PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO - Editora Saraiva
PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO - Editora Saraiva
PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO - Editora Saraiva
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>PROJETO</strong> <strong>LEITURA</strong> E <strong>DIDATIZAÇÃO</strong><br />
MENSAGEM<br />
FERNANDO PESSOA<br />
Maior do que nós, simples mortais, este gigante<br />
foi da glória dum povo o semideus radiante.<br />
Guerra Junqueiro, Portugal<br />
As leituras estabelecidas a seguir tomam por base e procuram<br />
explorar as características do épico, gênero literário onde se abrigam<br />
as grandes aventuras humanas. As epopeias são narrativas<br />
geralmente associadas a feitos históricos de uma nação e, mesmo<br />
que nelas se destaquem heróis, eles estarão a serviço de um coletivo<br />
social específico. Homero, autor que teria vivido no século<br />
VIII a.C., na Antiguidade grega, é responsável por dois dos textos<br />
mais influentes dentro do gênero: A Odisseia e A Ilíada. De certo<br />
modo, essas duas narrativas de Homero acabaram por estabelecer<br />
as bases das histórias de aventuras, nas mais variadas épocas e nas<br />
mais variadas línguas.<br />
Em 1572, na Era Moderna, em pleno Renascimento português,<br />
Luís Vaz de Camões publicava Os lusíadas, que é considerado<br />
por muitos críticos e historiadores o maior épico em língua portuguesa.<br />
Centrado na viagem de Vasco da Gama às Índias, a epopeia<br />
lusitana que se desenvolve em dez cantos evoca a nação portuguesa<br />
às suas próprias características. Muito tempo depois, Mensagem seria<br />
responsável por um revigorar do gênero, em língua portuguesa.<br />
Ao modo modernista, Fernando Pessoa teria desenvolvido também<br />
um épico de evocação do país. Para tanto, sua obra passaria pelas<br />
etapas comuns ao gênero retumbante de Homero.<br />
Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto:<br />
1. O mito (Leitura 1)<br />
I – Uma nação é a realidade;<br />
II – Ulissiponense: o mito e a cidade;<br />
III – O Encoberto e a gente surda e endurecida.<br />
2. O obstáculo, a força e a astúcia (Leitura 2)<br />
I – Adamastor, de Camões e O mostrengo, de Pessoa.<br />
3. Portugal (Leitura 3)<br />
I – O mar e as suas lágrimas;<br />
II – Sina, fado, destino.<br />
1
<strong>LEITURA</strong> 1 – O MITO<br />
I – UMA NAÇÃO É A REALIDADE<br />
TEXTO 1<br />
PRIMEIRO / O DOS CASTELOS<br />
A Europa jaz, posta nos cotovelos:<br />
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,<br />
E toldam-lhe românticos cabelos<br />
Olhos gregos, lembrando.<br />
O cotovelo esquerdo é recuado;<br />
O direito é em ângulo disposto.<br />
Aquele diz Itália onde é pousado;<br />
Este diz Inglaterra onde, afastado,<br />
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.<br />
Fita, com olhar sfíngico e fatal,<br />
O Ocidente, futuro do passado.<br />
O rosto com que fita é Portugal.<br />
TEXTO 2<br />
PORTUGAL<br />
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,<br />
E torno mais real o rosto que te dou.<br />
Mostro aos olhos que não te desfigura<br />
Quem te desfigurou.<br />
Criatura da tua criatura,<br />
Serás sempre o que sou.<br />
E eu sou a liberdade dum perfil<br />
Desenhado no mar.<br />
Ondulo e permaneço.<br />
Cavo, remo, imagino,<br />
E descubro na bruma o meu destino<br />
Que de antemão conheço:<br />
Teimoso aventureiro da ilusão,<br />
Surdo às razões do tempo e da fortuna,<br />
Achar sem nunca achar o que procuro,<br />
Exilado<br />
Na gávea do futuro,<br />
Mais alta ainda do que no passado.<br />
2 3<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
1. O primeiro poema de Mensagem procura estabelecer a posição de<br />
Portugal no continente europeu. Para tanto trabalha com a prosopopeia,<br />
também conhecida por personificação. Que características<br />
humanas podem ser lidas nesses versos?<br />
2. Além de Portugal, que outros países são citados diretamente?<br />
3. Além dos países citados diretamente, há, no poema, uma referência<br />
indireta a uma outra nação.<br />
a. De qual nação se trata?<br />
b. Por que, em sua opinião, Fernando Pessoa a utilizou em seu<br />
poema?<br />
4. Procure explicar o uso dos adjetivos no verso: “Fita, com olhar<br />
sfíngico e fatal”. Com quais intenções, em sua opinião, o poeta os<br />
teria utilizado?<br />
5. Destaque um verso que indique para onde olha o “rosto europeu”.<br />
Procure explicar as intenções do verso.<br />
TORGA, Miguel. Poesia Completa II – Diário X-1968.<br />
Lisboa: <strong>Editora</strong> Dom Quixote, 2007.<br />
Após quatro décadas, o escritor Miguel Torga parece ter retomado<br />
algumas estratégias que se leem no texto 1.<br />
6. Como se autodefine o eu lírico?<br />
7. Miguel Torga, em seu poema, trabalha com “Portugal” em<br />
dois níveis. Destaque trechos em que Portugal é o interlocutor<br />
do eu lírico e trechos em que é o próprio eu lírico.<br />
8. Em várias passagens o poeta trabalha com expressões que reúnem<br />
situações opostas entre uma leitura negativa e outra, positiva,<br />
que se fazem dentro da mesma situação. Com base nessa consideração,<br />
responda:<br />
a. Que características estão presentes no verso “Teimoso aventureiro<br />
da ilusão”?<br />
b. O que é, em sua opinião, estar “isolado na gávea do futuro”?
9. As palavras “passado” e “futuro” são utilizadas, nos dois poemas,<br />
para o desfecho das principais ideias. Que associações simbólicas<br />
normalmente são feitas com tais palavras?<br />
10. Em sua opinião, os dois poetas tiveram as mesmas intenções<br />
ao utilizar as palavras “passado” e “futuro”? Justifique sua resposta<br />
com base em cada um dos textos.<br />
11. No texto 1, como vimos, há uma personificação de Portugal feita<br />
por intermédio de uma figura de linguagem conhecida por prosopopeia.<br />
Em quais expressões, no texto 2, é possível ler a mesma<br />
figura de linguagem?<br />
Outro importante poeta português da contemporaneidade, Manuel<br />
Alegre, escreveu, em 1984, versos também intitulados Portugal<br />
TEXTO 3<br />
PORTUGAL<br />
O teu destino é nunca haver chegada<br />
O teu destino é outra índia e outro mar<br />
E a nova nau lusíada apontada<br />
A um país que só há no verbo achar<br />
ALEGRE, Manuel. Chegar aqui. Lisboa: Sá da Costa <strong>Editora</strong>, 1984.<br />
12. A julgar pelo título, o pronome possessivo “teu” dos dois<br />
primeiros versos dizem respeito a Portugal. Qual é a característica<br />
daquele país que se destaca no poema de Manuel Alegre?<br />
Justifique sua resposta com elementos do próprio poema.<br />
13. Destaque uma expressão em que se pode ler o passado e o<br />
presente de Portugal sintetizados. Justifique sua resposta com<br />
elementos do próprio poema.<br />
14. A qual país está “apontada” essa “nova nau lusíada”, em<br />
sua opinião?<br />
TEXTO 4<br />
I. O INFANTE<br />
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.<br />
Deus quis que a terra fosse toda uma,<br />
Que o mar unisse, já não separasse.<br />
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,<br />
E a orla branca foi de ilha em continente,<br />
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,<br />
E viu-se a terra inteira, de repente,<br />
Surgir, redonda, do azul profundo.<br />
Quem te sagrou criou-te português.<br />
Do mar e nós em ti nos deu sinal.<br />
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.<br />
Senhor, falta cumprir-se Portugal!<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
15. Há, no primeiro verso do poema O Infante, uma sequência gradativa<br />
com elementos que, para o eu lírico, determinam a história<br />
de Portugal. Quais são esses elementos?<br />
16. Qual é o desejo de Deus que está embutido nas afirmações dos<br />
dois primeiros versos?<br />
17. Quem realiza o desejo de Deus, sugerido nos primeiros dois<br />
versos?<br />
18. Muitas vezes Portugal foi definido por historiadores como<br />
“Um império onde o sol jamais se punha”. Destaque, da segunda<br />
estrofe, um verso em que se lê uma indicação da extensão<br />
do império português.<br />
4 5<br />
19. O poema parece prestar contas dos feitos lusitanos para que<br />
o desejo divino fosse satisfeito. Antes de concluí-lo, contudo, o<br />
eu lírico faz uma espécie de reivindicação. Destaque o verso em<br />
que se lê tal solicitação e, dentro dele, o vocativo que confirma<br />
sua resposta.<br />
20. De que maneira, em sua opinião, o poema Portugal, de<br />
Manuel Alegre (texto 3), faz a mesma reivindicação do poema<br />
de Pessoa (texto 4)?<br />
II – ULISSIPONENSE: O MITO E A CIDADE<br />
Assim como Camões, no Renascimento, Fernando Pessoa,<br />
em pleno amanhecer do século XX, também assumirá os temas – e<br />
os mitos – comuns às estruturas de Homero. Em seu auxílio há a<br />
História de Portugal dada às aventuras marítimas e grandes descobertas.<br />
Admitir Ulisses nas origens de Lisboa não é só prestígio
ou orgulho de um tipo patriótico, mas o reconhecimento de um<br />
espírito assinalado para a empresa realizada. Trata-se do espírito do<br />
herói grego encarnado no povo da cidade por ele fundada, por ele<br />
“fecundada”. Vejamos:<br />
TEXTO 5<br />
PRIMEIRO / ULISSES<br />
O mito é o nada que é tudo.<br />
O mesmo sol que abre os céus<br />
É um mito brilhante e mudo –<br />
O corpo morto de Deus,<br />
Vivo e desnudo.<br />
Este, que aqui aportou,<br />
Foi por não ser existindo.<br />
Sem existir nos bastou.<br />
Por não ter vindo foi vindo<br />
E nos criou.<br />
Assim a lenda se escorre<br />
A entrar na realidade,<br />
E a fecundá-la decorre.<br />
Em baixo, a vida, metade<br />
De nada, morre.<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
21. “O mito é o nada que é tudo.” A qual mito o verso se refere?<br />
22. Destaque expressões que descrevem o tal mito do poema com<br />
antíteses, ou seja, com ideias de sentidos opostos.<br />
23. Que outra palavra é utilizada no poema para indicar o mito de<br />
Ulisses?<br />
24. A segunda estrofe constrói um jogo paradoxal (existir sem<br />
existir, ter vindo sem ter vindo) para registrar a presença do mito<br />
na história portuguesa. Explique os motivos que levaram o poeta a<br />
produzir tal estratégia.<br />
25. Localize o sujeito e comente o uso literário do verbo fecundar,<br />
utilizado na terceira estrofe.<br />
26. Apesar de serem poemas autônomos, é preciso enxergá-los<br />
como parte de um todo, já que estão ligados formando a epopeia<br />
proposta em Mensagem. Localize no poema O dos Castelos (texto 1)<br />
uma indicação do mito que lemos agora no texto 5.<br />
No século XVI, Camões já havia feito consideração ao nascimento<br />
mítico de Lisboa. Vejamos:<br />
E tu, nobre Lisboa, que no Mundo<br />
Facilmente das outras és princesa,<br />
Que edificada foste do facundo<br />
Por cujo engano foi Dardânia acesa;<br />
Tu, a quem obedece o Mar profundo,<br />
Obedeceste à força Portuguesa,<br />
Ajudada também da forte armada<br />
Que das Boreais partes foi mandada.<br />
CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
27. Destaque os termos utilizados por Camões para descrever<br />
Lisboa, capital portuguesa.<br />
6 7<br />
TEXTO 6<br />
28. Pesquise e apresente informações acerca da cidade perdida de<br />
Dardânia, que se lê em “Por cujo engano foi Dardânia acesa.”<br />
29. Destaque um verso em que se pode ler o surgimento de Lisboa.<br />
30. A definição da palavra “facundo” – usada também para a descrição<br />
de Ulisses no épico de Homero, A Odisseia –, nos dicionários<br />
correntes, passa por sinônimos como “elegante”, “grandiloquente”,<br />
“eloquente” ou ainda “iluminado”, “aquele que tem luz”, “claro”<br />
etc. Comente o uso dessa palavra na estrofe de Camões. Apoie seu<br />
comentário com o próprio texto.<br />
III – O ENCOBERTO E A GENTE SURDA E ENDURECIDA<br />
Há dois momentos em Mensagem em que Fernando Pessoa<br />
evoca dois escritores para destacar o fenômeno sebastianista na<br />
cultura portuguesa: Bandarra e Vieira. Trata os autores como entidades<br />
que possuem anunciações para outros tempos e, dessa forma,<br />
praticamente os mitifica.
O mito se escorre pela realidade e a intensifica. O mesmo se dá<br />
ao avesso quando personagens históricos se mitificam. Há vários<br />
exemplos: Vasco da Gama, Nuno Álvares, Fernão de Magalhães, D.<br />
Dinis, entre outros. Fiquemos com a mais inspiradora mitificação<br />
de todas: a de D. Sebastião. Sobre ele, o próprio Fernando Pessoa<br />
escreveu o seguinte artigo:<br />
TEXTO 7<br />
O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento<br />
religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito.<br />
No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que<br />
perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la<br />
com o regresso dele, regresso simbólico – como, por um mistério<br />
espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica – mas em que<br />
não é absurdo confiar.<br />
D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa,<br />
no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando<br />
a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um<br />
renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos<br />
da Noite onde viveu a nacionalidade. O cavalo branco tem mais di-<br />
fícil interpretação. Pode ser Sagitário, signo do zodíaco, e conviria,<br />
em tal caso, perceber o que a referência indica, perguntando, por<br />
exemplo, se há referência à Espanha (de quem, segundo os astrólogos,<br />
Sagitário é signo regente), ou se há referência a qualquer trânsito<br />
de planeta no signo de Sagitário. O Apocalipse, porém, fornece<br />
outra hipótese sobre este assunto.<br />
De difícil interpretação, também, é a Ilha.<br />
PESSOA, Fernando. Sobre Portugal – Introdução ao problema nacional<br />
(Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão.<br />
Introdução organizada por Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.<br />
31. Como Fernando Pessoa define “mito” no texto 7?<br />
32. Que outro sentido Fernando Pessoa atribui a D. Sebastião?<br />
33. Que outra expressão é usada para explicar o fenômeno do<br />
sebastianismo?<br />
34. O texto 7 se encerra com uma provocação: “De difícil interpretação,<br />
também, é a Ilha”. Apresente algumas possibilidades<br />
para uma boa interpretação desse último símbolo revelado por<br />
Fernando Pessoa.<br />
TEXTO 8<br />
QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL<br />
Louco, sim, louco, porque quis grandeza<br />
Qual a Sorte a não dá.<br />
Não coube em mim minha certeza;<br />
Por isso onde o areal está<br />
Ficou meu ser que houve, não o que há.<br />
Minha loucura, outros que me a tomem<br />
Com o que nela ia.<br />
Sem a loucura que é o homem<br />
Mais que a besta sadia,<br />
Cadáver adiado que procria?<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
35. Quem fala pela voz poética, no poema D. Sebastião, rei de Portugal?<br />
36. Com base nas explicações de Fernando Pessoa, dadas no texto 7,<br />
explique o verso do texto 8 “Ficou meu ser que houve, não o que há”.<br />
37. Os três últimos versos fazem uma espécie de exaltação da<br />
loucura.<br />
a. Qual é o sentido da palavra “loucura”, na segunda estrofe?<br />
8 9<br />
b. Você concorda com o questionamento do poema? Comente<br />
livremente sua resposta.<br />
c. Reescreva, ao seu modo, o verso “Cadáver adiado que procria?”<br />
<strong>LEITURA</strong> 2 – O OBSTÁCULO, A FORÇA E A ASTÚCIA<br />
I – ADAMASTOR, DE CAMÕES E O MOSTRENGO, DE PESSOA<br />
É na Odisseia, de Homero, que podemos ler a gigantesca deformidade<br />
de Polifemo, ciclope vencido pela astúcia de Ulisses. Gigante<br />
de um só olho, habitante da Sicília, capturou Ulisses e doze de seus<br />
homens e os fechou em uma cova para, depois, devorá-los. Ulisses consegue<br />
estabelecer diálogo à base de vinho quando o monstro confessa<br />
algumas de suas proezas. Já embriagado, é vencido pelo herói, que lhe<br />
cega o olho e consegue fugir com a metade dos homens que levara,<br />
deixando seis deles nas entranhas do ciclope.
O clímax da cena se dá à noite e no interior do abrigo de<br />
Polifemo. Ulisses inventa um nome estratégico para levar a cabo seu<br />
plano. Apresenta-se ao gigante como Oútis que significa Ninguém 1 .<br />
No final do episódio, contudo, Ulisses revela seu verdadeiro<br />
nome. É o suficiente para Polifemo, filho de Posêidon, denunciá-lo ao<br />
pai, que condenará o herói à mesma escuridão do filho.<br />
Essa história fixou mais uma etapa dentro das regras de composição<br />
das epopeias. É preciso testar a força e a astúcia do herói que representa<br />
um povo. Para tanto, será usado um obstáculo a ser superado. O<br />
obstáculo é responsável pelo clímax, dentro das narrativas de aventura.<br />
TEXTO 9<br />
ODISSEIA<br />
O ENCONTRO – DIÁLOGO INICIAL<br />
Ulisses e alguns de seus homens aproximam-se do ciclope<br />
Polifemo a fim de roubar-lhe suprimentos (ovelhas, cabras,<br />
queijo etc.) para seguirem viagem.<br />
Monstro não comparável aos humanos<br />
[…]<br />
[…] Os meus imploram<br />
Que, tomados os queijos e atraídos<br />
Cabritos e ambos, de embarcar tratemos:<br />
Fora certo o melhor, mas eu quis vê-lo<br />
[…]<br />
Ei-lo, de lenha para a ceia, à porta<br />
A grossa atira estrepitosa carga;<br />
Tremendo no interior nos ocultamos.<br />
[…]<br />
E dá conosco e diz: “Quem sois vós outros?<br />
Navegais por negócio, ou ruins piratas<br />
Os mares infestais, expondo as vidas<br />
Para infortúnio e dano de estrangeiros?”<br />
[…]<br />
“Dos Gregos somos que, da pátria em busca,<br />
Desde Ílios furacões nos remessaram<br />
A estranhas plagas, por querer de Jove;<br />
No exército servimos de Agamemnon,<br />
Cuja glória a qualquer mundana eclipsa,<br />
1 “Há aí um trocadilho, pois as duas sílabas de oú-tis podem ser substituídas por<br />
uma outra forma de dizer a mesma coisa: me-tis. Ou e me são em grego as duas<br />
formas da negação, mas se oútis significa ‘ninguém’, mêtis significa ‘astúcia’ […].”<br />
Jean-Pierre Vernant, O Universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das<br />
Letras, 2000. p. 104.<br />
Pois destruiu tal povo e tal cidade.<br />
[…]<br />
Ei-lo, sevo e em silêncio, a dous agarra,<br />
No chão como uns cãezinhos os machuca,<br />
E o cérebro no chão corre espargido;<br />
Os membros rasga, e lhes devora tudo,<br />
Fibra, entranha, osso mole ou meduloso,<br />
Qual faminto leão: chorando as palmas,<br />
Em desespero e grita, a Jove alçamos.<br />
Pleno de humanas carnes o amplo ventre,<br />
Leite bebe o Ciclope a grandes sorvos,<br />
E entre as ovelhas na caverna estira-se:<br />
Vingança cogitada, invoco a Palas;<br />
Trás longo meditar, melhor conselho<br />
Este me pareceu: de um tronco pego<br />
Oleagíneo e verde, grosso e longo,<br />
[…]<br />
Sorteiam-se os que atrevam-se comigo<br />
No olho o pau enterrar-lhe pontiagudo,<br />
Enquanto sopitado em sono esteja;<br />
[…]<br />
Inda esquarteja dous; eu perto exclamo,<br />
Taça a lhe oferecer de roxo vinho:<br />
“De carne humana estás, Ciclope, farto;<br />
Ora da nossa nau prova a bebida.<br />
[…]<br />
Recebe a taça, com delícia a empina,<br />
E pede mais: “Dá-me de novo, dá-me;<br />
O nome teu me digas, para haveres<br />
Dom que te aprazirá.<br />
[…]<br />
Renovo a taça ardente, que três vezes<br />
Néscio esgotou. Sentindo-o já toldado,<br />
Brando ajunto: “Ciclope, não me faltes<br />
À promessa. Meu nome tu perguntas?<br />
Eu me chamo Ninguém, Ninguém me chamam<br />
Vizinhos e parentes.” O ímpio e fero<br />
Balbuciou: “Ninguém, depois dos outros<br />
Último hei de comer-te; eis meu presente.”<br />
10 11<br />
O ATAQUE<br />
Para se vingar do monstro que devorou alguns de seus<br />
marinheiros, Ulisses tenta cegá-lo.<br />
[…]
O oleagíneo troço, inda que verde,<br />
Em brasa tiro, e um deus nos acorçoa;<br />
No olho fincam-lhe os meus o pau candente,<br />
[…] Cálido sangue espirra;<br />
O vapor da pupila afogueada<br />
As pálpebras queimava e a sobrancelha;<br />
[…]<br />
O urro tremendo ecoa nos penedos;<br />
Assustados fugimos; ele, o tronco<br />
Todo em sangue arrancado, o lança fora<br />
Na veemência da dor, bramando horrível<br />
Pelos Ciclopes, que em vizinhas grutas<br />
Sobre ventosos cumes habitavam.<br />
Aos gritos acudindo, eles à entrada<br />
O que o aflige indagam: “Polifemo,<br />
Por que a noite balsâmica perturbas<br />
E nos rompes o sono com tais vozes?<br />
Acaso ovelha ou cabra te roubaram,<br />
Ou por dolo ou por força alguém matou-te?”<br />
“Amigo, do antro Polifemo disse,<br />
ousado que por dolo, não por força,<br />
Matou-me, foi Ninguém.” – Replicam logo:<br />
“Se ninguém te ofendeu, se estás sozinho,<br />
Morbos que vem de Jove não se evitam;<br />
Pede que te alivie ao pai Netuno.”<br />
Com isto vão-se andando, e eu rio n’alma<br />
De que meu nome e alvitre os enganasse.<br />
Gemebundo o Ciclope e dolorido,<br />
[…]<br />
que, na margem, urrava de dor e raiva.<br />
Dito e feito, e verberam já remeiros<br />
O encarnecido ponto, quando ao longe,<br />
Mas a alcance de gritos, o invectivo:<br />
“Não devoraste, Polifemo, os sócios<br />
De um homem sem valor; cruel e iníquo,<br />
De hóspedes em teus lares te sustentas;<br />
Júpiter castigou-te e os mais celestes.”<br />
[…]<br />
[…] “Se o perguntarem,<br />
O olho, dirás, vazou-te o arrasa-muros<br />
Ítaco Ulisses, de Laertes nado.”<br />
Trovejou Polifemo: “Encheu-se o agouro<br />
Ah! de Telemo Eurímides, profeta.<br />
Que envelheceu famoso entre os Ciclopes!<br />
Apagar-se-me a vista às mãos de Ulisses<br />
Vaticinou-me: um forte e ingente e belo<br />
Varão sempre cuidei que Ulisses fosse;<br />
Mas, falso embriagando-me, a pupila<br />
Furou-me um pífio imbele e pequenino!<br />
Hóspede, eis os presentes, vem tomá-los;<br />
Meu genitor confessa-se Netuno,<br />
Rogo-lhe que a viagem te encaminhe.<br />
Seja vontade sua, há de sarar-me;<br />
De outro deus nem mortal socorro espero.”<br />
“Pudesse eu, repliquei-lhe, de alma e vida<br />
Privar-te e remeter-te ao reino imano,<br />
Como nem mesmo o genitor Netuno<br />
O olho te sarará.” Súplices palmas<br />
Ele à sidérea abóbada levanta:<br />
“Ó rei Netuno de cerúlea coma,<br />
Se teu sou na verdade, ó pai, te imploro<br />
Que seu país não veja o arrasa-muros<br />
Ítaco Ulisses, de Laertes nado;<br />
Ou, se é fatal que à pátria amiga torne,<br />
Só de toda a campanha, em vaso alheio,<br />
Tardio aporte, e em casa encontre penas.”<br />
12 13<br />
A FUGA<br />
Depois de cegar o monstro e desviar o rebanho para seu barco,<br />
Ulisses consegue fugir.<br />
[…]<br />
Distante um pouco da caverna e pátio,<br />
O meu largo e desprendo os mais carneiros;<br />
Salvos do monstro, à pressa o desviado<br />
Gordo rebanho para a nau guiamos,<br />
Onde em pranto ansiosos companheiros<br />
Nos receberam. Por acenos vedo<br />
Esse lamento, e mando que o lanoso<br />
Gado se embarque e o saldo mar cortemos.<br />
O DESFECHO – DIÁLOGO FINAL<br />
Ulisses, de dentro de sua nau, retoma o diálogo com Polifemo<br />
HOMERO. Odisseia – em verso português por Manoel Odorico Mendes.<br />
Disponível em: . Acesso<br />
em: 23 fev. 2010.<br />
1. Destaque do texto 9 expressões que foram usadas para definir<br />
Ulisses.
2. Destaque, agora, expressões que foram usadas para identificar<br />
os gregos.<br />
3. Recurso comum ao texto épico, também na epopeia de Homero<br />
notam-se dois planos: o físico e o dos deuses. A partir do texto 9,<br />
responda:<br />
a. Quem são os protagonistas no plano físico? Que papel exercem<br />
na narrativa?<br />
b. Quem são os deuses protagonistas? Que postura lhes é atribuída<br />
por Homero?<br />
4. Como pudemos ver, os grandes épicos possuem como característica<br />
a presença mítica de deuses e entidades que atuam em um<br />
plano mágico e normalmente se valem de forças e astúcias maiores<br />
que as humanas. Recupere o texto 7 e destaque a estratégia que<br />
Fernando Pessoa utiliza para explicar e, de certa forma, reforçar a<br />
mitificação de D. Sebastião.<br />
5. A força, a astúcia, a coragem, o espírito de defesa do coletivo, a<br />
fidelidade à pátria e o orgulho nacional definem um herói clássico.<br />
Associe essas cinco características a passagens do texto 9.<br />
Vejamos, agora, o obstáculo monstruoso criado por Fernando<br />
Pessoa em Mensagem.<br />
TEXTO 10<br />
IV. O MOSTRENGO<br />
O mostrengo que está no fim do mar<br />
Na noite de breu ergueu-se a voar;<br />
A roda da nau voou três vezes,<br />
Voou três vezes a chiar,<br />
E disse, “Quem é que ousou entrar<br />
Nas minhas cavernas que não desvendo,<br />
Meus tetos negros do fim do mundo?”<br />
E o homem do leme disse, tremendo,<br />
“El-Rei D. João Segundo!”<br />
“De quem são as velas onde me roço?<br />
De quem as quilhas que vejo e ouço?”<br />
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,<br />
Três vezes rodou imundo e grosso,<br />
“Quem vem poder o que só eu posso,<br />
Que moro onde nunca ninguém me visse<br />
E escorro os medos do mar sem fundo?”<br />
E o homem do leme tremeu, e disse,<br />
“El-Rei D. João Segundo!”<br />
Três vezes do leme as mãos ergueu,<br />
Três vezes ao leme as reprendeu,<br />
E disse no fim de tremer três vezes,<br />
“Aqui ao leme sou mais do que eu:<br />
Sou um Povo que quer o mar que é teu;<br />
E mais que o mostrengo, que me a alma teme<br />
E roda nas trevas do fim do mundo,<br />
Manda a vontade, que me ata ao leme,<br />
De El-Rei D. João Segundo!”<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
6. Descreva, com suas palavras, a cena exposta nas três estrofes do<br />
poema O mostrengo.<br />
7. Reescreva, ao seu modo, as falas do mostrengo e as respostas do<br />
navegador português.<br />
8. Depois de pesquisar, apresente as informações que conseguiu<br />
para o personagem histórico D. João Segundo.<br />
14 15<br />
9. Depois de muito questionado pelo mostrengo, na terceira estrofe,<br />
o navegador português fará uma declaração na qual se autodefine.<br />
Destaque os versos em que se lê essa autodefinição.<br />
10. Em sua opinião, é possível ler, na declaração do navegante,<br />
características de um herói clássico, como as apresentadas na<br />
questão 5? Justifique sua resposta com elementos do texto 10, de<br />
Fernando Pessoa.<br />
11. Aproxime a primeira pergunta d’O Mostrengo, do texto 10 à<br />
primeira pergunta do ciclope Polifemo, do texto 9, baseando-se<br />
em suas semelhanças.<br />
12. Aproxime, agora, as respostas dos “heróis” às perguntas do<br />
Mostrengo e de Polifemo. Em que são semelhantes?<br />
13. Os dois heróis, tanto o de Fernando Pessoa como o de Homero,<br />
conseguem superar o obstáculo. Em sua opinião, qual deles teve<br />
maior sucesso?
Os versos reunidos no texto 11 pertencem a um dos mais importantes<br />
vínculos d’Os lusíadas, de Luís Vaz de Camões, com as epopeias<br />
clássicas. Trata-se do encontro dos navegantes portugueses liderados<br />
por Vasco da Gama com o gigante Adamastor.<br />
TEXTO 11<br />
OS LUSÍADAS (CANTO V: 39-43,49-50)<br />
Não acabava, quando hũa figura<br />
Se nos mostra no ar, robusta e válida,<br />
De disforme e grandíssima estatura;<br />
O rosto carregado, a barba esquálida<br />
Os olhos encovados, e a postura<br />
Medonha e má e a cor terrena e pálida;<br />
Cheios de terra e crespos os cabelos,<br />
A boca negra, os dentes amarelos.<br />
Tão grande era de membros, que bem posso<br />
Certificar-te que este era o segundo<br />
De Rodes estranhíssimo Colosso,<br />
Que um dos Sete milagres foi do mundo.<br />
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,<br />
Que pareceu sair do mar profundo.<br />
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,<br />
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo<br />
Sabe que quantas naus esta viagem<br />
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,<br />
Inimiga terão esta paragem,<br />
Com ventos e tormentas desmedidas;<br />
E da primeira armada que passagem<br />
Fizer por estas ondas insofridas,<br />
Eu farei de improviso tal castigo<br />
Que seja mor o dano que o perigo!<br />
[…]<br />
Mais ia por diante o monstro horrendo,<br />
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,<br />
Lhe disse eu: – “Quem és tu? Que esse estupendo<br />
Corpo, certo me tem maravilhado!”<br />
A boca e os olhos negros retorcendo<br />
E dando um espantoso e grande brado,<br />
Me respondeu, com voz pesada e amara,<br />
Como quem da pergunta lhe pesara:<br />
“Eu sou aquele oculto e grande cabo<br />
A quem chamais vós outros Tormentório<br />
Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,<br />
Plínio e quantos passaram fui notório.<br />
Aqui toda a Africana costa acabo<br />
Neste meu nunca visto Promontório,<br />
Que pera o Polo Antártico se estende,<br />
A quem vossa ousadia tanto ofende!<br />
16 17<br />
E disse: – Ó gente ousada, mais que quantas<br />
No mundo cometeram grandes cousas,<br />
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,<br />
E por trabalhos vãos nunca repousas,<br />
Pois os vedados términos quebrantas<br />
E navegar meus longos mares ousas,<br />
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,<br />
Nunca arados d’estranho ou próprio lenho;<br />
Pois vens ver os segredos escondidos<br />
Da natureza e do úmido elemento,<br />
A nenhum grande humano concedidos<br />
De nobre ou de imortal merecimento,<br />
Ouve os danos de mi que apercebidos<br />
Estão a teu sobejo atrevimento,<br />
Por todo o largo mar e pola terra<br />
Que inda hás-de sojugar com dura guerra.<br />
CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
14. Destaque do texto 11 a caracterização física feita pela voz poética<br />
assim que os navegadores encontram o gigante.<br />
15. Durante a descrição, Adamastor, o gigante, será comparado<br />
com o Colosso, de Rodes. Pesquise sobre o assunto e apresente o<br />
resultado de suas buscas.<br />
16. Os navegadores reagem com certa admiração quando deparam<br />
com o gigante Adamastor. E quanto à reação do gigante? Será também<br />
de admiração? Extraia expressões do texto 11, que confirmem<br />
sua resposta.
17. Estabeleça uma comparação por semelhança entre a recepção<br />
dada aos marinheiros pelo gigante Adamastor, no texto 11 e as<br />
recepções dos monstros que estão nos textos 9 e 10.<br />
18. Como o gigante do texto 11 se autodefine?<br />
19. Aproxime o texto 11 do texto 1 e revele uma semelhança de estratégia<br />
para a realização das descrições nesses dois textos.<br />
20. É possível concluir que, assim como o Mostrengo e Polifemo,<br />
Adamastor exerce o papel de obstáculo – etapa típica das epopeias<br />
– na narrativa de Camões? Justifique sua resposta com<br />
trechos do próprio texto.<br />
21. A penúltima estrofe do texto 11 se inicia com: “Mais ia por<br />
diante o monstro horrendo, / Dizendo nossos Fados, quando,<br />
alçado,”. Lembrando que a palavra “fado” significa “destino” ou<br />
“sorte”, quais são, afinal, os fados da esquadra de Vasco da Gama<br />
anunciados pelo gigante?<br />
TEXTO 12<br />
O MONSTRO AQUERONTE<br />
O pensador, e um dos maiores escritores argentinos, Jorge Luis<br />
Borges escreveu um curioso glossário para as monstruosidades mitológicas<br />
e literárias referenciais de onde extraímos o seguinte trecho:<br />
“[…] é maior que uma montanha. Seus olhos são chamejantes<br />
e a boca é tão grande que nove mil homens caberiam nela. Dois<br />
réprobos, como dois pilares ou atlantes, mantêm-na aberta; um<br />
está de pé, outro de cabeça para baixo. Três gargantas conduzem ao<br />
interior; as três vomitam fogo que não apaga. Do ventre da besta sai<br />
a contínua lamentação de incontáveis réprobos devorados. […] No<br />
interior de Aqueronte há lágrimas, trevas, ranger de dentes, fogo,<br />
ardor intolerável, frio glacial, cães, ursos, leões e serpentes.”<br />
Jorge Luis Borges e Margarida Guerrero. O livro dos seres imaginários.<br />
8. ed. São Paulo: Globo, 2000.<br />
A criação fantástica de Borges sugere imensas e variadíssimas histórias<br />
que, contadas, poderiam justificar todo o conteúdo descrito<br />
no interior de Aqueronte, o monstruoso rio mitológico, temeroso<br />
obstáculo para qualquer viajante.<br />
22. Pesquise sobre o Aqueronte (rio do infortúnio) e, utilizando estratégias<br />
semelhantes às usadas nos textos 9, 10 e 11, desenvolva uma<br />
breve narrativa de aventura, cujo protagonista tenha em Aqueronte,<br />
descrito no texto 12, seu principal obstáculo. Seu herói poderá ser<br />
bem-sucedido ou não, dependendo, para isso, de suas características.<br />
<strong>LEITURA</strong> 3 – PORTUGAL<br />
I – O MAR E AS SUAS LÁGRIMAS<br />
TEXTO 13<br />
X. MAR PORTUGUÊS<br />
Ó mar salgado, quanto do teu sal<br />
São lágrimas de Portugal!<br />
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,<br />
Quantos filhos em vão rezaram!<br />
Quantas noivas ficaram por casar<br />
Para que fosses nosso, ó mar!<br />
Valeu a pena? Tudo vale a pena<br />
Se a alma não é pequena.<br />
Quem quer passar além do Bojador<br />
Tem que passar além da dor.<br />
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,<br />
Mas nele é que espelhou o céu.<br />
18 19<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
1. Explique o título “Mar português”. Como se justifica o adjetivo<br />
“português” atribuído ao “mar”?<br />
2. Quem é o interlocutor do poema?<br />
3. Qual é a “pena”, na pergunta “Valeu a pena?”?<br />
4. Apesar do tom lírico, é possível reconhecer elementos épicos no<br />
poema “Mar português”? Justifique sua resposta com elementos<br />
do próprio poema.<br />
5. A segunda estrofe demonstra distanciamento temporal dos feitos<br />
portugueses. A que conclusão chega o eu lírico?
TEXTO 14<br />
AO LONGE O MAR<br />
O cancioneiro popular português contemporâneo registra inúmeros<br />
exemplos da presença do “mar” na cultura lusitana de todos<br />
os tempos.<br />
Procure a canção "Ao longe o mar", de Pedro Ayres Magalhães,<br />
do grupo de música português Madredeus. Para consultá-la, busque<br />
a letra em http://letras.terra.com.br/madredeus/152424/ e assista<br />
ao videoclipe oficial em http://www.youtube.com/watch?v=hCUO<br />
QYruotI&feature=PlayList&p=B9757C30CA326BAD&index=77.<br />
6. Logo na primeira estrofe parece haver um jogo temporal.<br />
Destaque-o.<br />
7. Em “Vem da névoa saindo / A promessa anterior” há uma imagem<br />
recorrente na literatura portuguesa que ora estudamos. De<br />
que promessa anterior se trata?<br />
8. Por que a voz poética da canção “Ao longe do mar”, de Pedro<br />
Ayres Magalhães, permaneceu parada a olhar quando avistou ao<br />
longe o mar? Haverá algum elemento misterioso que se escondeu<br />
nessa cena? O que você acha?<br />
II – SINA, FADO, DESTINO<br />
A cultura portuguesa sempre esteve muito vinculada ao conceito<br />
de destino em suas mais variadas extensões: sina, fado, acaso,<br />
estrela, fortuna, sorte, fatalidade etc. Em Mensagem, Fernando<br />
Pessoa evoca um futuro necessário a partir de um passado que<br />
parece ter inventado o destino e não apenas sofrido os acasos e as<br />
fatalidades que se veem em seu presente.<br />
Ninguém sabe que coisa quer.<br />
Ninguém conhece que alma tem,<br />
Nem o que é mal nem o que é bem.<br />
(Que ânsia distante perto chora?)<br />
Tudo é incerto e derradeiro.<br />
Tudo é disperso, nada é inteiro.<br />
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…<br />
É a Hora!<br />
Valete, Fratres.<br />
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />
9. Uma série de expressões antagônicas (antíteses e paradoxos) é<br />
usada para definir Portugal na primeira estrofe.<br />
a. Destaque-as.<br />
b. Por que, em sua opinião, Fernando Pessoa utilizou o recurso das<br />
antíteses para definir Portugal nesse último poema de Mensagem?<br />
10. O que faz de Portugal um nevoeiro, nos dizeres do eu lírico?<br />
20 21<br />
TEXTO 15<br />
QUINTO / NEVOEIRO<br />
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,<br />
Define com perfil e ser<br />
Este fulgor baço da terra<br />
Que é Portugal a entristecer —<br />
Brilho sem luz e sem arder,<br />
Como o que o fogo-fátuo encerra.<br />
11. O jogo de antítese segue pela segunda estrofe e parece consolidar<br />
o “nevoeiro”. Destaque-as.<br />
12. Retomando o texto 3, Portugal, de Manuel Alegre, notamos<br />
que o pronome “outro”, duas vezes utilizado no segundo verso,<br />
está associado a “índia” e “mar” (O teu destino é outra índia e outro<br />
mar). Explique o significado desse pronome no verso em destaque<br />
levando em consideração as ideias contidas no poema Nevoeiro, de<br />
Fernando Pessoa.<br />
Também no Brasil, o cancioneiro popular registra variados aspectos<br />
da cultura literária típicos das epopeias. Diferente, contudo, da<br />
cultura marítima lusitana, as epopeias nacionais estão mais ligadas<br />
às condições geopolíticas brasileiras, como o êxodo rural, a má<br />
distribuição de renda etc. Vejamos:<br />
TEXTO 16<br />
A TERCEIRA LÂMINA<br />
Procure a canção "A terceira lâmina", do cantor e compositor paraibano<br />
Zé Ramalho. Para consultá-la, busque a letra e assista ao<br />
videoclipe oficial em http://vagalume.uol.com.br/ze-ramalho/aterceira-lamina.html.
13. Destaque dos versos de Zé Ramalho expressões e passagens<br />
típicas de uma epopeia.<br />
a. Evocação nacional:<br />
b. A viagem:<br />
c. Características do herói clássico:<br />
d. O obstáculo:<br />
e. A superação do obstáculo:<br />
14. Aparentemente, ao modo brasileiro, a canção de Zé Ramalho<br />
também trata da saga de um povo. Comente, com base nos estudos<br />
aqui realizados, a transposição que o compositor fez dos épicos<br />
para cenários brasileiros.<br />
Ainda no final do século XIX, outro grande nome da literatura<br />
portuguesa, Antero de Quental, evocou o povo português em um<br />
novo momento. Naqueles tempos realistas, ao lado de outros poetas<br />
e intelectuais, Antero de Quental lutava por novos espaços e novos<br />
debates dentro do ambiente literário e condenava toda e qualquer<br />
forma antiquada de comportamento estético e político. Guardados os<br />
momentos históricos, o impulso de renovação parece ter o mesmo<br />
espírito da obra Mensagem, de Fernando Pessoa. Vejamos:<br />
TEXTO 17<br />
A UM POETA<br />
Tu, que dormes, espírito sereno,<br />
Posto à sombra dos cedros seculares,<br />
Como um levita à sombra dos altares,<br />
Longe da luta e do fragor terreno,<br />
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,<br />
Afugentou as larvas tumulares…<br />
Para surgir do seio desses mares,<br />
Um mundo novo espera só um aceno…<br />
Escuta! é a grande voz das multidões!<br />
São teus irmãos, que se erguem! são canções…<br />
Mas de guerra… e são vozes de rebate!<br />
2 Em latim. Tradução: “Ergue-te e anda”.<br />
Surge et ambula 2<br />
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,<br />
E dos raios de luz do sonho puro,<br />
Sonhador, faze espada de combate!<br />
QUENTAL, Antero de. Antologia. Organização de José Lino Grunewald. Rio de<br />
Janeiro: Nova Fronteira, 1991. Disponível em: .<br />
15. Destaque expressões que indiquem o estado de “nevoeiro” pelo<br />
qual passa o interlocutor do poema.<br />
16. Destaque expressões que convocam o povo português a uma<br />
reação e a um novo despertar.<br />
17. Pesquise o significado de “Surge et ambula” e justifique o uso<br />
da epígrafe no poema.<br />
18. É possível ler nos versos de Antero de Quental o derradeiro<br />
verso — “É a Hora!” — da Mensagem, de Fernando Pessoa?<br />
Justifique sua resposta a partir dos estudos realizados.<br />
22 23