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Portugal durante a ausência do rei Lúcia M. Bastos P. Neves - USP

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as ondas o suspira<strong>do</strong> defensor” (Biancardi,<br />

1820, p. 160). Do Algarves, veio a notícia<br />

de ter-se dali avista<strong>do</strong> a “ilha encoberta”,<br />

cujo mapa era vendi<strong>do</strong> na Rua Di<strong>rei</strong>ta de<br />

São Paulo, em Lisboa. Desta ilha, partiria o<br />

<strong>rei</strong> D. Sebastião, com um grande exército,<br />

para combater e matar Napoleão com suas<br />

próprias mãos, fundan<strong>do</strong>, em seguida, o 5 o<br />

império <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, previsto em tantas pro-<br />

fecias de Davi, Isaías e Daniel, e anuncia<strong>do</strong>,<br />

em outros tempos, pelo padre Antônio Vieira<br />

(cf. Memória, 1810, p. 7; Delumeau, 1997,<br />

pp. 188-90; e Hermann, 1998, pp. 241-6).<br />

Reviviam-se profecias antigas pautadas em<br />

livros e prognósticos de santos e em trovas<br />

populares, como as de Bandarra (1810) e<br />

as <strong>do</strong> Pretinho <strong>do</strong> Japão (1821). Em todas,<br />

que só se podiam cumprir com D. Sebastião,<br />

identificava-se “a vinda de um Rei, que há<br />

de dilatar a Religião Cristã e o império Por-<br />

tuguês” (Biancardi, 1809, pp. 158-9).<br />

Compreende-se, assim, o alvoroço que<br />

trouxe à população de Lisboa a notícia de<br />

um ovo de galinha, encontra<strong>do</strong> por baixo<br />

da muralha de São Pedro de Alcântara, em<br />

cuja casca estavam “desenhadas em relevo<br />

as letras – D. S. R. P.”, que eram interpreta-<br />

das como “D. Sebastião Rei de <strong>Portugal</strong>”.<br />

O ovo foi parar até no quartel-general <strong>do</strong>s<br />

franceses, e não havia “forças humanas”,<br />

segun<strong>do</strong> Acúrsio das <strong>Neves</strong> (1984, p. 348),<br />

que pudessem convencer a maior parte <strong>do</strong>s<br />

que o viram de que “a arte ou a mão <strong>do</strong><br />

homem” houvesse produzi<strong>do</strong> aquela “obra<br />

admirável”. Numa paródia ao ovo <strong>do</strong>s sebas-<br />

tianistas, a jocosa Gazeta <strong>do</strong> Rocio (1808,<br />

n o 7), com interpretação distinta, procurava<br />

aguçar a crítica aos invasores. Para ela, Junot<br />

teria envia<strong>do</strong> ao Museu Napoleão um ovo<br />

“acha<strong>do</strong> nos entulhos ao pé da muralha de S.<br />

Pedro de Alcântara”, ten<strong>do</strong> “algumas letras<br />

esculpidas na casca”, mas, “pouco crédulo<br />

em milagres”, o general atribuiu o fenômeno<br />

à bruxaria, na qual piamente acreditava, e<br />

des<strong>do</strong>brou a sigla – V. D. S. R. P. – através<br />

<strong>do</strong> significa<strong>do</strong> “Viemos (a <strong>Portugal</strong>) Dani-<br />

ficar, Saquear, Roubar e Pilhar”.<br />

Em meio a esses raciocínios tortuosos<br />

e vaticínios antigos, os escritos de circuns-<br />

tâncias – folhetos, panfletos e jornais – que<br />

pululavam, naquele momento, forjavam<br />

REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.79, p. 10-21, setembro/novembro 2008<br />

inúmeras imagens a respeito de Bonaparte.<br />

Desde o papão, com cujo nome as amas-<br />

de-leite intimidavam as crianças, quan<strong>do</strong><br />

essas não queriam <strong>do</strong>rmir à noite, até o<br />

“herói que a Córsega vomitou sobre a face<br />

da Europa na força de seu furor”. Em todas<br />

elas, há associações a forças maléficas e<br />

a símbolos de violência (Sonho…, 1809,<br />

p. 7 e Perfídia…,1808, p. 14). Como con-<br />

seqüência, após a primeira expulsão <strong>do</strong>s<br />

franceses, ainda em 1808, esses escritos<br />

procuravam reduzir Bonaparte às dimen-<br />

sões de um usurpa<strong>do</strong>r e de um extermi-<br />

na<strong>do</strong>r de envergadura medíocre, <strong>do</strong>no de<br />

um caráter feroz e sanguinário. Algumas<br />

vezes, assumiam uma forma jocosa, como<br />

nessa “Receita Especial para Fabricar Na-<br />

poleões” (1809, p. 1), um soneto escrito<br />

por “um amigo de ganhar vinténs”:<br />

“Toma um punho de terra corrompida,<br />

Um quintal de mentira refinada,<br />

Um barril de impiedade alambicada,<br />

De audácia uma camada bem medida;<br />

A cauda <strong>do</strong> Pavão toda estendida,<br />

Com a unha <strong>do</strong> Tigre ensangüentada,<br />

De Corso o coração, e a refalsada<br />

Cabeça de Raposa envelhecida;<br />

Tu<strong>do</strong> isto bem cozi<strong>do</strong> em lento fogo<br />

De exterior fagueiro, meigo e bran<strong>do</strong>,<br />

Atrevida ambição lhes lances rogo:<br />

Deixa que se vá tu<strong>do</strong> incorporan<strong>do</strong>,<br />

E assim mui presto espera; porque logo<br />

Sai um Napoleão dali voan<strong>do</strong>”.<br />

De outro la<strong>do</strong>, continuava-se a julgar<br />

o mun<strong>do</strong> repleto de peca<strong>do</strong>s, que preci-<br />

savam ser redimi<strong>do</strong>s pelo sofrimento, o<br />

que transformava Napoleão Bonaparte em<br />

símbolo atualiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> mal, nele ven<strong>do</strong> um<br />

<strong>do</strong>s precursores ou, até mesmo, o próprio<br />

anticristo. Representações como as de “Fi-<br />

lho <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>”, de “besta de sete cabeças<br />

e dez cornos” ou de “dragão vermelho”<br />

passaram, também, a povoar o imaginário<br />

<strong>do</strong>s portugueses. Um panfleto avisava aos<br />

seus leitores que era “chegada a época a<br />

mais crítica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”, denuncian<strong>do</strong> o

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