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transmissão oral e aural na canção popular - Unirio

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PERDÃO EMÍLIA!<br />

TRANSMISSÃO ORAL E AURAL NA CANÇÃO POPULAR<br />

Martha Tupi<strong>na</strong>mbá de Ulhôa<br />

(In: Matos, Cláudia; Travassos, Elizabeth; Medeiros, Fer<strong>na</strong>nda. (Org.). Palavra<br />

cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, p. 249-267).<br />

TRADIÇÃO ORAL E AURAL E O ESTUDO DA PERFORMANCE GRAVADA<br />

Estas reflexões sobre a modinha <strong>popular</strong> gravada fazem parte de um estudo mais<br />

amplo, o Projeto Matrizes, cujo objetivo é avaliar as matrizes musicais e matrizes culturais da<br />

música brasileira <strong>popular</strong>, a partir de levantamento das práticas musicais do século XIX<br />

documentadas em jor<strong>na</strong>is, revistas e memórias. 1 Além desses documentos escritos, outra<br />

fonte que tem se mostrado muito fértil são os discos da era de gravação mecânica. Pode<br />

parecer estranho falar de matrizes culturais do século XIX através de gravações feitas no<br />

início do século XX, mas aqueles fonogramas são os primeiros registros sonoros de uma<br />

prática musical sendo feita pelos próprios músicos <strong>popular</strong>es. No século XIX, músicos<br />

letrados trei<strong>na</strong>dos <strong>na</strong> Europa e sem a prática da música <strong>popular</strong> de tradição <strong>oral</strong> eram quem<br />

intermediavam o registro daquela tradição. Assim, canções <strong>popular</strong>es tradicio<strong>na</strong>is cantadas<br />

<strong>na</strong>s ruas com acompanhamento de violão eram freqüentemente transcritas para voz e piano,<br />

para uso nos salões e casas da classe média emergente da sociedade brasileira.<br />

O estudo de canções de tradição <strong>oral</strong> do passado tem sido feito, no âmbito da<br />

musicologia tradicio<strong>na</strong>l e mesmo da etnomusicologia, através de documentos escritos nos<br />

quais tais práticas foram registradas por meio de descrições verbais ou por meio de algum tipo<br />

de transcrição/notação/tradução. Tantas maneiras pelas quais a tradição <strong>oral</strong> pode se inscrever<br />

<strong>na</strong> escrita revela a complexidade da questão. Um músico letrado por força educa o seu ouvido<br />

para perceber as estruturas sonoras que aprendeu a reconhecer escritas. Quando anota música<br />

“de ouvido” o faz através da mediação do seu trei<strong>na</strong>mento, no processo acabando por<br />

“traduzir” certos elementos estilísticos para uma linguagem mais culta. Um exemplo é o<br />

álbum de Modinhas de Joaquim Manoel da Câmara, harmonizadas por Sigismund Neukomm<br />

em 1824. Estas modinhas são canções da tradição <strong>oral</strong>, cantadas com acompanhamento de<br />

violão, por um músico <strong>popular</strong> português/brasileiro, grafadas e arranjadas para canto e piano<br />

por um músico austríaco letrado. Será que Joaquim Manoel cantava suas modinhas com a<br />

1


linha melódica or<strong>na</strong>mentada no estilo lírico clássico utilizado por Neukomm em várias de<br />

suas composições?<br />

Estudiosos da cultura <strong>popular</strong>, entre eles Peter Burke (1989), comentam como a<br />

tradição <strong>oral</strong> deixa traços mesmo em documentos escritos, seja pela presença de elementos<br />

não discursivos (como interjeições ou vocativos), seja pela presença de esquemas rítmicos<br />

oriundos da linguagem <strong>popular</strong> (como estruturas de rima que permitem a improvisação e o<br />

uso da redondilha). Desta maneira é possível identificar <strong>na</strong> produção de, por exemplo,<br />

Domingos Caldas Barbosa, os indícios de que os poemas publicados <strong>na</strong> coletânea Viola de<br />

Lereno foram feitos para serem cantados. Outro especialista em <strong>oral</strong>idade, Paul Zumthor<br />

(1993:18), ao falar sobre os tipos de <strong>oral</strong>idade, comenta sobre essa “<strong>oral</strong>idade segunda”<br />

resgatada com base <strong>na</strong> escritura.<br />

Musicólogos têm recomposto um tipo de <strong>oral</strong>idade segunda em partituras de música<br />

do passado, identificando nelas a presença de estruturas rítmicas que indicam gestos<br />

característicos de estilos de música <strong>popular</strong>, de tradição <strong>oral</strong> (como por exemplo, as chamadas<br />

síncopes e cesuras indicadoras de práticas fora do padrão rítmico regular europeu <strong>na</strong>s<br />

Modinhas do Brazil, do século XVIII). 2 Nas gravações do início do século XX no Brasil é<br />

possível encontrar inscrições de <strong>oral</strong>idade, especialmente <strong>na</strong>s canções de cunho mais<br />

humorístico como os lundus e as canções usadas no car<strong>na</strong>val. São interpolações de<br />

expressões, falas, referências a músicos, que aparecem principalmente no repertório de<br />

Eduardo das Neves (1874-1919) e de Bahiano (1870-1944).<br />

A música <strong>popular</strong> urba<strong>na</strong> tem muitos aspectos característicos da <strong>oral</strong>idade, tais como<br />

frases curtas, padrões harmônicos simples, repetições estruturais. Ou seja, ser transmitida de<br />

forma <strong>oral</strong> e depender da memória biológica para sua <strong>transmissão</strong> impõem algumas restrições<br />

à música <strong>popular</strong>.<br />

“Oral” tem a ver com a palavra, tanto que o termo história <strong>oral</strong> é ligado a relatos<br />

históricos obtidos através de depoimentos e entrevistas. “Aural” tem a ver com a escuta,<br />

sendo um conceito adequado tanto para se referir ao campo da música tradicio<strong>na</strong>l, geralmente<br />

transmitida da boca para o ouvido, quanto para indicar o campo da música eletroacústica,<br />

onde a escuta do som altamente mediado e transformado pela máqui<strong>na</strong> é central. Muitos<br />

estudos têm sido feitos comparando a tradição <strong>oral</strong>/<strong>aural</strong> com a tradição escrita. A escrita<br />

musical, apesar de não dar conta de todas as nuances sonoras de uma obra é, sem dúvida, uma<br />

ferramenta de grande utilidade não só para o estudo, como também para a prática de um<br />

repertório vasto de música, o repertório erudito de tradição ocidental.<br />

2


O estudo da música escrita ocidental é geralmente feito através de um sistema de<br />

notação que detalha altura, ritmo, instrumentação e a organização polifônica das partes.<br />

Aspectos tais como técnica instrumental, timbre, detalhes de tempo e dinâmica,<br />

or<strong>na</strong>mentação, articulação, a combi<strong>na</strong>ção de todos estes elementos no que se chama de<br />

expressão, bem como a improvisação, são transmitidos em grande parte de forma <strong>oral</strong>,<br />

precisando inclusive de contato com e demonstração por um mestre especialista. Há muitos<br />

elementos de <strong>oral</strong>idade <strong>na</strong> <strong>transmissão</strong> da música escrita em partitura, como as instruções<br />

verbais sobre alguns aspectos técnico-interpretativos (por exemplo, instruções para tocar mais<br />

lentamente ou mais forte) e, principalmente, instruções referentes aos estilos e técnicas<br />

apropriadas a repertórios específicos. A <strong>transmissão</strong> <strong>aural</strong> tem a ver com a escuta do som,<br />

como mencio<strong>na</strong>do acima, com a performance “ao vivo”, mas principalmente, depois do<br />

advento da tecnologia de gravação musical, mesmo no caso da chamada música de concerto,<br />

com a escuta de gravações.<br />

Como mencio<strong>na</strong> Timothy Rice no verbete sobre <strong>transmissão</strong> do Grove (2001), a<br />

gravação e <strong>transmissão</strong> através de fonogramas, rádio e televisão, áudio cassete, CD e internet<br />

compartilham algumas características tanto da tradição <strong>oral</strong> quanto da escrita, além de<br />

adicio<strong>na</strong>rem outras qualidades. A gravação preserva o registro de uma composição musical<br />

(como <strong>na</strong> partitura), mas vai além da notação ao transformar uma performance em texto,<br />

deslocando detalhes antes transmitidos em ambientes restritos (<strong>oral</strong> e <strong>aural</strong>mente) para formas<br />

físicas altamente acessíveis (associadas à notação escrita). 3<br />

A expressão <strong>oral</strong>/<strong>aural</strong> tem sido utilizada pelos estudiosos de música de tradição <strong>oral</strong>.<br />

No entanto, a música <strong>popular</strong> urba<strong>na</strong> difere da música de tradição <strong>oral</strong> tradicio<strong>na</strong>l pela<br />

distância cada vez maior entre sua produção e seu consumo. Assim, dependendo das fontes de<br />

dados primários de cada estudo, talvez seja prudente a distinção entre <strong>oral</strong>/<strong>aural</strong> para um<br />

estudo das práticas musicais observadas através do contato etnográfico e <strong>aural</strong> para o estudo<br />

das práticas musicais através da análise de fonogramas.<br />

No caso das gravações de canções brasileiras <strong>popular</strong>es do início do século XX, há<br />

que se considerarem alguns aspectos contextuais da sua <strong>transmissão</strong>. Uma boa parte das<br />

canções é de autor desconhecido, como se pode constatar <strong>na</strong> Discografia Brasileira 78 rpm<br />

(Santos e outros, 1982), sendo em parte canções de tradição <strong>oral</strong>, já conhecidas no século<br />

XIX. 4<br />

O processo de gravação (como vimos nos depoimentos da cantora Adria<strong>na</strong> Calcanhoto<br />

e do preparador vocal Felipe Abreu no II Encontro da Palavra Cantada em 2006) é um<br />

processo bastante restritivo, exigindo para seu desempenho que o cantor aprenda e domine<br />

3


uma série de habilidades, sendo capaz inclusive de dar a impressão de “espontaneidade” em<br />

condições altamente artificiais. Músicos mais acostumados com a prática da improvisação e<br />

flexibilidade interpretativa nem sempre são bem sucedidos <strong>na</strong> performance gravada. Dentre os<br />

cantores pioneiros do início do século XX, Bahiano foi um dos músicos que parece ter feito a<br />

ponte ao vivo/gravada muito bem. Músico de circo e do teatro musical, não perdeu a<br />

<strong>na</strong>turalidade ao gravar, principalmente seu repertório de lundus e cançonetas.<br />

A <strong>transmissão</strong> <strong>aural</strong> deixa uma margem de flexibilidade interpretativa/performática<br />

peque<strong>na</strong>, menor do que a <strong>transmissão</strong> escrita. O texto musical precisa de um músico ou grupo<br />

de músicos para se transformar em som. Partindo da partitura e com uma bagagem<br />

musicológica, a performance resultante pode ser re-criativa. Uma música gravada “congela”<br />

uma interpretação específica, sendo que algumas gravações chegam a se transformar em<br />

“tradição”, como é o caso de “Urubu malandro”, conhecida <strong>na</strong> interpretação antológica de<br />

Pixinguinha a ponto de ele ser considerado como seu “autor”. O fato é que é difícil dar uma<br />

interpretação muito divergente para uma música depois que aquela versão foi gravada. Nas<br />

gravações pioneiras do início do século XX no Brasil, tem sido possível encontrar exemplos<br />

de músicas de fato de tradição <strong>oral</strong>, reconhecíveis pela variedade de versões diferentes da<br />

mesma <strong>canção</strong>, como “Isto é bom” gravado por Bahiano em 1902 e por Eduardo das Neves<br />

alguns anos depois. Já em “Perdão Emília”, os elementos de tradição <strong>oral</strong> e a interferência da<br />

mediação tecnológica aparecem de uma maneira peculiar, como veremos abaixo.<br />

“PERDÃO EMÍLIA” – CONTEXTO HISTÓRICO<br />

Um caso de <strong>canção</strong> <strong>popular</strong> de tradição <strong>oral</strong> registrada em disco já <strong>na</strong> primeira década<br />

do século XX é a <strong>canção</strong> inicialmente identificada como “motivo <strong>popular</strong>” e depois como<br />

“modinha”, intitulada “Perdão Emília”, da qual pudemos encontrar cinco versões gravadas:<br />

duas das três gravações da fase mecânica mencio<strong>na</strong>das <strong>na</strong> Discografia Brasileira 5 mais a<br />

gravação de 1945, feita por Paraguassu, além de duas paródias gravadas entre 1908 e 1913,<br />

“Perdão Miloca” e “Perdão Candongas”, sendo que, no caso desta última, a Discografia<br />

mencio<strong>na</strong> ter sido composta por Brito. Fontes adicio<strong>na</strong>is não discutidas aqui são duas<br />

partituras da <strong>canção</strong>, uma adaptada como “baião” por João Portaro em 1956 para a Fermata<br />

(FB 482), a outra parodiada para o car<strong>na</strong>val de 1938 por André Filho e Antonio Almeida (E.<br />

S. Mangione 1495). Outros documentos sobre a <strong>canção</strong> são transcrições de “Perdão Emília”<br />

como cantada por seresteiros já <strong>na</strong> década de 1970 (Maurício 1982 e Paula 1975). Em seu<br />

livro sobre a música <strong>popular</strong> em São Paulo <strong>na</strong> década de 1930, José Geraldo Moraes (2000)<br />

4


transcreve a letra de mais outra paródia da modinha famosa, que começa com o verso “Amor<br />

eterno, jurou Sebastião Ramos...”<br />

“Perdão Emília” é mencio<strong>na</strong>da ao lado de “A Casa Branca da Serra”, por Luiz<br />

Edmundo (1957: 232-4), como das modinhas mais procuradas pelos fregueses da Livraria do<br />

Povo de Pedro Quaresma. 6 Quaresma, o primeiro brasileiro a entrar no mercado de música<br />

impressa, desde 1880 vinha publicando cancioneiros com compilações de letras de modinhas,<br />

lundus e recitativos para serem cantados ou declamados a partir de música já conhecida pelo<br />

público, seja porque a <strong>canção</strong> era de domínio público, seja por informação de que era para ser<br />

cantada com melodia de outra <strong>canção</strong> conhecida e indicada no cancioneiro. 7<br />

Que música era essa que ou era da tradição <strong>oral</strong> ou tinha, de alguma maneira, chegado<br />

aos ouvidos dos brasileiros? Que tipo de música se ouvia no Brasil do século XIX? Magaldi<br />

(2004 e 2005) mostra que seria inconcebível pensar o Rio de Janeiro sem a presença da<br />

cultura européia, principalmente pelo fato da cidade, além de capital do país, ter sido a sede<br />

do império português (a partir de 1808), reino unido a Portugal (a partir de 1815) e,<br />

posteriormente, a única mo<strong>na</strong>rquia das Américas (1822-1889). O filtro da música européia a<br />

vir para o Rio de Janeiro era Paris; tudo que a burguesia parisiense consumia ao longo do<br />

século XIX – ópera italia<strong>na</strong>, canto de salão, música sinfônica e de câmera alemã, música de<br />

dança espanhola “exótica” – repercutia nos salões, salas de concerto e teatros cariocas. Esse<br />

processo de <strong>transmissão</strong> era mediado por imigrantes portugueses, italianos, franceses e<br />

alemães que passaram a ocupar posições de liderança no teatro e no negócio da música em<br />

geral (provendo música para bailes e ocasiões sociais, além de ensi<strong>na</strong>r privadamente e<br />

instituir casas de impressão musical).<br />

Por não serem percebidos como obras de arte acabadas e i<strong>na</strong>lteráveis, especialmente<br />

porque a percepção que os cariocas tinham da música européia era em grande parte parcial e<br />

diferenciada, a ópera e outros produtos teatrais sendo adaptados a novas circunstâncias de<br />

performance. As obras eram alteradas e rearranjadas de acordo com a existência e capacidade<br />

técnica de músicos amadores e intérpretes, sendo misturadas a gêneros diferentes e<br />

transformadas, muitas vezes, em burlescas e paródias. Por exemplo, uma das peças de sucesso<br />

no Brasil foi a adaptação da opereta de Offenbach, Orphée aux enfers, em duas paródias:<br />

Orpheo <strong>na</strong> roça e Orpheo <strong>na</strong> cidade. No Orfeu rural, o número de dança fi<strong>na</strong>l do origi<strong>na</strong>l, um<br />

can can, é transformado num cateretê, tipo de música e dança caipira, e ainda por cima com a<br />

denomi<strong>na</strong>ção genérica de “fadinho” (!).<br />

5


A melodia de “Perdão Emília” não parece ser adaptação de música já existente, como<br />

era costume acontecer com temas de óperas de sucesso (como Il Trovatore, parodiado como<br />

O capadócio). Também não segue o padrão recorrente de estrutura melódica encontrada <strong>na</strong>s<br />

modinhas anônimas a que temos acesso <strong>na</strong>s gravações do início do século XX. Em quê<br />

estaria apoiado o contorno melódico da melodia? No entanto, de alguma maneira, a estrutura<br />

melódica de “Perdão Emília” foi transmitida de forma <strong>oral</strong>, sendo gravada em 1902 e 1903<br />

pelo Bahiano para a Casa Edison.<br />

Foi somente ao ouvir palestra e demonstração do etnomusicólogo Tran Quang Hai<br />

sobre a palavra falada, declamada e cantada do Viet<strong>na</strong>m que me lembrei dos inúmeros<br />

recitativos encontrados nos cancioneiros do século XIX, inspirando a hipótese de que “Perdão<br />

Emília” tenha surgido no contexto do teatro <strong>popular</strong>, talvez até mesmo num salão, como um<br />

melodrama declamado. 8 Mas o que da declamação teatral estaria inscrito em “Perdão<br />

Emília”? Que elementos deste tipo de <strong>oral</strong>idade emergem aqui?<br />

O ESTUDO DA MÚSICA DE TRADIÇÃO ORAL<br />

Ao tratar de repertórios ligados à tradição <strong>oral</strong>, os estudiosos têm se preocupado em<br />

descrever as características marcantes dos mesmos, no intuito de tentar compreender seus<br />

princípios estruturais. Assim são estabelecidos padrões de organização de seções, o esquema<br />

de rima e estrutura métrica da letra, seus padrões rítmicos etc. Em relação à melodia, um dos<br />

processos de análise mais utilizados tem sido a comparação paradigmática das várias versões<br />

de uma dada <strong>canção</strong>. Nos estudos de repertórios <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de canções folclóricas, chegou-se<br />

a considerar a existência de famílias de canções, presumivelmente derivadas de uma fonte<br />

única, uma espécie de padrão melódico a assumir fórmulas múltiplas através de variações,<br />

imitações e assimilações. 9<br />

O que não quer dizer que seja possível estabelecer uma “genealogia” confiável para<br />

qualquer <strong>canção</strong>, sendo a formulação de algum modelo uma situação hipotética. Como<br />

mencio<strong>na</strong> James Cowdery (1984), ao escutar qualquer material dum dado repertório, o músico<br />

o avalia por comparação com outros materiais ou versões, e não por confrontação com<br />

qualquer espécie de arquétipo ancestral. Trabalhando com melodias tradicio<strong>na</strong>is irlandesas,<br />

Cowdery se distancia da noção de categoria, classe, grupo ou hierarquia encontrando, em vez<br />

disso, princípios gerais de organização de grupos de canções, talvez mais próximos da<br />

maneira flexível e cheia de sobreposições da prática musical <strong>popular</strong>. Assim, a noção de<br />

matriz ou de família de canções pode ser repensada, contribuindo para uma compreensão mais<br />

ampla do processo criativo da música de tradição <strong>oral</strong>.<br />

6


Cowdery apresenta três princípios de organização pelos quais pode-se agrupar um<br />

repertório vasto de música tradicio<strong>na</strong>l irlandesa. O primeiro deles tem a ver com o<br />

agrupamento de canções de contorno melódico semelhante, comparando-as como um todo. O<br />

segundo princípio – de conjunção ou associação –, freqüentemente combi<strong>na</strong>do ao princípio de<br />

contorno, agrupa melodias com partes novas misturadas a partes já conhecidas, a melodia<br />

diferente geralmente no princípio da <strong>canção</strong> e o material conhecido no fi<strong>na</strong>l. 10<br />

O terceiro princípio – de recombi<strong>na</strong>ção – trata do agrupamento de canções com<br />

motivos ou gestos sonoros semelhantes, o contorno melódico podendo variar<br />

significativamente. Principalmente este último princípio, que reconhece a complexidade do<br />

processo criativo da melodia de tradição <strong>oral</strong>, traz um sentido novo para o conceito de família<br />

melódica e uma noção mais plástica para a idéia de arquétipo melódico, admitindo a<br />

improvisação e a criatividade individual. Neste caso, “certos gestos melódicos parecem se<br />

agrupar não como uma cadeia fixa de eventos, mas como um sistema de potencialidades”<br />

(Cowdery, 1984:499). O alerta de Cowdery é de que estes princípios freqüentemente se<br />

sobrepõem, uma melodia se relacio<strong>na</strong>ndo com certo grupo de melodias por um desses<br />

princípios e com outro grupo por outro princípio.<br />

A escuta prelimi<strong>na</strong>r do repertório disponível de modinhas de tradição <strong>oral</strong> gravadas<br />

ainda não permite qualquer generalização. Algumas modinhas parecem ligadas a uma<br />

estrutura tradicio<strong>na</strong>l (<strong>canção</strong> com estrofes de quatro versos, melodia em seqüência, clímax e<br />

frase conclusiva, sendo que não sabemos ainda o significado da repetição freqüente do<br />

terceiro e quarto versos); outras divergem bastante deste modelo tradicio<strong>na</strong>l, sendo talvez<br />

adaptações de melodias de árias de ópera, zarzuelas ou operetas. 11<br />

Em “Perdão Emília” há, em nosso entendimento, outro tipo de relação com a<br />

performance, no caso a declamação enfática ligada à teatralidade melodramática do fi<strong>na</strong>l do<br />

século XIX e início do século XX. “Perdão Emília” estaria classificada no segundo grupo de<br />

modinhas, ple<strong>na</strong>mente romântico, entre a segunda metade do século XIX e a virada do século<br />

XX, caracterizado por “crescente dramatização”, conforme Veiga (1998:109). Poderia até ser<br />

incluída no tipo de modinhas que ele chamaria de “dramalhões mórbidos”. De fato, o enredo<br />

da <strong>canção</strong> é tipicamente melodramático, estando bastante afi<strong>na</strong>do com as temáticas de ópera<br />

italia<strong>na</strong> que fizeram tanto sucesso no Brasil dos oitocentos. Mas a temática m<strong>oral</strong>ista sobre<br />

virtude, pureza, honra e vingança é bastante presente nos folhetins e noticiário de periódicos<br />

do século XIX, como pudemos ver no âmbito da pesquisa “Matrizes”. Quais as características<br />

do melodrama presentes em “Perdão Emília”?<br />

7


“PERDÃO EMÍLIA” – MELODRAMA E MELODIA<br />

O sentimentalismo conservador e a preocupação m<strong>oral</strong>izante são fundamentais no<br />

melodrama clássico francês e não desaparecem <strong>na</strong>s modalidades, desenvolvidas tanto <strong>na</strong><br />

França quanto <strong>na</strong> Inglaterra, do melodrama romântico, melodrama sobre<strong>na</strong>tural e melodrama<br />

doméstico. O último que nos interessa bastante aqui se concentra no universo de penúrias<br />

femini<strong>na</strong>s e <strong>na</strong> exaltação de valores patriarcais (Oroz 1992:17-20). 12<br />

O cenário da <strong>canção</strong> é o cemitério quando, no meio da noite enluarada e silenciosa,<br />

entra um vulto de negro que se curva num sepulcro e pede perdão a Emília por ter-lhe<br />

“manchado os lábios”, roubando-lhe assim a vida. Eis que Emília (ou é a consciência do<br />

perso<strong>na</strong>gem masculino?) responde lamentando ter se deixado apaixo<strong>na</strong>r pelo “monstro tirano”<br />

e afirmando a vingança inevitável pelo crime da sedução e abandono. O desfecho é<br />

dramático, com a aurora encontrando o corpo inerte do vilão sobre a tumba – não se sabe se<br />

morto ou desfalecido, talvez pelo remorso e pela culpa (a letra diz que está a “dormitar”). 13<br />

No Brasil, como em toda América Lati<strong>na</strong>, o melodrama sempre fez sucesso, desde sua<br />

introdução por João Caetano dos Santos (1808-1863) no século XIX, numa tradição que<br />

continua <strong>na</strong>s variantes do folhetim nos jor<strong>na</strong>is, <strong>na</strong> radionovela, no cinema e <strong>na</strong> televisão com<br />

a telenovela.<br />

Talvez seja esse viés melodramático, especialmente do mote “perdão para um<br />

desgraçado!”, um dos grandes atrativos que ecoaram em tantas paródias e versões para<br />

“Perdão Emília”. 14<br />

Entretanto, um elemento que chama bastante a atenção é a estabilidade da linha<br />

melódica da <strong>canção</strong>. Como observamos acima, o uso de material existente <strong>na</strong> <strong>canção</strong><br />

tradicio<strong>na</strong>l é bastante recorrente, mas em geral, os contornos melódicos têm variações<br />

significativas, o que não acontece nos exemplos discutidos aqui.<br />

Adicio<strong>na</strong>lmente, é interessante observar que o contorno melódico de “Perdão Emília”<br />

é razoavelmente diferente do das modinhas tradicio<strong>na</strong>is gravadas no início do século XX.<br />

Como foi dito acima, uma hipótese é que a <strong>canção</strong> seja uma repercussão da prática teatral não<br />

só <strong>na</strong> sua temática, mas também no estilo de performance da declamação dramatizada.<br />

Encontramos algumas informações sobre a declamação <strong>na</strong> quinta das Lições<br />

Dramáticas, publicadas inicialmente em 1862, como ampliação de Reflexões Dramáticas, de<br />

1837, do mencio<strong>na</strong>do João Caetano dos Santos. 15 Para o grande ator:<br />

Conheço que o gênero da tragédia é, sem dúvida nenhuma, um tanto ideal, pela linguagem<br />

versificada e pomposa: seja, pois, também um pouco ideal a maneira de a dizer, porém<br />

sempre nobre, revestida de dignidade, sem estilo empolado; mas também sem trivialidade,<br />

linguagem que habitualmente convém aos perso<strong>na</strong>gens trágicos, devendo-se-lhes dar<br />

8


sempre uma energia sustentada, e uma largura proporcio<strong>na</strong>da, porque a tragédia dita com<br />

muita simplicidade e singeleza deixa de ser verdadeira. Quanto mais a ação tende à<br />

dignidade e nobreza, mais deve ser tomada de um estilo fora do comum.<br />

Persuadem-se muitas pessoas que declamar é falar gritando, e os exemplos comprovam o<br />

contrário; porque não é a força da voz que forma a declamação, mas sim a maneira de<br />

produzir os sons, sobretudo a freqüente recaída deles nos intervalos da mesma espécie.<br />

(...) declamar não é falar gritando, mas sim dizer tudo, cantando em dois ou três sons<br />

cadenciados a certo compasso.<br />

É indispensável falar com nobreza, mas não com uma uniformidade chocante. (...) Os<br />

versos têm uma medida uniforme; mas como eles mudam a cada instante de pensamento e<br />

de sentimento, da mesma maneira a cada momento é preciso variar de tom (Caetano dos<br />

Santos, 1956: 33-37).<br />

É possível que o contorno melódico de “Perdão, Emília” seja uma “transcrição<br />

musical” da inflexão da declamação melodramática. Não a inflexão da fala, que traz<br />

<strong>na</strong>turalidade à <strong>canção</strong> -- a voz que fala por trás da voz que canta, como diz Tatit (1996). Seria<br />

mais a inflexão trágica de que fala João Caetano. Pois as inflexões da fala do ator, segundo<br />

Lília Nunes:<br />

(...) são modulações da voz que se eleva ou se abaixa, quando expressamos o nosso<br />

pensamento. (...) constituem a música das palavras. (...) A série de notas musicais que<br />

constituem uma inflexão pode ser uma cadência ascendente, descendente ou direta. (...)<br />

Numa só palavra e <strong>na</strong>s frases curtas a voz sobe ou desce; <strong>na</strong>s frases mais longas descreve<br />

curvas. As inflexões ascendentes traduzem interesse, curiosidade, entusiasmo ou cólera; as<br />

descendentes indiferença, desdém, raiva; e as diretas, sentimentos tranqüilos ou<br />

enunciações. (...) Para ressaltar as inflexões servimo-nos de acentuações em determi<strong>na</strong>das<br />

consoantes, das palavras de valor, da pontuação, das pausas e dos processos do (sic)<br />

ênfase. (...) Toda frase falada descreve uma curva melódica e não há uma inflexão que não<br />

seja musical (Nunes, 1973:107).<br />

Adria<strong>na</strong> Calcanhoto, <strong>na</strong> sua intervenção durante o II Encontro da Palavra Cantada, ao<br />

ser perguntada sobre seu processo de composição em parcerias com poetas ou ao musicar<br />

trechos de prosa, mencio<strong>na</strong> que concebeu a melodia de um texto do poeta Waly Salomão ao<br />

ouvi-lo declamá-lo pelo telefone. Em outra resposta para pergunta semelhante, comentou<br />

que, partindo da letra, presta atenção <strong>na</strong>s acentuações. Ou seja, ela mantém a prosódia <strong>na</strong>tural<br />

da letra, o esquema rítmico do verso que é, em última instância, o elemento “musical” que<br />

distingue a poesia da prosa. 16<br />

Não estou me referindo aqui à inscrição da ento<strong>na</strong>ção da fala cotidia<strong>na</strong> no contorno<br />

melódico das termi<strong>na</strong>ções de frases melódicas (tonemas), um dos elementos responsáveis pela<br />

sensação de “<strong>na</strong>turalidade” da <strong>canção</strong>, descrita por Luiz Tatit, mas à declamação teatral do<br />

texto poético, elemento que mais se aproxima do que ele chama de tensividade passio<strong>na</strong>l, o<br />

aumento de freqüências (altura) materializando o aumento de densidade emocio<strong>na</strong>l ligada à<br />

disjunção amorosa. Ou seja, o contorno melódico de “Perdão Emília” não mostra uma voz<br />

9


que fala por trás da voz que canta, mas uma voz que declama enfaticamente. É a “música” da<br />

declamação, ou seja, o contorno melódico retórico da recitação exaltada. Mas passemos à<br />

comparação das versões e paródias de “Perdão, Emília”.<br />

“PERDÃO, EMÍLIA” – VERSÕES, PARÓDIAS E PERFORMANCE<br />

Inicialmente, algumas observações sobre a letra que, por razões de espaço, só<br />

discutimos <strong>na</strong>s estrofes iniciais até o aparecimento do mote “Perdão...”. As versões de<br />

“Perdão, Emília” são semelhantes, com ape<strong>na</strong>s algumas variantes peque<strong>na</strong>s de letra. A<br />

diferença significativa aparece <strong>na</strong> gravação de Paraguassu, que suprime as estrofes onde<br />

Emília reclama ter perdido a virgindade, crime sem perdão, recebendo as zombarias do traidor<br />

que julgara ser um anjo. Este corte se explica pelo estilo da versão, num contexto de<br />

performance da seresta, onde modinhas “antigas” são relembradas de maneira nostálgica,<br />

despidas de elementos mais rústicos.<br />

É <strong>na</strong> comparação entre origi<strong>na</strong>l e paródias que emerge um aspecto bem interessante.<br />

Como podemos ver no quadro comparativo entre “Perdão Emília”, “Perdão Candongas” e<br />

“Perdão Miloca”, os valores judaico-cristãos são ridicularizados deixando ver um pouco do<br />

humor <strong>popular</strong> car<strong>na</strong>valesco e grotesco, bem no espírito descrito por Bakhtin no seu estudo<br />

sobre Rabelais (1984). A estrofe inicial apresenta um cenário noturno e deserto. A segunda<br />

estrofe introduz o perso<strong>na</strong>gem vilão, o cemitério sendo trocado pela despensa em “Perdão<br />

Candongas” e pelo galinheiro em “Perdão Miloca”. Ao chegar ao palco da ação, o vilão ou se<br />

coloca como arrependido, ou “entra <strong>na</strong> carne seca”, ou “chupa devagar os ovos”. Ou seja, em<br />

vez da m<strong>oral</strong>idade pequeno-burguesa o humor grotesco, de duplo sentido. Na terceira estrofe<br />

a descrição do caráter do perso<strong>na</strong>gem central da <strong>canção</strong> que, apesar de se dirigir a um<br />

perso<strong>na</strong>gem feminino, está de fato falando de si mesmo e dos seus valores.<br />

Como guia para o leitor, apresentamos a transcrição do contorno básico de “Perdão<br />

Emília”. As outras versões, bem como as paródias podem ser escutadas no sítio do Instituto<br />

Moreira Salles, onde se poderá observar que as variações individuais das interpretações não<br />

comprometem a identidade da <strong>canção</strong>.<br />

10


Quadro comparativo de estrofes iniciais de “Perdão Emília” e paródias.<br />

PERDÃO EMÍLIA<br />

Já tudo dorme, vem a noite em meio,<br />

A turva lua vem surgindo além,<br />

Tudo é silêncio, só se vê <strong>na</strong> campa<br />

Piar o mocho no cruel desdém.<br />

Depois um vulto de roupagem preta,<br />

No cemitério com vagar entrou,<br />

Junto ao sepulcro se curvando a meio,<br />

Com tristes frases nesta voz falou:<br />

Perdão, Emília se roubei-te a vida,<br />

Se fui impuro, fui cruel, ousado!<br />

Perdão Emília, se manchei teus<br />

lábios,<br />

Perdão Emília, para um desgraçado.<br />

PERDÃO CANDONGAS<br />

Caia a noite já lavara os pratos<br />

A pia limpa ressurgia além<br />

E a pobre moça estava ali pensando<br />

Que <strong>na</strong> cozinha não entrou ninguém<br />

Mas nisto um gajo de camisa suja<br />

Pela despensa com vagar entrou<br />

Por entre as coisas que encontrou no<br />

meio<br />

Na carne seca com vontade entrou<br />

Perdão Candongas que se foi à tarde,<br />

Se tem comido um bacalhau da<strong>na</strong>do<br />

Perdão Candongas se esganei teus<br />

beiços<br />

Perdão Candongas para um desgraçado<br />

PERDÃO MILOCA<br />

É madrugada, já cantou o galo,<br />

A luz do sol já vem surgindo além<br />

Tudo é barulho mas eu desconfio<br />

Que lá por dentro não está ninguém<br />

Mas nisso um tipo de farpela branca<br />

No galinheiro assustadiço entrou<br />

Junto às galinhas se curvando ao<br />

meio<br />

Uns quatro ovo com vagar chupou<br />

Perdão Miloca, se roubei teus ovos,<br />

Se fui malandro muito esbodegado<br />

Perdão Miloca, se deixei as cascas<br />

Perdão Miloca para um desgraçado<br />

A seguir, faremos uma análise comparativa da performance de três versões de “Perdão<br />

Emília”, a do cantor de ópera Mário Pinheiro (c. 1907-12) e do seresteiro Paraguassu (1945),<br />

e a paródia gravada pelo cançonetista Bahiano, intitulada “Perdão Candongas” (c. 1912-13).<br />

Mário Pinheiro (1880-1923) tentou cantar no circo, mas com a projeção vocal de sua<br />

voz de barítono e dicção clara, se adaptou melhor à gravação de canções e também a uma<br />

carreira <strong>na</strong> ópera. Da sua discografia de 369 registros, a maior parte foi gravada entre 1904 e<br />

1912. Depois disto reaparece em 1917, quando grava 33 canções até 1918. Bahiano, Manuel<br />

11


Pedro dos Santos (1870-1944), fez inúmeras gravações históricas para a Casa Edison,<br />

incluindo “Isto é bom” (1902) e “Pelo Telefone” (1916). Como cançonetista, participou do<br />

Teatrinho do Passeio Público e no Circo Spinelli. A sua discografia de 399 itens, gravados<br />

entre 1902 e 1924 testemunha uma carreira longa e bem sucedida. Proporcio<strong>na</strong>lmente, gravou<br />

menos que Mário, o que é explicado pelo fato de que trabalhava muito também no teatro e no<br />

circo. Paraguassu, Roque Ricciardi, (1894-1976) fez sucesso cantando modinhas, serestas e<br />

toadas sertanejas. Gravou “Perdão Emília” para a Columbia em 1945, acompanhado pelo<br />

Conjunto Rago. 17<br />

Inicialmente, observamos que as duas versões de “Perdão Emília” refletem bem o<br />

estilo característico de cada cantor, o de ópera/salão e o de seresta. Mário acelera durante a<br />

gravação, começando num andamento de 87 pulsos por minuto (ppm) e termi<strong>na</strong>ndo a <strong>canção</strong><br />

a 112 ppm! Sua interpretação pouco enfática se restringe a fazer o registro da <strong>canção</strong> em<br />

disco. Com uma impostação vocal lírica, faz uma apresentação que remete a um recital de<br />

música de concerto (ou de salão), o que é reforçado pelo acompanhamento de piano. A versão<br />

de Paraguassu está num andamento moderato, cerca de 70 ppm. Seu estilo de cantar é um<br />

tanto estereotipado; faz respirações antes de completar os versos, demonstrando uma atitude<br />

mais ligada à música que ao texto da <strong>canção</strong> (Já tudo dorme, / vem a noite em meio // Perdão<br />

Emília, se manchei / teus lábios, //Lá nesse mundo em que vivi / chorando, // Mas eis que um<br />

corpo resvalando / à terra). O acompanhamento é típico da seresta, com instrumental variado<br />

(clarinete, flauta, violões, acordeom, pandeiro) usando os contracantos e conduções do baixo<br />

(baixaria) característicos do choro.<br />

Já Bahiano, talvez por sua carreira de cançonetista, acostumado à atmosfera bem-<br />

humorada das revistas e burlescas do teatro, canta “Perdão Candongas” com espírito,<br />

utilizando seu estilo rasgado para expressar a comicidade da situação. Além disso, há uma<br />

diferença sutil do contorno melódico que expressa ironicamente a crítica à m<strong>oral</strong>idade<br />

patriarcal da versão origi<strong>na</strong>l. As frases cantadas por Mário Pinheiro e Paraguassu são em geral<br />

onduladas, numa lógica mais “musical” em termos de direção do contorno musical e ritmo da<br />

articulação das palavras. Já Bahiano (seguindo talvez a interpretação de João Barros para<br />

“Perdão Miloca”) interpreta cada verso com sutileza (os outros dois não têm este cuidado).<br />

Abaixo, apresentamos uma tentativa de representação para o contorno melódico da estrofe<br />

Perdão Candongas, onde os movimentos ascendentes da voz, mostrados pelo tamanho da<br />

fonte enfatizam os contrastes temáticos:<br />

12


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Perdão Candongas que se foi à tarde<br />

Se tem comido um bacalhau da<strong>na</strong>do<br />

Perdão Candongas se esganei teus beiços<br />

Perdão Candongas para um desgraçado<br />

A escuta comparativa de Perdão Emília <strong>na</strong>s suas versões e paródias nos permite<br />

algumas afirmações a serem mais bem investigadas. Primeiro a existência no fi<strong>na</strong>l do século<br />

XIX de práticas interpretativas mais “burguesas” e outras mais “<strong>popular</strong>es” como o<br />

melodrama no Brasil do século XIX e, concomitantemente a crítica pelo ridículo à m<strong>oral</strong>idade<br />

patriarcal vigente. Segundo, a existência de padrões de performance diferenciadas no disco,<br />

em parte por exigências “técnicas” – afi<strong>na</strong>l o disco é um produto que deve oferecer ao ouvinte<br />

um som limpo e estável, coisa que Mário Pinheiro, por ser cantor lírico podia oferecer – em<br />

parte por razões “comerciais”: mesmo sendo um produto <strong>popular</strong>, o público alvo era em<br />

última instância o público burguês, com maior poder aquisitivo. No entanto, apesar de um<br />

número menor de gravações, a presença de Bahiano fazendo gravações de quando em quando<br />

(inclusive da emblemática Pelo Telefone), nos mostra que a expressividade e brejeirice<br />

<strong>popular</strong> têm sempre o seu lugar.<br />

Assim, por um lado podemos perceber a força da <strong>transmissão</strong> <strong>oral</strong>, mantendo padrões<br />

de práticas interpretativas por um período longo de tempo (a declamação exaltada e teatral) e<br />

por outro, a instalação gradual da <strong>transmissão</strong> <strong>aural</strong>, <strong>na</strong> medida em que a mediação do disco<br />

começa a interferir nos padrões estéticos. Para gravar, principalmente <strong>na</strong> cera e de forma<br />

mecânica, era necessário um si<strong>na</strong>l com uniformidade em volume e densidade. Bahiano,<br />

acostumado à interpretação variada e a mudanças de timbre próprios do teatro e do circo não<br />

era um intérprete ideal para o disco, mas sua <strong>popular</strong>idade junto ao público lhe assegurava a<br />

possibilidade de gravar.<br />

Fi<strong>na</strong>lmente, só através da <strong>aural</strong>idade, da gravação conservada, podemos ter acesso, por<br />

mais mediado e filtrado que seja pelas mudanças de mídia e adequação para <strong>transmissão</strong> pela<br />

internet, a um repertório de práticas musicais e culturais que ecoam do passado sonoridades e<br />

sensibilidades ainda presentes hoje, como podemos escutar <strong>na</strong>s telenovelas e suas trilhas<br />

musicais.<br />

13


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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1984.<br />

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[publicado inicialmente em 1862, como ampliação de Reflexões Dramáticas, 1837].<br />

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FRANCESCHI, Humberto. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002.<br />

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MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em Sinfonia. História, Cultura e Música Popular em São Paulo nos<br />

anos 30. São Paulo, Ed. Estação Liberdade, 2000<br />

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TATIT, Luiz. O Cancionista - composição de canções no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1996.<br />

14


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VEIGA, Manuel. Achegas para um sarau de modinhas brasileiras. Revista de cultura da Bahia. Salvador, 1998.<br />

v.17, p.77 - 122.<br />

ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. Trad. Amálio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 1993. [Origi<strong>na</strong>l La lettre et la voix, 1987, Éditions du Seuil].<br />

FONTES DISCOGRÁFICAS<br />

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CARAMURU. Perdão Emília. Columbia 303 (1908-12).<br />

JOÃO BARROS. Perdão Miloca. Victor Record 98854 (1908-12).<br />

BAHIANO. Perdão Candongas (Brito). Odeon 120303 (1912-13).<br />

PARAGUASSU. Perdão Emília. Continental 15411 (1945).<br />

1<br />

Ver www.unirio.br/mpb/matrizes para mais informações. Agradeço ao CNPq e à UNIRIO pelo suporte. Sou<br />

também grata a Beth Travassos, Cláudia Azevedo e os alunos de Análise da Canção Popular do Bacharelado em<br />

Música Popular Brasileira da UNIRIO pela leitura e comentários sobre o texto.<br />

2<br />

Somente nos últimos anos do século XX, os musicólogos – antes voltados prioritariamente para os estudos da<br />

música enquanto texto musical, enquanto partitura – começaram a se interessar pelo estudo sistemático da<br />

música enquanto evento, enquanto processo interpretativo. Dentre eles, um grupo sediado <strong>na</strong> Grã-Bretanha,<br />

liderado pelo musicólogo Nicholas Cook, fundou um centro para o estudo da música gravada (CHARM) cuja<br />

base é a comparação de gravações e o foco a performance. Exceção tem sido a área das práticas interpretativas<br />

[também conhecida como performance histórica] que tem lidado com evidência histórica para certos aspectos da<br />

performance do passado, em geral aspectos que podem ser estudados com um certo grau de exatidão<br />

(or<strong>na</strong>mentação, afi<strong>na</strong>ção, o uso de instrumentos históricos reconstruídos, entre eles). No entanto, a performance<br />

histórica se concentra <strong>na</strong> partitura e, no caso deste estudo, consideramos mais próximo aquele tipo de<br />

musicologia advogado pelo CHARM, o qual do ponto de vista a<strong>na</strong>lítico considera a ‘música em performance …<br />

onde análise, estudos culturais, hermenêutica e práticas interpretativas se encontram” (Bowen, 1999:451).<br />

3<br />

Observações sobre os estilos de música tocada a partir de partituras registrados em gravações constatam que é<br />

possível pensar numa história <strong>aural</strong> da música, baseada num repositório de evidência enorme, que são as<br />

gravações feitas nestes últimos cento e poucos anos (Day, 2000).<br />

4<br />

Muitas dessas gravações, inclusive os exemplos discutidos aqui, podem ser encontradas no acervo de Humberto<br />

Francheschi e José Ramos Tinhorão abrigados no Instituto Moreira Salles e disponíveis on-line no endereço<br />

www.ims.com.br, o que facilita seu estudo.<br />

5<br />

Não conseguimos ouvir a gravação de 1902, feita por Bahiano para a Casa Edison no disco Zon-O-Phone<br />

10.015 e Zon-O-Phone X-692.<br />

6<br />

Ver Leme (2004) sobre o mercado editorial e música impressa no século XIX tanto para o público de salão,<br />

para canto e piano, quanto de seresteiros com as letras das canções cantadas <strong>na</strong>s ruas.<br />

7<br />

Exemplar é o cancioneiro Mistérios do violão do cantor, compositor, ator e palhaço Eduardo das Neves (1905),<br />

onde são publicadas as letras do “Grandioso e extraordinário repertorio de Modinhas Brasileiras por Eduardo das<br />

Neves”, algumas com indicações mencio<strong>na</strong>das entre parêntesis das melodias correspondentes a serem usadas:<br />

“Sere<strong>na</strong>ta a Leonor” (Com a musica da valsa “Muchacha” de Aurelio Cavalcante); “Cançoneta” (Paródia à<br />

“Exposição”); “O caixote” (Com a música do famoso “Cake-Walk”); “A Vaci<strong>na</strong> e os Ratos” (Para ser cantada<br />

com a música da cançoneta “Manhã <strong>na</strong> Roça”) [No IMS há uma versão cantada por Eduardo das Neves, Odeon<br />

108 738]; “Canção” (de Flavio Fontoura, Música da modinha “Por mais que eu queira abafar”) [No IMS há um<br />

“Por mais que busque abafar”, cantada por Geraldo Magalhães, Odeon 40.593].<br />

8<br />

Tran Quang Hai estava a discutir como numa língua to<strong>na</strong>l como o viet<strong>na</strong>mita certas declamações, mesmo tendo<br />

contornos melódicos bastante variados não eram consideradas como canto <strong>na</strong>quele contexto. Na cultura<br />

ocidental as variações de contorno melódico são sempre consideradas “musicais”, mesmo quando inscritas <strong>na</strong><br />

fala... Mais ainda numa fala tão “cantada” quanto a brasileira! No entanto, não chegamos a confundir esta “fala<br />

cantada” com o canto; o que distingue o último é a regularidade e a repetição, da mesma maneira que o que<br />

distingue a fala da poesia é o ritmo e o metro.<br />

9<br />

Experimentos com computadores para propósitos lexicográficos (Suchoff, 1967) e a reconstrução de<br />

protomelodias (Boilès, 1973) são alguns desses estudos nos quais é freqüente a utilização de materiais<br />

semelhantes entre si.<br />

15


10 Nas escutas que estamos fazendo de modinhas gravadas, pudemos identificar algumas canções que lembram a<br />

cantiga de roda “Nesta Rua” (principalmente <strong>na</strong>s terceira e quarta frases). Manuel Veiga comenta o uso de<br />

“Nesta Rua” no texto intitulado “Achegas para um sarau de modinhas brasileiras” (1998:83). O contexto da<br />

utilização é a paródia maliciosa, numa versão que em vez de traduzir a sentimentalidade ingênua da <strong>canção</strong><br />

folclórica a ridiculariza pelo uso de chavões e disparates.<br />

11 Sobre o grande afluxo da ópera, principalmente italia<strong>na</strong>, bem como outras modas, tais como as óperas cômicas<br />

francesas, as operetas (especialmente de Offenbach) e as zarzuelas – obras cômicas em espanhol misturando<br />

diálogo e números cantados, incluindo materiais <strong>popular</strong>es e folclóricos –, ver o trabalho de Magaldi (2004)<br />

sobre a música européia no Rio de Janeiro imperial, já comentado acima.<br />

12 As bases do melodrama surgem no século XVII em Florença com os experimentos em torno da idéia do drama<br />

grego e a centralidade da compreensão do texto cantado, o “falar cantando”. Esta prática, baseada no canto<br />

acompanhado e voltada para os sentimentos humanos básicos (dor, raiva, doçura e resig<strong>na</strong>ção) e a concentração<br />

nos dramas individuais profanos se contrapunha à prática anterior, voltada para o canto litúrgico polifônico. Com<br />

a consolidação da ópera, o melodrama sai de ce<strong>na</strong>, retor<strong>na</strong>ndo no fi<strong>na</strong>l do século XVIII <strong>na</strong> França, apresentandose<br />

<strong>na</strong> forma de peças teatrais com canto e declamação. Neste período de predomínio do racio<strong>na</strong>lismo sobre a<br />

religiosidade, o melodrama assume a função pedagógica de realçar a m<strong>oral</strong> e os bons costumes (Thomasseau,<br />

2005).<br />

13 Letra completa: Já tudo dorme, vem a noite em meio, / A turva lua vem surgindo além, / Tudo é silêncio, só se<br />

vê <strong>na</strong> campa / Piar o mocho no cruel desdém. // Depois um vulto de roupagem preta, / No cemitério com vagar<br />

entrou, / Junto ao sepulcro se curvando a meio (a medo), / Com tristes frases nesta voz falou: // _ Perdão, Emília<br />

se manchei-te (roubei-te) a vida, / Se fui impuro, fui cruel, ousado! / Perdão Emília, se manchei teus lábios, /<br />

Perdão Emília, para um desgraçado. // _ Monstro, tirano, p’rá que vens agora / Lembrar (me) as magoas que por<br />

ti passei, / Lá nesse mundo em que vivi chorando, / Desde esse instante em que te vi e amei?! // Chegou a hora<br />

de tomar vingança / Mas, tu ingrato não terás perdão / Deus não perdoa tuas culpas todas / Castigo justo tu terás<br />

então // {trecho suprimido <strong>na</strong> versão de Paraguassu}: [Perdi as flores da capela virgem, / Cedi ao crime, que<br />

perdão não tinha / Mas tu manchaste a minha vida honesta / Depois zombaste da fraqueza minha! // Ai quantas<br />

vezes, a meus pés curvado, / Davas-me provas do teu puro amor! / Quando eu julgava que tu fosses (um) anjo, /<br />

Não via fundo nesse olhar traidor.]// Mas é agora em que o corpo em terra / (Mais eis (que) um corpo<br />

resvalado(ndo) à (em) terra) (Caramuru) / Tombou de chofre sobre a pedra fria / E quando a aurora despontou <strong>na</strong><br />

lousa / Um corpo inerte a dormitar se via // _ Perdão, Emília se manchei-te (roubei-te) a vida, / Se fui impuro, fui<br />

cruel, ousado! / Perdão Emília, se manchei teus lábios, / Perdão Emília, para um desgraçado.<br />

14 Minha mãe, quando lhe falei de “Perdão Emília”, se lembrou imediatamente de sua avó cantando a <strong>canção</strong> em<br />

torno das décadas de 1930-1940, mencio<strong>na</strong>ndo ser o mote (perdão para um desgraçado!) o que mais chamava a<br />

atenção pela dramaticidade.<br />

15 Agradeço a Lídia Becker pelas indicações bibliográficas sobre declamação.<br />

16 Ao ser perguntada sobre quais textos poderiam ser musicados, Adria<strong>na</strong> Calcanhoto responde : “Tudo, até<br />

mesmo bula de remédio!...” No entanto, ao falar sobre um trecho sobre cinema que musicara, comenta como,<br />

mesmo sendo prosa, tinha alguns elementos de poesia (frases curtas, por exemplo).<br />

17 Antônio Rago violão solo, Orlando Silveira ao acordeom, Siles <strong>na</strong> clarineta, Petit e Carlinhos nos violões,<br />

Esmeraldino no cavaquinho, Correia no contra-baixo e Zequinha no pandeiro (Dicionário MPB).<br />

16

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