AXXO I - X. n 91 O DEFEMSOR DO POVO 33 de março de 18»3 A N N U N C I O S Poç.linha 30 réis Repetições 20 róis Para os srs. assignantes desconto de 50 °Jo Contracto especial para annuncios permanentes. Amên<strong>do</strong>a e cartonagens MERCEARIA DE José Tavares da Costa, Successor Largo <strong>do</strong> Príncipe D. Carlos COIMBRA Aeste estabelecimento acaba de 99 chegar, como nos annos anteriores, a finíssima amên<strong>do</strong>a de Lisboa, de fabrico especial, só cVassucar, e uma lindíssima collecção de cartonagens para brindes de Paschoa. No mesmo estabelecimento encontram-se á venda—com inexcedivel asseio — to<strong>do</strong>s os generos proprios de mercearia, taes como: Assucar de linissima qualidade, café muito superior, cognacs e differentes marcas de vinhos nacionaes e importa<strong>do</strong>s directamente <strong>do</strong> estrangeiro, muitas conservas, farinhas, massas e stearina; bolachas avulso e em caixinhas, chocolate recebi<strong>do</strong> da Suissa, etc, etc. Deposito de ladrilhos mosaicos, agencia da Companhia de. seguros Confiança Portuense, desconto de lettras, transferencias de dinheiro, etc. MUDANÇA 101 1 l«x»n
Bolsas <strong>do</strong> trabalho Como é sabi<strong>do</strong> foi decreta<strong>do</strong> pelo ministério d'obras publicas a instituição das bolsas <strong>do</strong> trabalho no nosso paiz. A iniciativa d'esta util creação pertence ao sr. dr. Bernardino Macha<strong>do</strong>, espirito eminentemente lúci<strong>do</strong> que pelos seus actos se vae affirman<strong>do</strong>, na opinião publica, como democrata. Pena é que as bolsas <strong>do</strong> trabalho pela forma centralisa<strong>do</strong>ra e deficiente como o decreto de 9 <strong>do</strong> corrente as organisa, não satisfaçam mais que elementarmente ás necessidades <strong>do</strong> povo operário. A parte primitiva <strong>do</strong> erro eslá em serem subordinadas ao miuisterio das obras publicas, quan<strong>do</strong>, pelo exemplo de outros paizes e por uma intuitiva comprehensão de especialidades, deviam ser subordinadas aos municipios. Era esta a melhor formula de satisfazer o espirito proletário e de o governo afíirmar, pelo exemplo, que estava dentro <strong>do</strong> seu programma de desceutralisação administrativa, amplamente democrático... E' pois deplorável, por vários titulos, que o governo se não inspirasse nos princípios desceulralisa<strong>do</strong>res e que transigisse em pontos tão melindrosos, começan<strong>do</strong> por organisar as bolsas <strong>do</strong> trabalho em harmonia com a organisação <strong>do</strong>s serviços internos <strong>do</strong> ministério das obras publicas, commercio e industria, feita pelo sr. Pedro Victor, cujas ideias de centralisação ficaram lamentavelmente assignaladas nos decretos de 1 de dezembro <strong>do</strong> anuo fin<strong>do</strong>. Começou pois o ministério a transigir com o seu programma. O sr. Fuschini, essencialmente, que esfalfou lo<strong>do</strong> o seu folego em preconisar ideias socialistas, e o sr. dr. Bernardino Macha<strong>do</strong>, que sempre passou por espirito elevadamente liberai, andam mal avisa<strong>do</strong>s em não manterem em linha recta a sua conducta de democratas. São estas transigências mesquinhas que amollecem os caracteres e põem de sobreaviso o espirito publico para os successos ulteriores. Não teriam Ião baixamente desci<strong>do</strong> os caracteres <strong>do</strong>s nossos homens públicos se não fosse a falta de austeridade para reagiarem contra os intuitos da corôa, ou de quem, por detraz d'ella, está sempre sopean<strong>do</strong> as boas-vontades que potventura assomam ás cadeiras ministeriaes. Alem <strong>do</strong> vicio principal <strong>do</strong> decreto, que consiste em subordinar ao ministério das obras publicas a instituição das bolsas <strong>do</strong> trabalho, lornan<strong>do</strong>-as assim instrumentos fataes <strong>do</strong> partidarismo politico, notam se, ainda, outras deficieucias, que escurecem a obra <strong>do</strong> sr. dr. Bernardino Macha<strong>do</strong>, cujos intuitos, concedemos, foram sinceros, mas que, na realidade, não satisfizeram por completo. Uma d'essas deficiências está em limitar aquelles estabelecimentos a servirem de intermediários para a olferta e procura <strong>do</strong> trabalho, pon<strong>do</strong> em relação o») patrões com os emprega<strong>do</strong>s, para assim facilitar a collocação d'esles, e colligin<strong>do</strong>^ e patentean<strong>do</strong> informações exactas sobre o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho de cada especialidade no paiz, afim de dar a conhecer aos emprega<strong>do</strong>s, operários e apprendizes as condições da olferta e da procura nos principaes centros industriaes. São realmente estas algumas das funcções das bolsas <strong>do</strong> trabalho, mas ha, alem d'estas, muitas outras que lhe devem ser appeusas. O decreto reserva na bolsa <strong>do</strong> trabalho os logares de que se poderá dispor para as associações locaes, legalmente constituídas, que se pretendam installar alli. Parece-nos transparente que na bolsa <strong>do</strong> trabalho não devem iustallar-se apenas as associações que lá se poderem accoinmodar, mas todas sem exclusão, e çstá nisso principalmente um <strong>do</strong>s motivos da organisação d'esles estabelecimentos. Esta delicieiícia <strong>do</strong> decreto é deplorável, porque é natural que na escolha das associações que devem installar-se na bolsa, resulte litigio entre ellas e com justa razão pelo exclusivismo que se ha Defen BI-SEMANARIO REPUBLICANO de manifestar, ao sabor <strong>do</strong> ministério das obras publicas. A creação das bolsas fica dependente de auctorisação superior, mas fica já decretada a creação de uma em Lisboa e outra no Porto. Nas demais terras <strong>do</strong> paiz que sejam centros industriaes só serão creadas quan<strong>do</strong> sejam requeridas pelas associações operarias ou reclamadas pelas auctoridades administrativas. Não sabemos em que se inspira esta resolução, que não parece a mais cordata e judiciosa. Demonstra<strong>do</strong> é portanto que a instituição das bolsas <strong>do</strong> trabalho, tal qual o governo acaba de a decretar, não satisfaz cabalmente os fins deseja<strong>do</strong>s. Deficiências por um la<strong>do</strong>, más formulas por outro, o trabalho está incompleto e precisa, para que ao nascer não fique com aieijões, uma remodelação que lhe extirpe alguns vicios fundamentaes e lhe imprima um caracter util e beneficente. Já que se deitaram hombros á obra, optimo seria que ella sahisce bem acabada, <strong>do</strong>cumentan<strong>do</strong>, assim, que pelo facto de irmos tarde na conquista <strong>do</strong>s grandes ideaes progressivos, nem por isso somos tão rudimentares que não saibamos modelar pelos trabalhos congéneres de outros paizes mais adeanta<strong>do</strong>s. Com o plausível intuito de cooperar na desejada perfeição das bolsas <strong>do</strong> trabalho, vinte e unia associações operarias da capital elegeram representantes seus para apreciar o decreto <strong>do</strong> governo. Essa commissão, já entregou ao sr. Bernardino Macha<strong>do</strong> uma memoria em que pondera uma serie de conceituosas considerações tendentes a melhorar o decreto de 9 de março. D'essas considerações concilie a commissão por pedir o seguinte : « l Q u e as bolsas de trabalho sejam, para to<strong>do</strong>s os effeitos, consideradas instituições municipaes. 2.°—Que a regulamentação e direcção das bolsas fiquem completamente entregues ás associações operarias de classe, constituídas nos termos da lei de 9 de maio de 1891. 3." —Que as camaras municipaes mantenham pecuniariamente o regular funocíonamento das bolsas, ministran<strong>do</strong>, além d isso, ás referidas associações, casa, agua, luz e despezas de expediente. 4."—Que as associações operarias de classe disfructeni, nas bolsas, completa liberdade d'acção para o estu<strong>do</strong> e defeza <strong>do</strong>s interesses que representam em harmonia com a lei que as regula. o.°—Que as bolsas teiiham desde já por fins: a)—Servirem de centro á procura e á olferta de trabalho de to<strong>do</strong>s os ramos d'aclividade industrial, agrícola, commercial, <strong>do</strong>mestica e outros. b)~Contribuírem para a organisação de associações de classe, conforme a lei, desenvolven<strong>do</strong> para isso a necessaria propaganda, é dan<strong>do</strong> ás novas associações um perio<strong>do</strong> de 6 mezes, em que poderão íunccionar na bolsa até a entrega <strong>do</strong>s estatutos na repartição competente, facto que determinara a sua existencia legal na bolsa. c) — Servirem de centro de educação, por meio de conferencias, palestras, saraus litterarios recreativos, cursos profissionaes, licções de cousas, e sessões para a discussão das questões geraes, da sua economia e <strong>do</strong> trabalho. d) — Organisarem bibliothecas, gabinetes de leitura e museus operários. e) — Fazerem de conimum accor<strong>do</strong> a estatística <strong>do</strong> trabalho nacional, pela indagação directa e constante da situação das classes trabalha<strong>do</strong>ras, <strong>do</strong>s salarios, horas de trabalho, condições de apprendizagem e outros assumptos congeneres. f)— Terem sempre salas onde os operários e serviçaes aguardem collocação. g) — Possuírem annexos, onde forem julga<strong>do</strong>s úteis, para completo preenchimento <strong>do</strong> seu tini.» Oxalá que o governo se inspire nas reclamações <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong> e já que quiz entrar no caminho das concessões, leve até ao fim o seu programma. As transigências com a praça publica não desvirtuam os caracteres: ennobrecem os. Notas impressionistas A Rosita tinha apenas quinze dias quan<strong>do</strong> a mãe se aban<strong>do</strong>u p'ras regiões incognoscíveis <strong>do</strong> Nada. Viviam num desconforta<strong>do</strong> tugúrio, no declive d'nma ribanceira pedregosa, onde o septentrião bolçava toda a sua fúria de déspota e a neve peneirava toda a sua caligem friorenta. , O pae era um honra<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r toda a vida feri<strong>do</strong> pela adversidade; o ultimo golpe de misericórdia foi a morte da esposa. Sem aquella alma o tugurio tornou-se sombrio. Era insupportavel. O gosto d'aquelle viver era de certo mais amargo <strong>do</strong> que uma taça de èicuta. A syntbese d'aquella vida erá de certo mais infame <strong>do</strong> que o braço <strong>do</strong> carrasco. Perante aquillo, eu te saú<strong>do</strong>, ó divino Guillot I Chegou aos seis annos, já sem pae, a Rosita. Seis annos I Durante este perío<strong>do</strong> quantas luctas com a fome, luctas cyclopicas de uma cotovia com um tigre, a Necessidade, luctas terríveis, cheias de visões escuras, de calamidades innarraveis! Seis annos I Que odyssêa a da pobre Rosita ! que epopeia dentro d'aquelles seis annos! Quantos pontapés da burguezia endinheirada ! Quantos remoques, quantos soslaios de desprezo, quantas insinuações de tédio ! Um dia que ella implorava «a caridade» d'um pantafaçu<strong>do</strong> clérigo, que atravessava a rua, ancho, gor<strong>do</strong>, nédio, o santo representante da caridade christã, num impulso blasphemante de nojo, cuspiu-lhe isto: — Arreda, garota I Noite de inverno. Nove horas. Sem lar, sem pão, a Rosita abeirou-se d'uma porta de taberna, em cujo frontespicio tremulava um ramo de louro, e d'onde rescendia um aroma a cal<strong>do</strong> enseba<strong>do</strong> e a peixe frito com o azeite da ultima falsificação. .. Um velho burguez, de amplas suissas, erguiá-se alem d'um balcão sebento. A Rosita, descalça, enregelada, supplicou uma esmola.—«Pelo amor de Deus, uma esmolinha !» O burguez, coração de pedra, apezar de religioso irreprehensivel, in<strong>do</strong> á missa lo<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos, confessan<strong>do</strong>-se uma vez cad