Trabalho em teleatendimento e problemas de saúde Work
Trabalho em teleatendimento e problemas de saúde Work
Trabalho em teleatendimento e problemas de saúde Work
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
5 Sobre o cenário internacional,<br />
ver Venco, S. T<strong>em</strong>pos mo<strong>de</strong>rníssimos<br />
nas engrenagens do tel<strong>em</strong>arketing.<br />
Tese <strong>de</strong> doutoramento apresentada<br />
no <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Ciências<br />
Sociais Aplicadas da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Educação, UNICAMP, 2006. A<br />
ex<strong>em</strong>plo das pesquisas realizadas<br />
pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cornell, nos<br />
EUA, por BATT, R., DOELLGAST, V.<br />
e KWON, H. The U.S. Call center industry,<br />
2004: national benchmarking<br />
report. Estados Unidos: Cornell<br />
University, 2004; pelo Laboratório<br />
<strong>de</strong> Economia e Sociologia do<br />
<strong>Trabalho</strong> (LEST/CNRS), realizada<br />
por LANCIANO-MORANDAT, C.,<br />
NOHARA, H., TCHOBANIAN, R.<br />
French Call Center Industry Report,<br />
2004, na França; pela Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Economia e Administração da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maastricht por<br />
GRIP, A., SIEBEN, I. e JAARSVELD,<br />
D. van. Employment and industrial<br />
relations in the Dutch call center<br />
sector. Maastrich: Research Centre<br />
for Education and Labour Market,<br />
2005, na Al<strong>em</strong>anha; e pelo Instituto<br />
<strong>de</strong> Psicologia do <strong>Trabalho</strong><br />
da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Sheffield, no<br />
Reino Unido, por HOLMAN, D.,<br />
WOOD, S., STRIDE, C. Human<br />
Resource Manag<strong>em</strong>ent in Call Centres,<br />
2004.<br />
6 Jornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 14 março<br />
<strong>de</strong> 2004.<br />
7 Artigo 482 da Consolidação das<br />
Leis do <strong>Trabalho</strong> (CLT).<br />
12<br />
Nesse sentido, os operadores <strong>de</strong>pend<strong>em</strong><br />
<strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> argumentar<br />
frente às negativas dos clientes contatados,<br />
<strong>de</strong> se adaptar a cada interlocutor −<br />
sua linguag<strong>em</strong>, suas idiossincrasias, suas<br />
objeções à compra do produto − e <strong>de</strong> ouvir<br />
pacient<strong>em</strong>ente as d<strong>em</strong>andas e reclamações<br />
dos clientes, mesmo quando pressionados<br />
pelo t<strong>em</strong>po médio <strong>de</strong> atendimento (BUS-<br />
CATTO, 2002; COSSALTER, 2002).<br />
Essa autonomia não é concedida totalmente<br />
pela organização do trabalho e essa<br />
O trabalho sob pressão<br />
A estandardização do trabalho nos call<br />
centers é compl<strong>em</strong>entada por um conjunto<br />
<strong>de</strong> regras que visam <strong>de</strong>terminar certos<br />
comportamentos e a disciplina para o trabalho.<br />
As interdições refer<strong>em</strong>-se a comer,<br />
fumar, conversar, fazer ou receber ligações<br />
no trabalho e sair do seu posto <strong>de</strong> atendimento;<br />
<strong>em</strong> algumas <strong>em</strong>presas, chega-se a<br />
exigir pedido formal para se ir ao toalete.<br />
A disciplina faz parte da organização do<br />
trabalho e é observada <strong>em</strong> países <strong>de</strong>senvolvidos<br />
como, por ex<strong>em</strong>plo, a França, cujas<br />
centrais se pautam por formas <strong>de</strong> controle<br />
dos trabalhadores muito s<strong>em</strong>elhantes às do<br />
Brasil. Dessus (2002) observa particular s<strong>em</strong>elhança<br />
entre as disciplinas aplicadas no<br />
sist<strong>em</strong>a escolar e nos call centers – ambas<br />
com base <strong>em</strong> “regras, advertências, sanções<br />
e recompensas”, além <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s infantilizadas<br />
e infantilizadoras da supervisão. Nos<br />
<strong>de</strong>poimentos que colh<strong>em</strong>os, o ambiente <strong>de</strong><br />
trabalho foi constant<strong>em</strong>ente comparado<br />
com o da escola, cuja l<strong>em</strong>brança é quase<br />
s<strong>em</strong>pre negativa ao se reviver<strong>em</strong> o exercício<br />
da autorida<strong>de</strong> e a divisão hierárquica<br />
<strong>de</strong> saber e po<strong>de</strong>r – que estão longe <strong>de</strong> se<br />
configurar<strong>em</strong> como ambientes apoiados<br />
<strong>em</strong> relações mais d<strong>em</strong>ocráticas, participativas<br />
e <strong>de</strong> respeito, seja entre alunos, seja<br />
entre trabalhadores.<br />
Os supervisores atuam diretamente na<br />
construção do po<strong>de</strong>r disciplinar, sendo<br />
usualmente comparados, na literatura e na<br />
mídia francesas, aos antigos contramestres<br />
das fábricas (DESSUS, 2002; LECHAT &<br />
DELAUNAY, 2003), cuja palavra <strong>de</strong> ord<strong>em</strong><br />
é invariavelmente: “bater a meta”. As coações<br />
<strong>de</strong>scritas pelos trabalhadores são<br />
diversas. Um jornal paulistano <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
circulação, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>de</strong>screve uma<br />
situação <strong>em</strong> que um supervisor usava um<br />
martelo <strong>de</strong> plástico para bater na cabeça<br />
é uma das razões que levam aos pedidos <strong>de</strong><br />
d<strong>em</strong>issão, como se constatou <strong>em</strong> pesquisas<br />
internacionais 5 . Gilbert <strong>de</strong> Terssac (1992)<br />
concorre para a compreensão da autonomia<br />
no trabalho caracterizando-a como<br />
uma concessão <strong>de</strong>terminada aos trabalhadores<br />
para executar<strong>em</strong> seu trabalho. Pon<strong>de</strong>ra,<br />
contudo, que a autonomia não se instaura<br />
pela simples substituição das regras<br />
formais estabelecidas por outro conjunto<br />
<strong>de</strong> normas, mas por soluções que permit<strong>em</strong><br />
melhores resultados.<br />
dos operadores, pedindo mais vendas. A<br />
operadora que <strong>de</strong>screveu essa situação<br />
per<strong>de</strong>u 14 quilos <strong>em</strong> seis meses e passou a<br />
sofrer <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>pressão que, segundo ela,<br />
agravou-se após seguidos atos <strong>de</strong>ssa natureza6<br />
.<br />
Na visão dos operadores, as chefias são<br />
s<strong>em</strong>pre autoritárias e unilaterais, s<strong>em</strong> concessões<br />
expressivas para o diálogo sobre o<br />
trabalho e seu ritmo. As pressões sofridas<br />
<strong>em</strong>botam nos operadores a percepção <strong>de</strong><br />
que também o supervisor sofre reprimendas<br />
s<strong>em</strong>elhantes <strong>de</strong> seus superiores e que<br />
<strong>de</strong>ve, por força do cargo, fortalecer na equipe<br />
o ânimo e a disposição para o trabalho.<br />
As entrevistas realizadas foram reveladoras<br />
das condições <strong>de</strong> trabalho nas centrais<br />
<strong>de</strong> atendimento, pois, a <strong>de</strong>speito dos<br />
esforços para se abordar<strong>em</strong> outros aspectos<br />
do trabalho, todos os operadores ouvidos,<br />
especialmente os do atendimento ativo,<br />
voltavam às pressões por produção, repetindo<br />
continuadamente a expressão dos<br />
supervisores: “Vamos bater a meta”.<br />
Os trabalhadores suportam o comportamento<br />
da supervisão <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> medida<br />
por medo do <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego, por <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<strong>em</strong><br />
daquele trabalho para estudar ou arcar com<br />
<strong>de</strong>spesas familiares ou, ainda, pelo fato <strong>de</strong><br />
ser, para 45% dos operadores, o primeiro<br />
<strong>em</strong>prego, ou seja, por ser<strong>em</strong> pessoas menos<br />
experientes quanto aos limites do exercício<br />
do po<strong>de</strong>r.<br />
Pelo lado da gestão, recoloca-se permanent<strong>em</strong>ente<br />
a possibilida<strong>de</strong> da perda do<br />
<strong>em</strong>prego, com constantes ameaças <strong>de</strong> justa<br />
causa com base na percepção da <strong>de</strong>sinformação<br />
acerca dos direitos trabalhistas.<br />
As ameaças <strong>de</strong> d<strong>em</strong>issão por justa causa7 ,<br />
recorrentes nos <strong>de</strong>poimentos, não só são<br />
uma forma <strong>de</strong> pressão pela manutenção da<br />
Revista Brasileira <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 7-18, 2006