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A CIDADE E AS SERRAS - Lumen

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de fevereiro de 1887 a fevereiro de 1888. Aqui o método<br />

narrativo é mais analítico; se, no primeiro e<br />

segundo blocos, predomina a técnica do sumário, no<br />

terceiro, prevalece a da cena, em que os acontecimentos<br />

são expostos detidamente, com minúcia de<br />

detalhes. A narrativa dramatiza os fatos selecionados<br />

pelo narrador, que apresenta o cotidiano sufocante<br />

de Jacinto, em meio a suas obrigações sociais. Os<br />

episódios narrados têm a função de compor uma<br />

imagem da vida urbana, em que o protagonista acaba<br />

sucumbindo ao tédio e pessimismo.<br />

O quarto bloco é composto pelos capítulos de VIII<br />

a XIV, em que se mantém o método predominante da<br />

cena. A ação se concentra, a exemplo do terceiro<br />

bloco, na dramatização de episódios que transcorrem<br />

no período de um ano, desde a partida de Jacinto e<br />

Zé Fernandes, de Paris para Tormes, em abril de<br />

1888, até maio de 1889, quando Jacinto se casa com<br />

Joaninha. Aqui, a narrativa se concentra na apresentação<br />

de Jacinto convertido ao meio rural, entusiasmado<br />

com a vida simples e laboriosa de sua quinta,<br />

havendo reconquistado a alegria de viver.<br />

O último bloco temporal, composto dos capítulos<br />

XV e XVI, retoma a primazia do método de sumário<br />

narrativo, para concluir o romance com a<br />

apresentação da felicidade familiar de Jacinto, com<br />

sua mulher e filhos.<br />

Espaço<br />

O elemento espacial é decisivo na estruturação de<br />

A Cidade e as Serras. O romance é nitidamente<br />

construído a partir de uma relação opositiva, que se<br />

apresenta desde o título. De um lado, o meio urbano;<br />

de outro, o meio rural. Mais, essa oposição básica<br />

se desdobra, ao longo da narrativa, na forma de<br />

um jogo dialético de afirmação e negação de cada<br />

um dos termos.<br />

Na perspectiva do espaço, a obra divide-se em<br />

duas partes, mediadas por uma terceira, que serve<br />

de transição entre elas. A primeira é constituída pelos<br />

capítulos de I a VII; a segunda, pelos capítulos<br />

de IX a XVI, sendo o capítulo VIII de transição.<br />

Observe-se o equilíbrio quase perfeito entre as partes:<br />

sete capítulos, a primeira; oito, a segunda; com<br />

o de transição no meio. Se considerarmos que a<br />

maior parte deste último se identifica com o espírito<br />

da primeira parte, então, a impressão de equilíbrio<br />

se acentua, pois teríamos a obra organizada<br />

em dois blocos iguais de oito capítulos.<br />

No primeiro bloco, genericamente, a cidade se<br />

apresenta investida de valores positivos, enquanto o<br />

campo se caracteriza negativamente. A cidade,<br />

nesse caso, representa o mundo da cultura e civilização,<br />

o espaço privilegiado do progresso científico e<br />

tecnológico, que é visto como responsável pela humanização<br />

do homem. O campo, ao contrário, é o<br />

domínio da natureza e da selvageria, que degrada o<br />

homem, reduzindo-o à condição de bestialidade.<br />

No segundo bloco, invertem-se as relações. A cidade<br />

é carregada de negatividade, apresentando-se<br />

como espaço de aviltamento do homem. O progresso<br />

é visto como ilusão, uma vez que constitui privilégio<br />

de poucos, ao preço da exploração de muitos.<br />

O luxo da elite minoritária decorre da condição miserável<br />

da maioria desfavorecida. Além disso, a profusão<br />

de bens materiais e espirituais, na cidade,<br />

provoca uma espécie de anulação de seus valores<br />

específicos, uma vez que tendem à padronização<br />

niveladora. Como diz Jacinto:<br />

Na cidade, pelo contrário, cada casa repete servilmente<br />

a outra casa; todas as faces reproduzem a mesma<br />

indiferença ou inquietação; as idéias têm todas o<br />

mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como<br />

as libras; e até o que há mais pessoal e íntimo, a ilusão,<br />

é em todos idêntica, e todos a respiram, e todos se<br />

perdem nela como no mesmo nevoeiro... A mesmice<br />

— eis o horror das cidades! (p. 126)<br />

Nessa fala de Jacinto ecoa aquela formulação de<br />

Marx segundo a qual, na sociedade capitalista, todos<br />

os valores se reduzem a um só, ou, em outros termos,<br />

o valor de uso dos bens materiais e espirituais,<br />

que é múltiplo, reduz-se a um único valor, de troca.<br />

Por outro lado, essa redução, esse nivelamento,<br />

produz um efeito perverso. Uma vez que o desejo de<br />

novidade, típico da civilização moderna, nunca é saciado,<br />

pois tudo é o mesmo, a própria elite, beneficiária<br />

do progresso, torna-se presa de um terrível mal —<br />

o tédio, que conduz ao pessimismo e ao desencanto<br />

da vida.<br />

Enquanto a cidade é assim criticada, o campo é<br />

visto idilicamente. A natureza se apresenta como<br />

espaço de libertação da inteligência e ressurreição<br />

para a vida autêntica. Trata-se de uma idealização<br />

da vida rural, conforme a tradição clássica, desde<br />

Hesíodo (século VIII a.C.), Virgílio (século I a.C.), até<br />

os poetas árcades do século XVIII, segundo a qual a<br />

vida campestre é fonte de paz e felicidade. De Virgílio,<br />

por sinal, são os versos citados no capítulo IX<br />

de A Cidade e as Serras, ligeiramente modificados<br />

por Eça de Queirós para se adaptarem à situação do<br />

protagonista: Fortunate Jacinthe! Hic, interava nota /<br />

Et fontes sacros, frigus captabis opacum... 10 (Afortunado<br />

Jacinto! Aqui, em meio a terras conhecidas /<br />

E fontes sacras, colherás sombra e frescor), que o<br />

autor traduz livremente por: Afortunado Jacinto, na<br />

verdade! Agora, entre campos que são teus e águas<br />

que te são sagradas, colhes enfim a sombra e a paz!<br />

10 Os versos originais de Virgílio dizem: Fortunate senex, hic<br />

inter flumina nota / et fontis sacros frigus captabis opacum.<br />

(Afortunado velho, aqui entre rios conhecidos / e sacras<br />

fontes, colherás sombra e frescor). Bucólicas, I, versos 50 e 51.<br />

SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 101 • ANGLO VESTIBULARES

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