o dito eo não-dito - Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA<br />
MARCELO CAROLINO DA ROSA<br />
A NUDEZ NA OBRA DE FERNANDO SABINO:<br />
O DITO E O NÃO-DITO<br />
<strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong><br />
2007
MARCELO CAROLINO DA ROSA<br />
A NUDEZ NA OBRA DE FERNANDO SABINO:<br />
O DITO E O NÃO-DITO<br />
<strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong><br />
2007<br />
Dissertação apresentada ao <strong>Centro</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>, como<br />
requisito parcial para a conclusão do<br />
Curso <strong>de</strong> Mestrado em Letras. Área <strong>de</strong><br />
Concentração: Literatura Brasileira.<br />
Linha <strong>de</strong> Pesquisa: Literatura Brasileira:<br />
Tradição e Ruptura.<br />
Orientador Acadêmico: Professor Dr.<br />
William Valentine Redmond.<br />
Co-orientadora: Dra. Therezinha Mucci<br />
Xavier
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Es<strong>de</strong>va – CES/JF<br />
Bibliotecária: Alessandra C. C. Rother <strong>de</strong> Souza – CRB6-1944<br />
ROSA, Marcelo Carolino da.<br />
A nu<strong>de</strong>z na obra <strong>de</strong> Fernando Sabino: o <strong>dito</strong> e o <strong>não</strong>-<strong>dito</strong>.<br />
[manuscrito] / Marcelo Carolino da Rosa. – <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>: <strong>Centro</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>, 2007.<br />
75 p.<br />
Dissertação (Mestrado em Letras) – <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong> (MG).<br />
Orientador: Dr. William Valentine Redmond.<br />
1. Literatura brasileira. 2. Intertextualida<strong>de</strong> – Carnavalização. I.<br />
<strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>. II. Título.<br />
CDD – B869
FOLHA DE APROVAÇÃO<br />
ROSA, Marcelo Carolino. A nu<strong>de</strong>z na obra<br />
<strong>de</strong> Fernando Sabino: o <strong>dito</strong> e o <strong>não</strong>-<strong>dito</strong>.<br />
Dissertação apresentada como requisito<br />
parcial à conclusão do Curso <strong>de</strong> Mestrado<br />
em Letras, Área <strong>de</strong> Concentração: Literatura<br />
Brasileira, do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>, realizada no 1 o semestre <strong>de</strong><br />
2007.<br />
_________________________________________<br />
Professor Dr. William Valentine Redmond<br />
Orientador<br />
Conceito: ________________________<br />
______________________________<br />
Profa. Dra. Eliane Vasconcellos<br />
_________________________________<br />
Profa. Dra. Therezinha Mucci Xavier<br />
<strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>: _______________<strong>de</strong> 2007.
A minha família, em especial, a minha<br />
mãe, anjo que Deus <strong>de</strong>ixa comigo para<br />
caminhar a meu lado, pioneira em me<br />
direcionar os passos para o Curso <strong>de</strong> Letras.<br />
À minha filha, Diana Calixto Rosa, novo<br />
anjo, que nem sei o que fiz para merecer;<br />
oferta <strong>de</strong> Deus, para iluminar a minha vida,<br />
dando-lhe mais brilho; renovação diária da<br />
alegria e do prazer <strong>de</strong> ouvi-la dizer “papai...”<br />
Dedico.
AGRADECIMENTOS<br />
A Deus que, por sua infinita bonda<strong>de</strong>, conce<strong>de</strong>u-me vocação para a tarefa<br />
<strong>de</strong> ensinar; força para superar os obstáculos do caminho; sabedoria para<br />
i<strong>de</strong>ntificar os que <strong>não</strong> po<strong>de</strong>m ser extraídos, mostrando-me os <strong>de</strong>svios.<br />
Ao Prof. Dr. William Valentine Redmond, meu orientador na realização<br />
<strong>de</strong>ste trabalho, pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se doar sempre com satisfação,<br />
<strong>de</strong>monstrando prazer em caminhar comigo. De forma especial, por cuidar para<br />
que o estudo chegasse ao momento da <strong>de</strong>fesa, assinalando nossa gran<strong>de</strong> vitória.<br />
À Profª. Drª Therezinha Mucci Xavier, pelos ensinamentos técnicos<br />
carinhosamente partilhados e, acima <strong>de</strong> tudo, pelas lições <strong>de</strong> vida transmitidas,<br />
com carinho e doçura, dia após dia, que serão revistos, diariamente, com a<br />
lembrança do afeto que me <strong>de</strong>dicou.<br />
À Profª. Drª. Nícea Helena Nogueira por, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, ter-me tomado<br />
pelas mãos e mostrado que no caminho a seguir <strong>não</strong> havia obstáculo que <strong>não</strong><br />
pu<strong>de</strong>sse ou <strong>de</strong>vesse ser transposto.<br />
À Prof a. Dr a. Eliane Vasconcellos, por integrar a banca avaliadora da <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>de</strong>ste estudo e pelo enriquecimento que confere ao trabalho por meio <strong>de</strong> sua<br />
brilhante participação.<br />
À Profª Drª. Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Abreu <strong>de</strong> Oliveira, pela sabedoria <strong>de</strong> suas<br />
palavras sempre tão pertinentes.<br />
À Profª Drª Thereza da Conceição Apparecida Domingues, por toda<br />
<strong>de</strong>dicação e zelo com que conduz suas ativida<strong>de</strong>s neste Programa <strong>de</strong> Pós-<br />
Graduação..<br />
À Profª. Drª. Francis Paulina Lopes da Silva, por sua participação ativa e<br />
direta em minha vida acadêmica.<br />
A todos os professores do Curso <strong>de</strong> Mestrado em Letras do CES/JF, cuja<br />
<strong>de</strong>dicação e competência muito contribuíram para a realização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
colaboração.<br />
motivação.<br />
Aos colegas <strong>de</strong> curso, aos alunos e colegas <strong>de</strong> trabalho, por toda sua<br />
À minha irmã, Lara Carolina <strong>de</strong> Almeida, com carinho muito especial, pela
Ao meu amigo Jair Gomes <strong>de</strong> Souza, pelo apoio, estímulo e pela<br />
significativa amiza<strong>de</strong> a qual só encontramos em pessoas <strong>de</strong> alma nobre.<br />
A amiga Andréa Lúcia da Costa, cujo estímulo pessoal e profissional<br />
também contribuiu para realização <strong>de</strong>sta difícil tarefa.<br />
À minha esposa Simone <strong>de</strong> Oliveira Calixto Rosa, pelo amor,<br />
companheirismo, pela paciência e pelo carinho em todos os momentos.<br />
À professora Rozimar Gomes da Silva Ferreira, pela revisão lingüística e<br />
pela normalização <strong>de</strong>ste estudo.<br />
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, tornaram possível a<br />
realização <strong>de</strong>ste trabalho.
RESUMO<br />
ROSA, Marcelo Carolino. A nu<strong>de</strong>z na obra <strong>de</strong> Fernando Sabino: o <strong>dito</strong> e o <strong>não</strong><strong>dito</strong>.<br />
75 p. Dissertação – Mestrado em Letras. <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Fora</strong>, <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong> 2007.<br />
Este trabalho tem por objetivo a leitura <strong>de</strong> A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong> – novela do<br />
escritor mineiro Fernando Sabino, lançado em 1970, integrando o livro intitulado<br />
“O Homem Nu” – através da t<strong>eo</strong>ria da carnavalização. Objetiva aplicar na referida<br />
narrativa, a proposta Bakhtiniana à luz da literatura sério-cômica, sob o olhar da<br />
sátira menipéia, da dialogia, da polifonia, da intertextualida<strong>de</strong> e do próprio<br />
carnaval. Sob tal visão, <strong>de</strong>monstra-se o conteúdo subentendido na obra e concluise<br />
que o <strong>não</strong>-<strong>dito</strong> está presente na obra <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> escritor, permitindo no<br />
percurso da leitura significativa interativida<strong>de</strong> do leitor com o texto.<br />
Palavras-Chave: Carnavalização; Não-<strong>dito</strong>; Intertextualida<strong>de</strong>.
ABSTRACT<br />
The aim of this word is a reading of A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong> (The nudity of the truth)<br />
– a tale written by the great Brazilian writer Fernando Sabino, launched in 1970,<br />
part of the Book of Tales and Chronicles titled “ O Homem Nu” (The Nu<strong>de</strong> Man)<br />
through the th<strong>eo</strong>ry of the “ carnivalization ”.There was the objective of applying to<br />
this work the Bakhtiniana proposal. For that, A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong> was analyzed<br />
un<strong>de</strong>r the light of the serious-comic literature, un<strong>de</strong>r the look of the mennipeian<br />
satire, dialogic, polyphony and intertextuality and of course, the carnival it<br />
self.Un<strong>de</strong>r that view, it was showed through the studies, the un<strong>de</strong>rstood contents<br />
in the work and it was also conclu<strong>de</strong>d that the “non-said” is present in Fernando<br />
Sabino´s work, always allowing a great integration and interactivity of the rea<strong>de</strong>r<br />
with the work.This interactivity kept, however, the work´s originality.<br />
Key-words: Serious-comic literature; “Non-said”; Intertextuality.
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO........................................................................................................9<br />
1 LITERATURA CARNAVALIZADA ....................................................................13<br />
2 ESPAÇOS EXTERIORES, INTERIORES E ÍNTIMOS COMPONDO CENAS...15<br />
3 A EVIDÊNCIA DO NÃO-DITO...........................................................................25<br />
4 O ITINERÁRIO...................................................................................................34<br />
4.1 NO CORREDOR.............................................................................................34<br />
4.2 NO ELEVADOR ..............................................................................................35<br />
4.3 TENTATIVA DE RETORNO AO APARTAMENTO DE MARIALVA ................37<br />
4.4 SAINDO DE CAMINHÃO ................................................................................38<br />
4.5 NA CASA DE DONA MARIETA ......................................................................42<br />
4.6 TELMO É EXPOSTO ÀS RUAS .....................................................................43<br />
4.7 NA TENTATIVA DE AJUDAR, UM JOVEM OFERECE UMA TOALHA A<br />
PROENÇA....................................................................................................44<br />
4.8 IRMANADOS PELA NUDEZ...........................................................................46<br />
4.9 NOVAMENTE EXPOSTO ÀS RUAS ..............................................................48<br />
4.10 DIANTE DO POBRE E DO MENDIGO, TELMO É TOMADO POR<br />
IGUAL...........................................................................................................49<br />
4.11 PERDÃO DA IDÉIA SIMPLISTA DE CONSEGUIR ESCAPAR AO<br />
DESTINO......................................................................................................51<br />
4.12 QUE SE CUMPRA O QUE LHE FOI RESERVADO .....................................52<br />
4.13 O ÚLTIMO SACRIFÍCIO – DE VOLTA AO LAR............................................52<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................56<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................57<br />
APÊNDICE............................................................................................................62
INTRODUÇÃO<br />
Autor <strong>de</strong> várias obras <strong>de</strong> merecido reconhecimento, o escritor Fernando<br />
Sabino tornou-se um nome <strong>de</strong> absoluta credibilida<strong>de</strong> e profundo respeito <strong>não</strong><br />
apenas entre os seus leitores e interessados em literatura <strong>de</strong> modo geral, mas,<br />
também, entre os próprios gran<strong>de</strong>s nomes literários, como os <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong> e outros pioneiros em conhecer e avaliar sua obra, ainda quando o<br />
“jovem escritor” tinha <strong>não</strong> mais que 18 anos. O “papa do mo<strong>de</strong>rnismo”, que já<br />
gozava <strong>de</strong> extremo prestígio e reconhecimento, <strong>de</strong>u-lhe como uma das primeiras<br />
recomendações a <strong>de</strong> que encurtasse o nome, passando-o <strong>de</strong> Fernando Tavares<br />
Sabino para Fernando Sabino.<br />
A correspondência entre eles esten<strong>de</strong>u-se a <strong>não</strong> menos <strong>de</strong> 30 cartas, ao<br />
longo <strong>de</strong> três anos, cessando apenas com o falecimento <strong>de</strong> Mário.<br />
Com isso, po<strong>de</strong>-se dizer que Fernando Sabino (que adotara esse nome<br />
<strong>de</strong>pois da sugestão do amigo) foi o último dos “aprendizes” <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
tendo seu mestre analisado sua vocação para o gênero e avaliado atentamente a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sabino ser um contista ou um romancista, indiscutivelmente<br />
nacional, com uma literatura leve, e <strong>de</strong> <strong>de</strong>licada transposição lírica da vida, ou<br />
irônicas transposições realísticas <strong>de</strong>sta.<br />
Além <strong>de</strong> tudo isso, era notório aos olhos acurados <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, já<br />
naquela época, o humor e o uso das expressões verbais para ester<strong>eo</strong>tipar gestos<br />
e falas, além da riqueza dos tipos psicológicos que construía. Ainda lhe era<br />
notório que Fernando Sabino iria bem longe, num trabalho <strong>de</strong> dia a dia,<br />
comparado ao <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis.<br />
Como já era <strong>de</strong> se esperar, o mestre estava mesmo certo. A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
enxergar o futuro, e <strong>de</strong> aconselhar com as críticas mais construtivas, fazem gerar<br />
o lamento <strong>de</strong> <strong>não</strong> ter podido verem cumpridas suas palavras. Contudo, Fernando<br />
Sabino foi além <strong>de</strong> tudo isso!<br />
Ele tornou-se um típico exemplo <strong>de</strong> aplicação do gênero sério-cômico,<br />
<strong>de</strong>tendo, inclusive, todas as suas características básicas, como o uso<br />
<strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> elemento retórico e sua visão transformadora, in<strong>de</strong>strutível e<br />
vivificante.<br />
9
Em A Nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, obra utilizada especificamente como objeto <strong>de</strong><br />
estudo <strong>de</strong>ste trabalho, Fernando Sabino externa toda a influência que sofre do<br />
folclore e, apesar <strong>de</strong> <strong>não</strong> se basear nele, po<strong>de</strong>-se dizer que se consagra por seu<br />
intermédio. É visível, nessa obra, uma outra característica básica do estilo<br />
carnavalizado, a fusão do sublime e vulgar. O texto leva o leitor à conclusão <strong>de</strong><br />
que há um pensamento inacabado em relação ao assunto, parecendo muito bem<br />
<strong>de</strong>finido na mente do autor.<br />
Neste caso, vale citar Platão: “A verda<strong>de</strong> <strong>não</strong> nasce e nem se encontra na<br />
cabeça <strong>de</strong> um único homem; ela nasce entre os homens que juntos a procuram<br />
no processo <strong>de</strong> sua comunicação dialógica.” (citado por BAKHTIN, 1981, p.94).<br />
Fernando Sabino, com sua simplicida<strong>de</strong> mineira, faz com que o<br />
envolvimento do leitor com o enredo seja tão gran<strong>de</strong> que leva o fantástico a<br />
assumir caráter <strong>de</strong> aventureiro, embora sempre subordinado à função id<strong>eo</strong>lógica<br />
<strong>de</strong> provar e experimentar a verda<strong>de</strong>. Com isso, suas personagens <strong>de</strong>sfrutam <strong>de</strong><br />
momentos <strong>de</strong> extrema glória e, em seguida, envolvem-se em situações<br />
extraordinárias e reais, experimentando a idéia e a verda<strong>de</strong> do caráter humano,<br />
individual ou típico-social.<br />
Em A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, mesmo a contra gosto, a personagem expressa<br />
e revela os aspectos ocultos da natureza humana, e vive um período <strong>de</strong>sviado <strong>de</strong><br />
sua or<strong>de</strong>m natural, como se seu mundo houvesse sido invertido, ou estivesse ao<br />
avesso. Nessa obra, como é natural em uma literatura carnavalizada, expõem-se<br />
fatos que se opõem às relações hierárquico-sociais. E Fernando Sabino retrata<br />
muito bem esse tipo <strong>de</strong> literatura e se relaciona com a força produtora do corpo,<br />
expondo, por <strong>não</strong> poucas vezes, sua forma mais “carnal” numa apresentação<br />
notável <strong>de</strong> textos carnavalizados e intertextualizados com sentenças bíblicas.<br />
Em seus textos, <strong>de</strong> modo geral, a traição se apresenta como tema<br />
recorrente, dando força a características carnavalizadas com a exposição do<br />
corpo, apresentando-se o profano e o vulgar versus o moral e o amoral.<br />
Na literatura carnavalizada, há uma característica específica, que será<br />
tratada neste trabalho como enfoque especial: o ritual <strong>de</strong> coroação do rei que se<br />
dá <strong>de</strong> forma ambivalente. Nela, coroa-se, na verda<strong>de</strong>, o bobo ou o escravo.<br />
Veste-se com roupas majestosas alguém que <strong>não</strong> é digno <strong>de</strong>las. (Ou se vestiria<br />
alguém digno com roupas que <strong>não</strong> lhe fazem jus?)<br />
10
O que se dá na carnavalização é uma coroação bufa, e o posterior<br />
<strong>de</strong>stronamento do rei do carnaval. Essa é uma característica presente no<br />
carnaval, em suas formas mais apuradas, aparecendo com maior ou menor<br />
intensida<strong>de</strong> em todos os festejos. E é na ação ritual <strong>de</strong> coroação e <strong>de</strong>stronamento<br />
do rei do carnaval, que resi<strong>de</strong> o próprio núcl<strong>eo</strong> da cosmovisão carnavalesca, com<br />
ênfase nas mudanças, transformações e renovações. O que se coroa, realmente,<br />
é o antípoda <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro rei, que recebe as vestes como símbolo do po<strong>de</strong>r,<br />
que assume, a partir daí, o matiz <strong>de</strong> uma alegre relativida<strong>de</strong>. Isso porque o<br />
carnaval se sobrepõe a toda mudança, porque a carnavalização <strong>não</strong> é<br />
substancial, mas funcional. Na cosmovisão carnavalizada, nada é absoluto.<br />
Proclama-se apenas uma alegria relativa, fantasiosa, livre e leve. Proclama-se a<br />
fantasia livremente.<br />
Na carnavalização, mistura-se o rico ao pobre, o culto ao popular, o<br />
sagrado ao profano, a moral ao imoral e ao amoral e às misturas sociais, pelo<br />
livre contato familiar e o reconhecimento do profano, pela jocosa forma <strong>de</strong> lidar<br />
com a simbologia do po<strong>de</strong>rio supremo. Assim, mascarados, ocultando suas faces,<br />
expõem-se suas facetas e realizam suas façanhas. Quando cai a máscara, ao fim<br />
do processo, no <strong>de</strong>stronamento daquele que já se iniciou sabendo como seria o<br />
fim, que se <strong>de</strong>staca o oposicionismo carnavalesco. O rei é <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> suas<br />
vestes, <strong>de</strong>spojado <strong>de</strong>las, da coroa e dos outros símbolos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e, nem assim,<br />
assume um caráter <strong>de</strong> negação pura. Tem-se aí outra característica da<br />
carnavalização, enquanto processo literário: o <strong>de</strong>sconhecimento da negação e da<br />
afirmação absoluta.<br />
Assim, a personagem da obra <strong>de</strong> Sabino passa por todo um processo que<br />
o i<strong>de</strong>ntifica com o “<strong>de</strong>stronado”. É ridicularizado e por pouco <strong>não</strong> acaba surrado, o<br />
que, aliás, <strong>não</strong> se <strong>de</strong>u apenas pela generosa dose <strong>de</strong> sorte, propiciada em raros<br />
instantes por seu criador. Vê-se, então, claramente, que o cerimonial <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stronamento é o oposto perfeito da coroação. Contudo, como na<br />
carnavalização, sempre há o ressurgimento, o recomeço, o renascimento, <strong>de</strong>pois<br />
da exposição a toda a sorte <strong>de</strong> más situações, ressurgindo para a personagem a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter o reconhecimento <strong>de</strong> seus méritos pessoais, sem<br />
necessida<strong>de</strong> do uso <strong>de</strong> máscaras para valorizá-los.<br />
É <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> morrer para uma historia <strong>de</strong> vida, aliás, para sua própria<br />
história, que a personagem vê a real possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> re-começar, como se, até<br />
11
então, seus verda<strong>de</strong>iros e reais objetivos <strong>não</strong> houvessem sido atingidos,<br />
avistados ou mesmo pensados com plenitu<strong>de</strong>.<br />
A ação carnavalesca permite perceber claramente que, para se “trocar <strong>de</strong><br />
roupas”, é necessário retirar as que estão em uso, fazer-se nu, e só então re-<br />
começar a vestir novas roupas, que possam representar um novo momento, um<br />
novo <strong>de</strong>stino, e, ao menos, uma nova vida, se<strong>não</strong> uma vida nova.<br />
Todos esses rituais estão indubitavelmente presentes na arte literária <strong>de</strong><br />
Fernando Sabino, na profundida<strong>de</strong> da simbologia que utiliza, na velocida<strong>de</strong> com<br />
que consegue contemplar a mudança dos fatos, na relativa alegria e felicida<strong>de</strong> e,<br />
especialmente, na sua leveza carnavalesca tão compatível com sua mineirice,<br />
que lhe confere o direito <strong>de</strong> <strong>não</strong> fazer alar<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> conquistar a todos com a<br />
profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus <strong>dito</strong>s e, principalmente, com o respeito que tem para com o<br />
próximo, o leitor, o amigo, ao <strong>de</strong>ixar espaço para sua participação pessoal com o<br />
<strong>não</strong>-<strong>dito</strong>.<br />
O <strong>não</strong>-<strong>dito</strong> é a questão que este trabalho, inserido na linha <strong>de</strong> pesquisa<br />
Literatura Brasileira: Tradição e Ruptura, do <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> <strong>Ensino</strong> <strong>Superior</strong> <strong>de</strong> <strong>Juiz</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Fora</strong>, MG, preten<strong>de</strong> levantar, elucidando-o <strong>de</strong> forma clara.<br />
Não se preten<strong>de</strong> aqui alcançar a verda<strong>de</strong> absoluta, pois como reza a t<strong>eo</strong>ria<br />
da carnavalização, nada é absoluto. O intuito é aumentar o incentivo para que se<br />
leia a obra <strong>de</strong>ste que se tornou um mestre popular, cativante, inspirador e<br />
entusiasta, com olhos mais abertos, e valendo-se da oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer<br />
quando as palavras <strong>não</strong> foram ditas, para se exercer um papel interativo com o<br />
<strong>não</strong>-<strong>dito</strong>, <strong>de</strong> forma diferenciada aos olhos <strong>de</strong> cada leitor.<br />
12
1 LITERATURA CARNAVALIZADA<br />
O estilo Fernando Sabino <strong>de</strong> ser e escrever conferiu-lhe i<strong>de</strong>ntificação com<br />
o gênero carnavalizado <strong>de</strong> literatura.<br />
A incontestável leveza <strong>de</strong> criação que caracteriza sua obra propicia ao<br />
leitor a perfeita idéia <strong>de</strong> quem foi “o ser humano” Fernando Sabino. Sua<br />
simplicida<strong>de</strong>, or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> pensamentos, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar à frente,<br />
praticida<strong>de</strong>, aguçada sensibilida<strong>de</strong> emocional, e seu persuasivo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazer<br />
com que “o outro” veja o mundo por suas palavras, concomitantemente<br />
inteligentes e intuitivas, popularizaram sua obra.<br />
Além disso, Fernando Sabino trabalha com um vocábulo acessível à<br />
compreensão <strong>de</strong> todos, e seu imaginário criativo carrega com ele o leitor, que se<br />
envolve com a obra, e se interage com ela. Por mais fantásticas que sejam, as<br />
cenas por ele <strong>de</strong>scritas são <strong>de</strong> fácil visualização. Isso porque, ao escrever, o autor<br />
reproduz gran<strong>de</strong> riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes do universo circundante. Sua apresentação<br />
e <strong>de</strong>scrição claras, e o modo <strong>de</strong> situar os fatos, no tempo e no espaço, formam no<br />
imaginário do leitor a visão quase real da cena retratada.<br />
A tudo isso se acresce o tipo <strong>de</strong> cena que se <strong>de</strong>screve na obra, ou seja, o<br />
fantástico popular, recorrente na escritura <strong>de</strong> Sabino. Nela, repetem-se os fatos<br />
fantásticos do realismo popular ou popularizado. Vêem-se sempre os reis sendo<br />
<strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong> seus símbolos <strong>de</strong> riqueza. Todos os dias, a traição bate à sua porta<br />
– o que, se <strong>não</strong> fosse triste, certamente haveria <strong>de</strong> ser cômico. Por meio da<br />
comicida<strong>de</strong>, é resolvido aquilo que é impossível <strong>de</strong> ser feito na forma do sério.<br />
Assim, realiza-se na cosmovisão carnavalizada <strong>de</strong> sua obra uma parodia da<br />
natureza séria da vida.<br />
Em A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, também é muito nítida a carnavalização pela<br />
questão do duplo. O personagem central da história, “morre, é negado”, isto é,<br />
morre sua relação com a esposa, por quem é negado e substituído. Mas renova-<br />
se, em seguida, ou melhor, supera-se a si mesmo e às adversida<strong>de</strong>s impostas por<br />
sua realida<strong>de</strong>. E isso é suficiente para avaliar sua vida.<br />
Sobre a situação espacial da obra, ela, <strong>de</strong> certo, <strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria limitar-se<br />
essencialmente no tempo, e <strong>não</strong> no espaço, mas é, sem dúvida, nas ruas que se<br />
13
coroam e se <strong>de</strong>stronam os atos da literatura carnavalizada; e a elas Sabino<br />
lançou sua personagem para que fosse ali o seu palco, mostrando que esta<br />
situação é público-universal.<br />
As questões a que Fernando Sabino se refere em seus textos falam fundo<br />
aos leitores, <strong>de</strong>vido à familiarização dos temas, permitindo que o imaginário atue<br />
com maior amplitu<strong>de</strong>.<br />
Assim, o leitor assimila mais o conteúdo, à medida que a cada leitura<br />
possui um percentual menor <strong>de</strong> fatos que ele até então <strong>não</strong> imaginava, tornando-<br />
se mais fácil fazer um aprofundamento nos elementos conhecidos, imaginados,<br />
ou imaginários, para <strong>de</strong>senvolver a idéia e elucidar pensamentos menos<br />
elaborados sobre <strong>de</strong>terminado assunto.<br />
E Fernando Sabino, por seu estilo carnavalizado <strong>de</strong> ousar na arte literária,<br />
<strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria ter outra nacionalida<strong>de</strong> se<strong>não</strong> brasileira. O Brasil é, afinal, o país do<br />
carnaval, on<strong>de</strong> se coroam os <strong>de</strong>sejos coletivos por saber <strong>de</strong> fato que <strong>de</strong>pois ele<br />
será <strong>de</strong>stronado, dando vaga à velha realida<strong>de</strong>, conhecida <strong>de</strong> todo dia, on<strong>de</strong> o<br />
renascer fica a cargo <strong>de</strong> cada nova expectativa diária.<br />
Nessa arte <strong>de</strong> atingir um público com características variadamente<br />
extensas, fazer-se compreendido por essas pessoas diferenciadas em ida<strong>de</strong> e<br />
raça, classe social e credo, regiões e nível cultural, o autor mineiro se fez mestre<br />
e alcançou, como previu Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, a posição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e respeitável<br />
escritor, num trabalho <strong>de</strong> dia a dia.<br />
Em verda<strong>de</strong>, o percurso <strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria ser diferente, pois Fernando Sabino<br />
era um homem simples, conhecedor das culturas populares, e da realida<strong>de</strong> do<br />
povo, em seus cultos e ritos, suas tragédias e boas venturas.<br />
14
2 ESPAÇOS EXTERIORES, INTERIORES E ÍNTIMOS COMPONDO CENAS<br />
Por sua sensibilida<strong>de</strong> e interesse pelas causas e pelos causos populares,<br />
Fernando Sabino retratou e relatou com clareza alguns temas pertinentes à<br />
realida<strong>de</strong> do povo. Aliás, fez <strong>de</strong>ssa temática uma maneira <strong>de</strong>, por meio da<br />
carnavalização literária, irmanar todos nos aspectos que mais refletem o pudor e<br />
a moral.<br />
Em A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, Sabino expõe a personagem Telmo Proença, um<br />
professor, figura do povo, conhecedor do folclore ao rito <strong>de</strong> <strong>de</strong>stronamento<br />
tipicamente carnavalesco. A protagonista sofre toda sorte (ou má sorte) <strong>de</strong><br />
situações, ao se ver <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> suas roupas, e, com isso, <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e<br />
i<strong>de</strong>ntificação social. Justo ele, um homem <strong>de</strong> bem, correto, interessado na opinião<br />
social a respeito <strong>de</strong> si, estar ali, sem roupa, na condição mais primária do ser<br />
humano, com suas vergonhas expostas. Nessas condições, sem o “rótulo” que<br />
pu<strong>de</strong>sse inseri-lo em um <strong>de</strong>terminado padrão social, passa por todo o<br />
ritual das adversida<strong>de</strong>s, humilhações e limitações <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. No<br />
instante em que a personagem se atina para a circunstância, lá está ele, na mais<br />
angustiante condição. Estar passível <strong>de</strong> ser flagrado por alguém nu em pêlo<br />
transforma seus momentos seguintes numa verda<strong>de</strong>ira via-crúcis <strong>de</strong> sofrimento. E<br />
assim ocorre. Telmo ganhou uma in<strong>de</strong>sejável popularida<strong>de</strong>, uma força pejorativa<br />
<strong>de</strong> quem <strong>não</strong> era, em condições normais, aceito em socieda<strong>de</strong>.<br />
O marido traído por sua esposa, por seu chefe, por sua vida, e seu<br />
<strong>de</strong>stino... É essa a primeira idéia que se tem da obra. Frente a esse universo sem<br />
chão, os leitores po<strong>de</strong>m, através do percurso da personagem, que se <strong>não</strong> fosse<br />
trágico seria verda<strong>de</strong>iramente cômico, avaliar e reavaliar seus conceitos <strong>de</strong> bem e<br />
<strong>de</strong> mal, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e condição social, <strong>de</strong> certo e errado.<br />
Sabino expõe Proença ao ridículo <strong>de</strong> estar nu publicamente. Faz com que<br />
ele passe todo o constrangimento <strong>de</strong> estar em pêlo... Ele, um homem <strong>de</strong>cente e<br />
pr<strong>eo</strong>cupado com os conceitos e preconceitos sociais, encontra-se, <strong>de</strong> súbito, em<br />
condição absolutamente censurável.<br />
15
A recorrência da nu<strong>de</strong>z é tão freqüente no texto <strong>de</strong> Sabino que, além <strong>de</strong><br />
Telmo, diversas outras personagens também se encontram nuas no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong><br />
sua trajetória, correlacionando o fato <strong>de</strong> estar nu, em dados locais e espaços, ser<br />
mais ou menos permissível que em outros locais ou circunstâncias.<br />
Proença inicia sua saga retirando seu pijama, avaliando seu estado geral<br />
em relação ao tempo. Conclui que se encontra bem para sua ida<strong>de</strong>: “Telmo<br />
Proença <strong>de</strong>spiu o pijama e, ainda meio sonolento, a caminho do banheiro, olhou-<br />
se <strong>de</strong>snudo ao espelho do armário. Não se achou mal para os seus 38 anos,<br />
embora um pouco magro”. (Sabino, Fernando. A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, 1994, p. 11.)<br />
Em situação semelhante, embora <strong>não</strong> completamente <strong>de</strong>spida, encontrava-<br />
se sua esposa que, carinhosamente, é <strong>de</strong>scrita, <strong>de</strong>stacando a força da carne, aí<br />
relacionada com a nu<strong>de</strong>z. Já em condições sociais, vestido para seu<br />
compromisso, o protagonista pensa em <strong>de</strong>spertar a esposa seminua e <strong>de</strong>spir-se<br />
para ce<strong>de</strong>r à força <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo carnal.<br />
De novo em frente ao espelho, já vestido. Enquanto dava o laço na<br />
gravata, podia ver, ao fundo, parte da cama do casal. Entre lençóis<br />
amarfanhados, Carla dormia <strong>de</strong> bruços, só <strong>de</strong> calcinha, uma perna<br />
dobrada sobre a outra, cabelos espalhados no travesseiro, boca<br />
entreaberta. Mesmo dormindo ela era atraente – pensou se <strong>não</strong> seria o<br />
caso <strong>de</strong> acordá-la para se <strong>de</strong>spedir. (SABINO, 1994 1 , p. 11).<br />
Em outro momento, já em casa <strong>de</strong> Marialva, o professor Telmo encontra-se<br />
mais uma vez nu, e ainda surpreen<strong>de</strong>-se com sua própria nu<strong>de</strong>z, para ele, ainda<br />
atordoado <strong>de</strong> sono, um tanto quanto inesperada.<br />
Viu-se <strong>de</strong>itado numa cama <strong>de</strong> casal, coberto por um lençol, apenas<br />
as pernas <strong>de</strong> fora.<br />
Apoiou-se nos cotovelos e varreu a vista ao redor, sem saber que<br />
quarto era aquele. Voltou a olhar suas pernas – puxou o lençol – e,<br />
espantado, <strong>de</strong>scobriu que estava nu. (NV, p. 24).<br />
Vale <strong>de</strong>stacar que compreensivelmente, por força da circunstância, se a<br />
personagem se assusta por estar ela mesma nua, <strong>não</strong> será <strong>de</strong> certa forma<br />
surpreen<strong>de</strong>nte todo o acontecimento que surgirá no <strong>de</strong>senrolar da narrativa.<br />
1 - Deste ponto em diante, as transcrições <strong>de</strong> trechos da obra estudada, A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
autoria do escritor Fernando Sabino, publicada em 1994, serão referenciadas com as iniciais<br />
NV, seguindo-se o número da página da referida edição.<br />
16
E novamente, o nu, agora <strong>não</strong> <strong>de</strong>clarado, mas perfeitamente<br />
compreensível apesar <strong>de</strong> <strong>não</strong>-<strong>dito</strong>.<br />
De súbito estacou, surpreso. Pela porta entreaberta, uma mulher<br />
trauteava uma música no banheiro.<br />
Dirigiu-se até lá, cauteloso. Pela porta entreaberta vislumbrou o<br />
corpo <strong>de</strong> Marialva, através da cortina do chuveiro. Então se lembrou <strong>de</strong><br />
tudo. (NV, p. 24 e 25).<br />
Diante <strong>de</strong>ssa circunstância, nada seria mais natural que se manter à<br />
vonta<strong>de</strong>, como já estava. Mas, ao invés disso, por suas características <strong>de</strong> homem<br />
“sistemático” e direito, Telmo tenta encobrir sua nu<strong>de</strong>z diante da mera<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser flagrado nu, pela moça:<br />
(NV, p. 25).<br />
“...Ocultou rápido a própria nu<strong>de</strong>z atrás da porta:<br />
– Marialva – chamou.<br />
– Sim senhor hein professor... – Respon<strong>de</strong>u ela, enquanto se ensaboava.”<br />
Já mais à vonta<strong>de</strong>, o homem transita em pêlo pela casa, em seus últimos<br />
momentos <strong>de</strong> sossego naquele dia.<br />
Seu próximo instante <strong>de</strong> reconhecida nu<strong>de</strong>z <strong>não</strong> terá igual compreensão<br />
por parte dos <strong>de</strong>mais presentes. Ele agora será julgado, ou melhor, subjugado, e<br />
con<strong>de</strong>nado sem direito à <strong>de</strong>fesa, por estar no lugar certo, na hora certa, mas na<br />
condição errada, pois, por vezes, se é censurado por estar trajando as vestes<br />
“erradas” para <strong>de</strong>terminada situação, ou para <strong>de</strong>terminado local, ou mesmo para<br />
<strong>de</strong>terminada socieda<strong>de</strong>; imagine-se o que será <strong>de</strong> alguém que se encontra nos<br />
mais diversos locais, <strong>de</strong>strajado.<br />
Será essa a caminhada que assumirá o personagem rumo ao seu<br />
“calvário”. E numa analogia permissível, como um Cristo, ele será “açoitado e<br />
incompreendido, perseguido e crucificado”. Mais tar<strong>de</strong>, porém, ainda que por vias<br />
tortuosas, atingirá sua ascensão, seu triunfo.<br />
Ficou a remexer na cozinha assim mesmo nu. Encontrou o café,<br />
pôs a água a ferver. Depois, abriu com cautela a porta: ali estava, ao seu<br />
alcance no parapeito da amurada, o embrulho do pão, <strong>de</strong>ixado pelo<br />
pa<strong>de</strong>iro. Deu um passo à frente, esticando o braço, sem perceber que<br />
seu corpo havia transposto completamente o umbral.<br />
17
Mal tocou o embrulho do pão, ouviu atrás <strong>de</strong> si a porta,<br />
impulsionada pelo vento, fechar-se com uma pequena pancada.<br />
(NV, p. 26-27).<br />
E assim lá está o “pobre”, totalmente <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> suas roupas, <strong>de</strong> seus<br />
rótulos sociais, <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e sua i<strong>de</strong>ntificação. Começa seu pa<strong>de</strong>cer.<br />
Dele agora, será feita toda sorte <strong>de</strong> julgamentos. De saída, ouviu a porta<br />
do apartamento vizinho abrir-se.<br />
Quando ia bater <strong>de</strong> novo, ouviu a porta do apartamento vizinho se<br />
abrindo para dar saída a um casal. Voltou-se e <strong>não</strong> tendo como se<br />
escon<strong>de</strong>r ficou a olhar, si<strong>de</strong>rado, tapando o sexo com o embrulho <strong>de</strong> pão.<br />
... Dando com o homem nu e <strong>de</strong> óculos diante <strong>de</strong> si, ela arregalou<br />
os olhos estarrecida, cutucando a ilharga do companheiro, ocupado em<br />
correr a chave na porta. Ao vê-lo o outro <strong>não</strong> vacilou: abriu <strong>de</strong> novo a<br />
porta, pôs a mulher para <strong>de</strong>ntro, e tornou a fechar e o encarou,<br />
truculento.<br />
– O que é isso companheiro, nu aí <strong>de</strong>sse jeito? (NV, p. 29-30).<br />
Apesar da pergunta, o vizinho <strong>não</strong> estava interessado em resposta. Tratou<br />
logo <strong>de</strong> sacar o revolver, <strong>não</strong> permitindo que o professor <strong>de</strong>sse qualquer<br />
explicação. Diante disso, tudo que podia fazer era recuar e, ao ver a arma, sair<br />
em disparada pelo corredor.<br />
Não bastando seu constrangimento, ainda foi visto por uma velha, que saía<br />
<strong>de</strong> seu apartamento com um carrinho <strong>de</strong> feira, e que se pôs a gritar por socorro<br />
pela existência <strong>de</strong> um homem nu. Ao professor só restava mesmo gritar, pedindo<br />
que <strong>não</strong> lhe atirasse, mas, apesar da súplica, o vizinho empunhava a arma e<br />
vinha em sua direção.<br />
Até aqui, seu julgamento inicial era <strong>de</strong> “tarado”. Daí por diante, foi visto por<br />
muitos, apreciado por alguns, e perseguido por incontáveis... ah, e por quantos<br />
foi comentado. Nesses comentários, ganhou outras características e levou nome<br />
por muitas façanhas <strong>não</strong> praticadas.<br />
Despertou, naqueles que o viram, diversos sentimentos, ao mesmo tempo,<br />
positivos, surpreen<strong>de</strong>ntes, inimagináveis até. E, nos que <strong>de</strong>le só ouviram falar,<br />
<strong>de</strong>spertou a imaginação, mais ou menos fértil, <strong>de</strong> acordo com a formação e o grau<br />
<strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> cada um. O fato é que ninguém que tenha <strong>de</strong> algum modo<br />
tomado ciência da história passava indiferente a ela.<br />
18
Retomando a história, novamente, e <strong>não</strong> por fim, Telmo ainda se encontra<br />
e é encontrado nu, em outras circunstâncias.<br />
No caso seguinte, algo ainda mais curioso acontece. Ao ser transportado<br />
em um caminhão <strong>de</strong>ntro do qual se escon<strong>de</strong>u, Proença presencia, a contragosto,<br />
um casal nu, numa cena <strong>de</strong> amor. Ao ser percebido, ele e Luiz Carlos,<br />
<strong>de</strong>pararam-se um com o outro, e o constrangimento <strong>de</strong> estar nu torna-se mútuo,<br />
causando um instante <strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong> em ambos. Apesar da limitação do espaço<br />
físico, o fato <strong>de</strong> estar em sua casa, entre quatro pare<strong>de</strong>s, permitiu que um <strong>de</strong>les<br />
estivesse com um tanto <strong>de</strong> razão que <strong>não</strong> se aplicava ao outro.<br />
Por um ângulo do espelho da pentea<strong>de</strong>ira, a um canto, viu os dois<br />
se jogarem na cama, atracados sobre o colchão sem lençol. Uma blusa<br />
<strong>de</strong> mulher foi atirada na ca<strong>de</strong>ira junto ao armário, seguida <strong>de</strong> uma calça<br />
jeans, e a camiseta <strong>de</strong>le, a bermuda. Ruído <strong>de</strong> molas do colchão,<br />
suspiros, gemidos.<br />
A bermuda era tudo que ele via agora <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do armário.<br />
Quando as coisas afinal pareciam ter se aquietado um pouco na cama,<br />
arriscou esten<strong>de</strong>r cautelosamente o braço em relação a ela. Mal seus<br />
<strong>de</strong>dos a alcançaram, ouviu a voz espantada <strong>de</strong> Marieta...<br />
[...]<br />
Por um instante os dois homens nus, estatelados <strong>de</strong> surpresa,<br />
ficaram olhando um para o outro.<br />
O do armário <strong>não</strong> vacilou mais, pulou para fora. Ao mesmo tempo<br />
a mulher saltava da cama, a gritar. Os três corpos se agitavam <strong>de</strong>spidos<br />
no pequeno quarto atulhado <strong>de</strong> móveis, e eram cabeças, troncos e<br />
membros que se embaralhavam com uma dança macabra, em meio a<br />
exclamações ofegantes... (NV, p. 42 e 43).<br />
Também curioso é que a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escapar <strong>de</strong> Telmo provém da<br />
mesma razão <strong>de</strong> ele estar em apuros. Escapa porque o outro, da janela, o<br />
observa impotente por estar nu, portanto sem condições <strong>de</strong> sair imediatamente<br />
em sua perseguição: “Parou, atordoado, olhou para um lado e para o outro.<br />
Percebeu confusamente que o homem, lá da janela, erguia os braços, a gritar,<br />
furioso, mas sem po<strong>de</strong>r segui-lo, pois também estava nu...” (NV, p. 43).<br />
A essa altura, ele agora representava problemas para uns – como a<br />
esposa que teria <strong>de</strong> explicar sem ao mesmo tempo enten<strong>de</strong>r, o que aquele<br />
homem estava fazendo nu <strong>de</strong>ntro do armário – e riso e diversão para outros,<br />
como para os trabalhadores <strong>de</strong> um prédio vizinho que o viram e o apontaram aos<br />
companheiros às gargalhadas.<br />
19
Somente um rapaz teve a compreensão <strong>de</strong> tentar ajudar, ao ver nu o<br />
homem. Tentou em vão esten<strong>de</strong>r-lhe uma toalha, mas, apesar do esforço do<br />
rapaz que corria em seu encalço, <strong>não</strong> foi possível receber <strong>de</strong>le a oferta. Não <strong>de</strong>u<br />
tempo.<br />
No próximo <strong>de</strong>staque, Proença, tenta refugiar-se em um clube <strong>de</strong> praia,<br />
on<strong>de</strong> entra e, mais uma vez, <strong>de</strong>para-se com mais gente nua.<br />
Tão logo Proença cruzou a entrada, viu-se ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> homens sem<br />
roupa, alguns se ensaboando nos chuveiros, outros se vestindo, muitos<br />
conversando e rindo.<br />
– Bem – respirou aliviado – Pelo menos aqui, estamos todos nus.<br />
(NV, p. 50).<br />
[...]<br />
E ele reflete em instantes <strong>de</strong> calma, ainda que <strong>de</strong>sgostoso:<br />
E enquanto <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong> seu primeiro momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso –<br />
apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsolado – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> todo esse processo, avalia<br />
ainda sem se lembrar a autoria, a frase: ”A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, a nu<strong>de</strong>z<br />
forte da verda<strong>de</strong>. E o que é a verda<strong>de</strong>, perguntou a si mesmo lembrando<br />
que o próprio Cristo já havia antes perguntado isso a Pilatos.” (NV, p. 53).<br />
Passado seu mínimo instante <strong>de</strong> calmaria, já estava novamente o homem<br />
nu correndo pelas ruas, agora com mais um homem armado, <strong>de</strong>sta vez um militar<br />
em seu encalço. O reforço foi solicitado, dada a possível periculosida<strong>de</strong> do<br />
homem. Opiniões mais variadas foram emitidas a seu respeito. A televisão foi<br />
acionada para informar sobre o reboliço... Assim, teve prosseguimento a saga do<br />
professor Telmo Proença.<br />
Enquanto isso, uma emissora <strong>de</strong> rádio transmitia ao vivo uma conversa<br />
telefônica <strong>de</strong> sua entrevistadora com um escritor.<br />
– Sendo o senhor uma das pessoas mais cre<strong>de</strong>nciada para falar<br />
sobre o homem nu...<br />
– Me <strong>de</strong>sculpe, mas o que você esta querendo dizer com isso?<br />
– Não me leve a mal... É que o senhor publicou um livro com esse<br />
título e eu achei.<br />
– É o título <strong>de</strong> uma das estórias incluídas no livro, apenas isso.<br />
– Pois é. Então eu achei que podia nos dizer alguma coisa sobre<br />
esse <strong>de</strong>pravado que está aterrorizando a cida<strong>de</strong> inteira, atacando as<br />
pessoas. O senhor <strong>não</strong> está acompanhando?<br />
– Confesso que <strong>não</strong>.<br />
20
– Bem, está solto o dia todo pelas ruas, ninguém consegue apanhálo.<br />
Não se sabe bem quem é, nem mesmo se existe <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> ou se é<br />
só fruto da imaginação das pessoas. Gostaria que o senhor nos falasse<br />
sobre ele. E sobre a nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong> modo geral.<br />
– Lamento muito, mas confesso que minha experiência sobre o<br />
assunto é muito limitada, se circunscreve à historia que mencionei. Posso<br />
apenas repetir o que dizia aquele banqueiro <strong>de</strong> Minas, <strong>não</strong> sei muito a<br />
que propósito, quando negava um empréstimo: a gente nasce nu,<br />
estando vestido, já entrou no lucro.<br />
– O senhor gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar mais alguma coisa?<br />
– Só que <strong>de</strong>baixo das roupas, estamos todos nus. Inclusive eu e<br />
você. (NV, p. 61-62).<br />
O tema da nu<strong>de</strong>z, apesar <strong>de</strong> tão corriqueiro, geralmente produz reações<br />
inusitadas em gran<strong>de</strong> parte das pessoas que o abordam ou se <strong>de</strong>param com ele.<br />
Outro momento crucial da narrativa surge quando Telmo Proença<br />
encontra-se com um personagem que, por ironia da vida, é <strong>de</strong>stituído <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong>s que o tornaram homem <strong>de</strong> bem. É, então, justamente com um<br />
mendigo, que ele tem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “falar, expor-se”, em busca <strong>de</strong> socorro para<br />
a crise circunstancial que vive. Ao abordá-lo, o professor, além <strong>de</strong> pedir-lhe a<br />
roupa <strong>de</strong> que necessita, faz-lhe uma oferta, para que, satisfazendo a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>le, consiga que ele satisfaça a sua. Contudo, a nu<strong>de</strong>z coloca Telmo em<br />
situação constrangedora.<br />
Tal nu<strong>de</strong>z significa, ainda, a <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong> outros valores.<br />
Embora, muitas vezes, vestido, ele se encontra nu.<br />
Me ajuda companheiro – pediu Proença persuasivo. – Me arranja<br />
alguma roupa, qualquer uma serve. Depois lhe dou o que quiser, tenho<br />
dinheiro, é só você me ajudar.<br />
– Ta sentindo frio, moço? – perguntou o outro, com sotaque<br />
nor<strong>de</strong>stino.<br />
Na verda<strong>de</strong> ele tremia menos <strong>de</strong> frio que <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>:<br />
– Qualquer coisa – repetiu. – Você <strong>não</strong> vai se arrepen<strong>de</strong>r.<br />
– Me arrependo <strong>não</strong>, bichinho – tornou o pau-<strong>de</strong>-arara, com um<br />
sorriso sem <strong>de</strong>ntes – Até apreciando esse jeitinho aí, nuinho e todo<br />
encabulado... Sabe que eu tou sem mulher já vai pra mais <strong>de</strong> dois méis?<br />
Essa <strong>não</strong>, pensou ele, <strong>de</strong>sarvorado. Além do que o cabra tinha uma<br />
peixeira atravessada na cintura. (NV, p. 63-64).<br />
Fernando Sabino escreve mostrando claramente que para ser normal há<br />
que se provar, e que, para isso, é preciso estar vestido. Esclarece que é preciso<br />
21
escon<strong>de</strong>r sob a roupa os atributos da condição <strong>de</strong> homem, para ser aceito por<br />
outros homens.<br />
Então, como que ansiando justificar sua própria condição temporária, o<br />
protagonista cita a criação divina:<br />
Mas foi como Deus criou o homem e a mulher – sabia o trecho <strong>de</strong><br />
cor: ‘Estavam nus e disso <strong>não</strong> se envergonhavam.’ Só tiveram<br />
consciência <strong>de</strong> sua nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tentados pela serpente a comer o<br />
fruto da árvore da vida e conhecer a ciência do bem e do mal. ‘Então<br />
Deus fez para eles umas roupas <strong>de</strong> pele os expulsou do É<strong>de</strong>n.’ Assim<br />
rezam os livros sagrados... (NV, p. 70).<br />
E, <strong>de</strong> certo modo, era como se sentia o pobre professor... expulso do<br />
paraíso como a própria peste, caçado como um animal, banido da presença <strong>de</strong><br />
Deus. Depois <strong>de</strong> mais uma estação, Proença, o cristo, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> retornar à própria<br />
casa e expor à mulher tudo (ou quase) que havia passado ao longo <strong>de</strong>sse período<br />
do qual <strong>de</strong>sejava livrar-se.<br />
Ao chegar a casa, percebendo a luz acesa, chegou a imaginar-se salvo.<br />
Presumia que pu<strong>de</strong>sse ser merecedor <strong>de</strong> um banho. Daria meia dúzia <strong>de</strong><br />
explicações a Marialva, e teria o mais digno <strong>de</strong>scanso <strong>de</strong> um homem. Não<br />
imaginava ser este um pensamento <strong>de</strong>masiadamente precipitado. Sua saga <strong>não</strong><br />
se findara.<br />
Mais uma vez, ainda se <strong>de</strong>pararia com outra nu<strong>de</strong>z. Tocou a campainha <strong>de</strong><br />
sua casa e sua mulher, que esperava por uma pizza, <strong>não</strong> pô<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r, pois,<br />
apesar <strong>de</strong> novamente <strong>não</strong> ter sido <strong>dito</strong>, também estaria <strong>de</strong>spida. E surpresa pior<br />
esta estava por vir...<br />
Ele, o professor Telmo Proença, ajudado pelas circunstâncias, faria justiça<br />
a tudo que indiretamente lhe causaram:<br />
Logo à entrada, Proença sentiu-se salvo ao ver a janela acesa em<br />
seu apartamento no térr<strong>eo</strong>: Carla estava em casa. Tocou a campainha,<br />
e ouviu vozes lá <strong>de</strong>ntro. Intrigado, colocou o ouvido na porta.<br />
– Deve ser o homem da pizza dizia Carla – Não posso abrir assim<br />
como estou. Abre você, meu amor, que eu vou buscar mais gelo.<br />
– Enquanto houver gelo, há esperança – tornou uma voz <strong>de</strong><br />
homem, seguida <strong>de</strong> uma risada.<br />
Seu coração disparou ao reconhecer aquela voz e aquela risada.<br />
Transtornado, quando a porta se abriu, empurrou-a com violência e<br />
entrou. Deu com Lincoln diante <strong>de</strong> si, a olhá-lo, boquiaberto, um copo <strong>de</strong><br />
uísque na mão. Estava usando o seu roupão – o bofetão que lhe <strong>de</strong>sferiu<br />
22
o fez vacilar sobre as pernas, o copo voou longe, numa chuva <strong>de</strong> uísque.<br />
Antes que ele pu<strong>de</strong>sse reagir, acertou-lhe um murro no nariz:<br />
– Tira meu roupão! – or<strong>de</strong>nou.<br />
Nem bem Lincoln <strong>de</strong>ixava cair o roupão ficando nu, recebia entre as<br />
pernas um pontapé que o fez urrar <strong>de</strong> dor. Cambaleante, foi empurrado<br />
até a porta ainda aberta, que Proença bateu com força. Depois <strong>de</strong> botá-lo<br />
para fora com um pontapé, <strong>de</strong>sta vez, no traseiro.<br />
(NV, p. 81-82).<br />
E assim, alimentando a esperança <strong>de</strong> que tudo po<strong>de</strong>rá ser melhor para a<br />
personagem, e que tudo será justo ao final, dá-se a última ocorrência da nu<strong>de</strong>z na<br />
obra. A nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Lincoln, que, <strong>de</strong>spido, cai às ruas, e paga o preço por sua<br />
traição.<br />
Do apartamento em frente ia saindo uma mulher que ao vê-lo<br />
começou a gritar. Lincoln fugiu correndo e quando se <strong>de</strong>u conta, já<br />
ultrapassara a entrada do prédio.<br />
Os policiais, os repórteres e a malta <strong>de</strong> curiosos avançaram para<br />
ele. Apavorado, saiu em disparada rua afora perseguido pela multidão.<br />
(NV, p. 82).<br />
Ainda na obra em questão, ocorre um fato interessante. Telmo, muitas<br />
vezes, observa a si e o que se passa ao seu redor, <strong>de</strong> modo indireto, através <strong>de</strong><br />
um espelho. Essa visão chama atenção para si, já que, no geral, o homem <strong>não</strong> se<br />
vê, a <strong>não</strong> ser por intermédio <strong>de</strong>sse artifício.<br />
Ao olhar-se no espelho, a pessoa <strong>de</strong>seja ver se está bem e que opinião os<br />
outros formam a seu respeito, qual é a visão <strong>de</strong> sua aparência. Então, Sabino, por<br />
meio <strong>de</strong> Telmo Proença, expressa essa pr<strong>eo</strong>cupação coexistente, a bem da<br />
verda<strong>de</strong>, em todos os homens. “Telmo Proença <strong>de</strong>spiu o pijama e, ainda meio<br />
sonolento, a caminho do banheiro, olhou-se <strong>de</strong>snudo ao espelho do armário. Não<br />
se achou mal, para os seus 38 anos, embora um pouco magro.” (NV, p. 11).<br />
E mais: “O jato forte do chuveiro acabou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapertá-lo. Banho tomado,<br />
foi <strong>de</strong> roupão apanhar os óculos na mesinha-<strong>de</strong>-cabeceira para se barbear.<br />
De novo em frente ao espelho, já vestido.” (NV, p.11).<br />
Ver através <strong>de</strong> um instrumento – o espelho – é a forma mineirinha <strong>de</strong><br />
Sabino <strong>não</strong> se colocar como expectador direto da nu<strong>de</strong>z alheia. Além do mais, a<br />
personagem, à medida que <strong>não</strong> se observava diretamente, evitava fazer um<br />
julgamento para que <strong>não</strong> fosse diretamente julgado.<br />
23
Fez-se necessária a abordagem <strong>de</strong> tudo isso para a confirmação <strong>de</strong> que o<br />
tema recorrente, aqui analisado, é uma das características da literatura<br />
carnavalizada, e do gênero sério cômico <strong>de</strong> modo geral. Telmo, ao observar-se no<br />
espelho, apenas em um momento, no íntimo <strong>de</strong> seu lar, está sem nenhuma outra<br />
pessoa em iguais condições, embora esteja em companhia <strong>de</strong> sua esposa, semi<br />
nua.<br />
Enquanto dava o laço na gravata, podia ver ao fundo parte da cama<br />
<strong>de</strong> casal: entre lençóis amarfanhados, Carla dormia <strong>de</strong> bruços, só <strong>de</strong><br />
calcinha, uma perna dobrada sobre a outra, cabelos espalhados no<br />
travesseiro, boca entreaberta. Mesmo dormindo ela era atraente –<br />
pensou se <strong>não</strong> seria o caso <strong>de</strong> acordá-la para se <strong>de</strong>spedir. (NV, p. 11).<br />
Em toda a obra <strong>de</strong> Fernando Sabino, existem temas populares que são<br />
freqüentemente abordados, como traição, por exemplo. Isso porque o escritor<br />
trata <strong>de</strong> temas sempre constantes da vida cotidiana tornando “o popular”, algo<br />
freqüente em sua produção literária.<br />
24
3 A EVIDÊNCIA DO NÃO-DITO<br />
Uma leitura atenciosa <strong>de</strong> A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong> permite, em espaços<br />
diferenciados, como em casa, no aeroporto e na rua, uma análise das múltiplas<br />
reações que se têm sob o estímulo, nu<strong>de</strong>z.<br />
Fernando Sabino, ao colocar um homem nu, correndo pelas ruas <strong>de</strong> uma<br />
cida<strong>de</strong>, exposto a inegáveis incômodos, em momentos aflitivos, <strong>de</strong>monstra-o com<br />
seu estilo sério-cômico, da literatura carnavalizada, que <strong>de</strong>ixa subentendidas em<br />
sua obra informações <strong>não</strong>-ditas claramente. Assim, proce<strong>de</strong> no que se refere aos<br />
conceitos e às avaliações da figura humana, fora dos rígidos padrões sociais,<br />
apesar <strong>de</strong>, muitas vezes, inegavelmente hipócritas, coexistindo em camadas<br />
estratificadas da socieda<strong>de</strong>.<br />
Ao lançar, assim, suas personagens, embora <strong>de</strong> forma subjetiva, o autor<br />
convida o leitor a uma análise extensa, cuidadosa, <strong>de</strong> um tema que parece<br />
mesmo estar previamente julgado em nossos pensamentos. O homem,<br />
geralmente, associa a nu<strong>de</strong>z às questões <strong>de</strong> culpa – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os princípios, <strong>de</strong> Adão<br />
e Eva – ao pecado, e com isso pesa sempre suas análises, autorizando uma<br />
crítica pré-construída, um pré-conceito no sentido amplo da palavra. Contudo, ao<br />
agir <strong>de</strong>sse modo, censura a si mesmo, por ser <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Adão e Eva, <strong>de</strong><br />
quem herdou <strong>não</strong> o É<strong>de</strong>n, mas a carga pejorativa do pecado original. É assim,<br />
seu juiz e con<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> si mesmo, negando pelas vias do preconceito a<br />
absolvição do nu.<br />
Vê-se sempre a nu<strong>de</strong>z, intrinsecamente ligada ao erotismo e suas<br />
conseqüências. Na verda<strong>de</strong>, <strong>não</strong> se consegue ver na nu<strong>de</strong>z a naturalida<strong>de</strong> e a<br />
pureza com que certamente Deus criou o ser humano. Afinal, sendo Deus todo<br />
pureza e santida<strong>de</strong>, <strong>não</strong> haveria <strong>de</strong> fazer sua obra <strong>de</strong> forma diferente. A t<strong>eo</strong>ria da<br />
carnavalização abre um gran<strong>de</strong> espaço na avaliação do <strong>não</strong>-<strong>dito</strong> na obra <strong>de</strong><br />
Sabino. Através <strong>de</strong>la, po<strong>de</strong>-se perceber o quanto o autor silencia, <strong>de</strong>ixando que<br />
seja assegurada uma participação interativa do leitor com a obra.<br />
da verda<strong>de</strong>.<br />
A seguir, algumas interpretações possíveis para o “silêncio” em A nu<strong>de</strong>z<br />
25
Sabino faz com que sua personagem, Telmo Proença, inicie sua história<br />
realizando uma auto-avaliação. Primeiro, uma avaliação íntima: “Olhou-se<br />
<strong>de</strong>snudo no espelho do armário. Não se achou mal para seus 38 anos embora um<br />
pouco magro.” (NV, p. 11).<br />
Em seguida, o protagonista avalia-se no contexto social, arruma-se e se<br />
prepara para apresentar-se socialmente: “...Banho tomado, foi <strong>de</strong> roupão apanhar<br />
os óculos na mesinha <strong>de</strong> cabeceira para se barbear. De novo em frente ao<br />
espelho, já vestido. Enquanto dava o laço na gravata...” ( NV, p. 11). Vê-se ainda<br />
a cena do ponto <strong>de</strong> vista carinhoso e intimo do aspecto familiar, ao vislumbrar sua<br />
mulher ainda <strong>de</strong>itada, seminua, corpo largado em cima da cama... Contudo,<br />
prevalece, no mínimo, o respeito pelo sono da mulher, com quem estava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
véspera, <strong>de</strong>sapontado por uma suposta discussão, associada ao fato <strong>de</strong> Carla<br />
<strong>não</strong> querer acompanhá-lo em sua viagem:<br />
[...] Podia ver ao fundo, parte da cama do casal: entre lençóis<br />
amarfanhados Carla dormia <strong>de</strong> bruços, só <strong>de</strong> calcinha, uma perna sobre<br />
a outra, cabelos espalhados no travesseiro, boca entreaberta. Mesmo<br />
dormindo ela era atraente. – pensou se <strong>não</strong> seria o caso <strong>de</strong> acordá-la<br />
para se <strong>de</strong>spedir.” (NV, p. 11).<br />
Percebe-se, em outro momento, que Carla, ao se levantar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa,<br />
on<strong>de</strong> se encontrava sozinha com o marido, foi a seu encontro, porém <strong>não</strong> mais<br />
<strong>de</strong>spida. Trajava agora short e camiseta, como o autor <strong>de</strong>staca, como se tentasse<br />
<strong>de</strong>monstrar sua condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgaste e falta <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> no relacionamento.<br />
“... Na cozinha, ligou o gás e pôs a chaleira <strong>de</strong> água a esquentar para fazer o<br />
café. Depois <strong>de</strong> tomá-lo, ao acen<strong>de</strong>r o primeiro cigarro, Carla, <strong>de</strong> short e<br />
camiseta, veio sentar-se à sua frente na mesa da copa.” (Sabino, 1994, p. 11).<br />
Além disso, Sabino também subenten<strong>de</strong> no texto a ausência <strong>de</strong> motivação<br />
que po<strong>de</strong>ria levar a esposa a viajar com ele, já que ela apresenta razões<br />
suficientes para ficar, mas <strong>não</strong> suficientes para <strong>não</strong> ir.<br />
– Tive um pesa<strong>de</strong>lo esta noite – disse como para si mesma.<br />
– Sonhou que o avião vai cair?<br />
– Não, foi outra coisa. Tenho medo <strong>de</strong> avião, você sabe, mas se<br />
fosse preciso...” (NV, p. 12).<br />
26
Que motivos seriam suficientes para fazer com que a esposa <strong>de</strong> Proença o<br />
acompanhasse a esta viagem? Ou será que bastaria que ela <strong>não</strong> possuísse<br />
razões suficientes para permanecer enquanto ele viaja?<br />
O professor, no extremo oposto da mulher, se pu<strong>de</strong>sse, <strong>não</strong> iria.<br />
Permaneceria para que ela <strong>não</strong> tivesse o <strong>de</strong>sconforto <strong>de</strong> estar só. Ou quiçá, <strong>não</strong> a<br />
quisesse <strong>de</strong>ixar sozinha por motivos escusos.<br />
Logo após, quase num instinto, ele chega a dizer que o chefe havia<br />
“inventado” um compromisso para si, como se, no fundo, soubesse ser esta<br />
apenas uma forma <strong>de</strong> mantê-lo fora da cida<strong>de</strong>. A mulher, por sua vez, assume a<br />
<strong>de</strong>fesa do chefe, dizendo que agora, que ele já armou toda a situação, o marido<br />
<strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ir. Não obviamente pelo investimento financeiro do chefe na<br />
carreira profissional do marido, mas, pela expectativa <strong>de</strong> uma oportunida<strong>de</strong>, <strong>não</strong><br />
dita, <strong>de</strong> ter o marido fora <strong>de</strong> casa por um período, no qual eles – amantes–<br />
po<strong>de</strong>riam estar “à vonta<strong>de</strong>”.<br />
– Não estou achando a menor graça neste lançamento que o<br />
Lincoln inventou.<br />
– Depois que ele programou tudo, gastou dinheiro, fez e aconteceu,<br />
você <strong>não</strong> podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ir. O lançamento do livro em São Paulo é<br />
importante: lá você po<strong>de</strong> até ganhar o premio O Livro do Ano <strong>de</strong> 1977.<br />
(NV, p. 12).<br />
Telmo Proença é, na verda<strong>de</strong>, alheio ao que se passa. A mulher tem para<br />
com ele segredos que escolhe quando contar. Seria muito natural que, ao saber<br />
que o marido tinha a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir a receber um título, a mulher<br />
compartilhasse com ele. Mas <strong>não</strong>. E <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar “escapar” tal possibilida<strong>de</strong>,<br />
questionada pelo marido, disse:<br />
– Quem te disse isso? – Estranhou ele.<br />
Carla vacilou.<br />
– Lincoln.<br />
– Quando?<br />
– No coquetel <strong>de</strong> aniversário da e<strong>dito</strong>ra – ela sorriu – mas <strong>não</strong> era<br />
para você saber ainda... (NV, p. 12 e 13).<br />
27
Desinteressada em acompanhar o marido na empreitada, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> alegar<br />
que ficaria sozinha no hotel, enquanto ele teria uma ativida<strong>de</strong>, ainda<br />
complementa... “Se ainda fosse um congresso <strong>de</strong> outra coisa...”. (NV, p. 13).<br />
Para ele, justificaria perguntar, por exemplo, se, permanecendo em casa,<br />
ela por acaso <strong>não</strong> estaria também sozinha, mas novamente nada disse.<br />
Outro fato atrai atenção. O tratamento dado à esposa, é “minha filha”. O<br />
vocativo mantém o carinho, mas coloca a “relação” numa condição diferente.<br />
Distante para um casal.<br />
Também, na cena seguinte, a esposa estar limpando uma maçã no short,<br />
sugere estar lustrando o símbolo do pecado <strong>de</strong> Adão e Eva. Foi, na verda<strong>de</strong>, uma<br />
maçã, uma simples fruta, que expulsou Adão e Eva do paraíso. Então, mor<strong>de</strong>u a<br />
maçã e, num tom <strong>de</strong> “inocência” que Sabino <strong>de</strong>fine como quase infantil, perguntou<br />
ao marido: “– Jura que você <strong>não</strong> se importa <strong>de</strong> ir sozinho?” (NV, p. 13).<br />
Confirmando um grau menor <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> e satisfação do casal, ou a<br />
simples rotina, o marido sai <strong>de</strong>spedindo-se com um rápido beijo no rosto.<br />
– Você jura que <strong>não</strong> se importa <strong>de</strong> ir sozinho?<br />
De costas, ele evitou respon<strong>de</strong>r, enquanto fechava a mala. Passou<br />
por ela <strong>de</strong>spedindo-se com um rápido beijo no rosto.<br />
– Até a volta. (NV, p. 13).<br />
Um outro fato, que <strong>não</strong> foi explicitamente colocado, surge em relação à<br />
secretária, que <strong>não</strong> emite passagem para o casal, mas apenas para Telmo, e<br />
justifica que o fez, já que a esposa <strong>não</strong> vai.<br />
Daí conclui-se que Carla só disse ao marido que <strong>não</strong> iria, na noite anterior,<br />
meio a discussão, mas o chefe do marido já havia avisado à secretária que <strong>não</strong><br />
havia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adquirir passagens para D. Carla, já que ela ficaria. Ou<br />
seja, estava mesmo <strong>de</strong>finida sua permanência em casa.<br />
Ao receber a informação da secretária e constatar que ela já estava a par<br />
da situação, Telmo se surpreen<strong>de</strong>u.<br />
– E aqui está a passagem. Só man<strong>de</strong>i emitir a sua, já que dona<br />
Carla <strong>não</strong> vai mais, <strong>não</strong> é?<br />
– Como? Ah, sim. Não vai mais – confirmou ele.<br />
Saiu dali pensativo... (NV, p. 14).<br />
28
Ao encontrar-se com o chefe num restaurante, com um tom menos<br />
amistoso que o indicado pela boa educação, este, ao invés <strong>de</strong> convidá-lo a<br />
participar do almoço já iniciado, apenas lamenta seu atraso, perguntando-lhe se já<br />
havia almoçado e apressando-se em dizer que já estavam terminando.<br />
Ainda apresentou o rapaz a um senador presente, dizendo que era a ele<br />
que se referia num assunto anterior à sua chegada, completando: “Este é o rapaz<br />
<strong>de</strong> quem eu lhe falava, senador. Telmo Proença. Tem mais talento do que<br />
aparenta. Acaba <strong>de</strong> lançar um livro, trabalho <strong>de</strong> pesquisa: negócio <strong>de</strong> música<br />
regional, folclore, essas coisas.” (NV, p. 15).<br />
Fica absolutamente possível visualizar a cena, o <strong>de</strong>scaso, por um homem<br />
que ele mesmo sabia estar traindo.<br />
Amistoso, o senador ainda ousou uma conversinha rápida, interrompida por<br />
uma irônica colocação do colega <strong>de</strong> mesa, e Lincoln, mais uma vez, expõe<br />
Proença a seus comentários. “O Proença esteve lá – informou Lincoln – Mas o<br />
seu mal é ser muito mo<strong>de</strong>sto. Meio i<strong>de</strong>alista, vive no mundo da lua.” (NV, p. 15).<br />
Com tais comentários, o chefe “só falta falar” que o professor permanece<br />
alheio até mesmo ao que se passa em sua própria casa, com sua própria esposa.<br />
Parece sugerir ser ele um i<strong>de</strong>alista.<br />
Presume-se que Carla, após a saída do marido, tenha mesmo falado com<br />
Lincoln, comentando, quiçá, o “furo” em relação às suas colocações. Então,<br />
Lincoln, estando com Proença, diz: “E a Carla, como está? Não a vejo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
coquetel da E<strong>dito</strong>ra.” (NV, p. 15).<br />
Sem respon<strong>de</strong>r ao chefe, a questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m “pessoal”, portanto fora <strong>de</strong><br />
sua obrigação, e talvez já como uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar sua insatisfação,<br />
apenas apressou-se em pedir o documento <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pendia, e <strong>de</strong>ixá-los como se<br />
estivesse atrasado.<br />
Escuta Lincoln, você me disse que tinha uma carta...<br />
– É para o diretor da gravadora. Hoje <strong>de</strong> manhã, falei com ele pelo<br />
telefone.<br />
Lincoln retirou do bolso um envelope e lhe esten<strong>de</strong>u:<br />
– É para o diretor da gravadora. Hoje <strong>de</strong> manhã falei com ele pelo<br />
telefone. Ficou muito interessado. Vai convidá-lo para almoçar. Quanto<br />
ao lançamento, nosso representante já provi<strong>de</strong>nciou tudo.<br />
Proença consultou o relógio:<br />
-Bem, se me dão licença... (NV, p. 15-16).<br />
29
No início da cena que se dá no aeroporto, fica absolutamente claro que a<br />
pressa <strong>de</strong> Proença, em retirar-se daquele encontro, <strong>não</strong> tinha a ver com falta <strong>de</strong><br />
tempo, mas com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sentir-se maior do que estava sendo julgado.<br />
No aeroporto, consegui lugar no vôo das quatro horas. Como<br />
dispunha <strong>de</strong> tempo, resolveu comer um sanduíche no balcão do bar,<br />
tomou um café. Quando ia ascen<strong>de</strong>r o cigarro, o som <strong>de</strong> um bandolim,<br />
vindo do restaurante na sobreloja, o apanhou pelo ouvido. Intrigado subiu<br />
até lá. (NV, p. 16).<br />
Ao encontrar um amigo, Eliseu, foi novamente apresentado aos presentes.<br />
Também neste caso, o apresentador já havia falado <strong>de</strong>le com os companheiros<br />
<strong>de</strong> mesa.<br />
– Professor! – alguém o saudou <strong>de</strong> longe, mal emergiu da escada.<br />
Era Eliseu, que, <strong>de</strong> pé, lhe acenava alegremente <strong>de</strong> uma das<br />
mesas, erguendo no ar o bandolim. Estava com uma moça e três<br />
músicos <strong>de</strong> seu conjunto, em torno a varias garrafas <strong>de</strong> cerveja.<br />
– Vocês conhecem o professor, <strong>não</strong> é, pessoal? – anunciou Eliseu<br />
quando ele se aproximou.<br />
– Marialva, este é o Telmo Proença. É o máximo em matéria <strong>de</strong><br />
música. Toma uma cerveja conosco professor! Esta é Marialva, repara<br />
só: mulata <strong>de</strong> olho ver<strong>de</strong>, coisa pra muito luxo! (NV, p. 16)<br />
Dada a acolhida, o professor que <strong>de</strong>scobriu que “se São Pedro” <strong>de</strong>ixasse<br />
tomaria o mesmo vôo que o grupo, juntou-se a eles <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todos se apertarem<br />
para dar lugar ao amigo que até então, julgava um solteiro por profissão, mas que<br />
soube havia se casado.<br />
Com a confirmação <strong>de</strong> que <strong>não</strong> havia teto, o pouso foi cancelado, e daí, o<br />
que se segue é uma sucessiva <strong>de</strong>monstração da simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marialva, que <strong>de</strong><br />
fato, <strong>não</strong> foi dita. E nem precisava. No caso, o contraste mulata x olhos ver<strong>de</strong>s, e<br />
o fato <strong>de</strong> ter sido apresentada como coisa para muito luxo, só fez valorizar ainda<br />
mais, sua simplicida<strong>de</strong>, naturalida<strong>de</strong> e mesmo o seu interesse pela cultura<br />
popular.<br />
– Conformado, entregara-se completamente, <strong>de</strong>ixando que<br />
renovassem o seu copo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> afrouxar a gravata:<br />
– E então Eliseu? Como vão as coisas? Como vai a patroa?<br />
O garçom acabara <strong>de</strong> comparecer com uma garrafa <strong>de</strong> cachaça e<br />
distribuía os cálices.<br />
30
– Vamos levando... E você? Ouvi dizer que se casou. Você que era<br />
solteiro <strong>de</strong> profissão... O que aconteceu?<br />
– Conheci a moça. Namorei e casei – e ele experimentou a<br />
cachaça.<br />
– Que tal?<br />
– Coisa fina – falou estalando a língua.<br />
– Eu falo a moça, professor, <strong>não</strong> a cachaça. Como vai indo com<br />
ela?<br />
Proença sorriu constrangido:<br />
– Vamos levando...<br />
Marialva, ao seu lado, puxou-lhe o rosto para si com carinho:<br />
– Você é professor <strong>de</strong> quê, meu bem?<br />
Eram sete horas da noite, quando, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita cerveja e<br />
cachaça, em meio a musica e a cantoria, ficaram sabendo que todos os<br />
vôos para São Paulo haviam sido cancelados.<br />
Amontoados em dois táxis, às gargalhadas, entre malas e caixas <strong>de</strong><br />
instrumentos, seguiram para o que chamavam <strong>de</strong> sovaco <strong>de</strong> cobra – um<br />
pequeno bar na Lapa que nem nome tinha. De lá, a convite <strong>de</strong> Marialva,<br />
foram encerrar a noite em seu apartamento. (NV, p. 18).<br />
Outra cena, outro lugar, permite avaliar o que Sabino <strong>de</strong>screveu como um<br />
mo<strong>de</strong>sto, mas confortável apartamento, on<strong>de</strong> se espalharam à vonta<strong>de</strong> por todo<br />
lado, sentados no chão, tocando, cantando e bebendo.<br />
Um dos presentes na cena parecia <strong>não</strong> se incomodar com a questão <strong>de</strong> ser<br />
flagrado expondo suas “vergonhas”. Ao contrário, urinava <strong>de</strong> porta aberta,<br />
indiferente ao risco que po<strong>de</strong>ria isso representar, como se fosse um fato natural.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma rodada <strong>de</strong> sanduíches, a animação aos<br />
poucos foi arrefecendo: um se esticara no sofá, outro se distraia com o<br />
violão, dois ou três conversavam sobre futebol, outro ainda, no banheiro,<br />
a julgar pelo ruído, urinava <strong>de</strong> porta aberta. Lá fora a noite rolava,<br />
indiferente. (NV, p. 22).<br />
Eis o único momento com alguma indiferença ao nu. Um nu que <strong>não</strong> foi<br />
revelado, mas que é também claramente presumido.<br />
Proença sentia-se à vonta<strong>de</strong> na casa <strong>de</strong> Marialva, como todos os <strong>de</strong>mais,<br />
que eventualmente já conheciam a casa que freqüentavam, visto que, em dado<br />
momento, largou sobre a ca<strong>de</strong>ira seu paletó e, <strong>de</strong>pois, ren<strong>de</strong>u-se aos encantos da<br />
mulher que encheu seus olhos. “... De shimidt ele se lembrava agora. Encalorado,<br />
tirou o paletó largando-o numa ca<strong>de</strong>ira...” (NV, p. 23), “Ele se voltou, aproximou-<br />
31
se <strong>de</strong> Marialva, que continuava a dançar sozinha, enlaçou-a como se fosse<br />
dançar com ela e beijou-a na boca.” ( NV, p. 23).<br />
É imprescindível que se comente que na esposa, que ficaria dias sem ver,<br />
<strong>de</strong>u apenas um rápido beijo no rosto. Em Marialva, ao invés <strong>de</strong> uma investida sutil<br />
e vagarosa, ousou beijar na boca.<br />
Quando recobra sua “consciência”, encontra-se nu. Noutra cena, agora no<br />
quarto <strong>de</strong> Marialva. Assustou-se. Censurou-se por estar ali, e ainda nu, numa<br />
<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito pela casa, e pela proprietária, no caso, Marialva.<br />
Sensível, <strong>de</strong>slumbrou-se com o sol que via pela janela, tornando-se alheio<br />
a tudo <strong>de</strong> estressante que se passava em torno. Naquele momento, <strong>não</strong> viu o<br />
trânsito sempre barulhento e nem mesmo o cenário pouco atraente do local.<br />
Apenas se <strong>de</strong>slumbrou com o sol. Num reconhecimento <strong>de</strong> área, foi até a sala e<br />
observou a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m total, além da ausência <strong>de</strong> todos os que na noite anterior ali<br />
estavam.<br />
Em seguida, apesar <strong>de</strong> <strong>não</strong> ter sido <strong>de</strong>scrito <strong>de</strong>sse modo, o homem foi até<br />
a cozinha e, sem se sentir “<strong>de</strong>savonta<strong>de</strong>”, tratou <strong>de</strong> abrir a gela<strong>de</strong>ira, servir-se,<br />
lavar o rosto – <strong>de</strong> um modo intimista que só em sua própria casa talvez o fizesse<br />
– e secou-se, em um “pano <strong>de</strong> prato” como se fosse toalha. Tudo isso, dispensou<br />
críticas por <strong>não</strong> ter sido <strong>de</strong>scrito como um homem <strong>de</strong> hábitos simples.<br />
Seguiu-se uma outra <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> respeito pela pessoa <strong>de</strong> Marialva,<br />
quando Telmo ouve uma voz feminina vinda do banheiro. Foi até lá. “Dirigiu-se<br />
para lá cauteloso. Pela porta entreaberta, vislumbrou o corpo <strong>de</strong> Marialva através<br />
da cortina do chuveiro. Então se lembrou <strong>de</strong> tudo. Ocultou rápido a própria nu<strong>de</strong>z<br />
atrás da porta.” (NV, p. 25).<br />
Curioso, como Sabino mostra pelas entrelinhas, Marialva estava mais apta<br />
a lidar com a nu<strong>de</strong>z do que Telmo. Enquanto ele escondia a nu<strong>de</strong>z diante da<br />
mulher, com quem estivera durante toda a noite, ela, teve outra reação. “Marialva<br />
se inclinou para fora, <strong>de</strong>u um beijo na ponta do nariz, sujando-o <strong>de</strong> espuma,<br />
<strong>de</strong>pois voltou a ensaboar-se atrás da cortina...” (NV, p. 25).<br />
A alegria e satisfação da mulher era contagiante. Seu jeito menina,<br />
satisfeita, <strong>de</strong> bem com a vida, era o que havia em si e podia ser consi<strong>de</strong>rado<br />
verda<strong>de</strong>iramente coisa para muito luxo. No aeroporto, cantando, <strong>de</strong>pois cantando<br />
entre os amigos no “sovaco <strong>de</strong> cobra”, mais tar<strong>de</strong>, dançando ainda que sozinha<br />
em seu apartamento, e agora, bem, agora voltava a cantarolar no chuveiro. Telmo<br />
32
sentiu-se tão à vonta<strong>de</strong> com tudo isso, que, nu estava, nu continuou. E ela “Ficou<br />
a remexer na cozinha, assim mesmo, nu. Encontrou o café e pôs a água a ferver.”<br />
(NV, p. 26).<br />
O que se dá no prosseguimento da narrativa é uma corrida<br />
verda<strong>de</strong>iramente mista <strong>de</strong> humor e tragédia, fazendo jus ao gênero sério-cômico.<br />
Fernando Sabino, generosamente, <strong>não</strong> <strong>de</strong>ixou Telmo 100% <strong>de</strong>samparado. Além<br />
dos óculos que <strong>de</strong>ixou que usasse, <strong>de</strong>u-lhe ainda um embrulho <strong>de</strong> pão para que<br />
se cobrisse, causando-lhe um pouco menos <strong>de</strong> constrangimento.<br />
Ao ser flagrado pelo vizinho <strong>de</strong> apartamento, Sabino mostra que a mulher<br />
tem, em muitos casos, uma visão mais natural da nu<strong>de</strong>z. Apesar <strong>de</strong> tudo, a<br />
reação da jovem mulher, que sai junto a um senhor do apartamento ao lado, é a<br />
<strong>de</strong> arregalar os olhos e <strong>não</strong> a <strong>de</strong> fechá-los, embora estarrecida e transferindo a<br />
responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reação ao companheiro.<br />
33
4 O ITINERÁRIO<br />
Aborda-se, neste tópico, a imprescindível correlação dada entre fatos e o<br />
local on<strong>de</strong> ocorrem. Facilmente, percebe-se que a mesma situação, em diferente<br />
espaço, implica maior ou menor aceitação, ou mesmo em seu repúdio total por<br />
parte da socieda<strong>de</strong> ou da própria personagem apresentada.<br />
4.1 NO CORREDOR<br />
Quando ia bater <strong>de</strong> novo, ouviu a porta do apartamento vizinho se<br />
abrindo para dar saída a um casal. Voltou-se e <strong>não</strong> tendo como se<br />
escon<strong>de</strong>r, ficou a olhar, si<strong>de</strong>rado, tapando o sexo com o embrulho <strong>de</strong><br />
pão. Era uma mulher ainda moça, seguida <strong>de</strong> um senhor calvo, baixo e<br />
corpulento. Dando com um homem nu e <strong>de</strong> óculos diante <strong>de</strong> si, ela<br />
arregalou os olhos, estarrecida, cutucando a ilharga do companheiro<br />
ocupado em correr a chave na porta. Ao vê-lo, o outro <strong>não</strong> vacilou: abriu<br />
<strong>de</strong> novo a porta, pôs a mulher para <strong>de</strong>ntro, tornou a fechar e o encarou<br />
truculento... (NV, p. 29 e 30).<br />
Sabino mostra que, apesar <strong>de</strong> chegar a questionar a permanência <strong>de</strong><br />
Telmo no estado em que se encontrava, o vizinho <strong>não</strong> estava verda<strong>de</strong>iramente<br />
pr<strong>eo</strong>cupado com suas razões, explicações ou justificativas. Queria mesmo era<br />
resolver a questão a seu modo. Na verda<strong>de</strong>, é como se dão essas coisas. Isso<br />
significa que requer predisposição compreen<strong>de</strong>r ou resolver a questão do outro.<br />
– Qual é a sua, companheiro, nu aí, <strong>de</strong>sse jeito?<br />
E avançou já passando a mão na cintura para sacar o revólver.<br />
– Espera que eu explico tudo... – e o homem nu, sempre se<br />
protegendo com o embrulho <strong>de</strong> pão, recuou dois passos.<br />
Quando viu a arma, fez meia volta e saiu em disparada pelo<br />
corredor. (NV, p. 30).<br />
Uma séria crítica à visão ultrapassada do assunto, que muitas vezes povoa<br />
a cabeça <strong>de</strong> muitos que ainda se acham jovens, e <strong>de</strong> mente aberta, foi feita em<br />
seguida pela <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> outra vizinha que reagira, <strong>de</strong> acordo com o seu<br />
conceito sobre o assunto. Era uma velha, e sobre sua figura pesava toda a carga<br />
34
pejorativa da palavra, mostrando que seus conceitos estavam ultrapassados.<br />
Tanto que sua reação vem em tom “religioso” <strong>de</strong> apelação aos céus, como se<br />
rogasse por si, diante daquele que estava fora dos padrões dignos <strong>de</strong> salvação.<br />
“Virgem Santíssima! – ela disparou gritar – Um homem pelado! Socorro!”<br />
(NV, p. 30).<br />
E Telmo fugiu diante da ameaça que sofria e do terror que vinha causando.<br />
Em seguida, o texto mostra que ele <strong>não</strong> estava em fuga por opção, mas também<br />
que <strong>não</strong> estava saindo por escolha própria.<br />
4.2 NO ELEVADOR<br />
Em pânico, acompanhava confusamente os andares que se<br />
sucediam na <strong>de</strong>scida. Estava sendo levado cada vez mais longe do<br />
apartamento <strong>de</strong> Marialva. (NV, p. 31).<br />
O texto acima relata a situação do protagonista e prenuncia a t<strong>eo</strong>ria da<br />
carnavalização literária, à medida que <strong>de</strong>stitui o “rei” e o conduz ao chão, para<br />
toda humilhação e sofrimento que terá <strong>de</strong> passar antes <strong>de</strong> reerguer-se das cinzas.<br />
E, mais uma vez, Telmo, nu em pêlo, é posto à frente <strong>de</strong> duas figuras<br />
femininas. Uma adulta, com ar <strong>de</strong> viúva, e outra ainda menina que, diante da<br />
cena, <strong>não</strong> esboça qualquer reação.<br />
No térr<strong>eo</strong> uma mulher <strong>de</strong> preto aguardava. Ar <strong>de</strong> viúva,<br />
acompanhada <strong>de</strong> uma menina <strong>de</strong> seus treze anos. Ela abriu a porta do<br />
elevador e ia entrando, mas tornou a fechá-la, estupefata, ao ver ali um<br />
homem como Deus o pôs no mundo. Convocou o porteiro aos berros:<br />
– Um homem nu no elevador... (NV, p. 31).<br />
É curioso que, mais uma vez, Fernando faz analogia entre a nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong><br />
Telmo e a condição que Deus criou o homem e o lançou ao mundo. Ele, ainda,<br />
<strong>de</strong>sperta reação <strong>de</strong> “pânico” na mulher, mas <strong>não</strong> o faz com a criança. Esta,<br />
através <strong>de</strong> seu silêncio, e da ausência <strong>de</strong> reação, mostra a ingenuida<strong>de</strong> e a<br />
pureza com que ainda vê as coisas da vida.<br />
Já a mulher, com ar <strong>de</strong> viúva, pe<strong>de</strong> socorro ao porteiro, figura masculina<br />
que po<strong>de</strong>ria vir a ser seu protetor, dada a sua condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparada.<br />
35
Em seguida, surgem as reações mais variadas daqueles que o encontram<br />
e daqueles que, em verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>le apenas ouvem falar.<br />
É gran<strong>de</strong> a surpresa do porteiro. Ele age como se tal situação <strong>não</strong> fosse<br />
possível. A idéia que Sabino transmite é a <strong>de</strong> que, para o porteiro, tal cena só<br />
ocorreria em local bem mais humil<strong>de</strong>, em meio a gente bem menos favorecida...<br />
Uma mulher <strong>de</strong> preto, como <strong>não</strong> acreditasse no que havia visto, chama pelo<br />
porteiro aos gritos, e explica, aos poucos, a cena a que assistiu, para que o<br />
porteiro lhe <strong>de</strong>sse mais credibilida<strong>de</strong> e compreen<strong>de</strong>sse a situação:<br />
“Homem no elevador? E daí?<br />
– Nu! Sem roupa! Sem roupa nenhuma!” (NV, p. 31).<br />
Em seguida, Fernando Sabino coloca uma questão sempre atual: o uso <strong>de</strong><br />
armas <strong>de</strong> fogo, suas possíveis conseqüências, resultando tragédias.<br />
Sr. Gregório, ainda <strong>de</strong> arma em punho, chega à portaria on<strong>de</strong> encontra o<br />
tumulto. Aí, questiona a presença do suposto malfeitor, mas <strong>não</strong> se dá conta do<br />
risco <strong>de</strong> portar arma e, por qualquer circunstância, ainda que aci<strong>de</strong>ntal, machucar<br />
alguém, ou causar <strong>de</strong>sgraça maior. Justo nessa cena, encontra-se a criança,<br />
inocente, diante da nu<strong>de</strong>z, e diante da arma.<br />
Apesar <strong>de</strong> <strong>não</strong> interromper o texto, para fazer campanha <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sarmamento, o autor <strong>de</strong>ixa claro o risco que a arma po<strong>de</strong> representar, quando<br />
se está nervoso. Sua personagem quase esbarra com a arma no rosto da mulher.<br />
É sabido que, muitas vezes, a tensão é responsável por muitos atos in<strong>de</strong>sejados<br />
com armas <strong>de</strong> fogo. Aquela cena po<strong>de</strong>ria perfeitamente ter final trágico, <strong>não</strong> só no<br />
tocante à mulher ou aos outros presentes, criança, porteiro, mas, ainda, ao<br />
próprio professor, que, em dada situação, em seu estado <strong>de</strong> fuga, po<strong>de</strong>ria<br />
eventualmente ter sua sentença executada, sem direito a qualquer julgamento ou<br />
<strong>de</strong>fesa. Contudo, os que se acham na condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensores da moral e dos<br />
bons costumes, quase sempre se acham também no direito <strong>de</strong> agir<br />
indiscriminadamente, sem medir as conseqüências <strong>de</strong> seus próprios atos, em<br />
nome do que acreditam estar certo. E, <strong>de</strong> fato, quem faz uso <strong>de</strong> arma,<br />
geralmente, o faz com “freqüência”, frente a situações que po<strong>de</strong>m ser resolvidas<br />
<strong>de</strong> maneiras outras, o que se confirma na fala do porteiro:<br />
36
O careca, esbaforido, irrompia da escada como seu revólver:<br />
– On<strong>de</strong> ele está?<br />
E brandia a arma quase no rosto da mulher <strong>de</strong> preto.<br />
– Cuidado! – O porteiro lhe pediu calma – guarda esse negócio,<br />
seu Gregório. O senhor ainda acaba machucando alguém, com essa<br />
mania <strong>de</strong> revólver. (NV, p. 31-32).<br />
Destaca-se ainda a razão <strong>de</strong> tantas reações masculinas diante do nu.<br />
Todos os homens que reagem mais ou menos violentamente, com maior ou<br />
menor grau <strong>de</strong> indignação, o fazem supostamente para proteger alguém, quase<br />
sempre uma mulher. Talvez na tentativa <strong>de</strong> preservação da espécie, o “macho”<br />
tenta se assegurar <strong>de</strong> que seja único objeto <strong>de</strong> observação <strong>de</strong> sua “fêmea”.<br />
O contraste ganha proporção, à medida que, apesar <strong>de</strong> buscar a ajuda <strong>de</strong><br />
um homem, as mulheres vêem-na com uma naturalida<strong>de</strong> maior do que os<br />
homens. Não esboçam diante disso qualquer violência, como fazem os homens.<br />
Esquivam-se, buscam ajuda, clamam pelos céus, mas <strong>não</strong> reagem com violência!<br />
4.3 TENTATIVA DE RETORNO AO APARTAMENTO DE MARIALVA<br />
– Abre aí Marialva!<br />
A porta se abriu e ao invés <strong>de</strong> Marialva, ele viu, diante <strong>de</strong> si, um<br />
senhor <strong>de</strong> pijama, com o rosto ensaboado, aparelho <strong>de</strong> barbear na mão,<br />
a olhá-lo <strong>de</strong> alto a baixo.<br />
– Que significa isso?<br />
Só então, percebeu que estava no andar errado. Ouviu lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>nto<br />
uma voz <strong>de</strong> mulher.<br />
– Quem é?<br />
Para que ela <strong>não</strong> o visse, o homem bateu-lhe com a porta na cara.<br />
Desorientado, correu para a escada, mas <strong>não</strong> teve tempo <strong>de</strong> alcançá-la:<br />
A porta do elevador se interpôs dando saída ao porteiro e seu auxiliar.<br />
– Olha aí. Segura ele!<br />
– Eu explico – balbuciou.<br />
Não queriam saber <strong>de</strong> explicações: avançaram em sua direção,<br />
dispostos a tudo. (NV, p. 32-33).<br />
O texto <strong>de</strong>monstra que também o professor <strong>não</strong> reage, <strong>não</strong> agri<strong>de</strong>, <strong>não</strong><br />
toma qualquer providência <strong>de</strong> caráter violento, mesmo diante da perseguição.<br />
Destituído <strong>de</strong> suas roupas, acusado <strong>de</strong> tarado, e mais adiante <strong>de</strong> ladrão etc., nem<br />
37
assim, reage violentamente. Apenas foge. Destituído <strong>de</strong> suas roupas, como um<br />
Sansão, ao ter seus cabelos cortados, per<strong>de</strong>u suas forças. Professor Telmo<br />
Proença, homem bem articulado, <strong>de</strong> conversa fácil e conhecedor do popular,<br />
persuasivo, em seu estado <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>z, apenas foge. Sabe, no íntimo, que sua<br />
con<strong>de</strong>nação é certeira, e sua execução sumária, já que a socieda<strong>de</strong> anda tão<br />
abandonada <strong>de</strong> justiça, parecendo precisar obtê-la a qualquer preço, e fazê-la<br />
com as próprias mãos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ser injusta. A reação do porteiro e <strong>de</strong> seu<br />
auxiliar, bem como a do Sr Gregório e do homem do apartamento, vem apenas<br />
confirmar isso. Já <strong>não</strong> importa quem tem razão, mais vale con<strong>de</strong>nar o que po<strong>de</strong><br />
ser culpado do que <strong>de</strong>ixar impune mais uma situação.<br />
Num instante que se segue a essa fuga – no mínimo inusitada, Telmo<br />
Proença, <strong>de</strong> novo, esbarra com a mulher <strong>de</strong> preto e sua filha, ainda na portaria.<br />
Pelo tempo em que se <strong>de</strong>senrola a história, ambas já po<strong>de</strong>riam estar em<br />
casa, na segurança do lar. Mas, retratando a curiosida<strong>de</strong> popular, o escritor as<br />
manteve bem ali, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam saber do <strong>de</strong>sfecho. A criança, que na primeira<br />
cena <strong>não</strong> teve voz, agora grita, como se lhe tivessem transferido o conceito ou<br />
pré-conceito sobre a situação, e se assusta.<br />
4.4 SAINDO DE CAMINHÃO<br />
Passou como um rojão pela portaria esbarrando em cheio na<br />
mulher <strong>de</strong> preto e sua filha. As duas começaram a gritar, assustadas.<br />
(NV, p. 33).<br />
Marialva confiava no professor. Ao sair do banho e <strong>não</strong> encontrá-lo, mesmo<br />
antes <strong>de</strong> ver suas roupas no mesmo lugar <strong>de</strong> antes, em momento algum, cogitou<br />
que ele tivesse voluntariamente partido sem se <strong>de</strong>spedir <strong>de</strong>la, como se po<strong>de</strong>ria<br />
esperar. Ao invés disso, ela apenas <strong>de</strong>monstrou humil<strong>de</strong>mente, com simplicida<strong>de</strong>,<br />
<strong>não</strong> ser capaz <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como era possível que ele <strong>não</strong> estivesse ali.<br />
Prostrou-se no centro da sala a esperar por um entendimento que justificasse sua<br />
ausência.<br />
38
Enrolada na toalha, Marialva finalmente <strong>de</strong>ixava o banheiro e ia até<br />
a cozinha. Deu com a chaleira no bico <strong>de</strong> gás e aceso, a água fervendo,<br />
a entornar no fogão. Desligou o gás, voltando para a sala:<br />
– Professor! On<strong>de</strong> é que você está, meu bem?<br />
Foi olhar no quarto, <strong>não</strong> o encontrou. Não havia mais on<strong>de</strong> procurar,<br />
no pequeno apartamento. Chegou a se <strong>de</strong>bruçar na janela e olhar para a<br />
rua. Depois, mão na cintura, ficou um instante plantada no meio da sala,<br />
como a espera <strong>de</strong> que ele se materializasse diante <strong>de</strong>la.<br />
– On<strong>de</strong> você se meteu? – falava para si mesma – Brinca<strong>de</strong>ira tem<br />
hora. (NV, p. 35).<br />
Também ficaram claras algumas características pessoais <strong>de</strong> Marialva<br />
nessa cena. Seu modo <strong>de</strong> lidar com certas situações, <strong>não</strong> resmungando diante do<br />
fogo aceso, e <strong>de</strong> a chaleira fervendo à toa, e o seu bom humor matinal, <strong>de</strong> mulher<br />
satisfeita e realizada, à espera <strong>de</strong> obter uma explicação para aquele sumiço,<br />
como se ele pu<strong>de</strong>sse ser uma simples brinca<strong>de</strong>ira.<br />
Sorriu feliz ao ver a cortina da janela recolhida para o lado e inflada<br />
pelo vento. Pé ante pé, foi até lá e abraçou a cortina com um gritinho,<br />
vitoriosa – e logo disse <strong>de</strong>sapontada: ninguém.<br />
Voltou ao quarto e ia começar a se vestir, quando lhe chamou a<br />
atenção à roupa <strong>de</strong>le na ca<strong>de</strong>ira, a mala a um canto. Confusa, <strong>de</strong>sistiu<br />
<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r. (NV, p. 35 e 36).<br />
No texto, nota-se a existência <strong>de</strong> muita gente e pouca roupa: um só <strong>de</strong><br />
pijama, outro <strong>de</strong> toalha, ou <strong>de</strong> trajes <strong>de</strong> banho. Alguns, como o próprio Telmo,<br />
encontram-se sem roupa nenhuma mesmo. Até mesmo Marialva, à porta <strong>de</strong> seu<br />
apartamento, acha-se em condições pouco sociais, <strong>não</strong> chegando a ser vista e<br />
nem a se pôr pra fora, frente à <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m com que se <strong>de</strong>para, e diante da simples<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver polícia no prédio. Ela compreen<strong>de</strong> o risco da situação e<br />
precavidamente fecha a porta. Apesar <strong>de</strong> sua ingenuida<strong>de</strong> em outros assuntos, e<br />
<strong>de</strong> sua simplicida<strong>de</strong> quase que total, sabe exatamente que postura assumir.<br />
Escutou vozes lá fora, no corredor. Entreabriu a porta do<br />
apartamento para ouvir melhor. O porteiro dava uma or<strong>de</strong>m abafada a<br />
seu auxiliar, passando por ela sem vê-la.<br />
– Procura em todos os andares enquanto eu <strong>de</strong>sço pelo elevador e<br />
aviso a polícia.<br />
Ouvindo falar em polícia, Marialva precavidamente fechou a porta.<br />
(NV, p. 36).<br />
39
Voltando a falar da jovem menina que acompanhava a viúva, Sabino<br />
<strong>de</strong>svela outra reação típica <strong>de</strong> inocência. Como se as informações que recebera<br />
sobre o que estava ocorrendo ainda <strong>não</strong> tivessem sido totalmente assimiladas por<br />
sua cabecinha, logo assumiu uma atitu<strong>de</strong> natural, diante <strong>de</strong> uma situação<br />
inusitada, <strong>não</strong> gritando. Apenas ria sem parar. Enquanto isso, os outros presentes<br />
questionavam o acontecimento.<br />
Na portaria do prédio, seu Gregório, o do revólver, guardara a arma<br />
e ce<strong>de</strong>ra a ca<strong>de</strong>ira à mulher <strong>de</strong> preto. Ela parecia estar pior do que ele,<br />
com o empurrão que levara. A filha ao lado, ria sem parar. Vizinhos e<br />
curiosos se aglomeravam ao redor, todos perguntando ao mesmo tempo.<br />
– On<strong>de</strong> está ele?<br />
– Um assaltante?<br />
– Fugiu para a rua?<br />
– Que está acontecendo aqui, afinal? (NV, p. 36).<br />
Sabino também <strong>de</strong>monstra, na próxima cena, respeito pela figura feminina,<br />
i<strong>de</strong>ntificando mais um “tipo” <strong>de</strong> mulher, a <strong>de</strong>cidida, que toma a frente das<br />
situações e que <strong>não</strong> tem vergonha <strong>de</strong> voltar atrás diante <strong>de</strong> um erro cometido.<br />
Mostra que a mulher, além <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r, sabe parecer submissa e capaz <strong>de</strong><br />
compensar a outra parte, no caso, o marido, pelo seu erro.<br />
Voltando-se ao causador <strong>de</strong> todo aquele alvoroço, ele se irrompia na<br />
garagem do subsolo e se <strong>de</strong>tinha com vários móveis espalhados por ali. Um<br />
caminhão <strong>de</strong> mudança obstruía-lhe a saída, com o motorista cochilando na<br />
direção. Uma mulher <strong>de</strong> seus quarenta anos, calça jeans e lenço amarrado na<br />
cabeça, comandava, com <strong>de</strong>cisão, os carregadores, três crioulos <strong>de</strong> ar folgazão.<br />
“Cuidado com o piano, foi afinado outro dia mesmo. Deixa ele por último.”<br />
(NV, p. 37).<br />
Telmo Proença é uma personagem utilizada pelo autor para mostrar o<br />
quanto são aumentadas as dimensões dos fatos pela boca do povo. Mal ele tenha<br />
conseguido fugir, esquivar-se <strong>de</strong> tudo o que vinha passando, já era tido como<br />
assaltante, tarado, e como figura que representa ameaça à socieda<strong>de</strong>. Chegou-se<br />
até mesmo a colocar arma em suas mãos. Justo nas <strong>de</strong>le, <strong>de</strong> um professor <strong>de</strong><br />
quem, em geral, as únicas armas são as palavras e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
argumentação. Como a maioria das pessoas se <strong>de</strong>ixam levar pelo que dizem os<br />
outros, custou aparecer uma que questionasse o fato.<br />
40
Logo apareceram dois moradores que haviam se juntado aos que<br />
perseguiam o homem nu, dando à mulher, a notícia do acontecimento:<br />
um.<br />
– Deve ser algum ladrão? – disse um.<br />
– Ladrão? – tornou outro – Algum tarado, isso sim.<br />
– Chegou a puxar o revolver para o Sr. Gregório, do seiscentos e<br />
– Puxou revolver <strong>de</strong> on<strong>de</strong>? – estranhou ela – Não estava nu?<br />
– Seu Gregório é que puxou revolver para ele – corrigiu o outro – E<br />
foi agredido na escada com revólver e tudo.<br />
– Pois eu <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> saber – encerrou ela – estou me danando.<br />
– A senhora vai para on<strong>de</strong>, dona Marieta?<br />
– Para o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nunca <strong>de</strong>via ter saído. (NV, p. 37-38).<br />
O autor ainda mostra que, diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong>sejos emocionais, <strong>não</strong><br />
há muito mais que possa importar. Na realida<strong>de</strong>, há hipoteticamente uma<br />
pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s que precisam ir satisfazendo prioritariamente. Então,<br />
sobre Dona Marieta, ele diz claramente que, naquele instante, sua necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> retornar a seu lugar é maior; que po<strong>de</strong>ria vir a ser qualquer curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
conhecer o <strong>de</strong>sfecho daquela história. Aliás, essas coisas <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> são<br />
mesmo muito cruciais na vida diária. Veja que logo, em seguida, o professor é<br />
visto comendo o pão que havia no pacote que, até então, <strong>não</strong> havia soltado. O<br />
pacote – era, na verda<strong>de</strong>, sua necessida<strong>de</strong> básica. Quando temporariamente fora<br />
<strong>de</strong> “perigo”, o protagonista passou a ter necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satisfazer sua fome que,<br />
<strong>de</strong>vido à tensão, <strong>não</strong> <strong>de</strong>via ser pouca. Mostra ainda o escritor que, em momentos<br />
diferentes, as necessida<strong>de</strong>s humanas po<strong>de</strong>m variar <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>. É que, na<br />
realida<strong>de</strong>, existe sempre uma segunda necessida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> satisfeita aquela<br />
que, anteriormente, era prioritária. Então, claramente, é <strong>de</strong>finida a t<strong>eo</strong>ria da<br />
hierarquia das necessida<strong>de</strong>s.<br />
Dona Marieta tornou a adverti-los: tivessem muito cuidado. Depois<br />
arriaram a lona e se aboletaram na traseira do caminhão, pernas<br />
<strong>de</strong>penduradas para fora. Lá da rua, já em seu carrinho ela acenou para o<br />
motorista, or<strong>de</strong>nando que a seguisse.<br />
E lá foi dona Marieta à frente do caminhão, levando a sua mudança<br />
e um homem para o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nunca <strong>de</strong>via ter saído.<br />
Escondido entre os móveis, nas entranhas do caminhão ele mal<br />
podia respirar. Conseguiu um pouco <strong>de</strong> ar, ao <strong>de</strong>scobrir um orifício na<br />
lona, no qual chegou o nariz. Naquela correria toda, <strong>não</strong> havia largado o<br />
embrulho <strong>de</strong> pão, que segurava ainda entre os <strong>de</strong>dos crispados.<br />
41
Com a fome que sentia, só lhe restava comê-lo. Foi o que se pôs a fazer,<br />
enquanto tentava organizar as idéias, ainda tonto com a bebe<strong>de</strong>ira da<br />
véspera, sem enten<strong>de</strong>r o que estava lhe acontecendo. (NV, p. 38 e 39).<br />
Dona Marieta, como figura tradicional e conservadora, dado o hábito do<br />
piano, <strong>de</strong> longo uso, chegava, <strong>de</strong> volta a seu espaço, um bangalô que, como um<br />
herói da resistência, persistia solidamente entre dos prédios no bairro. Lá, um<br />
homem a aguardava ansioso.<br />
4.5 NA CASA DE DONA MARIETA<br />
O já referido homem, que esperava por Dona Marieta, assumiu a recepção<br />
da mudança, com satisfação, como se fosse, na verda<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong> fazê-lo em<br />
tempo curto. Marieta, porém, apesar <strong>de</strong> satisfazê-lo, <strong>de</strong>ixando que fizesse a<br />
entrega dos móveis, mostrou-se mais uma vez <strong>de</strong>terminada e cheia <strong>de</strong> iniciativa,<br />
pedindo que ele exigisse cuidado especial com o piano. Foi através do piano que<br />
ela <strong>de</strong>monstrou toda sua exigibilida<strong>de</strong>, sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que, ao voltar para<br />
casa, nada estivesse diferente <strong>de</strong> como havia sido um dia. Se fosse para ser<br />
diferente, que fosse melhor, já que o piano, fora afinado recentemente.<br />
Pobre dona Marieta. Não podia imaginar que seu retorno seria um fiasco e<br />
que o fato para o qual estava se danando ao ser informada, viria a se tornar <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> relevância para ela num próximo momento. Do jeito exato que se dá no<br />
cotidiano, às vezes, ignora-se algo, age-se e reage-se com <strong>de</strong>scaso a<br />
<strong>de</strong>terminada situação, e logo se <strong>de</strong>para com ela novamente, como fato relevante<br />
na vida.<br />
De outra forma, Sabino afirma que são todos nus, à medida que Telmo se<br />
<strong>de</strong>para com nova cena <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>z e sexo, tornando-se involuntariamente um<br />
expectador. Novamente, o escritor coloca seu personagem frente ao espelho e é,<br />
através <strong>de</strong>le, que vislumbra a cena da vida privada e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terminar<br />
com essa sua fuga, agora vestido, quiçá com as vestes do próprio homem, que<br />
agora se via nu, dado aos <strong>de</strong>leites do sexo.<br />
42
-Você <strong>não</strong> per<strong>de</strong> por esperar – prometeu ela. Girou o corpo e por<br />
sua vez o abraçou, beijando-o na boca.<br />
– Eu sabia que você acabava voltando – sussurrou ele.<br />
Novos beijos, cada vez mais sôfregos. Encolhido atrás da porta do<br />
armário que permanecia fechada, Proença praticamente testemunhava<br />
toda a cena. Por um ângulo do espelho da pentea<strong>de</strong>ira a um canto, viu<br />
os dois se jogarem na cama, atracados sobre o colchão sem lençol. Uma<br />
blusa <strong>de</strong> mulher foi atirada na ca<strong>de</strong>ira junto ao armário, seguida <strong>de</strong> uma<br />
calça jeans, e a camiseta <strong>de</strong>le, a bermuda. Ruído das molas do colchão,<br />
suspiros, gemidos.<br />
A bermuda era tudo que ele via agora <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do armário.<br />
Quando as coisas afinal pareciam ter-se aquietado um pouco na cama,<br />
arriscou esten<strong>de</strong>r cautelosamente o braço em direção a ela.<br />
(NV, p. 41-42).<br />
Como Fernando Sabino disse, por meio <strong>de</strong> sua personagem, todos são<br />
nus. Para reiterar essa afirmativa, Telmo se encontra frente a frente com outro<br />
homem, também nu, como ele, tendo ao fundo, também nua, uma mulher, ou<br />
seja, mais uma cena on<strong>de</strong> todos são verda<strong>de</strong>iramente nus, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> suas razões para tal.<br />
Mal seus <strong>de</strong>dos a alcançaram, ouviu a voz espantada <strong>de</strong> Marieta:<br />
– Meu Deus, olha ali!<br />
4.6 TELMO É EXPOSTO ÀS RUAS<br />
Recolheu rapidamente o braço – era tar<strong>de</strong>: – No armário, Luís<br />
Carlos!<br />
Ele se ergueu rápido da cama, apanhando logo a sandália: uma<br />
barata, na certa – estava acostumado, era a única coisa capaz <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spertar nela tamanho horror. Foi até o armário e, sandália em riste,<br />
com um puxão escancarou a segunda porta.<br />
Por um instante os dois homens nus, estatelados <strong>de</strong> surpresa,<br />
ficaram olhando um para o outro.<br />
O do armário <strong>não</strong> vacilou mais: pulou para fora. Ao mesmo tempo a<br />
mulher saltava da cama, a gritar. Os três corpos se agitavam <strong>de</strong>spidos no<br />
pequeno quarto atulhado <strong>de</strong> móveis, e eram cabeças, troncos e<br />
membros que se embaralhavam como uma dança macabra, em meio a<br />
exclamações ofegantes. (NV, p. 42 e 43).<br />
O professor sabia que aquele homem <strong>não</strong> viria em seu encalço por conta<br />
da semelhança <strong>de</strong> sua condição entre eles. Como Telmo voluntariamente <strong>não</strong> se<br />
poria às ruas, nu, enten<strong>de</strong>u que também aquele homem, apesar <strong>de</strong> toda sua fúria,<br />
43
<strong>não</strong> o faria. E, em seguida, novamente, o autor <strong>de</strong>staca mais algumas reações<br />
típicas <strong>de</strong> quem se <strong>de</strong>para com uma cena como esta.<br />
Parou, atordoado, olhou para um lado e para outro. Percebeu<br />
confusamente que o homem, lá da janela, erguia os braços, a gritar,<br />
furioso, mas sem po<strong>de</strong>r persegui-lo, pois também estava nu. Do alto <strong>de</strong><br />
uma construção um operário, às gargalhadas, o apontava a seus<br />
companheiros. No ônibus que cruzava a esquina um passageiro o viu e,<br />
pasmado, chamou a atenção dos <strong>de</strong>mais. Duas meninas <strong>de</strong> colégio que<br />
vinham a conversar, distraídas, recuaram ao dar com ele, tomadas <strong>de</strong> um<br />
riso nervoso. Um senhor <strong>de</strong> cabelos brancos, que passava <strong>de</strong> braço com<br />
a mulher pela calçada fronteira, revoltado, tapou os olhos <strong>de</strong>la, para que<br />
<strong>não</strong> visse aquela in<strong>de</strong>cência. Uma negrinha a empurrar um carro <strong>de</strong><br />
criança <strong>não</strong> podia <strong>de</strong> tanto rir. De todos os lados ouviam-se gritos:<br />
– Um homem nu! Um homem nu!<br />
Os fregueses que tomavam chope no bar logo adiante, muitos<br />
apenas <strong>de</strong> calção, esticavam o pescoço, tentando ver o que acontecia,<br />
alguns já <strong>de</strong> pé, copo na mão. Várias cabeças se voltavam nos carros<br />
que passavam. Uma lourinha distraiu-se ao volante do seu, virando-se<br />
para ver, o carro saiu <strong>de</strong>sgovernado, subiu na calçada, abalroou a banca<br />
<strong>de</strong> jornais. (NV, p. 43-44).<br />
Fica claro que, para o escritor, as pessoas passam adiante informações<br />
que imaginam possam ser verídicas, como se fossem fundamentadas.<br />
Aturdido com a comoção que provocava ao redor, ele aproveitou-se<br />
do instante em que as atenções se voltavam para o carro da lourinha na<br />
calçada e partiu em direção oposta, dobrando a esquina da primeira rua.<br />
Um PM apareceu correndo e passou a interpelar os circunstantes, que<br />
lhe davam informações disparatadas:<br />
– Nu da cabeça aos pés.<br />
– Só <strong>de</strong> óculos, seu guarda: mais nada.<br />
– Saiu pela janela daquela casa ali.<br />
– O marido apanhou a mulher com ele (NV, p. 44).<br />
4.7 NA TENTATIVA DE AJUDAR, UM JOVEM OFERECE UMA TOALHA A<br />
PROENÇA<br />
Apesar <strong>de</strong> <strong>não</strong>-<strong>dito</strong> explicitamente, o texto <strong>de</strong> Fernando Sabino mostra que<br />
mediante <strong>de</strong>terminadas circunstâncias, o ser humano é capaz <strong>de</strong> coisas que<br />
jamais faria em situações normais. Proença, o professor, <strong>não</strong> tinha em si qualquer<br />
sinal que pu<strong>de</strong>sse, <strong>de</strong> fato, i<strong>de</strong>ntificá-lo como ladrão.<br />
44
Na outra rua, oculto atrás da fila <strong>de</strong> carros estacionados, Proença<br />
tentava abrir a porta <strong>de</strong> um e outro. Era inútil, estavam trancados. Até<br />
que um <strong>de</strong>les se abriu – e o alarme disparou.<br />
– Ladrão <strong>de</strong> carro! – gritou alguém, vindo a or<strong>de</strong>m da portaria <strong>de</strong> um<br />
edifício.<br />
Não parecia estranhar que o ladrão estivesse sem roupa:<br />
– Ladrão! Pega! Pega! (NV, p. 45).<br />
Em dada cena, ainda <strong>de</strong>spertando toda sorte <strong>de</strong> reações nos transeuntes,<br />
alguém finalmente se dispõe a auxiliar o homem. Essa figura, disposta a ajudar,<br />
ao ponto <strong>de</strong> correr quase paralelamente a ele em sua fuga alucinante, foi, na<br />
verda<strong>de</strong>, a única pessoa que se dispôs a socorrê-lo em toda sua trágica trajetória.<br />
Tratava-se <strong>de</strong> um rapaz jovem, contrastando-se com o conceito ultrapassado da<br />
velha que <strong>de</strong>ixava o apartamento vizinho on<strong>de</strong> tudo começou.<br />
A correr agora pelo calçadão, sua nu<strong>de</strong>z ia <strong>de</strong>spertando o pasmo <strong>de</strong><br />
todo mundo: dos que caminhavam – ou também corriam – em sentido<br />
contrário, dos carros que passavam, dos banhistas na areia. Vários <strong>de</strong>les<br />
partiam ao seu encalço. Um rapaz <strong>de</strong> calção veio da praia em disparada,<br />
agitando no ar uma toalha:<br />
– Espera, cara! Toma aqui!<br />
E o rapaz lhe estendia a toalha, quase se emparelhando com ele.<br />
Tentou segurá-la, <strong>não</strong> <strong>de</strong>u tempo... (NV, p. 46).<br />
E a curiosida<strong>de</strong> das pessoas, mais uma vez, vem a ser <strong>de</strong>staque na<br />
narrativa <strong>de</strong> Sabino. Enquanto algumas pessoas se horrorizavam com a situação<br />
no seu <strong>de</strong>senrolar, outra figura, jovem, esboçou reação mais natural, apesar do<br />
riso in<strong>de</strong>finível.<br />
– Por que estão querendo pren<strong>de</strong>r aquele cara? – uma jovem <strong>de</strong><br />
maiô, alheia a tudo, perguntou ao rapaz da toalha.<br />
– Porque ele estava sem roupa, você <strong>não</strong> viu?<br />
– Infelizmente <strong>não</strong> <strong>de</strong>u para ver. Sem calção, sem nada?<br />
– Sem nada. Nu <strong>de</strong> corpo inteiro – informou ele, em linguagem <strong>de</strong><br />
fotógrafo.<br />
– De corpo inteiro? – e ela sacudiu a cabeça, com um sorriso<br />
in<strong>de</strong>finível. (NV, p. 47).<br />
[...]<br />
Naquele instante a lourinha do carro que <strong>de</strong>struíra a banca <strong>de</strong><br />
jornais, ao <strong>de</strong>por na <strong>de</strong>legacia policial daquele distrito, foi mais explícita:<br />
– Não tive culpa. Não é todo dia que a gente vê um homem nu.<br />
(NV, p. 47).<br />
45
4.8 IRMANADOS PELA NUDEZ<br />
Noutra cena, o autor mostra o quanto é válido notar que só o diferente é<br />
marginalizado. Tanto que, ao entrar numa sauna, on<strong>de</strong> era significativo o número<br />
<strong>de</strong> homens nus, Proença saiu – pelo período <strong>de</strong> sua permanência no local – da<br />
situação <strong>de</strong> estresse em que se encontrava, apesar <strong>de</strong> ainda ter a polícia em seu<br />
encalço. Agora, pelo menos, apesar <strong>de</strong> ser o único sem roupas, <strong>não</strong> era o único<br />
nu.<br />
Lá <strong>de</strong> sua guarita, on<strong>de</strong> se refugiara da chuva, o porteiro o viu<br />
passar e o intimava a parar aos gritos, enquanto ele sumia por uma<br />
porta. Apontou-a ao PM, que chegava correndo:<br />
– Ali no vestiário!<br />
Tão logo Proença cruzou a entrada, viu-se ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> homens sem<br />
roupa, alguns se ensaboando nos chuveiros, outros se vestindo, muitos<br />
conversando e rindo.<br />
– Bem – respirou, aliviado. – Pelo menos aqui estamos todos nus.<br />
Eram sócios do clube, numa alegre excitação por terem sido<br />
afugentados da piscina pela chuva. Ninguém pareceu estranhar a sua<br />
presença, quando se misturou a eles.<br />
A porta se abriu logo em seguida, dando entrada ao PM, seguido do<br />
porteiro. Ambos se <strong>de</strong>tiveram, <strong>de</strong>sorientados. Ao vê-los, ele se esgueirou<br />
até o fundo do vestiário e refugiou-se num chuveiro, abrindo a torneira.<br />
Ouviu <strong>de</strong> lá o militar interpelando o roupeiro, encarregado dos<br />
escaninhos:<br />
– Viu um homem nu entrando aqui?<br />
– Homem nu? – tornou o outro, ar apatetado.<br />
O PM fez um gesto <strong>de</strong> impaciência:<br />
– Entrou um elemento aqui agora mesmo sem roupa nenhuma.<br />
Um dos sócios, ao ouvir a conversa, voltou-se para os <strong>de</strong>mais:<br />
– O guarda está procurando um homem, nu, minha gente.<br />
Outro abriu os braços diante do PM:<br />
– Eu <strong>não</strong> sirvo?<br />
Furioso, o militar passou pelos homens nus que continuavam a<br />
gracejar com ele e foi se plantar à porta do vestiário:<br />
– Todos saem vestidos. Um tem <strong>de</strong> sobrar sem roupa.<br />
(NV, p. 50 e 51).<br />
46
Pô<strong>de</strong> o protagonista, enquanto se sentia em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições,<br />
respirar um pouco mais aliviado, recuperando as energias e avaliando e<br />
organizando sua caminhada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que saiu <strong>de</strong> casa, no dia anterior, imaginando<br />
como tudo po<strong>de</strong>ria ter sido diferente, se Carla estivesse indo com ele...<br />
Sentado no vaso, respirou fundo: era seu primeiro momento <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scanso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início daquele pesa<strong>de</strong>lo. O banho, <strong>de</strong> certa maneira,<br />
<strong>não</strong> <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> ser reconfortante. Chegou mesmo a usar o sabão<br />
encontrado no chuveiro. E agora ali estava, o corpo ainda úmido,<br />
sem saber o que seria <strong>de</strong>le. Mas como foi mesmo que tudo começara?<br />
Depois <strong>de</strong> tanto susto e tanta correria, <strong>não</strong> tinha condições <strong>de</strong> se<br />
lembrar direito. Os vapores da bebida na véspera pareciam ainda lhe<br />
embaralhar a memória. Conseguia recolher apenas alguns fragmentos<br />
dos instantes vividos, como num sonho, com Marialva nos braços – o<br />
único saldo <strong>de</strong> prazer que lhe ficara <strong>de</strong> sua odisséia. E o que faria agora<br />
para que ela terminasse? Não podia se <strong>de</strong>nunciar, sob risco <strong>de</strong> Carla vir<br />
a saber <strong>de</strong> tudo. Em casa, <strong>não</strong> muito longe, ela certamente o imaginava<br />
em São Paulo, quem sabe até arrependida <strong>de</strong> <strong>não</strong> ter ido com ele.<br />
(NV, p. 52).<br />
No texto do escritor mineiro, há sempre uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
intertextualizar com a Bíblia. Ele diz que toda hora é hora para pensar em Deus.<br />
Todo lugar é lugar <strong>de</strong> Deus. Mostra, na verda<strong>de</strong>, que tudo po<strong>de</strong> o homem,<br />
embora nem tudo lhe convenha. E que o homem sabe, apesar <strong>de</strong> nem sempre<br />
fazer uso da informação, conhece intuitivamente a verda<strong>de</strong> e sempre po<strong>de</strong><br />
recorrer aos céus, em sua busca e em seus momentos <strong>de</strong> aflição.<br />
Um cigarrinho, agora, <strong>não</strong> iria nada mal, pensou, <strong>de</strong>sconsolado, na<br />
sua completa nu<strong>de</strong>z. A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong> – <strong>de</strong> quem era mesmo isso? A<br />
nu<strong>de</strong>z forte da verda<strong>de</strong>. “Sob o manto diáfano da fantasia...” E o que é a<br />
verda<strong>de</strong>? – o próprio Cristo havia perguntado a Pilatos.<br />
Mas isso era lugar para pensar em Cristo?<br />
Exausto, <strong>de</strong>ixou pen<strong>de</strong>r a cabeça, chegou a cochilar.<br />
(NV, p. 52-53).<br />
Outra postura, tipicamente recorrente frente ao novo, é consi<strong>de</strong>rar<br />
louco, aquele que está sob avaliação. Mostrar-se escandalizado frente ao<br />
inusitado. E esta é mais uma vez o que Sabino mostra por meio <strong>de</strong> suas<br />
personagens.<br />
47
4.9 NOVAMENTE EXPOSTO ÀS RUAS<br />
– Você viu? – falou a mulher para a vizinha, numa das sacadas do<br />
edifício fronteiro. – Um maluco sem roupa nenhuma!<br />
– Não é maluco – informou a outra. – Deu na televisão agora<br />
mesmo. Não ouvi direito, mas pelo que disseram é um concurso: quem<br />
agarrar o homem nu ganha um prêmio.<br />
– Pouca vergonha – tornou a primeira. – Nu daquele jeito! Hoje em<br />
dia <strong>não</strong> respeitam mais nada. Um escândalo, com tudo <strong>de</strong> fora!<br />
(NV, p. 58).<br />
[...]<br />
O causador do escândalo conseguia transpor mais um muro que se<br />
antepunha no seu caminho, provocando novos alarmes das janelas que<br />
davam para a área interna dos edifícios:<br />
– Lá vai ele!<br />
– Está mesmo nu!<br />
Um PM, o mesmo que o vinha perseguindo até então, informava em<br />
largos gestos aos seus colegas <strong>de</strong> um carro <strong>de</strong> polícia junto à calçada:<br />
– Parece louco, fugido <strong>de</strong> algum hospício. Mas po<strong>de</strong> também estar<br />
drogado. (NV, p. 59 ).<br />
Analogamente ao texto, poucas são as pessoas capazes <strong>de</strong> passar a<br />
informação como <strong>de</strong> fato elas são, livres dos <strong>de</strong>lírios e exageros dos que falam a<br />
seu respeito. A postura esperada <strong>de</strong> um profissional, ao tratar um assunto é, <strong>de</strong><br />
pelo menos, procurar informar-se a seu respeito ou <strong>não</strong> <strong>de</strong> tirar conclusões<br />
precipitadas com base em informações infundadas ou mal fundamentadas.<br />
Um dos policiais da radiopatrulha passava pelo rádio a notícia a<br />
seus superiores:<br />
– Tem mesmo um elemento com a genitália exposta em plena rua,<br />
cometendo atentados ao pudor aqui em Ipanema, visto? Uns dizem que<br />
é perturbado das faculda<strong>de</strong>s mentais, investe contra as pessoas; outros,<br />
que se trata <strong>de</strong> uma promoção da TV. Entendido, Central? Vamos<br />
permanecer na área até a <strong>de</strong>tenção do anormal. Solicito reforço para<br />
fazer o cerco completo do quarteirão. Câmbio! (NV, p. 59).<br />
Sabiamente, Fernando Sabino, homem <strong>de</strong> muita simplicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
sapiência ainda maior, <strong>não</strong> era o tipo que gostava <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> muito espaço<br />
na mídia. Avesso às entrevistas e aos repórteres, <strong>de</strong>staca com bom humor a<br />
constrangedora situação em que os repórteres, às vezes, <strong>de</strong>ixam seus<br />
entrevistados, com perguntas evasivas ou refutáveis. Ao colocar em seu texto um<br />
48
escritor sendo entrevistado sobre o assunto, talvez tenha <strong>de</strong>sejado evitar que a<br />
história viesse gerar polêmica e seqüência <strong>de</strong> entrevistas.<br />
Assim, diante <strong>de</strong> tal possibilida<strong>de</strong>, Sabino já lança mão <strong>de</strong>sse recurso<br />
como se preten<strong>de</strong>sse evitar as solicitações <strong>de</strong> entrevistas.<br />
As emissoras <strong>de</strong> rádio davam seguidas notícias do acontecimento.<br />
Uma <strong>de</strong>las transmitiu a conversa telefônica <strong>de</strong> sua entrevistadora com<br />
um escritor:<br />
– Sendo o senhor uma das pessoas mais cre<strong>de</strong>nciadas a falar<br />
sobre o homem nu...<br />
– Me <strong>de</strong>sculpe, mas o que você está querendo dizer com isso?<br />
– Não me leve a mal... É que o senhor publicou um livro com esse<br />
título e eu achei...<br />
– É o título <strong>de</strong> uma das histórias incluídas no livro, apenas isso.<br />
– Pois é. Então eu achei que podia nos dizer alguma coisa sobre<br />
esse <strong>de</strong>pravado que está aterrorizando a cida<strong>de</strong> inteira, atacando as<br />
pessoas. O senhor <strong>não</strong> está acompanhando?<br />
– Confesso que <strong>não</strong>.<br />
– Bem, está solto o dia todo pelas ruas, ninguém consegue apanhálo.<br />
Não se sabe quem é, nem mesmo se existe <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> ou se é fruto<br />
da imaginação das pessoas. Gostaria que o senhor nos falasse sobre<br />
ele. E sobre nu<strong>de</strong>z, <strong>de</strong> modo geral.<br />
– Lamento muito, mas confesso que a minha experiência sobre o<br />
assunto é muito limitada, se circunscreve à história que mencionei. Posso<br />
apenas repetir o que dizia aquele banqueiro <strong>de</strong> Minas, <strong>não</strong> sei muito a<br />
que propósito, quando negava um empréstimo: a gente nasce nu;<br />
estando vestido, já entrou no lucro.<br />
– O senhor gostaria <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar mais alguma coisa?<br />
– Só que <strong>de</strong>baixo das roupas estamos todos nus. Inclusive eu e<br />
você. (NV, p. 60-62).<br />
4.10 DIANTE DO POBRE E DO MENDIGO, TELMO É TOMADO POR IGUAL<br />
Existem momentos na vida em que os valores parecem estar mesmo às<br />
avessas. Em que sua completa inversão vem sendo mostrada. Um homem <strong>de</strong><br />
alguma condição, posse, culto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da única pessoa que teve<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuda, alguém sem condições financeiras, um mendigo, apesar<br />
<strong>de</strong> marginalizado, por menos bens que possuísse, estaria em condições mais<br />
favorecidas que o professor. A situação do mendigo, embora <strong>não</strong> seja boa, é<br />
<strong>de</strong>finida. A do professor é in<strong>de</strong>finida, dando margem à toda sorte <strong>de</strong> interpretação.<br />
49
E, <strong>de</strong> fato, apesar <strong>de</strong> oferecer ao mendigo uma gratificação futura, dinheiro, ou o<br />
que ele quisesse, o professor <strong>não</strong> consegue arrancar <strong>de</strong>le qualquer ajuda, ao<br />
contrário, só uma insinuação cheia <strong>de</strong> maledicência.<br />
Também, frente a um menino <strong>de</strong>sfavorecido, ele torna a oferecer<br />
recompensa financeira. Contudo, em troca <strong>de</strong> ajuda, só recebe o <strong>de</strong>boche, o<br />
sarcasmo dos que riem <strong>de</strong>le, por estar oferecendo o que, julgando pela sua<br />
aparência, <strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria ter para cumprir.<br />
Sua esperança redobrou quando viu surgir alguém dos escombros<br />
do prédio. Era um sujeito franzino e mal vestido, barbicha rala, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>finida, ar <strong>de</strong> recém-chegado do Nor<strong>de</strong>ste num caminhão <strong>de</strong> pau-<strong>de</strong>arara.<br />
Com certeza fizera dali o seu abrigo, à falta <strong>de</strong> lugar melhor. Trazia<br />
uma varinha na mão e o olhava com curiosida<strong>de</strong> meio insolente <strong>de</strong> quem<br />
pergunta: como ousa invadir os meus domínios?<br />
– Me ajuda, companheiro – pediu Proença, persuasivo. – Me arranja<br />
alguma roupa, qualquer uma serve. Depois lhe dou o que quiser, tenho<br />
dinheiro, é só você me ajudar.<br />
– Tá sentindo frio, moço? – perguntou o outro, com sotaque<br />
nor<strong>de</strong>stino.<br />
Na verda<strong>de</strong> ele tremia, protegendo-se com os braços, mas era<br />
menos <strong>de</strong> frio que <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>:<br />
– Qualquer coisa – repetiu. – Você <strong>não</strong> vai se arrepen<strong>de</strong>r.<br />
– Me arrependo <strong>não</strong>, bichinho – tornou o pau-<strong>de</strong>-arara, com um<br />
sorriso sem <strong>de</strong>ntes. – Tou até apreciando esse seu jeito aí, nuinho e todo<br />
encabulado... Sabe que eu tou sem mulher já vai pra mais <strong>de</strong> dois méis?<br />
Essa <strong>não</strong>, pensou ele, <strong>de</strong>sarvorado. Além do quê, o cabra tinha<br />
uma peixeira atravessada na cintura:<br />
– Pera aí que eu vou te arranjar uma roupinha...<br />
Passou por ele num passinho miúdo, a observa-lo com olho cúpido,<br />
e, abrindo a tramela <strong>de</strong> uma porta no tabique, ganhou a rua.<br />
(NV, p. 63-64).<br />
[...]<br />
Era um menino <strong>de</strong> uns <strong>de</strong>z anos, próximo a uns barracos na<br />
clareira. Tentava empinar uma pipa e falava qualquer coisa com o<br />
cachorrinho, um vira-lata que saracoteava ao seu redor. Atrás <strong>de</strong> uma<br />
pedra, escondido por uma <strong>de</strong>pressão do terreno, resolveu chamá-lo:<br />
– Psiu, menino, você aí.<br />
O cachorro foi o primeiro a vê-lo: aproximou-se, excitado, começou<br />
a latir. Ao dar com aquele homem escondido atrás da pedra, o menino<br />
veio se chegando, <strong>de</strong>sconfiado. Começou a rir quando percebeu que ele<br />
estava sem roupa.<br />
– Meu filho, vê se me ajuda... – pediu, protegendo-se com as mãos.<br />
– Me arranja uma roupa... Te dou um presente.<br />
O menino tornou a rir:<br />
50
– Cê <strong>não</strong> tem nada pra dar, tá aí pelado...<br />
– Depois te dou, prometo – insistiu, aflito, inadvertidamente se<br />
erguendo. – Vai buscar uma roupa para mim, vai, uma calça velha, um<br />
calção, qualquer coisa...<br />
Virando-lhe as costas, o menino saiu a correr. O cachorro o<br />
acompanhou, olhando para trás com insistentes latidos. Uma mulher<br />
apareceu à porta <strong>de</strong> um dos barracos:<br />
– Que é isso? – gritou, ao ver um homem nu a poucos passos. –<br />
Meu filho, já pra <strong>de</strong>ntro! Aco<strong>de</strong>, Gervásio! Um homem tarado! Tava<br />
querendo pegar o Valinho! Socorro! (NV, p. 74-75).<br />
O texto leva a concluir que se estando fora dos padrões sociais, se é<br />
taxado <strong>de</strong> louco, drogado, insano, ladrão, tarado e ser subjulgado.<br />
4.11 PERDÃO DA IDÉIA SIMPLISTA DE CONSEGUIR ESCAPAR AO DESTINO<br />
Fernando Sabino também <strong>de</strong>monstra claramente que conhece a lastimável<br />
posição da polícia em relação a criminosos. Lendo e relendo a obra, ao leitor<br />
chega parecer estranho que ela tenha sido escrita há tanto tempo, dada sua<br />
atualida<strong>de</strong>. A sensação que se tem é a <strong>de</strong> que tais cenas só po<strong>de</strong>riam ter sido<br />
escritas recentemente. Isso confirma o escritor como homem <strong>de</strong> visão futura,<br />
muitíssimo à frente <strong>de</strong> seu tempo.<br />
O escritor <strong>de</strong>monstra que o ato <strong>de</strong> dar voz ao imaginário é uma<br />
necessida<strong>de</strong> das pessoas. É preciso fazê-lo <strong>de</strong> algum modo e, como nem todos<br />
escrevem, passam à frente notícias maiores do que <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>veriam informar, ou<br />
seja, “ven<strong>de</strong>m o peixe, mais caro do que o compraram”<br />
Ele estava muito enganado se acreditava que podia subir o morro<br />
sem que a polícia tomasse conhecimento. A própria Central já fora<br />
avisada, pelo helicóptero que vinha sobrevoando a área e mandando<br />
informações sobre seu para<strong>de</strong>iro.<br />
Como os policiais, vários moradores do bairro acompanharam das<br />
ruas vizinhas e das janelas, alguns com binóculos, a sua escalada do<br />
morro e a vertiginosa <strong>de</strong>scida. Des<strong>de</strong> que ele começara as andanças<br />
sem roupa <strong>de</strong> cá para lá, causando tumulto on<strong>de</strong> quer que aparecesse, a<br />
polícia fora mobilizada e organizara o cerco, utilizando até cães<br />
amestrados. Só <strong>não</strong> subira o morro em respeito ao acordo tácito com os<br />
traficantes <strong>de</strong> drogas.<br />
Quando chegou ao sopé, pouco além do ponto on<strong>de</strong> iniciara a<br />
subida, Proença jamais imaginava que fosse encontrar uma verda<strong>de</strong>ira<br />
comissão <strong>de</strong> recepção.<br />
51
Dois carros da polícia, o da televisão e até o táxi com Marialva, o<br />
aguardavam, alinhados ao longo da rua. Na calçada fronteira, a<br />
precavida distância, os curiosos se aglomeravam. Ninguém ousava<br />
passar dali, podia haver tiroteio. Guardas armados se colocavam em<br />
pontos estratégicos, e nos telhados os “atiradores <strong>de</strong> elite” haviam se<br />
instalado, em obediência às or<strong>de</strong>ns da Central, recebidas pelo rádio,<br />
advertindo que se tratava <strong>de</strong> elemento perigoso, constava que estava<br />
armado e disposto a tudo.<br />
Armado como? se toda comoção que ele vinha provocando se <strong>de</strong>via<br />
exclusivamente ao fato <strong>de</strong> estar nu?<br />
Sim, admitiam as autorida<strong>de</strong>s; mas, segundo os últimos informes<br />
recebidos, o indivíduo em questão carregava uma bomba na mão e<br />
ameaçava fazê-la explodir.<br />
Quando viu toda aquela gente, e como <strong>não</strong> dispusesse <strong>de</strong> bomba<br />
alguma para dispersá-la, ele fez o que vinha fazendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a manhã:<br />
disparou a correr, dobrou a primeira esquina e <strong>de</strong>sapareceu. Todos se<br />
precipitaram até lá e <strong>não</strong> o viram mais: havia-se evaporado no ar. (NV, p.<br />
76-77).<br />
4.12 QUE SE CUMPRA O QUE LHE FOI RESERVADO<br />
Telmo é <strong>de</strong> fato um homem íntegro. Frente a todo pesa<strong>de</strong>lo que passa ao<br />
longo <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>ira odisséia, admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dignamente contar<br />
tudo – ou quase – à esposa. Decidido, vai para casa, apesar <strong>de</strong> saber o tamanho<br />
do transtorno que tudo aquilo po<strong>de</strong>ria causar, caso Carla tomasse conhecimento<br />
do assunto. Só <strong>não</strong> sabia o transtorno que ainda estava por vir.<br />
O que se segue é uma confirmação <strong>de</strong> que Fernando Sabino utiliza-se<br />
conscientemente da literatura carnavalizada para conferir à sua obra a leveza, o<br />
lirismo e a popularida<strong>de</strong> que lhe são inerentes.<br />
4.13 O ÚLTIMO SACRIFÍCIO – DE VOLTA AO LAR<br />
No <strong>de</strong>sfecho da obra, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fazer com que a personagem passasse<br />
por toda sorte <strong>de</strong> sofrimento, humilhação, acusações e situações públicas, O<br />
autor coroa seu sofrimento com a traição da mulher. Aquela por quem ele gostaria<br />
<strong>de</strong> <strong>não</strong> viajar... Aquela que até a secretária do chefe já sabia que <strong>não</strong> o<br />
acompanharia na viagem... Aquela que <strong>não</strong> se interessa pela profissão do<br />
52
marido... A que prefere <strong>de</strong>ixá-lo viajar sozinho, para ficar <strong>de</strong>sacompanhada por<br />
algumas horas... A que ele surpreen<strong>de</strong> no instante <strong>de</strong> seu maior pesa<strong>de</strong>lo,<br />
encontrando-a em sua casa, nua, com seu chefe.<br />
Logo à entrada, Proença se sentiu salvo ao ver a janela acesa em<br />
seu apartamento no térr<strong>eo</strong>: Carla estava em casa. Tocou a campainha e<br />
ouviu vozes lá <strong>de</strong>ntro. Intrigado, colou o ouvido na porta.<br />
– Deve ser o homem da pizza – dizia Carla. – Não posso abrir<br />
assim como estou. Abre você, meu amor, que eu vou buscar mais gelo.<br />
– Enquanto houver gelo, há esperança – tornou uma voz <strong>de</strong><br />
homem, seguida <strong>de</strong> uma risada.<br />
Seu coração disparou, ao reconhecer aquela voz e aquela risada.<br />
(NV, p. 81).<br />
E assim, com essa punhalada mortal, começa o renascimento <strong>de</strong> um novo<br />
Telmo Proença. Começa para ele uma nova vida. I<strong>de</strong>ntificados os seus algozes,<br />
ele po<strong>de</strong>rá puni-los justamente.<br />
Transtornado, quando a porta se abriu, empurrou-a com violência e entrou.<br />
Deu com Lincoln diante <strong>de</strong> si a olhá-lo, boquiaberto, um copo <strong>de</strong> uísque na mão.<br />
Ele usava o seu roupão “– o bofetão que lhe <strong>de</strong>sferiu o fez vacilar sobre as<br />
pernas, o copo voou longe, numa chuva <strong>de</strong> uísque. Antes que ele pu<strong>de</strong>sse reagir,<br />
acertou-lhe um murro no nariz:<br />
– Tira o meu roupão! – or<strong>de</strong>nou”. (NV, p. 82).<br />
Agora, o professor Telmo Proença <strong>não</strong> é mais o enganado. Ao contrário,<br />
<strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria haver provas mais claras <strong>de</strong> uma traição. O Judas que lhe beijara a<br />
face agora <strong>não</strong> tinha mais que se entregar. Era flagrado e, nesse caso, <strong>não</strong> havia<br />
o que negar.<br />
Nessa posição, cumpriu seu papel <strong>de</strong> homem justo. Valeu-se <strong>de</strong> suas<br />
palavras e <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persuasão. Mostrou, finalmente, ao chefe, que<br />
tinha mais talento para viver do que parecia.<br />
Nem bem Lincoln <strong>de</strong>ixava cair o roupão ficando nu, recebia entre as<br />
pernas um pontapé que o fez urrar <strong>de</strong> dor. Cambaleante, foi empurrado<br />
até a porta ainda aberta, que Proença bateu com força, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> botá-lo<br />
para fora com um novo pontapé, <strong>de</strong>sta vez no traseiro.<br />
Do apartamento em frente ia saindo uma mulher que, ao vê-lo,<br />
começou a gritar. Lincoln fugiu correndo e, quando se <strong>de</strong>u conta, já<br />
ultrapassara a entrada do prédio. (NV, p. 82).<br />
53
Telmo.<br />
Aliás, a justiça se faz quase por si só, bastando pouca participação <strong>de</strong><br />
Do apartamento em frente ia saindo uma mulher que, ao vê-lo,<br />
começou a gritar. Lincoln fugiu correndo e, quando se <strong>de</strong>u conta, já<br />
ultrapassara a entrada do prédio.<br />
Os policiais, os repórteres e a malta <strong>de</strong> curiosos avançaram para<br />
ele. Apavorado, saiu em disparada rua afora perseguido pela multidão.<br />
Quase cruzou com o homem da pizza que vinha chegando e que, ao ver<br />
formada a confusão, fez meia-volta e bateu em retirada. (NV, p. 82).<br />
Telmo Proença, o professor, pessoa simples, agora viverá com honras <strong>de</strong><br />
rei – coisa para muito luxo. Marialva, frente a toda situação, sem questionar em<br />
momento algum a verda<strong>de</strong> sobre sua nu<strong>de</strong>z, aguarda fielmente. E presencia<br />
ainda sem compreen<strong>de</strong>r muita coisa o início à perseguição <strong>de</strong> outro homem nu, e<br />
a chegada <strong>de</strong> Telmo, agora em <strong>de</strong>finitivo.<br />
Marialva, lá <strong>de</strong> seu táxi, assistia a tudo, perplexa: aquele <strong>não</strong> era o<br />
seu “professor”!<br />
No interior do apartamento, Proença, parado no meio da sala,<br />
ofegante, correu os olhos ao redor. A garrafa <strong>de</strong> uísque sobre a mesa. A<br />
luz do abajur acesa. Uma música suave no toca-fitas.<br />
Recolheu o roupão no chão e o vestiu. Só então <strong>de</strong>u com Carla<br />
parada à porta da cozinha, fisionomia transfigurada, o corpo trêmulo<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um penhoar transparente:<br />
– Telmo... – balbuciou ela, voz chorosa, se aproximando.<br />
Sem respon<strong>de</strong>r, ele a afastou com um empurrão, abrindo caminho<br />
em direção ao quarto. Nem se <strong>de</strong>teve diante da cama <strong>de</strong>sarrumada – foi<br />
direto trancar-se no banheiro. Enquanto lá na sala ela se <strong>de</strong>ixava tombar<br />
no sofá, entregue a um choro convulso, ele tomava um rápido banho <strong>de</strong><br />
chuveiro. Em pouco tempo <strong>de</strong>ixava o quarto já vestido. Sem nem olhar<br />
para Carla, que continuava a soluçar, caída no sofá, atravessou a sala e<br />
saiu do apartamento.<br />
Na rua, quase todos haviam saído em perseguição ao outro homem<br />
nu, só restando alguns circunstantes e curiosos. Entre eles Marialva, na<br />
calçada fronteira, junto ao táxi, com a sua mala. Ao vê-la, Proença se<br />
dirigiu a ela, beijou-lhe o rosto:<br />
– Eu sabia que podia contar com você. Me dá um cigarro.<br />
– Vim parar aqui só Deus sabe como – disse ela.<br />
Ele <strong>de</strong>u uma longa tragada no cigarro que Marialva lhe acen<strong>de</strong>u:<br />
– Vamos embora daqui – disse, fazendo-a entrar no táxi e entrando<br />
em seguida.<br />
– Para on<strong>de</strong>? – perguntou ela.<br />
– Para on<strong>de</strong>? – perguntou o motorista ao mesmo tempo.<br />
54
Olhou-a com um sorriso – o primeiro naquele dia:<br />
– Para a sua casa.<br />
Ela retribuiu o sorriso. O motorista se voltou para ele, perplexo, sem<br />
enten<strong>de</strong>r a resposta. (NV, p. 82-84).<br />
55
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Em A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, o escritor mineiro Fernando Sabino expõe com<br />
muita proprieda<strong>de</strong> o <strong>dito</strong> e o <strong>não</strong>-<strong>dito</strong>. Atinge sua meta, permitindo que o leitor<br />
compreenda e acompanhe seu parecer, sem privá-lo do direito <strong>de</strong> participar e<br />
interagir com a obra.<br />
A estratégia é oferecer um show, narrando num ritmo alucinante as<br />
peripécias do Professor Telmo Proença nu em pêlo pelas ruas do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
em um habilidoso, longo e ágil percurso. Assim, atrás do homem, caminha o leitor<br />
por cruzamentos <strong>de</strong> ruas e avenidas, atravessando sinais fechados, entrando pelo<br />
mar, invadindo um clube elegante, passando por elevador, corredor, quartos e os<br />
mais diversos locais on<strong>de</strong> as pessoas po<strong>de</strong>m se surpreen<strong>de</strong>r com um homem –<br />
um professor, nu.<br />
Para Sabino, “o melhor era já ter escrito”. Ter concluído uma obra era do<br />
que ele mais gostava, pois consi<strong>de</strong>rava o ato <strong>de</strong> escrever “um martírio”, e o <strong>de</strong><br />
concluir, um alívio, que lhe reservava o direito <strong>de</strong> sentar-se para tomar o seu<br />
“uisquinho”, como gostava <strong>de</strong> dizer. Era-lhe também agradável conceituar sua<br />
relação com o leitor como uma relação <strong>de</strong> amor. “E o amor precisa <strong>de</strong> pelo menos<br />
dois” – costumava completar.<br />
Sabino respeitava a opinião e a condição do leitor e sempre “calava”<br />
algumas colocações, permitindo que, através do <strong>não</strong>-<strong>dito</strong>, o leitor exercitasse seu<br />
papel <strong>de</strong> crítica e <strong>de</strong> censura e usasse sua imaginação, formando com o<br />
escritor e o enredo um laço perfeito, carinhosa e cuidadosamente preparado.<br />
Conclui-se que a presença do <strong>não</strong>-<strong>dito</strong> na obra <strong>de</strong> Fernando Sabino vai<br />
muito além das características inseridas na T<strong>eo</strong>ria Literária. Não bastasse sua<br />
capacida<strong>de</strong> ampla <strong>de</strong> se expressar em palavras, buscou no <strong>não</strong>-<strong>dito</strong>, alcançar a<br />
mesma amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e compreensão, como se pu<strong>de</strong>sse superar seus<br />
próprios limites e ainda conduzir o leitor pelas mãos, levando-o à superação<br />
também, mantendo sempre o paralelo: escritor-leitor, que possibilita o<br />
crescimento <strong>de</strong> ambos, pois <strong>de</strong> nada adiantaria para o escritor crescer sozinho.<br />
56
O <strong>não</strong>-<strong>dito</strong> é o reconhecimento das necessida<strong>de</strong>s, dos anseios do leitor. É<br />
a via <strong>de</strong> retorno da relação <strong>de</strong> mão dupla, estabelecida entre leitor e escritor<br />
assegurando que “no fim, tudo dá certo”.<br />
Um estudo sobre a escritura <strong>de</strong> Fernando Sabino e todo e qualquer recorte<br />
<strong>de</strong> sua obra é, na verda<strong>de</strong>, uma lição <strong>de</strong> vida. Transmite, pelo que diz e pelo que<br />
cala, informação que <strong>não</strong> se consegue obter facilmente, permitindo que o leitor<br />
adquira parte das experiências do autor por meio <strong>de</strong> seus textos.<br />
57
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61
FERNANDO SABINO – VIDA E OBRA<br />
APÊNDICE<br />
62<br />
(...) A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas<br />
mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está<br />
olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no<br />
cabelo crespo, limpa o farelo <strong>de</strong> bolo que lhe cai ao<br />
colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como<br />
a se convencer intimamente do sucesso da celebração.<br />
Dá comigo súbito, a observá-lo, nossos olhos se<br />
encontram, ele se perturba, constrangido — vacila,<br />
ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o<br />
olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu quereria<br />
minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.<br />
(A Última Crônica)<br />
Fernando Tavares Sabino, filho do procurador <strong>de</strong> partes e representante<br />
comercial Domingos Sabino, e <strong>de</strong> D. O<strong>de</strong>te Tavares Sabino, nasceu a 12 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1923, Dia da Criança, em Belo Horizonte.<br />
Em 1930, após apren<strong>de</strong>r a ler com a mãe, ingressa no curso primário do<br />
Grupo Escolar Afonso Pena, tendo como colega Hélio Pellegrino, que já era seu<br />
amigo dos tempos do Jardim da Infância. Torna-se leitor compulsivo, <strong>de</strong> tal forma<br />
que mais <strong>de</strong> uma vez chega até sua casa com um galo na testa, por haver dado<br />
com a cabeça num poste ao caminhar <strong>de</strong> livro aberto diante dos olhos. Des<strong>de</strong><br />
cedo, revela sua inclinação para a música, ouvindo atentamente sua irmã e o pai<br />
ao piano.<br />
Em 1934, entra para o escotismo, on<strong>de</strong> permanece até os 14 anos. Disse<br />
ele em sua crônica Uma vez escoteiro:
"Levei seis anos <strong>de</strong> minha infância com um lenço enrolado no pescoço,<br />
flor-<strong>de</strong>-lis na lapela e pureza no coração, para <strong>de</strong>scobrir que <strong>não</strong> passava <strong>de</strong> um<br />
candidato à solidão. Alguma coisa ficou, é verda<strong>de</strong>: a certeza <strong>de</strong> que posso a<br />
qualquer momento arrumar a minha mochila, encher <strong>de</strong> água o meu cantil e partir.<br />
Afinal <strong>de</strong> contas aprendi mesmo a seguir uma trilha, a estar sempre alerta, a ser<br />
sozinho, fui escoteiro – e uma vez escoteiro, sempre escoteiro".<br />
Com 12 anos incompletos, em 1935, torna-se locutor do programa infantil<br />
Gurilândia da Rádio Guarani <strong>de</strong> Belo Horizonte. Freqüenta o Curso <strong>de</strong> Admissão<br />
<strong>de</strong> D. Benvinda <strong>de</strong> Carvalho Azevedo, no qual adquire conhecimentos <strong>de</strong><br />
gramática que lhe serão muito úteis no futuro em sua profissão.<br />
Ingressa no curso secundário do Ginásio Mineiro, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra gran<strong>de</strong><br />
interesse pelo estudo <strong>de</strong> Português. Suas primeiras tentativas literárias sofrem<br />
influências dos livros <strong>de</strong> aventuras que vive lendo, principalmente Winnetou, <strong>de</strong><br />
Karl May, e dos romances policiais <strong>de</strong> Edgar Wallace, Sax Rohmer e Conan<br />
Doyle, entre outros. Nessa época, por iniciativa do irmão Gerson, tem seu<br />
primeiro conto policial estampado na revista Argus, órgão da Secretaria <strong>de</strong><br />
Segurança <strong>de</strong> Minas Gerais. Passada a primeira emoção vem o <strong>de</strong>sapontamento:<br />
o nome do autor, na revista, consta como sendo Fernando Tavares "Sobrinho".<br />
Em 1938, ajuda a fundar um jornalzinho chamado A Inúbia (mesmo sem<br />
saber exatamente o que isso vem significar) no Ginásio Mineiro. Ao final do curso,<br />
embora <strong>de</strong>satento, "levado" e irrequieto, conquista a medalha <strong>de</strong> ouro como o<br />
primeiro aluno da turma. Começa a colaborar regularmente com artigos, crônicas<br />
e contos nas revistas Alterosas e Belo Horizonte. Participa <strong>de</strong> concursos <strong>de</strong><br />
crônicas sobre rádio e <strong>de</strong> contos, obtendo seguidos prêmios.<br />
Nadador, em 1939, bate vários recor<strong>de</strong>s em sua especialida<strong>de</strong>: o nado <strong>de</strong><br />
costas. Compete e ganha inúmeras medalhas em camp<strong>eo</strong>natos nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Uberlândia, São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro. Participa da Maratona Nacional <strong>de</strong><br />
Português e Gramática Histórica, empatando com Hélio Pellegrino no segundo<br />
lugar em Minas Gerais e em todo o Brasil. Viajam juntos ao Rio para receber em<br />
sessão solene o prêmio das mãos do mineiro Gustavo Capanema, então Ministro<br />
da Educação.<br />
63
Apren<strong>de</strong> taquigrafia, em 1940, para escrever mais <strong>de</strong>pressa. Começa a ler,<br />
com gran<strong>de</strong> obstinação, os clássicos portugueses a partir dos quinhentistas Gil<br />
Vicente e João <strong>de</strong> Barros, entre outros, até os romancistas como Alexandre<br />
Herculano, Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco. Antes <strong>de</strong> chegar a Eça <strong>de</strong><br />
Queiroz e a Machado <strong>de</strong> Assis, aos 17 anos, está <strong>de</strong>cidido a ser<br />
gramático. Escreve um artigo <strong>de</strong> crítica sobre o dicionário <strong>de</strong> Lau<strong>de</strong>lino Freire,<br />
que tem o orgulho <strong>de</strong> ver estampado no jornal <strong>de</strong> letras Mensagem, graças ao<br />
diretor Guilhermino César, escritor mineiro que se torna amigo <strong>de</strong> Fernando<br />
Sabino e seu gran<strong>de</strong> incentivador. João Etienne Filho, secretário <strong>de</strong> O Diário,<br />
órgão católico, é outro a estimulá-lo no início <strong>de</strong> sua carreira. Nele publica artigos<br />
literários, juntamente com Otto Lara Resen<strong>de</strong>, Paulo Men<strong>de</strong>s Campos e Hélio<br />
Pellegrino, formando com eles um grupo <strong>de</strong> amigos para sempre.<br />
No período <strong>de</strong> 1941 a 1944, presta serviço militar na Arma <strong>de</strong> Cavalaria do<br />
CPOR. Inicia o curso superior na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito. Convive com escritores e,<br />
por indicação <strong>de</strong> seu amigo Murilo Rubião, ingressa no jornalismo como redator<br />
da Folha <strong>de</strong> Minas. Orientado por Marques Rebelo, reúne seus primeiros contos<br />
no livro Os grilos <strong>não</strong> cantam mais, publicado no Rio <strong>de</strong> Janeiro à sua própria<br />
custa. Bem recebido pela crítica, lhe vale principalmente pela carta recebida <strong>de</strong><br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, a partir da qual inicia com ele uma correspondência das mais<br />
preciosas para a sua carreira <strong>de</strong> escritor. (veja em Lições Do Mestre). Colabora<br />
no jornal literário do Rio Dom casmurro, revista Vamos ler e Anuário Brasileiro<br />
<strong>de</strong> Literatura.<br />
Em 1942, é admitido como funcionário da Secretaria <strong>de</strong> Finanças <strong>de</strong> Minas<br />
Gerais e dá aulas, nas horas vagas, <strong>de</strong> Português no Instituto Padre Machado.<br />
Conhece pessoalmente o poeta Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, <strong>de</strong>le se tornando<br />
amigo através <strong>de</strong> correspondência e, mais tar<strong>de</strong>, no Rio, <strong>de</strong> convivência.<br />
No ano seguinte, é nomeado oficial <strong>de</strong> gabinete do secretário <strong>de</strong><br />
Agricultura. Faz estágio <strong>de</strong> três meses como aspirante no Quartel <strong>de</strong> Cavalaria <strong>de</strong><br />
<strong>Juiz</strong> <strong>de</strong> <strong>Fora</strong>, período que serviria <strong>de</strong> inspiração para hilariantes episódios no livro<br />
O gran<strong>de</strong> mentecapto. Inicia uma colaboração regular para o jornal Correio da<br />
Manhã, do Rio e conhece seu futuro amigo Vinicius <strong>de</strong> Moraes. Prepara sua<br />
64
mudança para o Rio <strong>de</strong> Janeiro. Publica o ensaio Eça <strong>de</strong> Queiroz em face do<br />
cristianismo na revista Clima, <strong>de</strong> São Paulo (SP).<br />
Integra, em 1944, a equipe mineira na Olimpíada Universitária <strong>de</strong> São<br />
Paulo, como pretexto para conhecer pessoalmente Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Lêem, em<br />
voz alta, os originais da novela A marca, que é publicada em seguida pela José<br />
Olympio E<strong>dito</strong>ra. Muda-se para o Rio, assumindo o cargo <strong>de</strong> Oficial do Registro<br />
<strong>de</strong> Interdições e tutelas da Justiça do Distrito Fe<strong>de</strong>ral. Convive com Rubem<br />
Braga, Vinicius <strong>de</strong> Moraes, Carlos Lacerda, Di Cavalcanti, Moacyr Werneck <strong>de</strong><br />
Castro, Manuel Ban<strong>de</strong>ira e Augusto Fre<strong>de</strong>rico Schmidt, entre outros.<br />
Participa da <strong>de</strong>legação mineira no Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Escritores em<br />
São Paulo, no ano <strong>de</strong> 1945, on<strong>de</strong>, durante a sessão plenária <strong>de</strong> encerramento,<br />
em <strong>de</strong>safio à polícia ali presente, sugere ao público que seja lida a Moção <strong>de</strong><br />
Princípios proclamada pelo Congresso, exigindo do ditador Getúlio Vargas a<br />
abolição da censura e a restauração do regime <strong>de</strong>mocrático no Brasil, com<br />
convocação <strong>de</strong> eleições diretas. Conhece Clarice Lispector, dando início a uma<br />
intensa amiza<strong>de</strong>.<br />
No ano seguinte, forma-se em Direito e licencia-se do cargo que exerce na<br />
Justiça, embarcando com Vinícius <strong>de</strong> Moraes para os Estados Unidos. Passa a<br />
residir em Nova York, trabalhando no Escritório Comercial do Brasil e,<br />
posteriormente, no Consulado Brasileiro. Começa a escrever o romance O<br />
Gran<strong>de</strong> mentecapto, que só viria a retomar 33 anos <strong>de</strong>pois. Colabora com o<br />
jornal Diário <strong>de</strong> notícias, do Rio.<br />
Em 1947, envia crônicas <strong>de</strong> Nova York para serem publicadas aos<br />
domingos nos jornais Diário carioca e O Jornal, do Rio, que são transcritas por<br />
diversos jornais do resto do país. Começa a escrever Ponto <strong>de</strong> partida<br />
(romance), e outro, Movimentos simulados, os quais <strong>não</strong> chega a concluir mas<br />
que serão aproveitados em Encontro marcado. Realiza uma série <strong>de</strong> entrevistas<br />
com Salvador Dali e faz reportagem sobre Lazar Segal.<br />
Volta ao Brasil em 1948, a bordo <strong>de</strong> um navio cargueiro que se incen<strong>de</strong>ia<br />
em meio a uma tempesta<strong>de</strong>, a caminho <strong>de</strong> Bermudas. No Rio, é transferido para<br />
65
o cargo <strong>de</strong> escrivão da Vara <strong>de</strong> Órfãos e Sucessões. Escreve Crônica semanal no<br />
Suplemento Literário <strong>de</strong> O Jornal.<br />
Em 1949, escreve crônicas e artigos para diversos jornais brasileiros. Em<br />
1950, reúne várias <strong>de</strong>las sobre sua experiência americana no livro A cida<strong>de</strong><br />
vazia.<br />
Publicação em tiragem limitada do livro A vida real, em 1952, composto <strong>de</strong><br />
novelas sob a inspiração <strong>de</strong> emoções vividas durante o sono. Escreve, sob o<br />
pseudônimo <strong>de</strong> Pedro Garcia <strong>de</strong> Toledo, diariamente, O Destino <strong>de</strong> cada um,<br />
nota policial no jornal Diário Carioca. Escreve crônicas com o título geral<br />
Aventuras do Cotidiano, no Comício, "semanário in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte" fundado e<br />
dirigido por Joel Silveira, Rafael Correia <strong>de</strong> Oliveira e Rubem Braga. Colaboração<br />
com a revista Manchete a partir do primeiro número, que se prolongará por 15<br />
anos, a princípio sob o título Damas e Cavalheiros, posteriormente Sala <strong>de</strong><br />
Espera e Aventuras do Cotidiano.<br />
Em 1954 faz campanha política no Recife e em Fortaleza, a convite <strong>de</strong><br />
Carlos Lacerda. Lança tradução do dicionário <strong>de</strong> Gustave Falubert. Viaja pelo sul<br />
do Brasil em companhia <strong>de</strong> Millôr Fernan<strong>de</strong>s. Em companhia <strong>de</strong> Otto Lara<br />
Resen<strong>de</strong>, então diretor da Manchete, antecipa em entrevista pessoal e exclusiva<br />
o lançamento da candidatura do General Juarez Távora à Presidência da<br />
República.<br />
Juscelino Kubitscheck, governador <strong>de</strong> Minas Gerais, também candidato à<br />
Presidência, o convida para jantar no Palácio Mangabeiras, em 1955.<br />
Decepcionado com a conversa, assume no Diário Carioca a cobertura da agitada<br />
campanha <strong>de</strong> Juarez Távora. Viaja por todo o país — mais <strong>de</strong> 150 cida<strong>de</strong>s — em<br />
companhia do mineiro Milton Campos, candidato a vice.<br />
Em 1956, publica o romance O Encontro Marcado, um gran<strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong><br />
crítica e <strong>de</strong> público, com uma média <strong>de</strong> duas edições anuais no Brasil e várias no<br />
exterior, além <strong>de</strong> adaptações teatrais no Rio e em São Paulo.<br />
66
É exonerado, a pedido, em 1957, do cargo <strong>de</strong> escrivão, passando a viver<br />
exclusivamente <strong>de</strong> sua produção intelectual como escritor e jornalista. Passa a<br />
escrever crônica diária para o Jornal do Brasil e mensal para a revista Senhor.<br />
O relato da viagem à Europa, feita pela primeira vez por Fernando Sabino<br />
em 1959 está no livro De Cabeça para Baixo. Comparece ao lançamento <strong>de</strong> O<br />
Encontro Marcado em Lisboa, Portugal. Visita vários países, remetendo crônicas<br />
diárias para o Jornal do Brasil, semanais para Manchete e mensais para a<br />
revista Senhor, perfazendo um total <strong>de</strong> 96 crônicas em 90 dias <strong>de</strong> viagem.<br />
Até o ano <strong>de</strong> 1964, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua volta ao Rio, <strong>de</strong>dica-se à produção <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> roteiros e textos <strong>de</strong> filmes documentários para diversas empresas.<br />
Em 1960 faz viagem a Cuba, como correspon<strong>de</strong>nte do Jornal do Brasil,<br />
na comitiva <strong>de</strong> Jânio Quadros, eleito Presi<strong>de</strong>nte da República e ainda <strong>não</strong><br />
empossado. Faz reportagem sobre a revolução cubana, A Revolução dos<br />
Jovens Iluminados, constante do livro com que inaugura a E<strong>dito</strong>ra do Autor,<br />
fundada por ele em socieda<strong>de</strong> com Rubem Braga e Walter Acosta, ocasião em<br />
que também são lançados Furacão sobre Cuba, <strong>de</strong> Jean-Paul Sartre (presente<br />
ao acontecimento com sua mulher Simone <strong>de</strong> Beauvoir); Ai <strong>de</strong> ti, Copacabana,<br />
<strong>de</strong> Rubem Braga; O Cego <strong>de</strong> Ipanema, <strong>de</strong> Paulo Men<strong>de</strong>s Campos e Antologia<br />
Poética, <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira. Fernando Sabino lança o livro O Homem Nu pela<br />
nova e<strong>dito</strong>ra.<br />
Em 1962 publica A Mulher do Vizinho, que recebe o Prêmio Cinaglia do<br />
Pen Club do Brasil. Seu livro O Encontro Marcado é publicado na Alemanha.<br />
Escreve o argumento, roteiro e diálogos do filme dirigido por Roberto Santos O<br />
Homem Nu, tendo Paulo José no papel principal. Posteriormente, a história é<br />
novamente filmada, com o ator Cláudio Marzo no papel principal.<br />
No programa Quadrante, da Rádio Ministério da Educação, em 1963, Paulo<br />
Autran lia crônicas semanais <strong>de</strong> Sabino e <strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
Manuel Ban<strong>de</strong>ira, Dinah Silveira <strong>de</strong> Queiroz, Cecília Meireles, Paulo Men<strong>de</strong>s<br />
Campos e Rubem Braga. Uma seleção <strong>de</strong>ssas crônicas foi publicada pela E<strong>dito</strong>ra<br />
do Autor em dois volumes:Quadrante 1 e Quadrante 2. Como os <strong>de</strong>mais<br />
colaboradores <strong>de</strong> órgãos oficiais, é automaticamente efetivado no cargo <strong>de</strong><br />
67
edator do Serviço Público, da Biblioteca Nacional e mais tar<strong>de</strong> da Agência<br />
Nacional, cabendo-lhe a elaboração <strong>de</strong> textos para filmes <strong>de</strong> curta metragem. Seu<br />
livro O Encontro Marcado é editado na Espanha e na Holanda.<br />
É contratado, em 1964, durante o governo João Goulart, para exercer as<br />
funções <strong>de</strong> Adido Cultural junto à Embaixada do Brasil em Londres. Continua<br />
mandando seus relatos para o Jornal do Brasil, Manchete e revista Cláudia.<br />
Faz a leitura semanal <strong>de</strong> uma crônica na BBC <strong>de</strong> Londres em programa especial<br />
para o Brasil.<br />
Em 1965 fica a seu encargo <strong>de</strong> compor a <strong>de</strong>legação britânica que<br />
participará no Festival Internacional <strong>de</strong> Cinema no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Comparecem<br />
os diretores Alexan<strong>de</strong>r Mackendrick, Fritz Lang e Roman Polanski. Representa o<br />
Brasil no Festival Internacional <strong>de</strong> Cinema, em Edimburgo, na Escócia, e no<br />
Congresso Internacional <strong>de</strong> Literatura do Pen club em Bled, na Iugoslávia, on<strong>de</strong><br />
reencontra Pablo Neruda.<br />
Faz a cobertura, em 1966, da Copa do Mundo <strong>de</strong> Futebol para o Jornal do<br />
Brasil. Desfaz a socieda<strong>de</strong> na E<strong>dito</strong>ra do Autor e, com Rubem Braga, funda a<br />
E<strong>dito</strong>ra Sabiá.<br />
A Sabiá inicia sua carreira <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso, em 1967, lançando — além<br />
dos <strong>de</strong> seus proprietários — livros <strong>de</strong> Vinicius <strong>de</strong> Moraes, Paulo Men<strong>de</strong>s Campos,<br />
Otto Lara Resen<strong>de</strong>, Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Manuel Ban<strong>de</strong>ira, Augusto<br />
Fre<strong>de</strong>rico Schmidt, Jorge <strong>de</strong> Lima, Cecília Meireles, Dante Milano, Rachel <strong>de</strong><br />
Queiroz, João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, Autran Dourado, Dalton Trevisan, Clarice<br />
Lispector, Murilo Men<strong>de</strong>s, Stanislaw Ponte Preta — e a série Antologia Poética<br />
dos maiores poetas contemporân<strong>eo</strong>s, <strong>não</strong> só brasileiros como, também, dos sul-<br />
americanos Pablo Neruda e Jorge Luiz Borges. Edita romances <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
sucesso internacional como Boquinhas Pintadas, <strong>de</strong> Manuel Puig, O Belo<br />
Antônio, <strong>de</strong> Vitaliano Brancati, A Casa Ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Mario Vargas Llosa, e toda a<br />
obra do Prêmio Nobel Gabriel García Márquez, a partir do famoso Cem Anos <strong>de</strong><br />
Solidão. Seu livro O Encontro Marcado é lançado na Inglaterra. Publica o artigo<br />
Minas e as Cida<strong>de</strong>s do Ouro pela revista Quatro Rodas.<br />
68
No anos seguinte O Encontro Marcado é lançado na Inglaterra em pocket-<br />
book. No dia 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro a E<strong>dito</strong>ra Sabiá programou uma festa no Museu <strong>de</strong><br />
Arte Mo<strong>de</strong>rna, no Rio, com o lançamento <strong>de</strong> vários livros, entre os quais:<br />
Revolução <strong>de</strong>ntro da Paz, <strong>de</strong> Dom Hél<strong>de</strong>r Câmara; Roda Viva, <strong>de</strong> Chico<br />
Buarque <strong>de</strong> Holanda; O Cristo do Povo, <strong>de</strong> Márcio Moreira Alves e, fechando<br />
com chave <strong>de</strong> ouro, Nossa luta em Sierra Maestra, <strong>de</strong> Che Guevara. Nesse dia<br />
é editado o Ato Institucional que oficializa a ditadura militar e, como <strong>não</strong> po<strong>de</strong>ria<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, a festa <strong>não</strong> se realiza.<br />
Sabino segue para Lisboa, Roma, Paris, Berlim, Londres e Nova York, em<br />
1969, como enviado especial do Jornal do Brasil, para uma série <strong>de</strong> reportagens<br />
sobre "O que está acontecendo nas maiores cida<strong>de</strong>s do mundo oci<strong>de</strong>ntal".<br />
Publica, pela Sabiá, um livro <strong>de</strong> literatura infantil: Evangelho das Crianças,<br />
escrito com a colaboração <strong>de</strong> Marco Aurélio Matos.<br />
A convite do governo alemão, em 1971, volta à Europa. Realiza<br />
reportagem sob o título Ballet <strong>de</strong> Márcia Haydée em Stutgart para a revista<br />
Manchete. De volta ao Brasil realiza um super-8 curta-metragem sobre Rubem<br />
Braga, O Dia <strong>de</strong> Braga, exibido pela TV Globo e que lhe servirá <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para<br />
os futuros documentários em 35 mm sobre escritores brasileiros.<br />
Em 1972, ven<strong>de</strong> a Sabiá para a José Olympio. Viaja para Los Angeles,<br />
on<strong>de</strong> produz e dirige com David Neves, para a TV Globo, uma série <strong>de</strong> 08 mini-<br />
documentários sobre Hollywood, Crônicas ao Vivo. Entrevista Alfred Hitchcock e<br />
Bro<strong>de</strong>rick Crawford. Escreve três reportagens para a Realida<strong>de</strong>.<br />
Com David Neves, no ano seguinte, funda a Bem-Te-Vi Filmes Ltda. Filma<br />
A Ponte da Amiza<strong>de</strong>, documentário rodado em Assunção – Paraguai, para o<br />
Departamento Comercial do Itamaraty, registrando a participação do Brasil na<br />
Feira Internacional <strong>de</strong> Indústria e Comércio. Realiza uma série <strong>de</strong> documentários<br />
cinematográficos Literatura Nacional Contemporânea, sobre <strong>de</strong>z escritores<br />
brasileiros: Érico Veríssimo, Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Vinicius <strong>de</strong> Moraes,<br />
João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, Manuel Ban<strong>de</strong>ira, Jorge Amado, João Guimarães<br />
Rosa, Pedro Nava, José Américo <strong>de</strong> Almeida e Afonso Arinos <strong>de</strong> Melo Franco.<br />
69
Em 1974, viaja a Buenos Aires, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> escreve crônicas para o Jornal do<br />
Brasil. Em 1975, vai ao Oriente Médio, com David Neves e Mair Tavares, on<strong>de</strong><br />
produz e dirige o filme Num Mercado Persa, documentário sobre a participação<br />
do Brasil na Feira Internacional <strong>de</strong> Indústria e Comércio, em Teerã. Publica<br />
Gente I e Gente II, com crônicas, reminiscências e entrevistas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>staques nas letras, nas artes, na música e no esporte.<br />
1976, entre viagens a Buenos Aires, cida<strong>de</strong> do México, Los Angeles, marca<br />
o lançamento do livro Deixa o Alfredo Falar!. Participa da Feira do Livro <strong>de</strong><br />
Buenos Aires. Após 16 anos <strong>de</strong> colaboração, <strong>de</strong>ixa o Jornal do Brasil.<br />
Inicia, em 1977, a publicação <strong>de</strong> crônica semanal sob o título <strong>de</strong> Dito e<br />
Feito no jornal O Globo. Sua colaboração se prolongará por 12 anos sem<br />
qualquer interrupção e era reproduzida no Diário <strong>de</strong> Lisboa e em oitenta jornais<br />
no Brasil. Viagem a Manaus, da qual resulta no livro Encontro das Águas. Com<br />
Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Paulo Men<strong>de</strong>s Campos e Rubem Braga, integra a<br />
série Para Gostar <strong>de</strong> Ler.<br />
Vai à Argélia, em 1978, realizar filme sobre Argel e a participação brasileira<br />
na Feira Internacional <strong>de</strong> Indústria e Comércio, intitulado Sob Duas Ban<strong>de</strong>iras.<br />
Como em todas as viagens que realiza ao exterior, envia crônicas para o jornal O<br />
Globo.<br />
Em 1979, retoma e acaba em <strong>de</strong>zoito dias <strong>de</strong> trabalho ininterrupto o<br />
romance O Gran<strong>de</strong> Mentecapto, que havia iniciado há 33 anos, um sucesso<br />
literário. O livro servirá <strong>de</strong> argumento para o filme com o mesmo nome, dirigido<br />
por Oswaldo Cal<strong>de</strong>ira e com Diogo Vilela no papel principal. É adaptado para o<br />
teatro em Minas e São Paulo.<br />
Publica A Falta Que Ela Me Faz. Recebe o Prêmio Jabuti pelo romance O<br />
Gran<strong>de</strong> Mentecapto. Filma a participação do Brasil na Feira Internacional <strong>de</strong><br />
Indústria e Comércio em Hannover, em 1980.<br />
Recebe o Prêmio Golfinho <strong>de</strong> Ouro na categoria <strong>de</strong> Literatura, concedido<br />
pelos Conselhos Estaduais <strong>de</strong> Educação e Cultura do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Realiza<br />
70
viagens ao Peru e aos Estados Unidos, e dois documentários em víd<strong>eo</strong> sobre a<br />
Bolsa <strong>de</strong> Valores do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1981.<br />
Em 1982, lança o romance O Menino no espelho, ilustrado por Carlos<br />
Scliar, que passa a ser adotado em inúmeros colégios do país. Percorre várias<br />
cida<strong>de</strong>s brasileiras, participando do projeto Encontro Marcado, ciclo <strong>de</strong> palestras<br />
<strong>de</strong> escritores nas universida<strong>de</strong>s provido pela IBM.<br />
Lança o livro O gato sou eu, em 1983.<br />
Publica os livros Macacos me mordam, conto em edição infantil, com<br />
ilustrações <strong>de</strong> Apon e A vitória da infância, seleção <strong>de</strong> contos e crônicas sobre<br />
crianças, em 1984. Seu livro O gran<strong>de</strong> mentecapto é lançado em Lisboa.<br />
A faca <strong>de</strong> dois gumes é seu novo livro, em 1985. Uma das novelas é<br />
adaptada para o cinema, com o mesmo título, dirigida por Murilo Sales. Escreve<br />
uma peça teatral, baseada em Martini seco, encenada no Rio <strong>de</strong> Janeiro. É<br />
con<strong>de</strong>corado com a Or<strong>de</strong>m do Rio Branco no grau <strong>de</strong> Grã-Cruz pelo governo<br />
brasileiro. Publica, no New York Times, o artigo The Gold Cities of Minas<br />
Gerais.<br />
Em 1986, realiza inúmeras viagens: Londres, Tókio, Hong-Kong, Macau e<br />
Singapura. Escreve Belo Horizonte <strong>de</strong> todos os tempos para o Banco Francês-<br />
Brasileiro.<br />
Publica O pintor que pintou o sete, história infantil, a novela Martini Seco<br />
em edição para-didática, e três seleções: As melhores histórias, As melhores<br />
crônicas e Os melhores contos, em 1987.<br />
É lançado O tabuleiro das damas, um esboço <strong>de</strong> autobiografia, em 1988.<br />
Escreve suas últimas crônicas para O Globo, do qual se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> no final do<br />
ano.<br />
Em 1989 o filme O gran<strong>de</strong> mentecapto é premiado no Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Gramado. Novas viagens pelo mundo e o lançamento do livro De<br />
cabeça para baixo, reportagens literárias e jornalísticas sobre as suas viagens<br />
pelo mundo <strong>de</strong> 1959 a 1986.<br />
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No ano seguinte esse filme é exibido no Festival Internacional <strong>de</strong> Cinema<br />
em Washington D.C., e recebe um prêmio. Lança o livro A volta por cima.<br />
Em 1991, lança o livro Zélia, uma paixão, biografia autorizada <strong>de</strong> Zélia<br />
Cardoso <strong>de</strong> Mello, Ministra da Fazenda no governo Collor, com tratamento<br />
literário. Os escândalos em sua vida privada e sua saída do governo foram motivo<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> repercussão entre os brasileiros, criando clima hostil ao escritor. Por<br />
ironia do <strong>de</strong>stino, nesse mesmo ano sua novela O bom ladrão, do livro A faca <strong>de</strong><br />
dois gumes, é lançada em edição extra como brin<strong>de</strong> ao dicionário <strong>de</strong> Celso Luft,<br />
com tiragem recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> 500.000 exemplares.<br />
Viaja ao Chile, em 1992, para preparar a edição <strong>de</strong> Zélia, uma paixão em<br />
castelhano. Edição paradidática <strong>de</strong> O bom ladrão.<br />
Lança, em 1993, Aqui estamos todos nus, uma trilogia <strong>de</strong> novelas <strong>de</strong><br />
ação, fuga e suspense.<br />
No ano seguinte lança o livro Com a graça <strong>de</strong> Deus, "uma leitura fiel do<br />
Evangelho inspirada no humor <strong>de</strong> Jesus".<br />
Em 1995, a E<strong>dito</strong>ra Ática relança a seleção, revista e aumentada, <strong>de</strong> A<br />
vitória da infância, com a qual Fernando Sabino reafirma sua <strong>de</strong>terminação ao<br />
longo da vida inteira <strong>de</strong> preservar a criança <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si. Ou, como ele mesmo<br />
escreveu: "Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer<br />
ser quando crescer? Hoje <strong>não</strong> perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que<br />
quero ser menino".<br />
O autor faleceu dia 11 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004 na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A<br />
seu pedido, seu epitáfio é o seguinte: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu<br />
homem e morreu menino".<br />
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Obra completa<br />
– Os grilos <strong>não</strong> cantam mais, contos, Pongetti, 1941<br />
– A marca, novela, José Olympio, 1944<br />
– A cida<strong>de</strong> vazia, crônicas e histórias <strong>de</strong> Nova York, O Cruzeiro, 1950<br />
– A vida real, novelas, E<strong>dito</strong>ra A Noite, 1952<br />
– Lugares-comuns, dicionário, MEC – Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Cultura, 1952<br />
– O encontro marcado, romance, Civilização Brasileira, 1956<br />
– O homem nu, contos e crônicas, E<strong>dito</strong>ra do Autor, 1960<br />
– A mulher do vizinho, crônicas, E<strong>dito</strong>ra do Autor, 1962<br />
– A companheira <strong>de</strong> viagem, crônicas,E<strong>dito</strong>ra do Autor 1965<br />
– A inglesa <strong>de</strong>slumbrada,crônicas e histórias da Inglaterra e do Brasil, Ed<br />
Sabiá/1967<br />
– Gente, crônicas e reminiscências, Record, 1975<br />
– Deixa o Alfredo falar!, crônicas e histórias, Record, 1976<br />
– O encontro das águas, crônica irreverente <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> tropical,E<strong>dito</strong>ra<br />
Record/1977<br />
– O gran<strong>de</strong> mentecapto, romance, Record, 1979<br />
– A falta que ela me faz, contos e crônicas, Record, 1980<br />
– O menino no espelho, romance, Record, 1982<br />
– O gato sou eu, contos e crônicas, Record, 1983<br />
– Macacos me mordam, conto em edição infantil, Record, 1984<br />
– A vitória da infância, crônicas e histórias, E<strong>dito</strong>ra Nacional, 1984<br />
– A faca <strong>de</strong> dois gumes, novelas, Record, 1985<br />
– O pintor que pintou o sete, história infantil, Berlendis & Vertecchia,1987<br />
– Os melhores contos, seleção, Record, 1987<br />
– As melhores histórias, seleção, Record, 1987<br />
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– As melhores crônicas, seleção, Record, 1987<br />
– Martini seco, novela, Ática, 1987<br />
– O tabuleiro das damas, esboço <strong>de</strong> autobiografia, Record, 1988<br />
– De cabeça para baixo, relato <strong>de</strong> viagens, Record, 1989<br />
– A volta por cima, crônicas e histórias curtas, Record, 1990<br />
– Zélia, uma paixão, romance-biografia, Record, 1991<br />
– O bom ladrão, novela, Ática, 1992<br />
– Aqui estamos todos nus, novela, Record, 1993<br />
– Os restos mortais, novela, Ática, 1993<br />
– A nu<strong>de</strong>z da verda<strong>de</strong>, novela, Ática, 1994<br />
– Com a graça <strong>de</strong> Deus, leitura fiel do Evangelho, Record, 1995<br />
– O outro gume da faca, novela, Ática, 1996<br />
– Obra reunida – 3 volumes, Nova Aguilar, 1996<br />
– Um corpo <strong>de</strong> mulher, novela, Ática, 1997<br />
– O homem feito, novela, Ática, 1998<br />
– Amor <strong>de</strong> Capitu, recriação literária, Ática, 1998<br />
– No fim dá certo, crônicas e histórias, Record, 1998<br />
– A Chave do Enigma, crônicas, Record, 1999<br />
– O Galo Músico, crônicas, Record, 1999<br />
– Cara ou Coroa? (júnior), crônicas, Ática, 2000<br />
– Duas Novelas <strong>de</strong> Amor, novelas, Ática, 2000<br />
– Livro aberto – Páginas soltas ao longo do tempo, crônicas, Record, 2001<br />
– Cartas perto do coração, correspondência com Clarice Lispector, Record,<br />
2001.<br />
– Cartas na mesa, correspondência com Paulo Men<strong>de</strong>s Campos, Otto Lara<br />
Resen<strong>de</strong> e Hélio Pellegrino, Record, 2002.<br />
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– Os caçadores <strong>de</strong> mentira, história infantil, Rocco, 2003.<br />
– Os movimentos simulados, romance, Record, 2004.<br />
Prêmios<br />
Em julho <strong>de</strong> 1999 recebeu da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras o maior<br />
prêmio literário do Brasil, Machado <strong>de</strong> Assis, pelo conjunto <strong>de</strong> sua obra.<br />
O valor do prêmio, R$40.000,00, foi doado pelo autor a instituições<br />
<strong>de</strong>stinadas a crianças carentes. O <strong>de</strong>sembargador Alyrio Cavallieri, ex-juiz <strong>de</strong><br />
menores, revelou que em 1992, todos os direitos recebidos pelo autor do<br />
polêmico livro Zélia, uma paixão também foram distribuídos a crianças pobres.<br />
Dados obtidos em livros do autor e <strong>de</strong> Quadrante II, E<strong>dito</strong>ra do Autor,<br />
1968, <strong>de</strong> Obra Reunida, Ed. Nova Aguilar – Rio <strong>de</strong> Janeiro, e Fernando Sabino<br />
– Perfis do Rio, Relume Dumará, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000.<br />
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