18.04.2013 Views

Portugal durante a ausência do rei Lúcia M. Bastos P. Neves - USP

Portugal durante a ausência do rei Lúcia M. Bastos P. Neves - USP

Portugal durante a ausência do rei Lúcia M. Bastos P. Neves - USP

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

16<br />

Despedida <strong>do</strong><br />

Príncipe<br />

Regente, de<br />

Luís António<br />

Xavier, 1807,<br />

Lisboa, Museu<br />

da Cidade<br />

5 Arquivo Nacional <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro, Caixa 654, pac. 2,<br />

<strong>do</strong>c. 45. Representação de<br />

portugueses pedin<strong>do</strong> um <strong>rei</strong><br />

constitucional da família de<br />

Napoleão e uma Constituição<br />

baseada na liberdade<br />

<strong>do</strong>s mares e de comércio e<br />

na igualdade legal. Para o<br />

comentário de alguns pontos<br />

desse <strong>do</strong>cumento, cf. Santos,<br />

1988, pp. 435-56; Dias &<br />

Silva Dias, 1986, pp. 488-9;<br />

e Araújo, 1985, pp. 65-72 e<br />

77-90.<br />

6 A teoria <strong>do</strong> “constitucionalismo<br />

histórico” era defendida<br />

por Hipólito da Costa, João<br />

Bernar<strong>do</strong> Rocha de Lou<strong>rei</strong>ro,<br />

D. Francisco de Almeida, entre<br />

outros; mas era, ainda,<br />

pregada, em <strong>Portugal</strong>, no século<br />

XVIII, por outros intelectuais,<br />

como o célebre jurista Antonio<br />

Ribeiro <strong>do</strong>s Santos. Cf. Pe<strong>rei</strong>ra,<br />

1983, pp. 243-67 e Boisvert,<br />

1982, pp. 133-5. Para a idéia<br />

de “antiga constituição”, cf.<br />

Pocock, 1971, pp. 202-32.<br />

7 Arquivo Nacional <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro, Coleção Negócios<br />

de <strong>Portugal</strong>. Caixa 654, pac.<br />

2, <strong>do</strong>c. 46. Para uma visão<br />

da permanência das idéias<br />

da Restauração, ao longo <strong>do</strong><br />

século XVIII, cf. Villalta, 2000,<br />

pp. 53-8.<br />

8 Arquivo Nacional <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro, Coleção Negócios de<br />

<strong>Portugal</strong>, Caixa 652, pacote<br />

1 A , <strong>do</strong>c, 17, “Devassas em<br />

Peniche”, 1 o dezembro de<br />

1808.<br />

fazê-lo através das câmaras, “por melhor<br />

se conformar” com os antigos costumes<br />

da nação, e o Código Civil, uma vez que<br />

este último poderia inserir um programa<br />

de reformas institucionais e econômicas.<br />

Manifestavam, assim, o desejo de uma di-<br />

visão <strong>do</strong>s três poderes, na qual o Executivo<br />

fosse exerci<strong>do</strong> por um Conselho de Esta<strong>do</strong>,<br />

cujos decretos seriam coloca<strong>do</strong>s em prática<br />

por ministros, dividin<strong>do</strong>-se o Legislativo<br />

em duas câmaras, ligadas ao Executivo, e<br />

manten<strong>do</strong>-se o Judiciário independente. E,<br />

por fim, embora essa não fosse a questão<br />

fundamental, pedia um “<strong>rei</strong> constitucional”,<br />

que fosse “Príncipe de sangue” da família<br />

imperial, aceitan<strong>do</strong>, por conseguinte, a pro-<br />

posta de um constitucionalismo modera<strong>do</strong><br />

em <strong>Portugal</strong> 5 .<br />

Reprodução<br />

Menos ousa<strong>do</strong>, certamente atemori-<br />

za<strong>do</strong> pelas possibilidades de conspiração<br />

<strong>do</strong>s afrancesa<strong>do</strong>s mais radicais e por<br />

qualquer idéia de revolução, outro grupo<br />

manteve-se fiel à dinastia de Bragança,<br />

embora propusesse a recuperação de um<br />

antigo constitucionalismo, que agregasse<br />

à monarquia o conjunto revitaliza<strong>do</strong> de<br />

instituições definidas na tradição <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no.<br />

Retomava-se, assim, a defesa das antigas<br />

cortes, em desuso desde o final <strong>do</strong> sécu-<br />

lo XVII, e das leis fundamentais 6 . Esse<br />

grupo recusava, de um la<strong>do</strong>, qualquer via<br />

revolucionária, que pudesse dar “dema-<br />

sia<strong>do</strong> poder ao povo, porque isso produz<br />

anarquia”. De outro, evitava o “demasia-<br />

<strong>do</strong> poder <strong>do</strong>s que governam, porque isso<br />

produz o despotismo”, legitiman<strong>do</strong>-se<br />

uma representação consultiva <strong>do</strong>s corpos<br />

<strong>do</strong> <strong>rei</strong>no – clero, nobreza e povo (Cor<strong>rei</strong>o<br />

REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.79, p. 10-21, setembro/novembro 2008<br />

Braziliense ou Armazem Literário, v. 4,<br />

n o 24, maio de 1810, p. 461). De qualquer<br />

mo<strong>do</strong>, mesmo que alguns de seus adeptos<br />

pudessem até demonstrar admiração pelos<br />

franceses, para esses constitucionalistas<br />

históricos, em momento algum, descarta-<br />

vam-se os di<strong>rei</strong>tos da dinastia de Bragan-<br />

ça. Recorriam à imagem <strong>do</strong> <strong>rei</strong> inocente,<br />

ludibria<strong>do</strong> por seus auxiliares, que, no<br />

entanto, não garantia a perenidade de seu<br />

governo, admitin<strong>do</strong>-se a revolta quan<strong>do</strong>,<br />

por violação das leis fundamentais <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no,<br />

ocorresse um rompimento <strong>do</strong> pacto entre<br />

o legítimo monarca e seus súditos. Com<br />

essa argumentação, acreditavam que o<br />

trono não estava vago de di<strong>rei</strong>to, mas sim<br />

de fato, pois o juramento de obediência e<br />

fidelidade ainda estava manti<strong>do</strong> com D.<br />

Maria. Cabia, no entanto, ao povo, repre-<br />

senta<strong>do</strong> por seus procura<strong>do</strong>res, reuni<strong>do</strong>s<br />

em cortes, verificar se D. João agira de<br />

forma criminosa e culpável ao partir para<br />

o Brasil. Nesse caso, mantinha-se o pleno<br />

di<strong>rei</strong>to da escolha de outro herdeiro, se-<br />

guin<strong>do</strong> a linha de sucessão, na forma <strong>do</strong>s<br />

antigos costumes <strong>do</strong> <strong>rei</strong>no 7 .<br />

Fiel igualmente à monarquia e aos<br />

Braganças permaneceu o imaginário das<br />

camadas populares, que se sublevaram<br />

contra o invasor. Reduzidas à fome e ao<br />

desemprego nas cidades, e, no campo, à<br />

imposição de pesa<strong>do</strong>s tributos sobre as<br />

colheitas e o ga<strong>do</strong>, que lhes foram impostos<br />

pelo invasor, as camadas populares muito<br />

sofreram “naquele desgraça<strong>do</strong> tempo” 8 ,<br />

assistin<strong>do</strong> com espanto e desagra<strong>do</strong> às pilha-<br />

gens das igrejas e acaban<strong>do</strong> por manifestar<br />

uma clara tendência de rebelar-se contra o<br />

<strong>do</strong>mínio francês.<br />

“O homem compassivo sentia repugnância<br />

em sair de sua casa, porque pelas ruas de<br />

Lisboa se não encontravam senão ban<strong>do</strong>s<br />

de infelizes, que apenas podiam alcançar<br />

escassos socorros para prolongarem tris-<br />

temente os seus dias […]. Não restava a<br />

tantos desgraça<strong>do</strong>s senão um de <strong>do</strong>is meios,<br />

pedirem ou furtarem. […] Mas que esmolas<br />

podiam alcançar tantos mendigos, sen<strong>do</strong> tão<br />

pequeno o número <strong>do</strong>s que as podiam dar?”<br />

(Acúrsio das <strong>Neves</strong>, 1984, p. 268).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!