percursos de formação através de uma história de vida - Repositório ...
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também entendia as coisas <strong>de</strong>ssa forma. Não me atrevia a pedir à minha mãe, já sabia<br />
qual era a resposta "não". Mas as diferenças eram tão notórias que quando eu e o meu<br />
irmão ficamos doentes, com febre tifói<strong>de</strong> e tosse convulsa, fomos as únicas pessoas da<br />
al<strong>de</strong>ia a tomar antibióticos! Muitos morreram, a pobreza era muita...<br />
Como na escola só havia até à 3 a classe, fui para Bragança para um colégio<br />
interna, mas frequentava a escola oficial. Era um colégio só para meninas e com regras<br />
muito rígidas - roupa para sair, roupa para ir à escola, lavar as mãos (já nem sei quantas<br />
vezes nem com que objectivos), rezar antes das aulas e refeições, ir todos os dias à<br />
missa... impunham, sem juízo crítico, os valores da família, Deus, dos valores católicos.<br />
Fiz parte do movimento católico das Filhas <strong>de</strong> Maria. No início gostei muito e<br />
participava em todas as acti<strong>vida</strong><strong>de</strong>s, era <strong>uma</strong> oportunida<strong>de</strong> para sair do colégio, mas<br />
<strong>de</strong>pois achei que eram regras a mais e sem qualquer nexo, <strong>de</strong>spropositadas... sem<br />
explicação. Era tudo normalizado, não se podia enten<strong>de</strong>r e pensar as coisas, as<br />
circunstâncias, as vivências <strong>de</strong> outras formas, <strong>de</strong> outras maneiras. Impunham e chegavam<br />
a alimentar condutas <strong>de</strong> disputa. Tinha que ser boa aluna, bem comportada, com boas<br />
referências... passei a ser comparada com outros colegas. A professora dizia: - "O<br />
Joãozinho já apren<strong>de</strong>u isto e tu não! Vê como ele faz <strong>de</strong>pressa as contas!" - Ainda hoje<br />
não gosto <strong>de</strong> matemática! Comecei a ver que davam or<strong>de</strong>ns e que não exigiam da mesma<br />
maneira para todos: respeitava-se e atendia-se à or<strong>de</strong>m social com que cada um tinha<br />
chegado à escola. E que o Joãozinho era filho <strong>de</strong> gente importante...<br />
Para conseguir ser eu própria....não era muito «boa da cabeça», foi assim no<br />
colégio<br />
Ainda hoje recordo o percurso escolar como momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> inquietação, <strong>de</strong><br />
querer ser "eu" e <strong>de</strong> ter que ser alguém que não eu. Foram momentos <strong>de</strong> revolta e<br />
conflito interior. Sentia-me mal... angustiada, tinha um proteccionismo, controlo, sempre<br />
a vigiarem-me... não tinha espaço para ser e tornar-me eu ... sentia-me sufocada,<br />
espartilhada... No colégio, a meio do ano, comecei a ter alguns comportamentos e<br />
atitu<strong>de</strong>s ina<strong>de</strong>quados, eram <strong>de</strong>sviantes para a socieda<strong>de</strong> e a dar <strong>uma</strong> imagem diferente<br />
daquilo que eu tinha sido. As pessoas ficavam admiradas e não conseguiam<br />
compreen<strong>de</strong>r o que a «menina» fazia: não ia à missa, saía da capela e sentava-me nas<br />
escadas, estraguei o uniforme, saía do colégio sem pedir autorização e ainda pior, não<br />
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