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Artigo: Sentença de Improcedência e falta de Citação - Professor Allan

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Por Felipe Scripes Wla<strong>de</strong>ck<br />

<strong>Sentença</strong> <strong>de</strong> <strong>Improcedência</strong> e <strong>falta</strong> <strong>de</strong> <strong>Citação</strong> <strong>de</strong> Litisconsorte Passivo necessário<br />

As leis processuais se prestam a orientar os operadores do Direito em sua atuação concreta, possibilitando que se trilhe um<br />

caminho or<strong>de</strong>nado e apto à consecução da pacificação social, mediante a tempestiva concessão <strong>de</strong> tutela jurisdicional a quem<br />

necessite.<br />

O intérprete das leis processuais <strong>de</strong>ve ter em mente o caráter instrumental do processo, que este não possui um fim em si<br />

mesmo, mas se presta a viabilizar “ sempre com respeito aos princípios maiores da ampla <strong>de</strong>fesa e do contraditório” o célere e<br />

seguro acesso à or<strong>de</strong>m jurídica justa.<br />

Este texto preten<strong>de</strong> propor solução para um caso típico, relativamente comum na prática judiciária, mas cujo <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> exige<br />

atenção às categorias fundamentais do processo.<br />

Imagine-se a hipótese em que uma parte ("A") ajuíza mandado <strong>de</strong> segurança, com pedido <strong>de</strong> liminar, contra ato da<br />

Administração Pública que beneficia outro particular ("B"). Este, portanto, <strong>de</strong>veria figurar como litisconsorte passivo necessário<br />

“o que, contudo, não foi pleiteado por "A".<br />

Suponha-se que a liminar não é <strong>de</strong>ferida (ou sequer é apreciada) e o juiz tampouco constata a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "B" figurar<br />

como litisconsorte. Em vez disso, profere sentença <strong>de</strong> mérito, <strong>de</strong> improcedência integral do pedido. Diante disso, "A" interpõe<br />

apelação.<br />

A questão que se põe é: como <strong>de</strong>verá o Tribunal ad quem tratar a sentença diante da previsão do art. n°. 47 do CPC ? A <strong>falta</strong><br />

<strong>de</strong> citação do litisconsorte necessário implica inexoravelmente a "anulação" da <strong>de</strong>cisão recorrida?<br />

No caso imaginado, mesmo sem jamais ter sido chamado para integrar o pólo passivo processual, "B" foi juridicamente<br />

beneficiado pela sentença.<br />

A ausência <strong>de</strong> prejuízo para "B" torna inarredável o aproveitamento da sentença. Não se <strong>de</strong>ve "anulá-la". Inci<strong>de</strong> a regra do art.<br />

n°. 249, § 2º, do CPC, in verbis:<br />

"Quando pu<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a <strong>de</strong>claração da nulida<strong>de</strong>, o juiz não a pronunciará nem<br />

mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a <strong>falta</strong>". Aplica-se também o art. n°. 250, parágrafo único, que prescreve: "Dar-se-á o<br />

aproveitamento dos atos praticados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não resulte prejuízos à <strong>de</strong>fesa".<br />

O raciocínio aqui <strong>de</strong>fendido “com fundamento nos referidos dispositivos do CPC e nos princípios da economia processual e da<br />

instrumentalida<strong>de</strong> das formas” é o seguinte: a inobservância <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada regra processual tem <strong>de</strong> ser relevada se o<br />

resultado final do processo for favorável ao litigante que a regra visava proteger.<br />

É, aliás, o que leciona José Roberto dos Santos Bedaque:<br />

"Só se admite a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> requisitos processuais se o julgamento do mérito não trouxer dano algum àquele a quem<br />

a regra preten<strong>de</strong> beneficiar" (Efetivida<strong>de</strong> do processo e técnica processual, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 227).<br />

O i. processualista e Desembargador do E. Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, tratando <strong>de</strong> situação semelhante à que ora se<br />

comenta, expõe o seguinte:<br />

"Se o vício, não obstante gravíssimo, não impediu que o resultado beneficiasse substancialmente aquele que, do ponto <strong>de</strong><br />

vista técnico-processual, foi prejudicado, não há por que insistir na inexistência do instrumento. Apesar <strong>de</strong> não observado o<br />

contraditório, o réu, privado da ampla <strong>de</strong>fesa, obteve resultado favorável no plano do direito material" (Ibid., p. 461).<br />

Como <strong>de</strong>staca Bedaque, a solução ora <strong>de</strong>fendida é expressamente autorizada pelo CPC:<br />

1


"Não parece haver óbice no sistema. Ao contrário, a solução é expressamente autorizada (CPC, art. n°. 249, § 2º), inexistindo<br />

qualquer limitação ao âmbito <strong>de</strong> incidência <strong>de</strong>ssa regra" (Ibid., 466).<br />

Note-se, inclusive, que o litisconsorte preterido sequer teria interesse processual em pleitear a "nulida<strong>de</strong>" da sentença (rectius,<br />

a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> sua inexistência jurídica/ineficácia, conforme Eduardo Talamini, em Coisa julgada e sua revisão, São Paulo,<br />

Revista dos Tribunais, 2005, p. 345/346). Jamais, em se<strong>de</strong> nenhuma, po<strong>de</strong>ria ele preten<strong>de</strong>r um novo julgamento da causa em<br />

primeiro grau, por <strong>falta</strong> <strong>de</strong> interesse-necessida<strong>de</strong> (José Rogério Cruz e Tucci, Limites subjetivos da eficácia da sentença e da<br />

coisa julgada civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 243).<br />

Rigorosamente, o aproveitamento da sentença apenas não será possível quando o litisconsorte passivo necessário tiver<br />

sofrido algum prejuízo em <strong>de</strong>corrência do <strong>de</strong>cidido. Em tal caso, po<strong>de</strong>r-se-á vincular a sucumbência à ausência <strong>de</strong> sua<br />

participação no processo. A sentença terá, então, <strong>de</strong> ser reputada "nula" (rectius, juridicamente inexistente/ineficaz) por <strong>falta</strong><br />

<strong>de</strong> contraditório.<br />

Nem se diga que a simples possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a sentença vir a ser reformada pelo Tribunal quando do julgamento da apelação<br />

(hipótese em que a reforma aconteceria sem que a "B" jamais tivesse sido oportunizado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se em juízo) <strong>de</strong>terminaria a<br />

"anulação" da sentença.<br />

Ainda assim não se fará necessário "anular" a sentença para garantir a efetiva participação do litisconsorte passivo no feito,<br />

oportunizando-se-lhe o pleno exercício do contraditório. Bastará citá-lo para apresentar contra-razões à apelação interposta.<br />

Nas contra-razões, será permitido a "B" <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o suposto acerto da sentença “que lhe foi favorável“ alegando toda a matéria<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa que teria <strong>de</strong>duzido em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> contestação. Inclusive, às contra-razões po<strong>de</strong>rá anexar toda documentação que teria<br />

anexado à contestação, com o que exercitará plenamente o seu direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />

Em situação como a ora imaginada, a citação para contra-arrazoar a apelação sempre será a saída a<strong>de</strong>quada se a causa<br />

versar sobre matéria exclusivamente <strong>de</strong> direito. O raciocínio não é, portanto, restrito a mandados <strong>de</strong> segurança.<br />

Afasta-se, com isso, a alegação <strong>de</strong> que "B" apenas teria condições <strong>de</strong> exercer a ampla <strong>de</strong>fesa (e, assim, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a legalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sua situação na relação jurídica <strong>de</strong> direito material controvertida) se lhe fosse possibilitado contestar a ação e participar da<br />

instrução probatória.<br />

A providência encontra amparo no art. n°. 515, § 4º, do CPC: a <strong>de</strong>terminação da citação <strong>de</strong> "B" para apresentar contra-razões<br />

evitaria a consumação <strong>de</strong> vício processual (i.e., que do vício “por assim dizer, "latente" <strong>de</strong>corressem efetivos prejuízos), visto<br />

que afastaria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a apelação ser apreciada sem antes se garantir a "B" o exercício da ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

A rigor, por força do art. 515, § 4º, a citação <strong>de</strong> "B" para contra-arrazoar a apelação po<strong>de</strong>ria ocorrer perante o próprio Tribunal,<br />

sem que "B" sofresse qualquer prejuízo.<br />

Além disso, vale aqui a seguinte lição <strong>de</strong> Cândido Rangel Dinamarco:<br />

"O prejuízo, sem o qual nulida<strong>de</strong> alguma se pronuncia, é apenas o dano causado aos objetivos da participação contraditória;<br />

on<strong>de</strong> o procedimento ficar maculado mas ilesa saia a garantia <strong>de</strong> participação, cerceamento algum houve à <strong>de</strong>fesa da parte.<br />

Cabe ao juiz até, ao contrário, amoldar os procedimentos segundo as conveniências do caso" (A instrumentalida<strong>de</strong> do<br />

processo, 12ª edição, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 165).<br />

O princípio da instrumentalida<strong>de</strong> das formas manda que o juiz se esforce ao máximo para preservar o <strong>de</strong>vido processo,<br />

viabilizando que se cumpram suas funções. Ainda com Dinamarco:<br />

"Cada ato do procedimento há <strong>de</strong> ser conforme a lei, não em razão <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>scrito na lei na medida do rigor das exigências<br />

legais, mas na medida da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprir certas funções do processo e porque existem as funções a cumprir. Daí a<br />

gran<strong>de</strong> elasticida<strong>de</strong> a ser conferida ao princípio da instrumentalida<strong>de</strong> das formas, que no tradicional processo legalista assume<br />

o papel <strong>de</strong> válvula do sistema, <strong>de</strong>stinada a atenuar e racionalizar os rigores das exigências formais; no processo marcado pela<br />

liberda<strong>de</strong> das formas, o princípio da instrumentalida<strong>de</strong> tem a importância <strong>de</strong> parâmetro da própria liberda<strong>de</strong> e serve para<br />

amparar o respeito às garantias fundamentais, como penhor da obtenção <strong>de</strong> resultados e, portanto, da valida<strong>de</strong> do ato" (Ibid.,<br />

p. 157/158).<br />

Destaque-se, outrossim, que o CPC contempla situação semelhante à ora examinada no art. n°. 285-A, § 2º. Tal dispositivo<br />

estabelece que o réu não citado para contestar a ação (versando sobre matéria exclusivamente <strong>de</strong> direito e na qual tenha sido<br />

formulado pedido já julgado totalmente improce<strong>de</strong>nte pelo Juízo em outros casos idênticos) tem <strong>de</strong> sê-lo para contra-arrazoar<br />

apelação interposta contra sentença <strong>de</strong> improcedência “a menos que, interposta a apelação pelo autor, o juiz <strong>de</strong> primeiro grau<br />

2


entenda por bem invalidar a sentença e facultar ao réu contestar a ação (§ 1º). Nas contra-razões, o réu exercerá sua ampla<br />

<strong>de</strong>fesa e terá oportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>monstrar o acerto da sentença.<br />

No exemplo examinado neste estudo, a adoção <strong>de</strong> solução semelhante àquela estabelecida no art. n°. 285-A, § 2º, do CPC<br />

jamais po<strong>de</strong>ria implicar qualquer cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Como se trata <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, ou se trata <strong>de</strong> matéria<br />

objeto <strong>de</strong> prova pré-constituída (e neste caso as provas do réu são todas documentais), ou há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dilação<br />

probatória (e neste caso o mandado <strong>de</strong> segurança é incabível). De um modo ou <strong>de</strong> outro, será perfeitamente possível ao réu<br />

exercitar plenamente e <strong>de</strong> modo eficaz a sua <strong>de</strong>fesa.<br />

Apenas seria possível imaginar um cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa se o procedimento da ação <strong>de</strong> origem admitisse a produção <strong>de</strong><br />

outras provas que não as meramente documentais, se houvesse controvérsia acerca <strong>de</strong> matéria fática e se o Tribunal ad quem<br />

<strong>de</strong>cidisse <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo o mérito, sem <strong>de</strong>volver o processo para apreciação em primeiro grau.<br />

Em suma, diante da situação <strong>de</strong>scrita no exemplo proposto, caberá a imediata citação <strong>de</strong> "B", para apresentar contra-razões<br />

ao recurso <strong>de</strong> apelação.<br />

Essa medida revela-se apta a garantir a efetivida<strong>de</strong> do processo: possibilita o exercício da ampla <strong>de</strong>fesa antes do julgamento<br />

da apelação, evitando a <strong>de</strong>snecessária "anulação" <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong> primeiro grau.<br />

Com efeito, para que seja mantida a sentença, basta que ela favoreça o réu não citado (i.e., o Juízo <strong>de</strong> primeiro grau ter<br />

<strong>de</strong>cidido o meritum causae a favor do réu não citado – parte a quem aproveitaria a <strong>de</strong>cretação da "nulida<strong>de</strong>") e que este<br />

ainda possa exercer <strong>de</strong> modo pleno seu direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa (sustentando o pretenso acerto da sentença) em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> contrarazões<br />

à apelação, conforme acima exposto.<br />

Realizada a citação <strong>de</strong> "B" para contra-arrazoar a apelação, o processo prosseguirá com a observância dos princípios da<br />

ampla <strong>de</strong>fesa e do contraditório, com o que restará legitimada toda e qualquer <strong>de</strong>cisão que nele venha a ser proferida (em<br />

favor ou <strong>de</strong>sfavor do réu).<br />

http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=48258<br />

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