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Vista <strong>do</strong><br />
Terrapleno em<br />
que se espera<br />
encontrar a<br />
entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês. Nesta<br />
foto pode-se<br />
ainda observar<br />
o frontal <strong>do</strong><br />
forte português<br />
a noventa graus<br />
com esta<br />
expectativa.<br />
<strong>Arqueologia</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong><br />
O <strong>Forte</strong> Holandês<br />
MARCOS ALBUQUERQUE<br />
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○<br />
No número anterior desta revista, tratamos<br />
da pesquisa arqueológica realizada no<br />
<strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong>, na Ilha de Itamaracá, no<br />
Esta<strong>do</strong> de Pernambuco. Naquele artigo<br />
tentamos demonstrar que o atual <strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong>,<br />
que é considera<strong>do</strong> de construção holandesa, de<br />
fato trata-se de uma fortificação de construção<br />
luso-brasileira e recebeu o nome de Fortaleza de<br />
Santa Cruz. Como, durante a ocupação holande-<br />
sa, o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo de Mauricio de Nassau<br />
constituiu-se em um perío<strong>do</strong> áureo para a Colônia,<br />
no inconsciente coletivo fixou-se a imagem de<br />
que esse monumento era de construção holandesa,<br />
fato que ocorre com outros monumentos,<br />
sobretu<strong>do</strong> no nordeste <strong>do</strong> Brasil.<br />
Foi realizada uma ampla escavação arqueológica<br />
no forte português, objetivan<strong>do</strong> o entendimento<br />
<strong>do</strong> quotidiano <strong>do</strong>s seus ocupantes, que<br />
36 ANO X / Nº 17
foi coordenada pelo Laboratório de <strong>Arqueologia</strong><br />
da Universidade Federal de Pernambuco, em parceria<br />
com a Mowic Foundation, ten<strong>do</strong> o apoio <strong>do</strong><br />
IPHAN/Brasil, da Embaixada da Holanda, da Superintendência<br />
Regional <strong>do</strong> IPHAN/PE e <strong>do</strong> Governo<br />
<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Pernambuco.<br />
Entretanto, além da ocupação luso-brasileira,<br />
ou seja, a Fortaleza de Santa Cruz, esse ponto<br />
estratégico, situa<strong>do</strong> na Barra <strong>do</strong> Canal de Santa<br />
Cruz, já tinha si<strong>do</strong> busca<strong>do</strong> pelos holandeses. A fortificação<br />
levantada em 1631, em caráter de emergência,<br />
fora possivelmente construída em madeira<br />
e terra, como se pode inferir pelas práticas descritas<br />
da construção de fortes no Recife, nos primeiros<br />
momentos da ocupação.<br />
Posteriormente, em 1633, sob o coman<strong>do</strong> de<br />
Sigismund van Schoppe, o forte foi reforma<strong>do</strong>, ou<br />
talvez amplia<strong>do</strong>, ou mesmo ainda teria si<strong>do</strong> substituí<strong>do</strong><br />
por um outro forte que melhor pudesse<br />
defender aquela posição. Mas apenas em 1638, já<br />
sob a administração de Maurício de Nassau, o <strong>Forte</strong><br />
<strong>Orange</strong> assume uma configuração bem mais<br />
próxima daquela divulgada no livro de Barleus, o<br />
chama<strong>do</strong> Castrum Auriacum.<br />
Esse novo forte holandês não se manteve isola<strong>do</strong>.<br />
Com a consolidação <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio, os holandeses<br />
instalaram em Itamaracá um sistema de<br />
defesa que <strong>do</strong> la<strong>do</strong> sul integrava a Vila Schoppe,<br />
além de outros redutos e um grande alojamento.<br />
O sistema era complementa<strong>do</strong> com um fortim<br />
<strong>do</strong> la<strong>do</strong> norte, na Barra de Catuama. Dois pontos<br />
fortifica<strong>do</strong>s no continente integram ainda o<br />
sistema: um no local onde nas primeiras décadas<br />
<strong>do</strong> século XVI haviam si<strong>do</strong> instala<strong>do</strong>s os marcos<br />
divisórios das Capitanias de Pernambuco e Itamaracá<br />
– o Reduto <strong>do</strong>s Marcos – e outro na “passagem”<br />
de Itapissuma.<br />
Na construção <strong>do</strong> <strong>Forte</strong> de Itamaracá supervisionava<br />
as obras Tobias Commersteyn, que<br />
ANO X / Nº 17<br />
37<br />
Nesta etapa da<br />
escavação não<br />
tínhamos a<br />
menor duvida que<br />
tínhamos<br />
encontra<strong>do</strong> a<br />
entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês.<br />
As paredes<br />
inclinadas eram<br />
<strong>do</strong>is arrimos que<br />
balizavam a<br />
entrada <strong>do</strong> forte.<br />
Observe-se<br />
nas duas plantas,<br />
a holandesa<br />
e a portuguesa,<br />
o registro<br />
das entradas<br />
de acesso.<br />
Observe-se<br />
ainda a presença<br />
da Casa de<br />
Pólvora ao la<strong>do</strong><br />
da entrada.<br />
Na foto ao<br />
la<strong>do</strong>, estrutura<br />
da Casa de<br />
Pólvora que<br />
se encontrava<br />
soterrada.<br />
Detalhe da<br />
Casa de Pólvora,<br />
observa-se a<br />
utilização de<br />
tijolos de origem<br />
holandesa em<br />
sua construção.
Terrapleno<br />
onde se supunha<br />
a existência da<br />
entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês.<br />
Ao la<strong>do</strong>, inicio<br />
da escavação <strong>do</strong><br />
terrapleno no<br />
qual se esperava<br />
vestígios da<br />
entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês.<br />
Abaixo, to<strong>do</strong> o<br />
material retira<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> terrapleno,<br />
varias toneladas<br />
de areia, é<br />
submeti<strong>do</strong> a um<br />
processo de<br />
peneiramento<br />
mecânico com o<br />
objetivo de se<br />
resgatar qualquer<br />
informação, seja<br />
<strong>do</strong> forte português,<br />
nos níveis<br />
superiores, ou <strong>do</strong><br />
forte holandês,<br />
na sua base.<br />
contava com os serviços de Cristóvão Álvares,<br />
engenheiro português.<br />
Um <strong>do</strong>s objetivos que balizaram a problemática<br />
da pesquisa foi a identificação de vestígios<br />
comprobatórios da ocupação holandesa. Um estu<strong>do</strong><br />
da iconografia disponível possibilitou a identificação<br />
de alguns elementos contundentes com<br />
relação à construção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fortes, o holandês e<br />
o luso-brasileiro:<br />
1. Na construção holandesa, os quartéis situa<strong>do</strong>s<br />
na praça de armas não se encontravam justapostos<br />
à contramuralha.<br />
2. Na construção luso-brasileira, ao contrario<br />
da holandesa, os quartéis estão justapostos à<br />
contramuralha, como na construção atual.<br />
3. Na construção holandesa, a porta de acesso<br />
à fortificação encontra-se voltada para o Canal<br />
de Santa Cruz.<br />
4. Na construção luso-brasileira, a porta de<br />
acesso encontra-se voltada para o interior da ilha,<br />
ou seja, a 90 graus em relação à porta holandesa.<br />
5. Tanto na construção holandesa como na<br />
portuguesa, pode-se observar na iconografia a<br />
representação de uma casa de pólvora.<br />
6. Na planta <strong>do</strong> forte de construção holandesa,<br />
pode-se observar apenas a existência de duas<br />
rampas de acesso ao terrapleno, enquanto nas<br />
plantas luso-brasileiras a Fortaleza de Santa Cruz<br />
apresenta quatro rampas que, partin<strong>do</strong> da praça<br />
de armas, permite o acesso tanto aos terraplenos<br />
como aos baluartes.<br />
7. Com base na iconografia holandesa, o<br />
<strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong> possuía um hornaveque.<br />
Como ficou demonstra<strong>do</strong> no artigo anterior,<br />
que tratou da escavação <strong>do</strong> forte português,<br />
foi identificada parte da casa de pólvora que se encontrava<br />
soterrada. Essa estrutura, que aparece tanto<br />
nas plantas holandesas como nas luso-brasileiras,<br />
constitui-se em um elemento fundamen-<br />
38 ANO X / Nº 17
tal para a formulação de hipóteses. Consideran<strong>do</strong>-se<br />
que se sabia o posicionamento das portas<br />
<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fortes em relação ao Canal de Santa Cruz<br />
ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> localizada a casa de pólvora <strong>do</strong> perío<strong>do</strong><br />
luso-brasileiro e, ainda, que foi constata<strong>do</strong> que<br />
essa estrutura fora construída com tijolos de origem<br />
holandesa, foi possível iniciar uma melhor<br />
formulação das hipóteses, objetivan<strong>do</strong> a localização<br />
<strong>do</strong> forte holandês. Foi realizada uma superposição<br />
virtual das plantas, pivotean<strong>do</strong>-as em<br />
torno da casa de pólvora. Esse procedimento direcionou<br />
a pesquisa no senti<strong>do</strong> de se buscarem vestígios<br />
<strong>do</strong> forte holandês a partir de elementos passíveis<br />
de serem transforma<strong>do</strong>s em hipóteses de trabalho.<br />
A casa de pólvora havia si<strong>do</strong> encontrada na<br />
escavação anterior e coincidia nas duas plantas, a<br />
holandesa e a portuguesa, portanto constituía-se<br />
em um elemento de suma importância para a continuidade<br />
<strong>do</strong>s trabalhos na busca de elementos <strong>do</strong><br />
forte holandês.<br />
Após um maior detalhamento desse estu<strong>do</strong><br />
iconográfico, associa<strong>do</strong> à descoberta da casa de<br />
pólvora, foi levantada a hipótese de que a porta<br />
<strong>do</strong> forte holandês deveria ser encontrada sob o<br />
ANO X / Nº 17<br />
terrapleno volta<strong>do</strong> para o Canal de Santa Cruz,<br />
entre a muralha e a contramuralha <strong>do</strong> forte português.<br />
Teve inicio, então, a escavação desse terrapleno,<br />
<strong>do</strong> qual foram retiradas várias toneladas<br />
de areia que preenchia o terrapleno português.<br />
To<strong>do</strong> esse material foi transporta<strong>do</strong> para a praça<br />
de armas, onde foi submeti<strong>do</strong> a um processo de<br />
peneiramento com o objetivo de ser resgata<strong>do</strong><br />
qualquer vestígio que identificasse a cronologia<br />
ou procedência dele.<br />
Aproximadamente no nível da praia, ou seja,<br />
muito abaixo <strong>do</strong> parapeito <strong>do</strong> forte português,<br />
começou a aparecer uma estrutura com uma inclinação<br />
aproximada de 45 graus, que poderia ser<br />
uma parede tombada, ou parte de uma construção<br />
holandesa, pois era constituída por tijolos holandeses<br />
argamassa<strong>do</strong>s com cal. Com o aprofundamento<br />
das escavações constatou-se que se tratava<br />
realmente da porta de acesso <strong>do</strong> forte holandês,<br />
que era constituída por <strong>do</strong>is arrimos com a inclinação<br />
de 45 graus, parte <strong>do</strong>s portais em cantaria e<br />
a soleira, também em pedra.<br />
Ao la<strong>do</strong> dessa estrutura foram encontra<strong>do</strong>s<br />
vários tijolos soltos, fruto <strong>do</strong> desmoronamento<br />
39<br />
Dois tratores<br />
removeram<br />
a areia escavada<br />
no terrapleno.<br />
Enquanto esta<br />
operação tinha<br />
prosseguimento<br />
todas as quotas<br />
eram controlada<br />
por uma<br />
estação total.
Acima, nesta<br />
quota começou<br />
a aparecer<br />
vestígios de uma<br />
construção<br />
elaborada com<br />
tijolos de origem<br />
holandesa.<br />
Ao la<strong>do</strong>, foram<br />
encontra<strong>do</strong>s os<br />
<strong>do</strong>is portais da<br />
entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês, em<br />
cantaria, a soleira<br />
da porta, e a<br />
parede construída<br />
pelos portugueses<br />
quan<strong>do</strong> da<br />
ocupação <strong>do</strong> forte<br />
holandês. Esta<br />
parede obliterava<br />
esta entrada<br />
enquanto<br />
os portugueses<br />
optaram<br />
por transitar por<br />
outra entrada,<br />
esta voltada para<br />
a Ilha e não mais<br />
para o Canal de<br />
Santa Cruz.<br />
de uma abóbada que constituía o trânsito, que<br />
dava acesso ao interior <strong>do</strong> forte. Parte das estruturas<br />
laterais <strong>do</strong> trânsito, que suportavam o teto<br />
abobada<strong>do</strong>, foram resgatadas durante a escavação.<br />
To<strong>do</strong>s esses tijolos apresentavam restos de<br />
argamassa de cal com espessuras diferentes nas<br />
suas extremidades, o que permitiu reconstituirse<br />
a curvatura da abóbada.<br />
Os luso-brasileiros ocuparam o forte holandês<br />
e ainda por alguns anos antes de construírem<br />
a Fortaleza de Santa Cruz. Ao contrário <strong>do</strong>s holandeses,<br />
que sempre que possível mantinham<br />
uma esquadra nas imediações da fortificação, os<br />
portugueses optaram por estabelecer a entrada<br />
exatamente a 90 graus da holandesa, esta voltada<br />
para o interior da ilha. Durante o longo perío<strong>do</strong><br />
dedica<strong>do</strong> à construção da fortaleza, a antiga<br />
entrada holandesa foi fechada com uma parede<br />
de alvenaria.<br />
Nesse momento das escavações, já se dispunha<br />
de mais elementos que remetiam à construção<br />
holandesa: a casa de pólvora e a porta <strong>do</strong> forte<br />
holandês. A partir daí já se puderam formular<br />
hipóteses mais consistentes. Partiu-se então para<br />
a localização da muralha <strong>do</strong> forte holandês. Com<br />
o avanço das escavações foi localizada, a 90 graus<br />
da porta de entrada, a muralha <strong>do</strong> forte holandês e<br />
surgiam novas evidências. Um pouco abaixo da<br />
parte superior <strong>do</strong>s vestígios <strong>do</strong> acesso ao forte holandês,<br />
foi identificada parte da muralha, ou seja,<br />
a porção externa <strong>do</strong> forte, paralela ao Canal de<br />
Santa Cruz e perpendicular ao trânsito.<br />
A muralha era de terra, encimada por uma<br />
paliçada. A sua constituição compunha-se de argila,<br />
areia, ramos vegetais e estacas de madeira. A<br />
areia utilizada em sua construção é de origem local.<br />
A argila associada à areia encontra-se nas proximidades,<br />
pois o local onde se situa o forte é bordeja<strong>do</strong><br />
por elevações <strong>do</strong> Grupo Barreiras, consequentemente,<br />
não haveria problema para a sua<br />
aquisição. Apenas os tijolos, ou parte deles, são<br />
de origem holandesa, que deveriam vir como lastro<br />
<strong>do</strong>s navios. A cal também era de origem local,<br />
pois a Ilha de Itamaracá repousa sobre um manto<br />
de calcário. É comum na área a presença de pequenos<br />
fornos para o fabrico de cal. A localização<br />
da matéria-prima constitui-se em uma preocupação<br />
constante na pesquisa arqueológica. Muitas<br />
vezes são descritos uma igreja, um forte, ou<br />
40 ANO X / Nº 17
até mesmo uma cidade, com base apenas em critérios<br />
da história da arte, sen<strong>do</strong>, muitas vezes, negligenciada<br />
a origem da matéria-prima utilizada<br />
em suas construções.<br />
A descoberta da muralha <strong>do</strong> forte holandês<br />
trouxe muitas contribuições, além de sua presença<br />
em si. Foi possível entender a sua construção,<br />
em camadas superpostas, a sua composição, a sua<br />
forma trapezoidal e a paliçada em sua porção superior.<br />
Além dessas informações, tornou-se possível<br />
desmistificar a informação corrente entre<br />
vários historia<strong>do</strong>res que afirmavam que os fortes<br />
de terra foram “encamisa<strong>do</strong>s” por uma muralha<br />
em séculos subsequentes à sua construção. No caso<br />
particular <strong>do</strong> <strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong>, podemos assegurar<br />
que a muralha holandesa ficou preservada no interior<br />
da muralha e da contramuralha da Fortaleza<br />
de Santa Cruz.<br />
Quan<strong>do</strong> os portugueses ergueram a sua fortificação,<br />
aproveitaram a muralha holandesa como<br />
parte <strong>do</strong> preenchimento de seu terrapleno. Ou<br />
seja, não construíram a sua muralha justapon<strong>do</strong><br />
as pedras contra a muralha holandesa. A muralha<br />
holandesa se encontra “solta” entre a muralha e a<br />
contramuralha <strong>do</strong> forte português. O preenchimento<br />
português de seu terrapleno foi realiza<strong>do</strong><br />
com areia, sobre o topo da muralha holandesa.<br />
Com base nas evidências acima explicitadas,<br />
foi estabelecida a hipótese de que o forte holandês<br />
possuía menor dimensão <strong>do</strong> que a Fortaleza<br />
de Santa Cruz, o que veio a ser comprova<strong>do</strong> ainda<br />
durante as escavações arqueológicas. O <strong>Forte</strong><br />
<strong>Orange</strong> encontrava-se circunscrito no interior <strong>do</strong><br />
polígono ocupa<strong>do</strong> pela Fortaleza de Santa Cruz.<br />
Com base nessas premissas, teve continuidade<br />
a escavação da praça de armas, pois, se a hipótese<br />
estivesse correta, seria nessa área que se<br />
encontrariam tanto os quartéis holandeses como<br />
a fonte de água que abastecia o forte. Nessa etapa<br />
ANO X / Nº 17<br />
da pesquisa, já com um maior número de evidências<br />
<strong>do</strong> forte holandês, ou seja, a casa de pólvora,<br />
o trânsito e a muralha, tornou-se possível a formulação<br />
de novas hipóteses com um maior nível<br />
de segurança. Procuraram, então, evidências <strong>do</strong>s<br />
quartéis holandeses e em seguida de sua cacimba.<br />
Sempre que possível a cacimba situa-se na<br />
praça de armas, em seu centro geométrico, pois<br />
se posiciona equidistante de todas as dependências<br />
da fortificação. Assim, ao ser constata<strong>do</strong> que<br />
o forte holandês se encontrava circunscrito no<br />
traça<strong>do</strong> <strong>do</strong> forte português, a cacimba deveria<br />
encontrar-se em local diferente da atual cacimba,<br />
de origem portuguesa, que se encontra no centro<br />
geométrico <strong>do</strong> forte atual.<br />
Em vários cortes, realiza<strong>do</strong>s na praça de armas<br />
<strong>do</strong> forte português, foram encontradas valas<br />
41<br />
Detalhe<br />
<strong>do</strong> arrimo que<br />
balizava a entrada<br />
<strong>do</strong> forte holandês.<br />
Sua construção<br />
foi realizada com<br />
a utilização de<br />
tijolos de origem<br />
holandesa,<br />
argamassa<strong>do</strong>s<br />
com cal.<br />
Na foto no alto,<br />
pode-se observar<br />
os <strong>do</strong>is arrimos<br />
que balizavam<br />
a entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês,<br />
a passagem<br />
obliterada pelos<br />
portugueses,<br />
e parte <strong>do</strong> transito<br />
que dava acesso<br />
ao interior <strong>do</strong><br />
forte holandês.
No interior<br />
<strong>do</strong> poço<br />
foi encontra<strong>do</strong><br />
material<br />
arqueológico<br />
<strong>do</strong> século<br />
correspondente<br />
a ocupação<br />
holandesa.<br />
Em torno<br />
desta estrutura<br />
circular foi<br />
descoberto um<br />
piso de tijolos<br />
que facilitavam<br />
o acesso ao<br />
poço.<br />
Arco em<br />
cantaria que<br />
encimava a<br />
entrada<br />
<strong>do</strong> transito da<br />
entrada <strong>do</strong> forte<br />
holandês.<br />
Junto ao<br />
arco em cantaria<br />
foram<br />
encontra<strong>do</strong>s<br />
tijolos que<br />
provavelmente<br />
foram utiliza<strong>do</strong>s<br />
na elaboração<br />
da abobada<br />
de entrada <strong>do</strong><br />
transito <strong>do</strong> forte<br />
holandês.<br />
Detalhe <strong>do</strong><br />
piso de um <strong>do</strong>s<br />
quartéis<br />
holandeses<br />
encontra<strong>do</strong> entre<br />
as valas <strong>do</strong>s<br />
alicerces.<br />
Provavelmente<br />
parte destes<br />
quartéis foram<br />
utiliza<strong>do</strong>s<br />
por ocasião<br />
da ocupação<br />
portuguesa<br />
antes que estes<br />
construísse<br />
a Fortaleza de<br />
Santa Cruz.<br />
trapezoidais que se repetiram em vários cortes,<br />
denotan<strong>do</strong> uma relação espacial entre elas. Ao se<br />
ligarem as valas, nos diferentes cortes, observouse<br />
que se tratava de uma estrutura intencionalmente<br />
aberta. Com o aprofundamento <strong>do</strong>s cortes,<br />
foram observadas pedras em todas as valas.<br />
Não restava mais dúvida de que se tratava das valas<br />
escavadas para a construção <strong>do</strong>s alicerces <strong>do</strong>s<br />
quartéis holandeses. Essa descoberta desmistificou<br />
mais uma afirmativa corriqueira entre vários<br />
historia<strong>do</strong>res, a de que os holandeses não haviam<br />
utiliza<strong>do</strong> pedras em suas construções. Deve-se<br />
levar em consideração que, embora na Holanda<br />
não haja pedras e consequentemente tenham si<strong>do</strong><br />
desenvolvidas várias técnicas construtivas alternativas,<br />
houve o contato com os construtores portugueses,<br />
que já se encontravam instala<strong>do</strong>s na Colônia<br />
há mais de um século, com larga experiência<br />
em construção de pedras abundantes no Brasil,<br />
que foi absorvida pelos construtores holandeses.<br />
A ligação virtual de todas as porções das valas<br />
permitiu a superposição, também virtual, <strong>do</strong> seu<br />
traça<strong>do</strong> sobre a planta de origem holandesa. O resulta<strong>do</strong><br />
comprovou a hipótese de que se tratava<br />
<strong>do</strong>s alicerces <strong>do</strong>s quartéis holandeses. Também,<br />
no espaço entre as valas, foram encontra<strong>do</strong>s restos<br />
de piso, cuja quota é completamente compatível<br />
com as demais <strong>do</strong> forte holandês.<br />
A partir de to<strong>do</strong>s os elementos <strong>do</strong> forte holandês,<br />
encontra<strong>do</strong>s arqueologicamente e descritos<br />
em parágrafos anteriores, tornou-se possível<br />
a formulação de mais uma hipótese dispon<strong>do</strong> de<br />
elementos irrefutáveis. O poço holandês deveria,<br />
em principio, encontrar-se na praça de armas,<br />
aproximadamente no centro geométrico. Com o<br />
avanço das escavações foi encontrada uma estrutura<br />
circular, como um aro de barril. Como vários<br />
barris já foram encontra<strong>do</strong>s em outras escavações,<br />
poderia tratar-se de mais uma peça de des-<br />
42 ANO X / Nº 17
carte de lixo. Entretanto, ao se aprofundar a escavação,<br />
percebeu-se que em sua volta havia uma<br />
estrutura de tijolos que guarnecia to<strong>do</strong> o seu entorno,<br />
ou seja, uma estrutura compatível com a<br />
proteção externa de uma cacimba. A partir desse<br />
momento, ficou devidamente claro que se tratava<br />
<strong>do</strong> poço <strong>do</strong> forte holandês.<br />
Concluiu-se que os holandeses abriram as<br />
duas extremidades <strong>do</strong> barril, foram enterran<strong>do</strong> até<br />
o nível <strong>do</strong> lençol e, em seguida, realizaram o tratamento<br />
com tijolos em sua volta. Essa técnica assemelha-se<br />
à utilização de anéis de concreto para a<br />
construção de cacimbas nos dias atuais.<br />
As laterais <strong>do</strong> barril, em madeira, ainda se<br />
encontram parcialmente preservadas pela água. Ao<br />
se atingir o nível <strong>do</strong> lençol, a sua água foi analisada<br />
<strong>do</strong> ponto de vista químico e apresentou qualidade<br />
de potabilidade compatível com a preconizada<br />
pela Organização Mundial de Saúde, fato que é<br />
de suma importância para os ocupantes <strong>do</strong> forte,<br />
sobretu<strong>do</strong> em possível época de sítio. Na base<br />
desse poço foi encontra<strong>do</strong> significativo material<br />
arqueológico que será aborda<strong>do</strong> no próximo artigo<br />
que versará sobre to<strong>do</strong> o material arqueológico<br />
encontra<strong>do</strong> na pesquisa.<br />
Tanto as estruturas <strong>do</strong> <strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong> como as<br />
da Fortaleza de Santa Cruz se encontram cobertas<br />
de areia para evitar danos, até que haja uma restauração,<br />
cujo projeto encontra-se em fase de elaboração<br />
e acompanha<strong>do</strong> por técnicos da Superintendência<br />
Regional <strong>do</strong> IPHAN/PE.<br />
Essa pesquisa arqueológica produziu resulta<strong>do</strong>s<br />
de diferentes aspectos. Do ponto de vista cientifico,<br />
é inegável a sua contribuição, pois, além de se<br />
estudar o quotidiano da Fortaleza de Santa Cruz,<br />
localizou-se o <strong>Forte</strong> <strong>Orange</strong> que se encontrava completamente<br />
soterra<strong>do</strong>. Do ponto de vista <strong>do</strong> entendimento,<br />
herança comum entre a Holanda, Portugal<br />
e Brasil, eluci<strong>do</strong>u vários aspectos obscuros e<br />
ANO X / Nº 17<br />
permitiu uma aproximação multicultural de saberes<br />
e procederes, culminan<strong>do</strong> com a visita ao canteiro<br />
de escavação da família real <strong>do</strong> Reino <strong>do</strong>s Países<br />
Baixos o que favoreceu a assinatura de um termo<br />
de cooperação entre Brasil e Holanda. Mais uma<br />
página da rica História Militar <strong>do</strong> Brasil foi “lida”,<br />
contribuin<strong>do</strong> para a formação da cidadania, pois<br />
uma sociedade que não conhece seu passa<strong>do</strong> não<br />
tem perspectiva de futuro. Aguardamos a conclusão<br />
<strong>do</strong> projeto de restauração, basea<strong>do</strong> nessa pesquisa,<br />
que permitirá a abertura de uma janela <strong>do</strong><br />
passa<strong>do</strong> para as gerações <strong>do</strong> presente e <strong>do</strong> futuro.<br />
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○<br />
MARCOS ALBUQUERQUE é natural de Recife – Pernambuco. Coordena<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> Laboratório de <strong>Arqueologia</strong> da UFPE. Professor <strong>do</strong> Programa de<br />
Pós-Graduação em <strong>Arqueologia</strong> da UFPE.<br />
Pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> CNPq. Doutor em <strong>Arqueologia</strong> Histórica e Membro da<br />
Academia de Historia Militar <strong>do</strong> Paraguay – www.magmarqueologia.pro.br<br />
43<br />
Toda a escavação<br />
foi exaustivamente<br />
<strong>do</strong>cumentada.<br />
Nesta foto<br />
a utilização de um<br />
eleva<strong>do</strong>r<br />
desenvolvi<strong>do</strong><br />
pelo Laboratório<br />
de <strong>Arqueologia</strong><br />
que permite<br />
o <strong>do</strong>cumentário<br />
fotográfico tanto<br />
em distancia maior<br />
como em planta,<br />
da<strong>do</strong> a sua<br />
versatilidade e<br />
mobilidade.