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Desenhos Ana Isabel Miranda Rodrigues 3 Abr – 30 Jun - Culturgest

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Na capa: Cocytus-Margens, 2000-2002 © José Fabião<br />

Uma estação<br />

no inferno<br />

As obras apresentadas (desenhos a grafite e pinturas sobre<br />

papel) foram realizadas entre 2000 e 2003. Não há entre<br />

os vários núcleos seleccionados relações directas. Porém,<br />

é possível dar um sentido à sua associação num mesmo<br />

espaço-percurso-tempo.<br />

Um pequeno grupo de desenhos (a grafite) revela-nos<br />

apenas frágeis linhas dispostas oblíqua ou verticalmente. Por<br />

vezes ganham inesperadas densidades, outras vezes ainda,<br />

cruzam-se. Mas nunca surge dessas imagens qualquer padrão<br />

de malha contínua.<br />

A artista, reduzida a mínimos meios de expressão, forçando-se<br />

à observação do que lhe estava mais próximo, representa<br />

o imediato mas não o evidente. Concentra a sua atenção nas<br />

linhas de fissura e relevo, de enrugamento e fractura que se<br />

modelam e desenham em pequenos toros que à sua frente via<br />

arder.<br />

Memórias da história do fazer artístico transformaram este<br />

exercício de desenho à vista num exercício de ilusões técnicas: o<br />

lápis alterna entre a mão direita e a esquerda, evolui em sacões,<br />

repete-se sobre si mesmo, imita os efeitos das “frottages”…<br />

Entrando no jogo daquele que toma a parte pelo todo, <strong>Ana</strong><br />

<strong>Isabel</strong> transforma o microcosmos da lenha no mundo de uma<br />

floresta, e essa floresta, abandonando a escassa profundidade<br />

permitada pelo espaço de clausura da lareira, torna-se imagem<br />

de perspectivas urbanas — mas a fórmula modernista que parece<br />

reviver nestas perspectivas é uma falsa promessa.<br />

Um outro grupo de trabalhos, mais escasso ainda, mostra-nos<br />

desenhos (a grafite) de alguns corações. O jogo entre<br />

imagem naturalista e síntese gráfica, a simbologia e jogos de<br />

linguagem escrita desenvolvido em torno da palavra-conceito<br />

“coração”, são evidentes. Os desenhos trocam ou acumulam<br />

ou complexificam significados (“corações ao alto” e “corações<br />

ao baixo”, por exemplo) que nos encaminham, enfim, para o<br />

núcleo seguinte.<br />

Este derradeiro núcleo de desenhos integra um ainda mais<br />

vasto conjunto de trabalhos que a artista desenvolve em todas<br />

as direcções e recorrendo a uma multiplicidade de meios de expressão<br />

(pintura, escultura, fotografia intervencionada, etc.) e<br />

de materiais (metais como o chumbo, o ferro ou o cobre, papel,<br />

vidro, madeira, etc.). Obtém assim um universo denso escassamente<br />

mostrado e conhecido e que merece ser entendido em<br />

conjunto, numa rede de leituras cruzadas — espécie de visão<br />

totalizadora do (seu) mundo (interior).<br />

Nas obras que agora se apresentam, a relação com o estatuto<br />

tradicional do desenho altera-se. Sobre o suporte do papel há<br />

uma acumulação de matérias que ilide a dominante da grafite<br />

ou das linhas coloridas, o gesto isolado da mão ou a definição<br />

de uma forma. A ambiguidade visual e semântica oferecida<br />

pela pintura está mais presente.<br />

Também a relação com a realidade exterior se altera. A<br />

imagem criada não representa (em nenhum grau de simplificação<br />

ou abstracção formal) o que alguma vez se viu — antes<br />

representa sentimentos e razões. Cada mancha de cor é sinal<br />

de uma dor, cada palavra escrita e solta na página revive uma<br />

Dói-me tudo, 2003<br />

memória, cada risco, golpe, forma revelada ou escondida vale<br />

por um modelo de vida. A dimensão significante desses desenhos<br />

é determinada por uma única razão: a do sentimento. O<br />

sentimento move a artista como força motriz: água ou vento ou<br />

máquina de músculos e tendões e ossos locomotores ou motor<br />

de explosão, enfim.<br />

Rejeitando os evidentes e claros rios que delimitam e reverdecem<br />

o Paraíso bíblico, <strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> conduz-nos aos subterrâneos<br />

rios dos Infernos, reino de Hades e Perséfone, onde<br />

penam e erram as almas condenadas. Onde as saudades intensas<br />

e a tristeza profunda, a dor insuportável e a angústia mais<br />

extrema imperam — até o esquecimento finalmente se impor.<br />

É como se não houvesse esperança nem em renascer, nem em<br />

alcançar os Campos Elísios, reservados aos heróis. E é como se<br />

esse destino e essa desesperança se manifestassem em vida. E é<br />

como se essa vida fosse a da própria autora, assim feita protagonista<br />

de cada uma das estações definidas para os Infernos pela<br />

tradição clássica e dantesca.<br />

Um momento que formalmente se isola neste grupo temático<br />

é o dos desenhos onde <strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> projecta, como uma sombra<br />

negra, a silhueta da barca de Caronte, barqueiro do Aqueronte,<br />

primeiro dos rios dos Infernos. Ao invés dos outros são desenhos<br />

de uma lisura sem falha e absoluta simplicidade — tão<br />

absoluta como a inevitabilidade do destino a que conduz.<br />

Mas regressemos ao conjunto maioritário. Há desenhos<br />

que levam os nomes de alguns dos rios infernais (Aqueronte,<br />

Cocito, Estige, Piriflegetonte…), que se acrescentam de palavras-chave<br />

e/ou pequenos grafitos.<br />

<strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> estabelece uma associação empírica mas não aleatória,<br />

instável mas não contraditória, entre as cores e formas<br />

dominantes de cada tema (aqui: azul e negro, grelha, etc.), os


Sem título, 2001


materiais de cada trabalho (na escultura, o ferro, o vidro, o<br />

chumbo, o cobre, etc.) e os atributos de cada um dos rios.<br />

As palavras inscritas, esses desenhos no desenho ou na matéria<br />

pictórica do desenho, definem áreas temáticas diferenciadas<br />

a partir da disparidade de elementos quotidianos que mais<br />

lhe importam: sofás, casas, gatos, cadeiras, tapetes, espelhos,<br />

camas, copos, mesas, figuras de casais enlaçados, nus adâmicos<br />

que recordam o paraíso no inferno, são desencadeadores de<br />

memórias de vida, emblemas orientadores, luzes ou sombras<br />

sinalizadoras; são palavras e imagens que enunciam sentimentos.<br />

E os sentimentos que desencadeiam o seu processo criativo<br />

desempenham nas obras o mesmo papel que os materiais, as<br />

cores ou as soluções técnicas.<br />

As complexas soluções compositivas que a artista desenvolve<br />

nas pequenas dimensões de cada uma destas obras<br />

organizam-se a partir de um restrito número de elementos<br />

sábia e sensivelmente mobilizados. Os resultados formais enriquecem-se<br />

em virtude da manipulação ilusionista e preciosa<br />

dos recursos plásticos. Porém, não se trata nem de contenção<br />

nem de academismo, nem de decorativismo nem de previsibilidade.<br />

Há uma constante experimental, um risco assumido<br />

em permanência. Vejamos quais: a acumulação e desbaste de<br />

gestos, as formas e matérias expressos como palimpsesto, a<br />

nebulosa de sinais oferecidos sobre a superfície, capaz de cegar<br />

a leitura, a simplicidade negada aos aparentemente repetitivos<br />

“pouchoirs” utilizados, a perspectiva fragmentar e armadilhada<br />

das grelhas compositivas explicitadas, a agregação de matéria<br />

(colagem, fita-cola) ou a negação ritual da imagem e da matéria<br />

(cortes do suporte por gestos de esfaqueamento).<br />

Assim, o que temos é um esboço de texto visual convencionado<br />

mas impreciso, um diário de sentimentos cuja expressão<br />

escapa às regras e recursos da linguagem verbal. Estes desenhos<br />

são como uma colecção de mapas poéticos, plantas subjectivas<br />

traçadas a partir de/ou como preparação para viagens interiores<br />

— são um campo de exposição de sentimentos e emoções.<br />

<strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> assemelha-se, nesta viagem a que dá forma artística,<br />

a uma Penélope encarregue de fazer os trabalhos de Ulisses.<br />

O desenho e a pintura (noutras séries também a escultura e a<br />

fotografia) substituem a tecelagem mas, como ela, desfazem-se<br />

e refazem-se dando-se sempre como inacabados.<br />

O confronto com o Inferno, onde poucos mortais desceram<br />

e de onde só por favor divino puderam regressar, é um desafio<br />

conscientemente procurado por <strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> que nele entra e<br />

dele sai sacrificando ritualmente aos mortos como Ulisses o<br />

fez. Mas, ao invés de Ulisses, a sua viagem é feita de esperas, é<br />

um pensamento viajante saindo de um corpo em ascese.<br />

<strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> concretiza um trabalho sobre a memória própria<br />

e a ficção dessa memória, onde é impossível isolar imagens e<br />

pormenores, que só se entendem como sínteses abruptas, contracções<br />

brutais, associações poéticas.<br />

Há nestes trabalhos uma experiência de exílio, de isolamento,<br />

de solidão. Os rios dos Infernos estão em simetria invertida<br />

em relação aos rios do Paraíso e são evocados por <strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong><br />

precisamente como espelho de ausência daqueles. Sob a angústia<br />

lancinante dos rios do Inferno, persiste a recordação<br />

melancólica dos rios da Babilónia.<br />

Lagos-Lisboa, 29 de Fevereiro/8 de Março de 2004<br />

João Lima Pinharanda<br />

Sem título, 2001<br />

Sem título, 2001


Barca, 1991-1993<br />

Lista das obras<br />

Barca, 1991-1993<br />

25 x 32,5 cm<br />

Tinta da China e grafite sobre papel<br />

Casa 4, 1998-1999<br />

20,5 x 28 cm<br />

Óleo, grafite e corte sobre papel<br />

Sem título, 2000<br />

21,3 x 15,2 cm<br />

Grafite, guache e corte sobre papel<br />

Acheron-Margens, 2000-2002<br />

28,7 x 20,7 cm<br />

Tinta da China e guache sobre papel de fibra vegetal<br />

Cocytus-Margens, 2000-2002<br />

28,7 x 20,7 cm<br />

Tinta da China e guache sobre papel de fibra vegetal<br />

Sem título, 2001<br />

25,3 x 17,5 cm<br />

Acrílico, grafite, pastel seco, lápis de cor e guache<br />

Sem título, 2001<br />

25,3 x 17,5 cm<br />

Acrílico, grafite, pastel seco, lápis de cor e guache<br />

Sem título, 2001<br />

25,3 x 17,5 cm<br />

Acrílico, grafite, pastel seco, lápis de cor e guache<br />

Sem título, 2001<br />

25,3 x 17,5 cm<br />

Acrílico, grafite, pastel seco, lápis de cor e guache<br />

Sem título, 2001<br />

21 x 15 cm<br />

Acrílico, pastel de óleo e grafite sobre papel<br />

Sem título, 2001<br />

14,3 x 20,8 cm<br />

Acrílico, pastel de óleo e grafite sobre papel<br />

Sem título, 2001<br />

29,5 x 21 cm<br />

Óleo, grafite, tinta da China e lápis de cor<br />

Sem título, 2001<br />

29,3 x 20,8 cm<br />

Óleo, grafite, esferográfica e lápis de cor<br />

Sem título, 2001<br />

38 x 27,5 cm<br />

Acrílico, guache, tinta da China e lápis de cor<br />

Sem título, 2001<br />

38 x 27 cm<br />

Acrílico, guache, tinta da China e lápis de cor<br />

Sem título, 2001<br />

33,5 x 24,3 cm<br />

Acrílico, guache, tinta da China e lápis de cor<br />

Casa 5, 2001<br />

29,5 x 23,3 cm<br />

Óleo, pastel de óleo, grafite, tinta da China e<br />

lápis de cor<br />

Sem título, 2001<br />

29,3 x 20,7 cm<br />

Acrílico, grafite e tinta da China<br />

Dói-me Tudo, 2003<br />

29,3 x 21 cm<br />

Acrílico, tinta da China, pastel de óleo, grafite<br />

sobre papel e cortes<br />

Dói-me Tudo, 2003<br />

29,3 x 21 cm<br />

Acrílico, tinta da China, pastel de óleo, grafite<br />

sobre papel e cortes<br />

Dói-me Tudo, 2003<br />

29,5 x 21,2<br />

Acrílico, tinta da China, pastel de óleo, lápis<br />

de cor sobre papel e cortes<br />

Dói-me Tudo, 2003<br />

22,7 x 19,2 cm<br />

Acrílico, tinta da China, grafite e fita cola<br />

Dói-me Tudo, 2003<br />

24,8 x 18 cm<br />

Acrílico, guache, grafite, tinta da China sobre<br />

papel e pastel de óleo<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

29,7 x 21 cm<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

20,8 x 29,5<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

20,8 x 29,5<br />

Grafite sobre papel<br />

Sem título, 2003<br />

20,8 x 29,5<br />

Grafite sobre papel


<strong>Desenhos</strong><br />

<strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> <strong>Miranda</strong> <strong>Rodrigues</strong><br />

3 <strong>Abr</strong> <strong>–</strong> <strong>30</strong> <strong>Jun</strong> ’04<br />

<strong>Culturgest</strong> Porto<br />

Galeria aberta das 10h00 às 18h00 • Encerrada aos domingos.<br />

Edifício Caixa Geral de Depósitos, Avenida dos Aliados nº 104, 4000-065 Porto • Informações 22 2098116 • culturgest@cgd.pt • www.cgd.pt/culturgest/index.html<br />

Coordenação da exposição António Sequeira Lopes<br />

Layout da exposição <strong>Ana</strong> <strong>Isabel</strong> <strong>Miranda</strong> <strong>Rodrigues</strong><br />

Fotografias Rodrigo Peixoto<br />

<strong>Culturgest</strong>, uma casa do mundo.<br />

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