios que eu beijei nem sei quantas vezes. On<strong>de</strong> estão agora os<br />

teus gracejos? As tuas cabriolas? As tuas canções? Teus lampejos <strong>de</strong> espírito que<br />

eram capazes <strong>de</strong> fazer gargalhar todos os convivas? Nenhum mais agora, para<br />

zombar dos teus próprios esgares? Caiu-te o queixo? Vai agora aos aposentos <strong>de</strong><br />

minha <strong>da</strong>ma e diz-lhe que por mais grossas cama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> pintura ela ponha sobre a<br />

face terá <strong>de</strong> chegar a isso. Vai fazê-la rir com essa idéia- [...]<br />

[Ato 5, Cena 1]<br />

Consi<strong>de</strong>rando essas informações, conseguimos enten<strong>de</strong>r, o motivo <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> ser<br />

dotado <strong>de</strong> tal influência para as artes, em especial o teatro. <strong>Hamlet</strong> teve em sua infância<br />

muito mais que um bobo para alegrá-lo, teve um tutor que voltou a mente <strong>de</strong>le para as<br />

coisas especiais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, como a arte. Ele <strong>de</strong>monstra ter amado Yorick assim com a<br />

mesma intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> que <strong>de</strong>monstra amar o teatro e a arte <strong>de</strong> representar.<br />

São os traços <strong>de</strong> teatrali<strong>da</strong><strong>de</strong> carnavalesca oriun<strong>da</strong> <strong>de</strong> Yorick e her<strong>da</strong><strong>da</strong> por <strong>Hamlet</strong><br />

que provam que o personagem foi influenciado pelo bobo <strong>da</strong> corte. Por exemplo, durante<br />

seus <strong>de</strong>vaneios <strong>de</strong> encenação <strong>de</strong> loucura não dá para saber se a personagem está fingindo,<br />

encenando, ou está <strong>de</strong> fato sendo ele mesmo. Ou seja, <strong>Hamlet</strong> está, como disse <strong>Bakhtin</strong>,<br />

entre a vi<strong>da</strong> real e a arte, assim como os bobos <strong>da</strong> cortes medievais.<br />

35


3.4 A Polifonia Shakespeariana: o Verso e Prosa e a Metalinguagem<br />

Nessa sessão serão discutidos dois pontos <strong>da</strong> peça, o uso do verso e <strong>da</strong> prosa, que<br />

configura uma combinatória <strong>de</strong> gêneros conheci<strong>da</strong> como polifonia, assim como a<br />

metalinguagem.<br />

3.4.1 Verso e Prosa: Polifonia<br />

A mistura <strong>de</strong> verso e prosa é um dos pilares dos gêneros carnavalescos e também é<br />

um dos pontos que mais i<strong>de</strong>ntificam o subgênero Sátira Menipéia. De acordo com a versão<br />

<strong>da</strong> Royal Shakespeare Company a peça <strong>Hamlet</strong> é dividi<strong>da</strong> em 75% <strong>de</strong> verso e 25% <strong>de</strong><br />

prosa. Essa divisão, porém, não é heterogênea. Em uma mesma fala uma personagem po<strong>de</strong><br />

alterar <strong>de</strong> tipo <strong>de</strong> discurso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do que <strong>de</strong>sejam passar.<br />

De acordo com o Dicionário Michaelis Online verso po<strong>de</strong> ser entendido como uma<br />

linguagem em forma <strong>de</strong> poesia; e a prosa, <strong>de</strong> acordo com o mesmo dicionário, é aquilo que<br />

se escreve sem ser em verso.<br />

De acordo com Harold Bloom (2004), a divisão entre prosa e verso tem uma função<br />

importante: revela a saú<strong>de</strong> mental <strong>da</strong>s personagens shakespearianas. Por exemplo, uma<br />

personagem que falasse em prosa, ou era <strong>de</strong> um grau menor <strong>de</strong> instrução, ou teria<br />

problemas mentais, psicológicos. Falar em verso representava o contrário disso. A fala em<br />

verso estava liga<strong>da</strong> a aspectos sociais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestigio. E na peça serve como uma<br />

confirmação que a personagem está em plena saú<strong>de</strong> mental. Na Sátira Menipéia, porém, o<br />

uso do verso tem um tom <strong>de</strong> sarcasmo, o que difere <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> tradicional aristotélica que<br />

usava <strong>da</strong> poesia para a construção <strong>da</strong>s peças. Shakespeare utilizou em <strong>Hamlet</strong> estes dois<br />

artifícios lingüísticos, que não é característica <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> “pura”, mas que nem por isso<br />

<strong>de</strong>ixa a peça “empobreci<strong>da</strong>”.<br />

Levando em consi<strong>de</strong>ração a porcentagem <strong>de</strong> falas em prosa e em verso, e<br />

consi<strong>de</strong>rando a teoria <strong>de</strong> Bloom, o resultado que teremos é: 25% <strong>da</strong>s personagens falam em<br />

prosa, ou seja, em ¼ <strong>da</strong>s falas <strong>da</strong> peça as personagens estariam com traços <strong>de</strong> loucura.<br />

<strong>Hamlet</strong>, por exemplo, em seus discursos durante o tempo que finge a loucura, em<br />

boa parte <strong>da</strong> peça, ele usa <strong>da</strong> prosa para expressar seus pensamentos, mu<strong>da</strong>ndo para o verso<br />

quando necessário. Esse é um dos aspectos que servem <strong>de</strong> prova para confirmar, que<br />

36


<strong>Hamlet</strong> não está louco, mas fingindo a loucura o tempo todo. Por exemplo, em todos os<br />

solilóquios <strong>Hamlet</strong> usa o verso para se expressar, mesmo que <strong>de</strong>pois ele volte para o uso <strong>da</strong><br />

prosa. <strong>Hamlet</strong> intercala o verso e a prosa todo o tempo durante as suas falas. Marcando as<br />

partes mais importantes com a utilização do verso. Sabendo que o verso na Sátira Menipéia<br />

é utilizado como forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>boche ou sarcasmo até on<strong>de</strong> isso influencia <strong>Hamlet</strong> é a<br />

pergunta que se faz. Sabe-se que a personagem tem gran<strong>de</strong> aparato teatral e é muito<br />

inteligente, portanto ele pô<strong>de</strong> usar essa estratégia como arma para dizer o que queria,<br />

mascarando assim as suas ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras intenções.<br />

<strong>Hamlet</strong> é a personagem que mais faz uso do recurso <strong>da</strong> polifonia na peça,<br />

utilizando-o, largamente, para <strong>da</strong>r suporte <strong>à</strong> sua falsa loucura.<br />

3.4.2. Metalinguagem<br />

A mistura <strong>de</strong> gêneros em <strong>Hamlet</strong> é ain<strong>da</strong> mais profun<strong>da</strong> quando analisamos o Ato<br />

3, no qual o autor fez uso <strong>da</strong> metalinguagem, outra peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Sátira Menipéia.<br />

O terceiro Ato é marcado pela metalinguagem, ou seja, tem-se a presença <strong>de</strong> uma<br />

encenação produzi<strong>da</strong> pelo príncipe <strong>Hamlet</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong>. Alguns críticos dizem<br />

que não temos a voz <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong>, mas sim, a voz <strong>de</strong> Shakespeare neste momento. Ou seja,<br />

parte <strong>da</strong> crítica <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que é Shakespeare que está falando usando como porta-voz a<br />

personagem <strong>Hamlet</strong>.<br />

Controvérsias <strong>à</strong> parte, a peça <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> peça tem uma função específica: investigar<br />

o mistério envolvendo o assassinato do seu pai que fora cometido por Cláudio, tio <strong>de</strong><br />

<strong>Hamlet</strong>, segundo o fantasma.<br />

<strong>Hamlet</strong> conhecendo a trupe <strong>de</strong> atores que chega ao palácio (cena que evi<strong>de</strong>ncia a<br />

sua proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com a arte representar), pergunta aos atores se eles ain<strong>da</strong> são tão bons<br />

quanto costumavam ser no passado. É Polônios quem respon<strong>de</strong>:<br />

Polônios<br />

Os melhores atores do mundo, tanto para a <strong>tragédia</strong> como a comédia, a história<br />

pastoral, pastoral –cômica, histórica-pastoral, trágico-histórica, trágico-cômicopastoral,<br />

cena indivisível, cena indivisível, ou poema ilimitado. Sêneca não po<strong>de</strong><br />

ser pesado <strong>de</strong>mais, nem Plauto por <strong>de</strong>mais leve. Para peças clássicas, ou obras<br />

livres, eles são os únicos.<br />

[Ato 2, Cena 2]<br />

37


Os gêneros teatrais aqui aparecem <strong>de</strong> forma conjunta, misturados. Relembrando o<br />

capítulo 1 <strong>de</strong>ssa monografia, temos que relembrar a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> Aristóteles quanto <strong>à</strong><br />

separação dos gêneros. Na fala <strong>de</strong> Polônios percebemos a voz do autor que, ao contrário <strong>de</strong><br />

Aristóteles, acreditava na possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> combinações várias, o que legitimaria o diálogo<br />

entre os gêneros.<br />

A trupe <strong>de</strong> atores, como bem <strong>de</strong>screveu Polônios mostra traços <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong><br />

literária, pois há mistura <strong>de</strong> elementos sagrados (<strong>tragédia</strong>) e profanos (comédia), ou mais<br />

especificamente <strong>de</strong> sistemas diferentes <strong>de</strong> mundo. Além disso, tem que ser ressaltado aqui<br />

um aspecto <strong>de</strong>sses atores: eles são atores <strong>de</strong> feira. O teatro <strong>de</strong> feira surgiu, como já dito,<br />

durante o processo <strong>de</strong> <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura. Logo, caberia a esses atores <strong>de</strong> feira<br />

livre encenar uma peça trágica escrita por <strong>Hamlet</strong>.<br />

<strong>Hamlet</strong> não só escreve como também dirige a sua própria peça. Vale lembrar que<br />

<strong>Hamlet</strong> está fazendo isso com um único propósito, saber a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a morte <strong>de</strong> seu<br />

pai. Ele utiliza os atores como fantoches a seu bel prazer. Apesar do propósito claro, a peça<br />

que <strong>Hamlet</strong> dirige é uma paródia <strong>de</strong> uma peça sobre vingança. Na paródia, tem-se mais<br />

uma característica <strong>da</strong> literatura carnavaliza<strong>da</strong>.<br />

3.5 Loucura e Comportamento Excêntricos<br />

Os comportamentos excêntricos não eram a<strong>de</strong>quados as <strong>tragédia</strong>s Aristotélicas,<br />

pois não condiziam com o seu enredo, e sua função. <strong>Bakhtin</strong> diz:<br />

[...]todos esses fenômenos têm na menipéia não um caráter estreitamente<br />

temático mas com um caráter formal <strong>de</strong> gênero. As fantasias, os sonhos e a<br />

loucura <strong>de</strong>stroem a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> épica e trágica do homem e do seu <strong>de</strong>stino: nele<br />

se revelam as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> coincidir consigo mesmo (Bakthin, 1997, p. 117)<br />

Os escân<strong>da</strong>los e excentrici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>stroem a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> épica e trágica do<br />

mundo, abrem uma brecha na or<strong>de</strong>m inabalável, normal [...] <strong>da</strong>s coisas e<br />

acontecimentos humanos e livram o comportamento humano <strong>da</strong>s normas e<br />

motivações que o pre<strong>de</strong>terminam. (<strong>Bakhtin</strong>, 1997, p. 118)<br />

<strong>Hamlet</strong> é uma peça consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> por muitos como a maior <strong>tragédia</strong> já escrita. Mas<br />

Shakespeare subverte a or<strong>de</strong>m natural <strong>da</strong>s <strong>tragédia</strong>s e insere na peça <strong>Hamlet</strong> um<br />

personagem central que apresenta traços <strong>de</strong> loucura e comportamentos excêntricos. Esses<br />

38


comportamentos, mesmo sendo fingidos, <strong>à</strong>s vezes, ain<strong>da</strong> são tema <strong>de</strong> discussão <strong>de</strong> muitos<br />

críticos.<br />

O comportamento <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> também po<strong>de</strong> ser apontado como alguém que sofre<br />

com traços <strong>de</strong> dupla personali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Um Eu <strong>de</strong>ntro do Eu, que vai <strong>de</strong> encontro com o Herói-<br />

I<strong>de</strong>ológico do Dialogo Socrático e com o Herói tipicamente Aristotélico, já que esses não<br />

po<strong>de</strong>riam apresentar comportamentos excêntricos.<br />

Além dos “ataques <strong>de</strong> loucura” do herói, não <strong>de</strong>ve ser entendido aqui como um<br />

estado <strong>de</strong> loucura real, mas <strong>de</strong> encenação, pois não acreditamos que o personagem estava<br />

mesmo louco.<br />

Algumas cenas po<strong>de</strong>m ser aponta<strong>da</strong>s para mostrar alguns dos comportamentos<br />

“fora do padrão” <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong>: <strong>Hamlet</strong> com suas meias arquea<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> no começo <strong>da</strong> peça,<br />

em sua primeira cena <strong>de</strong> loucura Ato 3, Cena 1; o comportamento <strong>de</strong> <strong>Hamlet</strong> com sua mãe<br />

no Ato 3 mostra a linha tênue entre a loucura e a sani<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Esses comportamentos que fogem do padrão estabelecido por Aristóteles e que são<br />

frutos <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong>, são importantes pois dotam a peça <strong>de</strong> símbolos e significados que<br />

a <strong>de</strong>ixam mais intensa. É quase impossível olhar, estu<strong>da</strong>r, analisar a peça, sem se <strong>de</strong>parar,<br />

com a loucura e os comportamentos “fora do padrão” <strong>da</strong>s personagens.<br />

39


Conclusão<br />

O mundo <strong>da</strong> <strong>tragédia</strong> e o <strong>da</strong> comédia para Aristóteles parecem dois mundos<br />

completamente separados um do outro on<strong>de</strong> não há ligação nem proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre elas.<br />

Pelo que vimos nessa monografia, através <strong>da</strong>s teorias sobre a <strong>carnavalização</strong> <strong>da</strong> literatura<br />

postulados por <strong>Bakhtin</strong>, esse conceito <strong>de</strong> gênero sem troca <strong>de</strong> elementos mútuos não se<br />

sustenta.<br />

A <strong>tragédia</strong> Shakespeariana não é “pura” e o termo “pura” aqui está sendo<br />

emprega<strong>da</strong> pela visão <strong>de</strong> Aristóteles <strong>de</strong> separação precisa entre os gêneros. Em suas peças,<br />

Shakespeare conseguiu unir conceitos presentes em “A Poética” com elementos <strong>da</strong><br />

<strong>carnavalização</strong>. Essa união é feita por Shakespeare torna o texto e mais complexo e rico o<br />

que favorece investigações mais profun<strong>da</strong>s.<br />

Como foi visto, Shakespeare utiliza na construção <strong>da</strong> peça <strong>Hamlet</strong> elementos que<br />

estão presentes na cultura carnavalesca como o bobo <strong>da</strong> corte e os palhaços. O herói <strong>de</strong><br />

Shakespeare é um herói trágico. Porém, esse herói contém em sua construção elementos<br />

que não são típicos do mo<strong>de</strong>lo clássico mas que são <strong>de</strong> essência carnavalesca como se po<strong>de</strong><br />

perceber, entre outros indícios, através <strong>da</strong> presença do herói- i<strong>de</strong>ológico, dos solilóquios,<br />

<strong>da</strong> alternância entre o uso do verso e <strong>da</strong> prosa no discurso <strong>da</strong> personagem.<br />

A peça <strong>Hamlet</strong>, muito possivelmente não seria tão rica e complexa, se não houvesse<br />

os elementos <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong>. A “negligência” <strong>de</strong> Shakespeare <strong>de</strong> seguir as teorias do<br />

pensador grego fez com que antigos conceitos sobre a <strong>tragédia</strong> fossem resignificados <strong>à</strong> <strong>luz</strong><br />

do Renascimento. Porém, a peça também não seria a importância se os elementos que<br />

Aristóteles um dia teorizou também não estivessem presentes nela. Shakespeare foi acima<br />

<strong>de</strong> qualquer coisa um mestre na arte <strong>de</strong> unir elementos que pareciam tão longes um do<br />

outro.<br />

É certo que nem todos os elementos <strong>da</strong> <strong>carnavalização</strong> em <strong>Hamlet</strong> pu<strong>de</strong>ram ser<br />

explorados nessa monografia, em parte, por sua limitação física. No entanto, esperamos<br />

que essa monografia seja apenas uma semente que foi planta<strong>da</strong> na Graduação para<br />

crescer na Pós-graduação, on<strong>de</strong> será possível estu<strong>da</strong>r e analisar com mais profundi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

esses elementos e teorias.<br />

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