18.04.2013 Views

HISTÓRIA DA POESIA UNIVERSAL ( Breve Relato ) MONOGRAFIA ...

HISTÓRIA DA POESIA UNIVERSAL ( Breve Relato ) MONOGRAFIA ...

HISTÓRIA DA POESIA UNIVERSAL ( Breve Relato ) MONOGRAFIA ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>HISTÓRIA</strong> <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> <strong>UNIVERSAL</strong><br />

( <strong>Breve</strong> <strong>Relato</strong> )<br />

<strong>MONOGRAFIA</strong><br />

JERÔNIMO MENDES<br />

CURITIBA / PR , MARÇO DE 2001


Aos meus filhos e esposa,<br />

pela paciência colecionada durante o tempo<br />

em que dedico-me mais aos livros do que a eles . . .<br />

2


“ Nadamos, dia a dia, num rio de desilusões e somos efetivamente<br />

entretidos com casas e cidades no ar, com as quais os homens à nossa volta são<br />

enganados. Mas a vida é uma sinceridade.<br />

Que nos seja fornecida a cifra e, se as pessoas e coisas são partituras de<br />

uma música celestial, que possamos ler os acordes. Fomos lesados em nossa razão;<br />

no entanto, houve homens que gozaram uma existência rica e afim. O que eles<br />

sabem, sabem para nós.<br />

Em cada nova mente transpira um novo segredo da natureza ; nem pode<br />

a Bíblia ser dada por completa até que nasça o último grande homem ” .<br />

RALPH WALDO EMERSON<br />

3


ÍNDICE<br />

INTRODUÇÃO 5<br />

CONCEITO DE <strong>POESIA</strong> 8<br />

O FLORESCER <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> 13<br />

1. OS PRIMEIROS POETAS 14<br />

2. A PROFISSÃO DE POETA 31<br />

3. A <strong>HISTÓRIA</strong> ATRAVÉS <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> 41<br />

4. OS GRANDES POETAS 50<br />

A UTILI<strong>DA</strong>DE <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> 77<br />

1. <strong>POESIA</strong> EM FORMA DE PROTESTO 78<br />

2. A POPULARI<strong>DA</strong>DE <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> ATRAVÉS <strong>DA</strong> MÚSICA 89<br />

3. O FUTURO <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> E A <strong>POESIA</strong> DO FUTURO 94<br />

4. O ENSINO <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> NAS ESCOLAS 99<br />

CONCLUSÃO 107<br />

BIBLIOGRAFIA 111<br />

1. GERAL 112<br />

2. ESPECÍFICA 114<br />

4


INTRODUÇÃO<br />

O assunto desenvolvido nesta monografia, História da Poesia Universal, à<br />

primeira visita pareceu-me complexo e extenso demais, considerando todo o período<br />

da existência humana e da transformação das artes em geral. Quanta ambição de<br />

minha parte ! Ousar o estudo de um assunto tão extenso e difícil ao mesmo tempo.<br />

O fato de cultivar uma preferência incomum nos dias de hoje, o gosto pela<br />

poesia, desde os tempos de criança, contribuiu sobremaneira para buscar, a<br />

qualquer custo, demonstrar a merecida importância que a arte poética exerceu ao<br />

longo dos séculos em todos os povos, da antigüidade aos dias de hoje.<br />

Durante o desenvolvimento do trabalho, tive a oportunidade de navegar<br />

por mares nunca dantes navegados e a pesquisa foi se tornando fascinante à<br />

medida que o meu interesse foi se aprofundando, quase que inconscientemente.<br />

Ao iniciar a reunião do material, após definido o tema, nunca imaginei que<br />

poderia ir tão longe, pois a pesquisa, com propósito e determinação, exigiu-me um<br />

tempo extraordinário, embora gratificante.<br />

Para facilitar a exposição das idéias e dos acontecimentos, optei pela<br />

ordem cronológica da história da poesia, iniciando pelos primeiros poetas da Grécia<br />

Antiga e, avançando através dos séculos, procurei demonstrar a participação da<br />

poesia no desenvolvimento dos povos, como instrumento de criação, arte ou mesmo<br />

como instrumento de protesto.<br />

Minha preocupação maior foi encontrar uma forma de não tornar a leitura<br />

e a seqüência do trabalho monótona e repetitiva. Por isso, apesar de muitos tópicos<br />

exigirem a reapresentação da obra ou vida de um ou outro poeta, conseguimos, em<br />

consenso, variar os nomes para evitar duplicidade de informações e citações, ou<br />

ainda, para apresentar o maior numero de poetas possível, a fim de enriquecer,<br />

divulgar e premiar também poetas pouco mencionados na literatura atual.<br />

5


Em conseqüência, nenhuma fonte de pesquisa foi descartada : jornais,<br />

livros de poesia, estudos de críticos literários, biografias, enciclopédias e folhetins.<br />

As interpretações dos estudiosos de poesia foram analisadas<br />

profundamente como forma de promover a reflexão e o consenso interior para se<br />

utilizar ou não a informação apresentada.<br />

Dessa forma, o leitor poderá encontrar no transcorrer da leitura, desde o<br />

primeiro capítulo, pequenos trechos de poemas, todos em forma de versos e<br />

nenhum em forma de prosa, de poetas pouco estudados na literatura, mas de<br />

grande impacto para o seu povo e sua época.<br />

Naturalmente, encontrará os grandes clássicos que fizeram a história da<br />

Poesia Universal feito Camões, Aligheri, Shakespeare, Rimbaud e Drummond, os<br />

quais não posso excluir pelo fato de o mundo já tê-los elevado à condição de<br />

imortais. Eles não pertencem mais ao seu povo e sim à humanidade que os elegeu<br />

eternos.<br />

As pequenas biografias apresentadas de diversos poetas tem caráter<br />

exclusivamente pedagógico, pois, sem falsa modéstia, não encontrei nenhum livro<br />

que reunisse um grande número deles com detalhes tão particulares de suas vidas,<br />

o que pode ser encontrado somente em livros que estudam os autores<br />

separadamente.<br />

Antes do final, o leitor terá condições de comprovar os objetivos abaixo<br />

estabelecidos para o desenvolvimento da monografia e, assim como eu, poderá<br />

chegar à conclusão única de que os povos amam seus poetas e, por mais que não<br />

os valorizem em termos editoriais, não conseguem viver sem os seus versos :<br />

Demonstrar a importância da poesia no desenvolvimento dos povos<br />

Comprovar a sobrevivência da poesia em meio à transformação cultural<br />

Elaborar propostas alternativas para o ensino da poesia nas escolas<br />

O tema escolhido, e aqui desenvolvido com afinco e disposição, é<br />

universal. Todo cidadão pode não ter lido os versos, mas sabe o nome de um poeta<br />

qualquer, conhecido ou não.<br />

Se perguntarmos a um adolescente ou mesmo uma criança o nome de<br />

um poeta do seu país, tomando-se o Brasil como exemplo, lembrar-se-á de<br />

6


Drummond, Cecília Meireles, Castro Alves, João Cabral de Melo Neto, Mário<br />

Quintana, Leminski ou Helena Kolody no Paraná.<br />

Essa é a grande vantagem da poesia. Perante o caos literário, sobrevive,<br />

pois o esforço dos poetas em busca do entendimento da sua mensagem e, por sua<br />

vez, da glória, é sobre-humano. Duvidam ? Eis aqui o pensamento do escritor norte-<br />

americano Don Marquis e avaliem a dificuldade da profissão :<br />

“ Publicar um livro de poesia é como atirar um pétala de rosa no Grand<br />

Canyon e ficar esperando pelo eco ” .<br />

Este pensamento foi determinante para a escolha do tema e a realidade<br />

da poesia leva-nos a concordar com ele. Infelizmente há um paradoxo difícil de ser<br />

esclarecido ou interpretado, mas creiam que houve grande tentativa de minha parte :<br />

“ Se os povos amam seus poetas e a poesia está presente na mente das<br />

pessoas, qual a razão para ela estar sendo sacrificada pelo meio editorial em favor<br />

dos absurdos literários despejados diariamente nas livrarias ?” .<br />

Espero, sinceramente, esclarecer em grande parte todas essas duvidas<br />

durante a leitura da monografia, desprovido de todo sentimentalismo poético que,<br />

geralmente, acaba por atropelar a razão em favor da emoção.<br />

7


CONCEITO DE <strong>POESIA</strong><br />

Ao longo do desenvolvimento da monografia foi difícil encontrar<br />

alguma citação ou autor que tenha apresentado qualquer definição precisa de<br />

poesia sem demonstrar uma ponta de preocupação com a importância da<br />

interpretação por parte do leitor.<br />

O conceito de poesia, se acreditamos que podemos conceituá-la, é<br />

coisa bem diversa do conceito do verso, razão pela qual pude ler e avaliar<br />

inúmeros poemas expressos tanto em verso como em prosa. Segundo Wanke<br />

(1985:76), Tratados têm sido escritos procurando definir poesia, o que demonstra<br />

dificuldade do entendimento ”.<br />

Uma das mais abrangentes e interessantes definições de Poesia<br />

encontrada ao longo da pesquisa foi, certamente, a de William Wordsworth,<br />

poeta inglês do século passado, que disse, no prefácio de suas Baladas Líricas<br />

: “Poetry is emotion recollected in tranquility”, ou seja, “ Poesia é a emoção<br />

novamente colhida (ou recolecionada) em tranqüilidade ”.<br />

Nesta definição, a Poesia aparece do ponto de vista não do leitor,<br />

mas do poeta, ou seja, a poesia é olhada pelo que a faz, o que, realmente nos<br />

interessa. E nos mostra os elementos básicos da coisa : primeiro, o poeta<br />

demonstra claramente suas sensações, sentindo-as, e só depois, tranqüilo, ele<br />

se lembra do que sentiu e as coloca em palavras, para transmiti-las.<br />

Guilherme de Almeida (1890-1969), um dos mais lúcidos poetas,<br />

tentou definir Poesia por exclusão, dizendo que “Poesia não é a rosa” . E<br />

explicava :<br />

8


“E não é mesmo. Se Poesia fosse a rosa, para que o canteiro ? ... Poesia é<br />

terra. Separada desta, será apenas verso, pedaço, coisa amputada que murcha,<br />

apodrece, acaba ” 1 .<br />

Outra definição importante a considerar, vêm do Príncipe dos Poetas<br />

Brasileiros, Olavo Bilac, acrescentando a seguinte equação : “ A rosa está para a<br />

Terra assim como a Poesia está para o homem ” 2 .<br />

Mas o homem considerado em suas funções mais altas, ou seja, o<br />

som, a idéia expressa, a emoção transmitida, o deleite da leitura e até, em<br />

alguns casos, a forma das palavras - como o pintor utiliza as cores, o escultor<br />

as formas, o músico os sons harmoniosos, etc.<br />

Todo o artista tem sua matéria-prima, seu instrumental, sua<br />

tecnologia. O escultor tem, como matéria-prima, o mármore, o gesso, a areia, o<br />

ferro-velho, etc. E é com eles que trabalha, para produzir seu produto, a<br />

escultura. O pintor tem as tintas, as cores, que manipula com o pincel, os<br />

dedos, a espátula, na tela, no papel, na parede - onde expõe seu produto com<br />

enorme satisfação após acabado. O músico dispõe do som dos instrumentos<br />

musicais - alguns muito estranhos, convenhamos - que combina ou descombina<br />

para apresentar seu produto, a música.<br />

A palavra, matéria-prima do poeta, é o mais nobre dos materiais de<br />

que o homem dispõe. A palavra nasceu com a civilização e só com ela morrerá.<br />

O homem sem a palavra não é o homem. Para que possa aprender a pensar, a<br />

criança tem de aprender a entender e a manejar as palavras de sua língua. As<br />

próprias línguas são reflexos do grau de civilização do povo que as domina e o<br />

mesmo ocorre com a poesia. Novamente citamos Wanke (1985 : 77) :<br />

“ Quando, através de um trabalho com a palavra, escrito ou falado, o artista<br />

consegue transmitir sentimento, fazer com que o leitor, o ouvinte se sinta comovido,<br />

sublimado, arrebatado, terá ele atingido a Poesia : aquela emoção recolhida pelo poeta<br />

Worsworth em um momento, e depois fixada, em outra ocasião - agora tranqüila - para<br />

seus leitores ”.<br />

Sem falsa modéstia, avaliei, no curto período em que me propus a estudar<br />

a arte poética, que a Poesia de que estamos falando até aqui, sempre com inicial<br />

maiúscula, é uma qualidade subjetiva inerente a uma composição feita com<br />

palavras.<br />

_______________<br />

1. Diversos AUTORES, Curso de Poesia, Academia Brasileira de Letras, p.32<br />

2. Id., Ibid., p.35<br />

9


Infelizmente, se compararmos as diversas interpretações das mais<br />

diferentes correntes poéticas, cada qual tenta enaltecer e fazer vingar a própria<br />

definição, mas acabam-se criando confusões com as acepções diversas do mesmo<br />

vocábulo e, assim, temos que o termo Poesia significa, também, uma composição<br />

feita de versos.<br />

O que causa maiores problemas ainda é que, além de uma Poesia não<br />

conter absolutamente Poesia, um trecho em prosa pode perfeitamente ser Poesia<br />

pura. A Rosa-Poesia carece de ser alimentada pela Terra-Homem através da seiva<br />

da emoção da palavra. Daí uma tendência, surgida especialmente entre os<br />

modernistas e os da geração de 45, de se abandonar a palavra Poesia na acepção<br />

de produto versificado para, neste caso, adotar só a palavra poema.<br />

Uma Poesia pode ser um amontoado de versos feitos<br />

intencionalmente sem Poesia e pode até acontecer que o poeta, pensando estar<br />

compondo Poesia - comunicação de sentimentos - está apenas fazendo um<br />

bestialógico, o que pudemos comprovar facilmente entre muitos poetas<br />

herméticos ou rebuscados.<br />

Em nossa pesquisa, ninguém melhor do que Geir Campos 1 , tradutor e<br />

professor universitário brasileiro, cita tantos autores e definições interessantes,<br />

de pura reflexão, a fim de enriquecer o estudo e o conceito de Poesia, embora,<br />

admitamos, não se pode atribuir um texto como verdadeiramente único e<br />

absolutamente ideal para quaisquer dos autores citados, apesar de, entre eles,<br />

termos muitos dos maiores nomes da Poesia de todos os tempos :<br />

“ Poesia é, antes de tudo, comunicação, efetuada por palavras apenas, de<br />

um conteúdo psíquico (afetivo-sensório-conceitual), aceito pelo espírito como um<br />

todo, uma síntese ” e o definidor explica ainda que “nesse conteúdo anímico<br />

predominará às vezes o sensório, outras vezes o afetivo, outras o conceitual, pois o<br />

poeta, ao expressar-se nunca transmite puros conceitos, quer dizer, nunca<br />

transmite conceitos sem mescla de sensorialidade ou sentimentalidade ” (Bousono<br />

in Campos, 1975 : 130).<br />

: 130).<br />

_________________<br />

“Poesia é a arte de excitar a alma”(Hardenberg in Campos, 1975 :130).<br />

“Toda verdadeira poesia é uma visão de mundo”( Eliot in Campos, 1975<br />

1. Pequeno Dicionário da Arte Poética, p. 130.<br />

10


“ Poesia são as melhores palavras em sua melhor ordem ” (Coleridge in<br />

Campos, 1975 : 130).<br />

Ao fundirmos os três últimos conceitos, o próprio Campos (1975 : 130)<br />

faz uma espécie de liga conceitual de elevado teor filosófico-literário, com um<br />

enfoque individual, um enfoque social e um enfoque estético da arte<br />

poética : “ Poesia é a arte de excitar a alma com uma visão de mundo através das<br />

melhores palavras em sua melhor ordem ”, uma conceituação ampla e capaz de<br />

abranger inclusive as experiências de todas as escolas poéticas.<br />

Outro estudioso, Robert de Souza, em Un Débat sur La Poésie, tenta<br />

resumir o pensamento poético do Abade Henri Brémond, grande poeta e<br />

estudioso da literatura francesa, em seis itens :<br />

“ 1) Todo poema deve suas características essenciais a uma espécie de<br />

realidade unificadora e misteriosa; 2) não basta, nem é necessário, ler poeticamente<br />

um poema, para captar-lhe o sentido, uma vez que existe certo encantamento<br />

obscuro e independente do significado das palavras; 3) poesia não pode se reduzir a<br />

um discurso prosaico, pois constitui um meio de expressão que ultrapassa as formas<br />

comuns da prosa; 4) poesia é uma espécie de música e ao mesmo tempo não é<br />

apenas música, pois age como uma espécie de condutor de corrente pelo qual se<br />

transmite a natureza íntima da alma; 5) é a encantação que proporciona a<br />

comunicação inconsciente do estado de alma em que se encontra o poeta até o<br />

momento em que se manifesta por idéias e sentimentos, momento esse que se revive<br />

confusamente lendo o poema; 6) a poesia é uma espécie de magia mística<br />

semelhante ao estado de oração ” .<br />

Se recorrermos ao dicionário, teremos uma definição formal de<br />

Poesia, mas nunca a definição que nos agrade ou que corresponda à realidade<br />

que buscamos. Faz muito mais sentido e causa maior conforto as definições<br />

embevecidas de imaginação e lirismo, como as que acabamos de mencionar<br />

anteriormente no texto.<br />

Silveira Bueno (1996:512), em seu Minidicionário da Língua<br />

Portuguesa, define : “ Poesia - arte de escrever em verso; composição poética;<br />

inspiração; o que desperta sentimento do belo ” .<br />

11


E muitas outras definições podemos encontrar pelo caminho da<br />

pesquisa, de diferentes épocas, escolas, autores e adeptos da literatura,<br />

portanto, conforme citado por Wanke anteriormente, de difícil entendimento.<br />

Homem e poesia, Poesia e vida, vida e arte estão intimamente<br />

ligados, não há como separá-los, mesmo porque os conceitos se confundem.<br />

Somos testemunhas da influência da Poesia desde os primeiros séculos até<br />

hoje, pois a Poesia esteve presente em todas as épocas, em todos os povos,<br />

em todos os dias e assim deve permanecer por milhares de anos.<br />

Vejamos esta máxima de Emerson ( 1994 : 243), retirada do seu livro<br />

Ensaios : “ A vida pode ser um poema lírico ou uma epopéia, bem como um poema<br />

ou um romance ”.<br />

Até onde o entendimento nos permitiu alcançar, concordamos que a<br />

Poesia requer inspiração, sensibilidade, vibração de nervos e sentimento. É<br />

pura imaginação e poucos foram os privilegiados ao longo dos séculos, talvez<br />

mais em séculos anteriores onde ela foi praticada com afinco, dedicação e<br />

pureza de espírito.<br />

Seu conceito é amplo e ao mesmo tempo restrito, depende da<br />

perspectiva do leitor. Como diria Maiakovski, célebre poeta russo do início do<br />

século : “ A Poesia começa onde existe uma tendência ” .<br />

12


O FLORESCER <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong><br />

13


1. OS PRIMEIROS POETAS<br />

Poeta, do grego poietes, significava autor. Era o indivíduo que<br />

compunha a letra e a música dos dramas, das epopéias 1 e dos cantos<br />

sentimentais. “ Hoje chamamos poeta ao escritor que compõe versos, é o literato<br />

que pensa por meio de imagens ” (Macedo, 1979 : 14).<br />

De acordo com os registros oficiais, a Poesia ganhou impulso e teria<br />

começado a existir como expressão de arte na primavera de 534 a.C., na Grécia<br />

antiga, época em que as primeiras tragédias foram encenadas, por decreto<br />

oficial, no Festival de Dioniso, em Atenas.<br />

A tragédia grega, pelo que apuramos ao longo da pesquisa nos<br />

poucos livros que se propõem a desvendar o assunto, era mais do que um<br />

entretenimento público promovido pelo governo para distrair a multidão, e mais<br />

do que um ritual em honra ao Deus Dioniso 2 , a quem os gregos tanto<br />

louvavam.<br />

Reconhecidamente, ela assinalou o florescimento de uma arte cujas<br />

raízes se estendem pelo menos até a Idade do Bronze 3 . Tanto no conteúdo<br />

como na forma, a Poesia se revelou a expressão completa da essência de um<br />

povo.<br />

Os temas das tragédias eram mitológicos, extraídos da numerosa<br />

coleção de histórias existentes nas epopéias e nos hinos de Homero e seus<br />

sucessores.<br />

_____________<br />

1. Exposição de feitos grandiosos, narrados pelos poetas antigos<br />

2. Deus da fertilidade e criatividade, segundo a mitologia grega<br />

3. Período pré-histórico compreendido entre 3.500 e 3.000 a.C., quando o bronze<br />

era o principal material utilizado para fabricação de armas e utensílios<br />

14


Todos os que se dizem um pouco conhecedores do assunto sabem<br />

que nos antigos e familiares relatos da Ilíada e Odisséia 1 encontravam-se todos<br />

os tipos de personagens; suas aventuras, seus amores e dilemas espelhavam<br />

todas as possíveis situações humanas.<br />

Homero, principal poeta da antiga literatura grega, parece ter vivido<br />

700 a.C., provavelmente na área jônica 2 . A tradição diz que era cego e que<br />

pode ter cantado para as cortes reais da mesma forma que os bardos cantam<br />

no seu poema Odisséia. Não se sabe quanto suas palavras originais<br />

correspondem aos textos hoje disponíveis, mas parece claro que a base do<br />

poema, assim como a da sua Ilíada, foi oral.<br />

Ao mesmo tempo, suas obras, como as conhecemos atualmente,<br />

apresentam uma unidade impressionante, apesar de serem muito longas. A<br />

Ilíada concentra-se em uma série de episódios conectados um com o outro<br />

durante o sítio de Tróia.<br />

A Odisséia, que pode ter sido escrito por um outro autor, conta as<br />

perambulações de um dos líderes gregos, Ulisses (Odisseu), em Tróia, durante<br />

o longo e atribulado retorno a seu reino de Ítaca.<br />

A Ilíada, enquanto relata a inimizade entre Aquiles e Agamenon,<br />

incorpora muito da mitologia em dez anos da guerra de Tróia; as fortes cenas de<br />

lutas são ofuscadas por suaves quadros da vida cotidiana.<br />

Da mesma forma, na Odisséia, o relato sobre o retorno de Ulisses a<br />

Ítaca e a vingança sobre os pretendentes de sua mulher são colocados no<br />

cenário mais amplo da volta dos heróis gregos, oferecendo muitos detalhes a<br />

respeito de outras fases da vida de Ulisses em Tróia e em outros locais.<br />

A Ilíada e Odisséia são consideradas os maiores poemas épicos da<br />

Grécia Antiga. A época em que receberam sua forma final é controversa, mas<br />

pode ter sido no final do século 7 a.C..<br />

A estrutura dos versos e a disposição dos cânticos são o resultado de<br />

uma longa tradição oral rapsódica que contava histórias e lendas da era heróica<br />

da Grécia, no final do período micênico; mas eles também contém elementos<br />

que podem ser posteriores a este período.<br />

_______________<br />

1. Considerados os maiores poemas épicos da Grécia antiga<br />

2. Atualmente Turquia Ocidental<br />

15


Os maiores poetas trágicos (ou os mais conhecidos) - Ésquilo,<br />

Sófocles, Eurípedes - explicitavam os personagens e as situações para as<br />

audiências, relevando-lhes a própria condição humana.<br />

Eram comuns, entre os intelectuais admiradores da Poesia na época,<br />

dilemas dignos de estudo e investigação em todas as peças encenadas : Que<br />

tipo de escolha tem os seres humanos em sua existência ? Como os indivíduos<br />

podem entender a ambigüidade no mundo e conviver com o fato de que ele é,<br />

ao mesmo tempo, bom e mau, protetor e cruel, agressivo e amável ?<br />

Os poetas trágicos exploravam a fundo as questões mais simples do<br />

cotidiano e transformavam-nas em peças teatrais que arrastavam multidões.<br />

Mas eles não foram os primeiros a explorar os mitos. Gerações de poetas líricos<br />

haviam moldado a língua grega em versos de incomparável beleza (mais<br />

adiante veremos alguns trechos desses poemas).<br />

As formas poéticas eram tão familiares para os gregos quanto para os<br />

mitos; os poemas sempre eram declamados em público e nunca escritos para<br />

leitores solitários. Os próprios versos eram musicais, com ritmos diferentes em<br />

cada tipo de poema e apropriados para cada ocasião, intimamente ligados à dor<br />

ou alegria do poeta. Embora declamassem também em banquetes e reuniões<br />

íntimas, os poetas alcançavam fama e fortuna nas disputas promovidas em<br />

festivais religiosos.<br />

Paramentados e engrinaldados, eles participavam de diversas<br />

competições: de rapsódia, nas quais declamavam versos, em geral, épicos, sem<br />

acompanhamento musical; de citaródia, isto é, a declamação individual com<br />

acompanhamento de lira; e de canto coral, para o qual os poetas treinavam<br />

tanto os cantores quanto os dançarinos.<br />

As competições eram realizadas em toda Grécia - em Delfos, em<br />

Esparta, em Olímpia -, exceto, até o início do século VI a.C., em Atenas. Os<br />

poetas foram levados para lá por Psístrato e seus filhos; as competições de<br />

rapsodos foram introduzidas lá durante as festividades panatenaicas. E foi em<br />

Atenas, numa época de agitação política e ameaça externa, que ocorreu a<br />

síntese representada pela tragédia.<br />

Segundo a lenda, o responsável por tal síntese foi o poeta Tépsis de<br />

Icária, que teve a idéia de introduzir um ator para servir de contraponto ao coro.<br />

O ator representava mascarado, o que era uma inovação surpreendente para a<br />

16


época e estimulava a curiosidade e imaginação da população : ele não<br />

declamava seus próprios versos, mas era alguém que personificava outra<br />

pessoa, mas terminava por arrebatar todas as glórias.<br />

Tépsis venceu o primeiro concurso de dramaturgia realizado no<br />

Festival de Dionísos, mas de suas obras restam apenas fragmentos. A<br />

amplitude da tragédia grega pode ser vista nas obras de seus sucessores.<br />

Esses poetas competiam não apenas nos festivais atenienses, mas também por<br />

toda a Grécia.<br />

Eles levaram adiante a inovação de Tépsis e introduziram outros<br />

atores em suas peças. Também orquestraram os diferentes ritmos e formas dos<br />

poetas líricos - as rapsódias, as citaródias e os coros - em obras únicas,<br />

harmonias que cantavam as paixões do coração humano, semelhante hoje ao<br />

que podemos admirar em óperas, músicas românticas impregnadas de poesia<br />

pura, capazes de remeter o mais cruel dos homens ao mundo da imaginação e<br />

fantasia por conta da sua própria fragilidade.<br />

Os palcos eram no início muito simples; o público sentava-se em<br />

degraus de pedra em volta da orquestra. As apresentações eram durante o dia,<br />

ao ar livre.<br />

Os poetas apresentavam três tragédias (geralmente sobre temas<br />

diferentes) e uma peça satírica, mais leve. Poucos se atreviam a apresentar<br />

peças que sustentassem, de alguma forma, posições contrárias às imposições<br />

do governo ou algo semelhante, não muito diferente de algum tempo em nosso<br />

país. Ofereciam-se prêmios ao melhor poeta e o vitorioso recebia uma coroa de<br />

hera 1 .<br />

Podemos avaliar a presença maciça da poesia na cultura dos<br />

habitantes da Grécia antiga e, muito provavelmente, de outros que também se<br />

deslocavam até as cidades onde as peças, mescladas à poesia, eram<br />

encenadas.<br />

Era comum na época, reunião de um grupo de pessoas em torno de<br />

algum poeta de plantão, disposto a iniciar uma declamação digna de apreciação<br />

mesmo sob forte pressão dos olheiros do governo oficial que temiam vulgarizar<br />

_____________<br />

1. Planta típica da época, símbolo da união e do casamento ( deusa do casamento)<br />

17


a poesia, motivo pelo qual, inclusive, as competições e mesmo eventos de<br />

simples apresentações, obedecerem a um rígido cronograma oficial.<br />

Se a poesia, aliada ao teatro, foi tão importante para a época em que<br />

os estudos da arte eram levados a sério, por prazer e gosto, cabe-nos<br />

questionar a razão, 2.500 anos depois, pela qual a poesia não conseguiu<br />

sustentar a mesma importância, embora resista à indiferença dos editores<br />

preocupados mais com o título do que o conteúdo nos tempos atuais.<br />

Os jônicos 1 também se distinguiram pela elegância de sua cerâmica<br />

e, não menos importante, pela sua poesia, demonstrando uma profunda<br />

compreensão dos prazeres e desapontamentos da vida, expressa nas odes 2 de<br />

Safo 3 , a poetisa do amor que viveu na ilha de Lesbos.<br />

Alceu, poeta da mesma ilha, provavelmente foi o que melhor resumiu<br />

o espírito da cultura jônica. “ Traga-me vinho ” , solicitava, “ vinho e verdade ” .<br />

Os relatos são obscuros, mas, ainda na Grécia antiga, conta-se que o<br />

poeta ático Tepsis era também um amante da arte de representar e teria dado o<br />

passo decisivo ao colocar um ator em cena, cujo papel era conduzir o diálogo<br />

com o coro.<br />

O ateniense Ésquilo teria colocado o segundo e Sófocles, o terceiro<br />

ator, unindo assim, a simplicidade da poesia e o mágico poder da<br />

representação. A união das duas especialidades da arte deu origem ao que se<br />

chamou na época de teatro grego.<br />

Embora o público dedicasse maior admiração pelo conjunto da<br />

representação, as cenas não seriam possíveis de se realizar sem os<br />

declamadores, ou seja, um completava o outro para promover o encanto da<br />

população e arrastar multidões onde quer que houvesse encenação.<br />

Elegias 4 , sátiras e canções de amor para cantores solo; hinos, peãs 5<br />

e cantos processionais para coros - tudo isso foi legado pelos poetas líricos da<br />

Grécia aos dramaturgos atenienses.<br />

_______________<br />

1. Povo da Ásia Menor, habitante das margens do Mar Mediterrâneo (Turquia)<br />

2. Poesia sentimental caracterizada pela elevação de pensamento e entusiasmo<br />

3. Poetisa da Ilha de Lesbos, a mais famosa da época<br />

4. Lamento ou canto fúnebre, acompanhado com som de uma flauta<br />

5. Na versificação greco-latina, o Metro ou Pé formado por 4 sílabas, sendo uma<br />

longa e três breves.<br />

18


Cada tipo de verso tinha sua própria forma. Todos partilhavam da rica<br />

herança da mitologia. Notamos que a mitologia era o principal motivo da maioria<br />

dos poemas da época, com seus personagens heróicos e misteriosos,<br />

recheados de feitos e proezas inimagináveis para os dias de hoje.<br />

Infelizmente, apenas uma pequena parte da produção desses poetas<br />

líricos foi preservada - o suficiente para revelar a variedade de seus estilos e<br />

personalidades, de costumes e preferências da época.<br />

Excepcional dentre eles foi Safo, nascida em Lesbos no século VII<br />

a.C., tanto por ser mulher quanto por seu gênio delicado. Platão, filósofo grego,<br />

a chamou de décima musa.<br />

Safo era famosa por suas canções de amor e por seu deleite com a<br />

natureza, revelado em poemas como o dedicado à estrela vespertina, cujo teor<br />

fazemos questão de transcrever :<br />

ESTRELA VESPERTINA<br />

Estrela da Tarde<br />

Tu és a pastora da tarde,<br />

Vésper, e trazes para casa<br />

tudo o que a Aurora dispersou.<br />

Trazes a ovelha, trazes a cabra,<br />

trazes as crianças para junto das mães.<br />

Alceu conheceu e amou Safo; há fragmentos suficientes de seus<br />

poemas para que se saiba que não foi correspondido. Os poemas de Alceu<br />

refletem uma vida dedicada à guerra e à política - e uma vigorosa apreciação<br />

dos prazeres da vida, como podemos apreciar no poema que segue :<br />

INVERNO<br />

Zeus faz chover, e do céu<br />

cai terrível tormenta. Os rios congelaram ...<br />

Afugenta o inverno. Junta lenha ao fogo<br />

e tempera, sem exagerar na água, o doce vinho.<br />

Envolve nossas cabeças em macias<br />

19


coroas cerimoniais de pele.<br />

Não devemos nos deixar invadir pela tristeza.<br />

Não iremos a arte alguma com o pesar, minha Bukchis.<br />

O melhor a fazer é prepararmos muito vinho, e tomá-lo.<br />

Simônides de Ceos, nascido por volta de 550 a.C., era um poeta<br />

cortesão muito viajado que contava com a proteção dos tiranos de Atenas, da<br />

Tessália e da Siracusa.<br />

Ele era um mestre, admirado pela perfeição de suas canções, pela<br />

elegância de seus epigramas funerários 1 e pela profundidade com que tratava<br />

os temas mitológicos.<br />

Seu lamento por Dânae era um exemplo típico. Dânae teve um filho -<br />

o herói Perseu - de Zeus. O pai de Dânae colocou-a, juntamente com o bebê,<br />

numa arca que foi lançada ao mar. Eles sobreviveram graças a um milagre.<br />

Simônides :<br />

Eis uma simples demonstração de um pequeno epigrama funerário de<br />

EPITÁFIO<br />

Este é o túmulo de Megístias, morto pelos persas<br />

e medos após cruzarem o Rio Spercheios;<br />

de um advinho que, mesmo vendo claramente<br />

a morte aproximar-se,<br />

jamais pensou em abandonar os reis de Esparta.<br />

Mais jovem do que Simônides, Píndaro de Tebas foi tão apadrinhado<br />

quanto este e alcançou fama ainda maior. Grandioso, idealista e profundamente<br />

religioso, ele celebrou suas odes e as vitórias gregas nas Guerras Persas 2 e as<br />

vitórias dos atletas em Olímpia.<br />

Abaixo podemos apreciar um trecho da introdução de sua primeira<br />

Ode Olímpica, em homenagem a Hierão, atleta vencedor das corridas a cavalo :<br />

______________<br />

1. Nos tempos antigos, era uma pequena composição em verso colocada nos<br />

túmulos ou nos templos e terminava por uma nota mordaz.<br />

2. Famosas guerras travadas entre os povos da Grécia antiga e da Pérsia (Irã)<br />

20


OLÍMPICA I<br />

O melhor elemento é a água e o ouro,<br />

como fogo que se inflama, brilha na noite<br />

mais do que a orgulhosa opulência.<br />

Se jogos celebrar desejas,<br />

ó minh´alma -<br />

nunca mais quente do que o sol procures outro astro<br />

que brilhe de dia no céu deserto -<br />

nunca superior à de Olímpia<br />

uma competição celebraremos.<br />

De lá o renomado hino envolve<br />

o gênio dos poetas que para louvar<br />

o filho de Cronos ao lar vieram<br />

rico e feliz de Hierão.<br />

Da justiça ele detém<br />

o cetro da fecunda Sicília, colhendo<br />

o que há de mais alto de todas as virtudes<br />

e gloria-se também<br />

com as excelências do canto com que nos recreamos<br />

amiúde ao redor de sua mesa amiga<br />

Avaliando superficialmente o poema podemos arriscar-nos a insinuar<br />

que, ignorando a má interpretação dos tradutores através dos séculos, por<br />

influências pessoais, Píndaro e os demais poetas da época utilizavam um nível<br />

elevado teor metafórico.<br />

Dentre dezenas de poetas trágicos, três eram considerados os<br />

maiores. Ésquilo, o mais velho, nasceu cerca de uma década antes de 500 a.C.<br />

Filho de aristocrata, participou da Batalha de Maratona.<br />

O jovial e culto Sófocles, nascido por volta de 497 a.C., combateu<br />

sob Péricles na guerra contra Samos. Sete de suas 130 peças foram<br />

preservadas. Eurípedes, nascido por volta de 480 a.C., era um filósofo austero,<br />

recluso e menos idealista do que os outros dois. Das noventa peças que<br />

escreveu, restam dezoito.<br />

21


Quase todas essas tragédias foram primeiro apresentadas como<br />

trilogias, as quais eram seguidas por peças de sátiros – selvagens pantominas<br />

em homenagem a Dioniso – no Teatro de Dioniso Eleutério, junto à Acrópole<br />

Ateniense.<br />

Os Persas, escrito por Ésquilo e apresentado em 472 a.C. com o<br />

jovem Péricles como líder do coro, inovou ao tratar de um tema contemporâneo.<br />

A peça descreve a derrota de Xerxes 1 frente aos gregos. No poema, Ésquilo<br />

descreve a batalha naval de Salamina com detalhes muito mais vividos do que<br />

os encontrados nos relatos históricos.<br />

A maioria dos seus temas posteriores foi extraída da mitologia e das<br />

lendas - épicos sombrios e taciturnos, repletos de paixão e de sangue, nos<br />

quais os feitos desastrados dos mortais são mostrados em flagrante contraste à<br />

majestade e ao poder dos deuses e deusas do Olimpo.<br />

Das setenta peças que escreveu, apenas sete sobreviveram. A<br />

Orestéia, a grande trilogia de Ésquilo, conta a antiquíssima história da casa de<br />

Atreu em dois registros : o da intimidade do amor e do ódio humanos, e o da<br />

história em seu sentido mais amplo. Atreu, rei de Micenas (ou Argos), matou os<br />

filhos de seu irmão Tiestes; apenas um deles, Egisto, sobreviveu.<br />

Mais tarde, os filhos de Atreu, Agamenon e Menelau, casam-se com<br />

as irmãs Clitemnestra e Helena. Quando esta abandona Menelau por causa de<br />

Páris, de Tróia, os irmãos montam uma expedição que dá início à guerra de<br />

Tróia, tendo Agamênon sacrificado a própria filha para que os bons ventos<br />

facilitassem a travessia marítima.<br />

Em Agamênon, a primeira das peças, o rei retorna vitorioso de Tróia.<br />

Em sua ausência, Clitemnestra tomara Egisto com amante e, juntos, eles<br />

governam Micenas; para vingar a filha e se manter no poder, ele mata<br />

Agamênon.<br />

A riqueza da linguagem e a concentração metonímico-metafórica é de<br />

causar alegria e espanto aos olhos de um bom amante da literatura. Vide abaixo<br />

uma parte do poema :<br />

______________<br />

1. Antigo imperador persa<br />

22


AGAMÊNON<br />

( . . . ) foi Helena<br />

levar a Tróia lágrimas e sangue.<br />

Mas aqui, em seu lar abandonado,<br />

lamentações se ouviam, relembrando<br />

a ingrata que partira. Seu marido,<br />

sem comer, sem dormir, qual um fantasma<br />

percorre os aposentos do palácio,<br />

com o pensamento posto além dos mares,<br />

chorando de saudade, e não de ódio.<br />

Um fantasma rondando pela casa,<br />

que um túmulo parece, e não palácio.<br />

O corpo escultural de sua amada<br />

não lhe sai da memória um só momento.<br />

Tem impressão de vê-la: corre em frente<br />

esperando abraça-la . . . Em vão, em vão.<br />

Desfaz-se logo o sonho. Em vão, em vão . . .<br />

Em As Coéforas, Orestes, filho de Agamênon e Clitemnestra, retorna<br />

de seu esconderijo e, para vingar o pai, mata tanto a mãe quanto Egisto.<br />

Deusas selvagens, as Eumênides, ou Fúrias, o perseguem, exigindo que<br />

paguem com seu sangue pela morte de Clitemnestra.<br />

Na peça final, As Eumênides, deusas mais jovens, lideradas por<br />

Atena, julgam Orestes perante um júri de mortais e decidem que a vingança foi<br />

redimida. Eles aceitam as Eumênides na hierarquia dos novos deuses, como<br />

protetoras de Atenas.<br />

Explorando essa trama de relacionamento, Ésquilo discute questões<br />

mais abrangentes. Quando atos privados orientaram decisões governamentais,<br />

o resultado foi morte e destruição, canta o coro, referindo-se a Helena, no<br />

trecho de Agamênon destacado anteriormente. A exigência de vingança<br />

aprisiona as nações por gerações; um coro de prisioneiros de guerra lamenta o<br />

fato na passagem de As Coéforas. No entanto, em uma nova fase da civilização,<br />

23


esses costumes podem ser alterados e As Eumênides terminam com uma suave<br />

canção de paz, conforme podemos apreciar no texto que segue :<br />

Marchai para o vosso lar, grandes amantes da honra,<br />

Filhas da Noite Ancestral, vossa paz foi alcançada.<br />

(E toda palavra é santa).<br />

Nas profundezas da terra, na imemorial caverna,<br />

honradas com sacrifício, com reverência e temor.<br />

(E toda palavra é santa).<br />

Temidas e amigas deusas, que amam e guardam a nossa<br />

terra; e embora devorem chamas, abrem um caminho de<br />

luz, que repousem satisfeitas, todas as vezes<br />

proclamem o triunfo da alegria !<br />

Derramai de novo o vinho em sacrifício incruento,<br />

e o onisciente Zeus guarde a cidade de Palas.<br />

O Deus e o Destino juntos, todas as vezes proclamem<br />

o triunfo da alegria !<br />

Ésquilo procurou no trágico destino de seus personagens confirmar a<br />

justiça da ordem divina. “Zeus, que orienta os pensamentos dos homens”,<br />

escreveu ele, “estabeleceu que só se alcança a sabedoria através do sofrimento”.<br />

Sófocles, aristocrata, general e amigo de Péricles, considerado muito<br />

culto e jovial na época, nasceu por volta de 497 a. C., combateu sob Péricles na<br />

guerra contra Samos, conforme dito anteriormente.<br />

Adotou uma visão mais equilibrada do relacionamento entre os<br />

homens e os deuses. Sua principal preocupação era o caráter e o modo pelo<br />

qual qualquer excesso - de orgulho, por exemplo - podia transformar o equilíbrio<br />

natural e levar à ruína.<br />

Extremamente produtivo, elaborou seus dramas com graça e nobreza<br />

impecáveis. Também foi um inovador, ampliando os recursos e a flexibilidade de<br />

forma trágica - por exemplo, acrescentando um terceiro ator, como citamos no<br />

início do capítulo. Sete de suas 130 peças foram preservadas.<br />

A trilogia tebana de Sófocles é um estudo da ambigüidade. Ele mostra<br />

que uma pessoa pode ser, ao mesmo tempo, inocente e culpada, praticando o<br />

24


mal com as melhores intenções. A coragem e a aceitação parecem ser as<br />

únicas reações frente a um universo racional.<br />

A primeira peça, Rei Édipo 1 , revela uma história de horror. tão sábio<br />

que solucionou o enigma da Esfinge, casou-se com a rainha de Tebas e passa a<br />

governar essa cidade. No início da peça, Tebas está amaldiçoada : ela abriga<br />

um parricida 2 que desposou a própria mãe, afrontando os deuses. Édipo é esse<br />

homem.<br />

Desconhecendo seu parentesco, Édipo havia matado um homem, seu<br />

pai, e se casado com uma mulher que era sua mãe. Pouco a pouco ele se<br />

aproxima da verdade; nessa fala, Tirésias, o advinho cego, começa a esclarecê-<br />

lo. Quando compreende o que ocorreu, Édipo fura os próprios olhos e se exila.<br />

Toda grandeza do poema pode ser avaliada no pequeno trecho que segue :<br />

_______________<br />

REI ÉDIPO<br />

Se tu possuis o régio poder, ó Édipo,<br />

eu posso falar-te de igual para igual !<br />

Tenho esse direito ! Não sou teu subordinado,<br />

mas sim de Apolo; tampouco jamais seria<br />

um cliente de Creonte. Digo-te, pois,<br />

já que ofendeste minha cegueira,<br />

que tu tens os olhos abertos à luz,<br />

mas não enxergas teus males, ignorando<br />

quem és, o lugar onde estás, e quem é aquela<br />

com quem vives. Sabes tu, por acaso,<br />

de quem és filho ?<br />

Sabes que és o maior inimigo<br />

dos teus, não só dos que há se encontram no Hades,<br />

como dos que ainda vivem na terra ? Um dia virá,<br />

em que serás expulso desta cidade pelas maldições<br />

maternas e paternas. Vês agora tudo claramente;<br />

1. Rei de Tebas, famoso por solucionar o enigma da Esfinge<br />

2. Pessoa que matou pai, mãe ou qualquer dos ascendentes<br />

25


mas em breve cairá sobre ti a noite eterna.<br />

E agora . . . podes lançar toda a infâmia sobre mim,<br />

e sobre Creonte, porque nenhum mortal, mais do que tu,<br />

sucumbirá ao peso de tamanhas desgraças !<br />

No poema Édipo em Colona, o rei, abandonado por todos, com<br />

exceção de sua filha Antígona, acaba seus dias em uma colina fora de Atenas.<br />

Seu destino - e o da humanidade - é lamentado pelo coro nos versos mostrados<br />

abaixo :<br />

ÉDIPO EM COLONA<br />

Embora tendo vivido uma vida plena,<br />

por vezes um homem ainda deseja o mundo.<br />

Juro que nisso não vejo sabedoria.<br />

As horas intermináveis trazem apenas sofrimento<br />

que aumenta a cada dia; e, quanto ao prazer,<br />

se alguém se curva sob o peso da idade excessiva<br />

não encontra em parte alguma seu prazer.<br />

A derradeira acompanhante é a mesma para todos,<br />

jovens e velhos, pois à sua chegada se revela<br />

a herança do outro mundo que cabe a cada um<br />

cessam para sempre o epitalâmio 1 ,<br />

a música e a dança. A morte é o desfecho . . .<br />

No entanto, o amaldiçoado Édipo também é abençoado: a terra se<br />

abre em Colona para levá-lo à morte e libertá-lo, tornando sagrado o local em<br />

que ele perece.<br />

Antígona, produzida em 441 a.C. por Sófocles, relata o trágico destino<br />

da filha de Édipo, de Tebas, condenada por enterrar o cadáver de seu irmão<br />

rebelde. Antígona também mostra um homem que, imaginando agir<br />

corretamente, faz o mal.<br />

_______________<br />

1. Canto ou poema com que se celebram núpcias, depois de realizadas; a celebração<br />

antecipada faz o protalâmio.<br />

26


Creonte, tio e sogro de Antígona, salvou Tebas de revolucionários,<br />

dentre os quais o agora morto irmão de Antígona. Para servir de exemplo,<br />

Creonte proíbe que o corpo deste seja enterrado. Antígona não pode permitir o<br />

sacrilégio, embora seu ato de desafio implique morte. Ela sepulta o corpo do<br />

irmão, admitindo o que fez. Como punição, ela é enterrada viva. Creonte<br />

percebe sua injustiça tarde demais e também é punido: Antígona se enforca em<br />

sua sepultura e o filho de Creonte também se suicida.<br />

Na peça, o coro lamenta por Antígona, referindo-se a mitos trágicos<br />

familiares aos gregos: o de Dânae, mencionado anteriormente; o de Licurgo,<br />

que se enfureceu contra o deus Dioniso, enlouqueceu e matou seu filho Drias ;<br />

o de Fineus, cuja segunda mulher provocou a cegueira dos filhos de seu<br />

primeiro casamento com Cleópatra 1 .<br />

Eurípedes, nascido por volta de 480 a.C., era um filósofo austero,<br />

recluso e menos idealista do que os outros dois.<br />

Das noventa peças que escreveu restam somente dezoito. Escreveu<br />

suas peças numa fase tardia da época de Péricles, quando as crenças e os<br />

valores tradicionais do mundo helênico estavam sendo questionados.<br />

Na sua maioria, as peças refletiam a incerteza, retratando um mundo<br />

no qual os deuses estavam perdendo seu poder sobre os gregos, cuja atenção<br />

se voltava para as dúvidas e contradições da existência humana. “ Ele retrata os<br />

homens como eles são ”, disse Sófocles, que admirava a obra do dramaturgo<br />

mais jovem, “ eu retrato os homens como eles deveriam ser ”.<br />

As obras de Eurípedes revelam uma percepção incomparavelmente<br />

profunda das paixões e motivações de seus conterrâneos.<br />

As Troianas, encenada em 416 a.C., de Eurípedes, relata o cerco de<br />

Tróia e suas conseqüências fascinando a imaginação de todos os gregos,<br />

especialmente a dos dramaturgos.<br />

A peça é um longo lamento pelos horrores da guerra - pelos<br />

guerreiros que morreram e pelas mulheres levadas cativas. Neste pequeno<br />

trecho, Hécuba, a rainha troiana, chora pelo cruel destino que coube a ela e<br />

suas crianças :<br />

_____________<br />

1. Rainha do Egito antigo<br />

27


AS TROIANAS<br />

Ai de mim ! Aqui estou, ao lado das tendas de Agamenon.<br />

Levam-me para a escravidão, uma velha igual a mim, com<br />

a cabeça dilacerada pela afiada lâmina do sofrimento.<br />

É demais ! Lastimosas viúvas dos guerreiros de Tróia e vós,<br />

virgens noivas da violência, Tróia está fumegante,<br />

choremos por Tróia . . .<br />

Eurípedes escreveu também tragédias sobre Ifigênia, a filha de<br />

Agamênon; sobre Medéia, a assassina; e também sobre Hipólito, o filho de<br />

Teseu, injustamente acusado de tentar seduzir sua madastra. No entanto, sua<br />

obra mais brilhante e aterrorizante talvez seja a que tem como tema o próprio<br />

deus que era o patrono da arte teatral.<br />

As Bacantes foi escrita no final da vida de Eurípedes, quando o<br />

dramaturgo havia deixado a enfraquecida e dilacerada Atenas e vivia na região<br />

selvagem da Macedônia.<br />

Dioníso era um espírito primitivo da fertilidade e da criatividade, que<br />

deu aos homens o conhecimento do vinho. Era um deus venerado por toda a<br />

Grécia com rituais orgiásticos, muitas vezes sangrentos. Aqueles que o<br />

aceitavam, diziam os crentes, tornavam-se parte do deus e recebiam a<br />

inspiração divina. Aqueles que o recusavam eram levados à loucura.<br />

Na peça de Eurípedes, o jovem deus Dioniso surge com seu alegre<br />

séquito 1 em Tebas, para ser venerado e provar sua própria divindade : dizia-se<br />

que ele era filho de Zeus 2 e uma princesa tebana.<br />

Penteu, o rei de Tebas, um homem inflexível e irritável,<br />

repudia o deus e comete o sacrilégio de colocá-lo a ferros. Em seguida, Dioniso<br />

enlouquece as mulheres de Tebas e as envia - lideradas pela mãe de Penteu -<br />

às montanhas para que festejem como suas seguidoras, as bacantes 3 .<br />

_____________<br />

1. Acompanhamento, cortejo.<br />

2. O maior de todos, deus dos deuses da mitologia grega.<br />

3. Sacerdotisas de Baco, deus do vinho.<br />

28


Ele também enlouquece Penteu e o atrai para o local onde se<br />

encontram as bacantes. Lá, Penteu é morte de maneira terrível por sua mãe<br />

enlouquecida, que havia sido levada a um frenesi animalesco. Por decoro, tal<br />

cena de violência não aparece na tragédia: um mensageiro descreve o que<br />

ocorreu na montanha.<br />

Quase todas as tragédias escritas foram primeiro apresentadas como<br />

trilogias, as quais eram seguidas por peças de sátiros - selvagens pantominas 1<br />

em homenagem a Dioniso - no teatro Dioniso Eleutério, junto à Acrópole<br />

ateniense.<br />

A enorme concha de pedra do anfiteatro podia receber 15 mil<br />

espectadores e apresentava excelente acústica. No interior da concha, havia a<br />

orquestra circular ou plataforma de dança, com o altar de Dioniso ao centro e,<br />

atrás, a skene, ou cena.<br />

Esta era uma plataforma encimada por uma edificação retangular de<br />

madeira, cuja fachada ocultava os camarins e os acessórios. Pelas três portas<br />

da cena, os atores ou declamadoras faziam suas entradas e saídas.<br />

A peça começava quando um ator, usando a máscara de linha e<br />

gesso, túnica, capa e coturnos especiais, declamava o prólogo. Em seguida, o<br />

coro começava a declamar seus versos. O segundo e o terceiro ator entravam e<br />

davam início aos diálogos, os quais se alternavam com comentários do coro, até<br />

que a peça chegasse ao final e o coro e os atores cantassem juntos o komoses,<br />

lamento final.<br />

Não se conhece a música de acompanhamento das tragédias, mas as<br />

palavras dos poetas ainda ressoam com toda a sua força.<br />

O importante de tudo que foi relatado neste capítulo é a conclusão<br />

lógica e pura de que a poesia dos primeiros tempos exerceu papel<br />

importantíssimo na formação cultural dos povos e foi motivo de júbilo para<br />

aqueles que dedicaram-se ao desenvolvimento das suas formas diversas e<br />

estruturação do pensamento poético, classificadas em odes, elegias, sátiras,<br />

epopéias, hinos ou outro gênero.<br />

_______________<br />

1. Arte ou ato de expressão por meio de gestos.<br />

29


Os principais poetas eram considerados parte da elite cultural da<br />

época e arrastavam multidões, desde simples curiosos e admiradores de rua<br />

que se aglomeravam nos locais escolhidos para encenações ao ar livre até os<br />

mais afamados filósofos e pensadores da antigüidade, fossem eles críticos ou<br />

incentivadores de qualquer modalidade.<br />

A notoriedade da poesia nos primórdios era muito superior à que<br />

verificamos na atualidade uma vez que os poemas eram declamados sempre<br />

em público e nunca para ouvintes solitários. Toda expectativa dos ouvintes era<br />

trabalhada com antecedência pelos poetas e demais pessoas que promoviam os<br />

eventos poéticos aliados ao teatro onde os poetas se preparavam ao máximo<br />

para não decepcionar a platéia.<br />

30


2. A PROFISSÃO DE POETA<br />

Os registros históricos consultados durante a evolução do trabalho<br />

não descartam o fato de a poesia ter sido a única fonte de ocupação e,<br />

possivelmente, de renda de muitos poetas ao longo da história humana.<br />

Na Grécia antiga, os poetas alcançavam fama e fortuna nas disputas<br />

promovidas em festivais religiosos, patrocinados freqüentemente pelo governo<br />

da época, principalmente em períodos de agitação política ou ameaça externa<br />

para distrair a população, conforme pude verificar.<br />

Embora a poesia tenha sido mais valorizada como arte pelos<br />

primeiros literatos, nota-se que os grandes poetas da antigüidade - sem<br />

menosprezar os talentos de cada poeta em particular - buscavam a<br />

independência financeira e aliavam-na ao gosto pela literatura e dramaticidade<br />

interpretadas através do teatro, o que poderia servir, inclusive, como forma de<br />

entreter grande parte da população sempre descontente com os seus<br />

governantes, motivo pelo qual os próprios faziam questão de estimular a<br />

constante realização dos eventos e premiar os vencedores dos concursos.<br />

Apesar da importância na antigüidade, a poesia nunca pôde ser<br />

reconhecida oficialmente em qualquer civilização ou cultura como profissão<br />

propriamente dita e sempre ficou rotulada por muitos como literatura, por outros<br />

como arte e por tantos outros como poesia mesmo, sendo esta última nem<br />

sempre classificada como arte.<br />

Diferente dos primeiros tempos, a história registra que muitos poetas<br />

obrigaram-se a viver clandestinamente ou na solidão por conta de suas poesias<br />

31


ditas infames, impróprias ou mesmo como ato puro de rebeldia e afronta aos<br />

governantes, e assim acabaram por merecer o repúdio incondicional ao invés do<br />

reconhecimento.<br />

Consta que o imperador romano Augusto foi um dos grandes<br />

incentivadores e patrocinadores oficiais aos escritores e poetas do seu tempo.<br />

Para assessorá-lo, recorria ao rico Caio Mecenas, um de seus amigos mais<br />

velhos e íntimos, que exercia o papel de caçador de talentos.<br />

Mecenas trouxe para o círculo imperial homens brilhantes de vários<br />

níveis da sociedade romana. Os poetas Ovídio e Propércio eram cavaleiros, o<br />

historiador Tito Lívio vinha de uma família da Gália Cisalpina, o grande poeta<br />

Virgílio era filho de um pequeno agricultor e Horácio nascera de uma família de<br />

libertos e todos eles gozavam de boa reputação e segurança financeira.<br />

Para esses homens, o patrocínio do imperador significava status<br />

social e conforto, à custa de alguma liberdade intelectual. Augusto certamente<br />

gostava quando um de seus protegidos produzia um poema épico para maior<br />

glorificação de Roma. Virgílio estava trabalhando numa obra desse tipo quando<br />

morreu, em 19 a.C. O poeta deixara ordens para que queimassem o poema,<br />

caso não conseguisse completá-lo. O imperador discordou – e o mundo ganho<br />

Eneida.<br />

Os chineses presumiam que um cavalheiro seria capaz de se<br />

expressar em verso em qualquer ocasião. A composição poética fazia parte dos<br />

concursos para o serviço público no governo Tang e todos os burocratas<br />

utilizavam suas habilidade poéticas na celebração de excursões imperiais,<br />

eventos auspiciosos ou na partida de autoridades.<br />

Tais ocasiões não encorajavam a originalidade : os chineses<br />

admiravam mais o equilíbrio e a capacidade técnica. Até os grandes poetas<br />

usavam o verso como outras culturas poderiam usar um diário para registrar as<br />

minúcias do dia-a-dia, bem como as epifanias de grande significado. E isso só<br />

tornou mais notável a audácia e o lirismo dos principais poetas Tang.<br />

Vladimir Maiakovski foi um dos maiores poetas que a literatura já<br />

produziu. Foi membro do partido Socialista e, acusado de escrever manifestos,<br />

foi preso por várias vezes, julgado e condenado. Quando saiu da prisão, em<br />

1910, julgava-se incapaz de escrever versos.<br />

32


Maiakovski pertencia a um grupo denominado futurista. Depois da<br />

Revolução de Outubro sua atividade literária tornou-se muito mais intensa,<br />

abrangendo quer a poesia, quer o teatro, embora nunca tivesse ganho muito<br />

dinheiro com isso, mas sustentava-lhe o ego e a sobrevivência mais moral do<br />

que física.<br />

Um dos aspectos mais interessantes desta nova fase na vida do<br />

escritor foram os inúmeros recitais de poesia feitos através de toda União<br />

Soviética.<br />

Posteriormente, tendo retomado a opção pela literatura, mais precisa<br />

mente a poesia, declara :<br />

“ Vou falar do meu ofício não como mestre, mas como aquele que faz<br />

versos. O meu artigo não tem nenhum significado teórico. Falo do meu trabalho,<br />

que, no fundo, segundo minhas observações e minha convicção, pouco se distingue<br />

do trabalho de outros poetas profissionais ” .<br />

Aliada ao exemplo acima, por muito tempo e ainda hoje a poesia<br />

carrega o estigma de ter sido associada ao prazer da bebida, da solidão, das<br />

doenças e do sofrimento geral em razão de que muitos poetas desafogavam<br />

toda sua mágoa e tristeza nos poemas, o que poder ser comprovado nas mais<br />

diferentes correntes e escolas poéticas surgidas a partir da Antigüidade, Idade<br />

Média e Contemporânea.<br />

Apesar da dificuldade do reconhecimento da profissão, encontramos<br />

muitos autores que se declararam verdadeiros poetas profissionais.<br />

Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, mesmo tendo ganhado a<br />

vida como funcionário público e jornalista, e alegando ter se dedicado à<br />

literatura por prazer, não hesitou em afirmar no prefácio de sua Antologia<br />

Poética (1962) :<br />

“ Hoje estou aposentado nas duas atividades que exerci a vida toda, mas<br />

posso considerar-me escritor profissional, pois a fonte do meu principal sustento<br />

resulta do fato de escrever e publicar livros, que o público tem recebido com<br />

simpatia”<br />

33


Contudo, amargando algumas derrotas na carreira literária que<br />

influíram profundamente no estilo de compor sua poesia, desabafa toda sua<br />

dificuldade em lidar com as palavras e talvez delas prover o seu sustento,<br />

facilmente identificado em parte do poema descrito abaixo (1962 : 182 ) :<br />

O LUTADOR<br />

Lutar com palavras<br />

é a luta mais vã.<br />

Entanto lutamos<br />

mal rompe a manhã.<br />

. . .<br />

Lutar com palavras<br />

parece sem fruto.<br />

Não tem carne e sangue<br />

Entretanto, luto.<br />

. . .<br />

Luto corpo a corpo,<br />

luto todo o tempo,<br />

sem maior proveito<br />

que o da caça ao vento.<br />

Apesar de muito criticado e ridicularizado quando jovem, por conta do<br />

seu poema No meio do caminho, julgado escandaloso pela crítica da época,<br />

Drummond conseguiu recuperar-se do trauma e seu poema acabou traduzido<br />

para 17 idiomas pelo mundo afora.<br />

Para aqueles que rotularam-no idiota, o tempo foi o único capaz de<br />

corrigir a injustiça que pesou sobre seus ombros e suas retinas fatigadas 1<br />

porque, a despeito de todas as descomposturas praticadas contra ele,<br />

houveram também os elogios mais entusiásticos, segundo a antologia<br />

organizada de sua obra e por estímulos de companheiros de geração e pessoas<br />

mais velhas nas quais o poeta depositava inteira confiança.<br />

_______________<br />

1. A Palavra Mágica, p. 119<br />

34


Ainda no prefácio de sua Antologia Poética (1962), o poeta consolida<br />

toda sua intelectualidade e gosto pelo exercício da profissão: “Acho que a<br />

literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da<br />

vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade de sua<br />

condição” .<br />

A maioria dos grandes poetas, embora movidos pela paixão da arte<br />

de escrever, sempre estiveram divididos, haja vista que a profissão de poeta<br />

nunca foi capaz de se manter como meio de sustento e alimentar a esperança<br />

de ninguém, ao contrário do que ocorreu nos primeiros tempos.<br />

Um exemplo infeliz da tentativa de sobrevivência por meio da poesia<br />

foi o caso de Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas brasileiros do início do<br />

século XX.<br />

Apesar de ter morrido à míngua, o poeta foi reconhecido<br />

postumamente após um árduo trabalho de seus amigos e irmão para divulgar<br />

sua obra.<br />

Em vida, Augusto dos Anjos amargou todas as incertezas que a<br />

profissão de poeta e o desprezo pela sua arte acabaram lhe proporcionando -<br />

poesia muito diferente das demais que ganhavam o início do século com o fim<br />

do Simbolismo, Parnasianismo e o advento do Modernismo em 1922.<br />

Até os 24 anos, o poeta viveu no Engenho do Pau-d´Arco na Paraíba<br />

do Norte, de onde se afastava periodicamente para breves estadas na Paraíba<br />

ou no Recife, mas sonhava com a fama e o reconhecimento literário, o que, por<br />

conseqüência, poderiam elevar o seu padrão de vida e amenizar os prejuízos<br />

financeiros da família.<br />

O Poeta Raquítico ou Doutor Tristeza, como era julgado e conhecido<br />

na Paraíba por conta de seus versos fúnebres e amargos, sempre almejou o<br />

sucesso através da poesia, embora sustentasse o casamento pelo exercício da<br />

profissão paralela de professor. Era advogado também, mas optou pelas letras.<br />

Insatisfeito com os proventos ganhos como professor do Liceu<br />

Paraibano e pouco valorizado pela imprensa, Augusto dos Anjos resolveu deixar<br />

a Paraíba rumo ao Rio de Janeiro onde, supostamente, gozaria de todo<br />

prestígio e compensação financeira pelo seu reconhecido mérito, como ele<br />

próprio pensou :<br />

35


“No Rio de Janeiro as coisas seriam diferentes. Publicaria, logo à<br />

chegada, o seu livro, afirmação de sua personalidade independente, o Eu. Levava<br />

algum dinheiro. Não precisaria do auxílio de ninguém nem dependeria de parentes.<br />

Faria relações com poetas, escritores e jornalistas, que lhe reconheceriam o talento,<br />

e tudo facilitariam ao novo companheiro de letras. Conquistaria, em suma, pelo<br />

próprio mérito, todas as posições que almejasse, na imprensa e no magistério” 1 .<br />

Decorrido quase um ano, pouco se havia alterado na vida de Augusto<br />

dos Anjos. Conseguiu, apenas, a nomeação de professor substituto de<br />

Geografia, Cosmografia e Corografia do Brasil no Ginásio Nacional.<br />

A situação do poeta era mais do que precária e os vencimentos<br />

insuficientes para cobrir as despesas da família. Perdera o primeiro filho e o<br />

parto prematuro indicava todas as dificuldades por que passou. A esperança de<br />

sobreviver pela poesia foi morrendo aos poucos e junto com ela o ímpeto do<br />

poeta em prosseguir com seus objetivos.<br />

na Paraíba :<br />

Em carta datada de 11 de setembro de 1991, declara à irmã<br />

“ Desempregado, com responsabilidades pesadas a me abarrotarem a<br />

alma, vítima de uma desilusão de minha própria terra, tudo isto, como um<br />

amálgama negro, engendrou esse silêncio malsinado, que não corresponde<br />

absolutamente a uma depressão quantitativa dos afetos à família, tanto por mim<br />

estimada. Agora, a nomeação que acabo de receber veio sanear um pouco o meu<br />

abalado território cerebral ” 2 .<br />

Para completar a receita do orçamento doméstico, tinha de desdobrar-<br />

se em aulas particulares, em bairros diferentes e tornou-se posteriormente<br />

agente de companhia de seguros, sem êxito, porém.<br />

Era total e absoluta sua incapacidade para ganhar dinheiro.<br />

Teve que se resignar ao ganha-pão de professor. Nenhum editor quisera<br />

publicar seus manuscritos poéticos. Acabou por financiar a edição, de parceria<br />

com o seu irmão, Odilon.<br />

_______________<br />

1. Augusto dos ANJOS, Apud Francisco A Barbosa, Eu e Outras Poesias, p.59<br />

2. Id., Ibid., p. 67<br />

36


Um outro poderia acreditar na obra, como um negócio capaz de<br />

proporcionar lucros, pelo menos é o que transparece nas cláusulas do contrato<br />

firmado por ambos, em reprodução ipisis litteris conforme abaixo :<br />

Cláusula II - “ Fica considerada como despesa de impressão a quantia de<br />

cinqüenta mil contos de réis, dispendida com a fotografia de Augusto dos Anjos, a<br />

fim da mesma figurar no livro”, e ainda, “Fica considerada como despesa à parte<br />

tudo que for gasto com a venda e colocação do livro, cabendo a quem houver feito<br />

dita despesa reavê-la, oportunamente ” .<br />

A grande verdade é que, apesar de todo seu talento, cultura e<br />

excepcionalidade, Augusto dos Anjos morreu frustrado, pobre e não pôde ver<br />

seu grande sonho realizado, a arte da sobrevivência pelo suor da sua poesia.<br />

O poeta voou alto, tinha asas possantes, mas era frágil e impotente 1 ,<br />

sem forças para vencer a realidade da vida, o que lhe causou profundo<br />

desânimo com o Rio de Janeiro, ao contrário do que almejava ao sair da<br />

Paraíba.<br />

Em 1914 mudou-se para Leopoldina, em Minas Gerais, tendo aceito o<br />

cargo de Diretor do Grupo Escolar da cidade com a ajuda de seu cunhado<br />

Rômulo Pacheco, ligado à política local. Agarrou-se ao cargo como um náufrago<br />

à espera da salvação 2 .<br />

Para sua escrita, porém, o poeta se utilizou de toda sua paixão e<br />

obedeceu exclusivamente ao temperamento que lhe coube por dádiva divina.<br />

Tal como inúmeros poetas de sua época e de outras, não conseguiu<br />

plena realização como poeta de profissão, mas nunca será esquecido, por toda<br />

grandeza de sua obra, reconhecida tardiamente nos meios literários.<br />

Morreu no mesmo ano em que se mudou para tentar a sorte em<br />

Leopoldina, acometido de uma congestão pulmonar, mas deixo aqui nossa<br />

homenagem ao grande Poeta Raquítico transcrevendo um de seus formidáveis<br />

sonetos, grande pela idéia predominante, pela verdade científica, pelo<br />

sentimento doloroso e pela estrutura 1 2 , como diria Órris Soares, amigo do<br />

poeta, em elogio feito no ano de 1919 :<br />

_______________<br />

1. Órris SOARES in: Augusto dos Anjos, O Eu e Outras Poesias, p.39<br />

2 . Órris Soares era tio-avô do humorista brasileiro Jô Soares<br />

37


LAMENTO <strong>DA</strong>S COISAS<br />

Triste a escutar, pancada por pancada,<br />

a sucessividade dos segundos,<br />

ouço, em sons subterrâneos, do orbe oriundos,<br />

o choro da Energia abandonada.<br />

É a dor da força desaproveitada<br />

- O cantochão dos dínamos profundos,<br />

que, podendo mover milhões de mundos,<br />

jazem ainda na estática do nada !<br />

É o soluço da forma ainda imprecisa . . .<br />

Da transcendência que não se realiza . . .<br />

Da luz que não chegou a ser lampejo . . .<br />

E é, em suma, o subconsciente aí formidando<br />

da Natureza que parou chorando<br />

no rudimentarismo do desejo !<br />

Diferente do que poderia ser, nenhum poeta conseguiu manter-se<br />

financeiramente pela própria poesia. Ao exercício da arte de poetar, por<br />

necessidade desenfreada da sobrevivência, a grande maioria obrigou-se a<br />

associá-la a uma atividade paralela, incondicionalmente, o que não deixa de<br />

causar indignação e espanto, uma vez que a poesia sempre esteve presente na<br />

cultura de todos os povos e todos sempre fizeram questão de enaltecer seus<br />

poetas.<br />

À exceção dos primeiros e de alguns da atualidade, dificilmente<br />

encontramos algum registro de poetas que tenham enriquecido ou simplesmente<br />

vivido bem por simples exercício de sua poesia.<br />

Sófocles, Horácio, Píndaro, Shakespeare, Auden, João Cabral de<br />

Mello Neto, Manuel Bandeira ou mesmo Drummond, a despeito de toda a fama<br />

e herança cultural acumulada para o bem da humanidade, nunca puderam<br />

orgulhar-se da poesia como meio de sobrevivência.<br />

38


Aos poetas sempre estiveram ligados as demais profissões como<br />

embaixador, general, professor, escritor ou mesmo cantor, motivo pelo qual<br />

podemos insinuar que a poesia não serve como referência profissional.<br />

Atualmente, poucos poetas se dizem felizes e contentes com o tímido<br />

reconhecimento do público, traduzido em números.<br />

O exemplo de Augusto dos Anjos no início do século e Mário Quintana<br />

falecido há pouco tempo não deixam dúvidas de quanto a poesia é ingrata,<br />

mesmo sendo objeto de estudo e avaliação em qualquer escola ou universidade<br />

de renome.<br />

Mário Quintana, poeta gaúcho, viveu os últimos dias de sua vida<br />

vivendo de favores alheios apesar de sua vasta produção poética. Orides<br />

Fontela, poetisa paulista reconhecida pelos críticos como uma das maiores da<br />

atualidade brasileira, sofre para pagar as despesas de aluguel e manutenção de<br />

um apartamento no centro de São Paulo.<br />

Auden na Inglaterra, Eliot e Emerson nos Estados Unidos, Trakl na<br />

Polônia, Petrarca na Itália, Maiakovski na Rússia, Baudelaire e Rimbaud na<br />

França, todos eles foram vítimas do mesmo mal e em razão de toda indiferença<br />

em vida, gozam hoje de reconhecimento, respeito e consideração da crítica<br />

literária, dos estudiosos conscientes que acabaram concluindo a importância da<br />

poesia no mundo antigo, medieval e contemporâneo.<br />

O objetivo principal no capítulo ao fazer uma analogia e tentar<br />

associar a atividade do poeta à profissão foi demonstrar a contradição que<br />

existe no fato do público louvar a poesia em todos os tempos e ao mesmo<br />

tempo não possuir o discernimento e a crítica necessária para reverter toda<br />

injustiça que os poetas conseguem, na maioria dos casos, postumamente.<br />

Assim sucedeu com Augusto dos Anjos, Gregório de Matos Guerra,<br />

Shakespeare, Cecília Meireles e Mário Quintana, e os textos consultados não<br />

indicam que haja tendência de reversão, para tristeza dos amantes da boa<br />

poesia.<br />

Tudo o que constatei durante a execução deste capítulo levou-me a<br />

acreditar que a poesia não reconhecida como profissão é uma grande injustiça,<br />

difícil de ser corrigida, embora seja obrigação de todos reconhecê-la como arte<br />

pura e legítima, confiada somente aos iluminados que ousaram cultivá-la por<br />

39


gosto, paixão e até por necessidade de expor tudo aquilo que os mortais<br />

comuns não conseguem.<br />

Talvez seja da natureza do poeta produzir palavras difíceis e dificultar<br />

o entendimento, guardar para si mesmo aquilo que apenas ele entende num<br />

primeiro piscar de olhos, razão pela qual sua obra seja motivo de estudo e não<br />

de riquezas materiais.<br />

Emerson, em Ensaios (1994 : 228) sobre o intelecto, resume o<br />

trabalho do poeta e sua perfeita relação com a natureza :<br />

“O intelecto precisa ter a mesma perfeição naquilo que apreende e<br />

naquilo que produz. Por essa razão, um índice de mercúrio da eficiência intelectual<br />

é a percepção da identidade. Falamos com pessoas cultivadas que parecem ser<br />

estranhos na natureza. O poeta, cujos versos devem ser esféricos e completos, é<br />

alguém que não pode ser enganado pela natureza, não importa qual a máscara de<br />

estranheza que ela possa vestir . . . Hermes, Heráclito, Empédocles, Platão, Plotino,<br />

Olimpiodoro e o resto têm algo de tão vasto em sua lógica, tão primário em seu<br />

pensamento, que parece anteceder a todas as distinções ordinárias da retórica e da<br />

literatura, e ser ao mesmo tempo poesia, música, dança, astronomia e matemática ”.<br />

40


3. A <strong>HISTÓRIA</strong> ATRAVÉS <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong><br />

A poesia sempre foi companheira da história da humanidade, pelo<br />

menos é o que pude perceber estudando os mais diferentes autores, antigos e<br />

atuais. Todos os feitos históricos, narrados em epopéias, sátiras, fábulas,<br />

epigramas, odes ou elegias, eram frutos de algum acontecimento associado ao<br />

cotidiano das pessoas ou à saga de um povo e seus governantes.<br />

A história também pode ser considerada o registro e interpretação de<br />

eventos do passado. Começou com a recontagem de lendas transmitidas pela<br />

tradição oral: as narrativas épicas de Homero foram as expressões poéticas da<br />

história oral, enquanto no período clássico da Grécia Antiga, Heródoto,<br />

Tucídides, Sófocles e Ésquilo entre outros escreveram narrativas da história de<br />

seu tempo.<br />

Em capítulo anterior, quando descrevi algumas informações sobre os<br />

primeiros poetas, notei que os poemas, a exemplo da Ilíada de Homero,<br />

independente do lirismo e da extensão do texto, e na qualidade de mais antigos<br />

registros literários remanescentes, relatam detalhes de todos os acontecimentos<br />

possíveis da época ajudando a reconstruir a antiga história da Grécia<br />

fornecendo muitas evidências incidentais.<br />

Emerson, em Ensaios (1994 : 15), associa história à poesia em cada<br />

parágrafo, frase ou capítulo, fazendo menções aos acontecimentos e referindo-<br />

se ao fato da poesia estar sempre presente nos principais acontecimentos dos<br />

povos e ao longo dos tempos :<br />

41


“ O Jardim do Éden, o sol imóvel sobre Gibeão são poesia, desde então,<br />

para todas as Nações . A história universal, os poetas, os romancistas, mesmo em<br />

seus quadros mais faustosos - nos palácios sacerdotais e imperiais, nos triunfos da<br />

vontade ou do gênio - em nenhum lugar deixam de ter ressonância em nosso ouvido,<br />

em nenhum lugar nos fazem sentir que somos intrusos, que aquilo é para homens<br />

melhores; pelo contrário, é verdade que em suas pinceladas mais grandiosas<br />

sentimo-nos o mais à vontade possível. Tudo o que Shakespeare diz do rei, aquele<br />

garoto magricela que lê em um canto sente ser verdadeiro em relação a si mesmo.<br />

Nos compartilhamos dos sentimentos que despertam os grandes momentos da<br />

história, as grandes descobertas, as grandes resistências, as grandes prosperidades<br />

dos homens - pois ali a lei foi promulgada, o mar foi esquadrinhado, a terra foi<br />

descoberta ou rajada de vento soprou a nosso favor, do mesmo como, naquele<br />

lugar, teríamos feito ou aplaudido, e nada escapou à poesia, tudo se registrou<br />

através dela ” .<br />

Através de poemas, muitos fatos chegaram ao nosso conhecimento.<br />

Ilíada e Odisséia, poemas épicos de Homero, conforme citado anteriormente,<br />

relatam muito bem todos os costumes e preocupações dos governantes da<br />

Grécia antiga com uma riqueza de detalhes jamais conseguida pelos registros<br />

oficiais da história.<br />

Além de Homero e outros importantes poetas da antigüidade, muitos<br />

outros foram surgindo ao longo da história e cada um foi incorporando à sua<br />

maneira a verdade dos fatos em forma de poesia.<br />

A literatura latina teve início tardio, no final do século III a.C., com as<br />

peças de Plauto e, pouco depois, de Terêncio, ambos seguidores do modelo<br />

tradicional e comédia dos gregos.<br />

Na época do nascimento do imperador Augusto, porém, os poetas<br />

romanos já haviam adquirido impulso próprio. Costumavam utilizar pessoas<br />

reais como personagens de suas obras. Por exemplo, Lésbia, a quem Catulo 1<br />

se dirigia em seus elegantes poemas de amor e desilusão era, na verdade, uma<br />

dama chamada Clódia, ao que consta, casada com um cônsul.<br />

_______________<br />

1. Considerado o maior lírico da poesia latina<br />

42


E não havia dúvidas de que Júlio César e seu Chefe do Estado-Maior<br />

eram o alvo das farpas de Catulo: “ ambos adúlteros, igualmente ávidos, parceiros<br />

na competição pelas mocinhas da cidade ” . César tinha espírito esportivo : depois<br />

de exigir e receber desculpas, convidou o poeta para jantar.<br />

Mas foi Augusto quem ofereceu patrimônio oficial inestimável aos<br />

escritores do seu tempo. Para assessorá-lo, recorria ao rico Caio Mecenas, um de<br />

seus amigos mais velhos e íntimos, que exercia o papel de caçador de talentos.<br />

Mecenas trouxe para o círculo imperial homens brilhantes de vários níveis<br />

da sociedade romana. Os poetas Ovídio 1 e Propércio 2 eram cavalheiros, o<br />

historiador Tito Lívio 3 vinha de uma família da Gália Cisalpina, o grande Virgílio 4<br />

era filho de um pequeno agricultor e Horácio 5 nascera numa família de libertos.<br />

to 4 e juntos descrevam minuciosamente os grandes acontecimentos do império.<br />

Os primeiros poemas líricos de Horácio, Epodos, seguem a tradição<br />

de Arquíloco. Os quatro volumes de Odes são ainda mais notáveis - escritas em<br />

versos que mostram da melhor maneira a concisão latina, abrangem grande<br />

variedade de assuntos, com predomínio do amor, da política, da filosofia, da<br />

poesia e da amizade na época.<br />

Segundo a Bíblia, o povo de Israel superou na lírica todos os outros<br />

povos. Cantou desde Moisés até Cristo. Os Salmos, por exemplo, são hinos<br />

sagrados por meio dos quais o povo de Deus costumava louvar o Altíssimo,<br />

implorar a sua misericórdia, agradar os benefícios recebidos e recordar os<br />

prodígios de sua paternal providência em torno de Israel. Foram compostos por<br />

vários escritores sagrados, sendo Davi 6 o autor de sua maior parte.<br />

Eram denominados Salmos por serem cantados ao som de um<br />

instrumento que os gregos denominavam Saltério. Dividiam-se em cinco livros e<br />

atualmente acham-se reunidos num único livro.<br />

_______________<br />

1. Mestre da poesia erótica, um dos primeiros poetas latinos<br />

2. Poeta latino, amigo de Ovídio e admirador de Catulo, famoso por suas elegias<br />

3. Orador, estadista e historiador romano no início do Seculo I a.C.<br />

4. Um dos maiores poetas latinos, autor de Eneida<br />

5. Poeta latino da mesma época de Virgílio e Catulo<br />

6. Segundo Rei de Israel, governante da tribo de Judá, famoso por derrotar o<br />

gigante Golias<br />

43


A coleção dos Salmos 1 não têm uma ordem especial; todas as cinco<br />

divisões foram indiscriminadamente organizadas por cada colecionador com os<br />

salmos que lhe vinham às mãos. Pertencem esses hinos a todos os gêneros da<br />

lírica hebraica : são hinos, ações de graças, orações, pias meditações, poemas<br />

históricos, didáticos, penitenciais. Tornaram-se célebres os salmos messiânicos,<br />

isto é, aqueles que tratam da vinda do Messias, Cristo; realmente, são<br />

considerados como grandes profecias.<br />

Segundo os historiadores, tudo leva a crer que os Salmos tenham<br />

sido escritos em forma de versos e graças à doxologia, ciência que estuda o<br />

culto à glória e aos deuses, conseguimos entender a sua disposição e perfeita<br />

combinação das palavras para facilitar o acompanhamento de instrumento e<br />

música.<br />

Outro poeta de grande importância para a história da humanidade foi<br />

Camões 2 . Sua Ode XI, publicada na edição dos “ Colóquios dos Símplices e<br />

Drogas da Índia ”, relata sua viagem de regresso à pátria e suas andanças pela<br />

Índia e pela China, a qual, inclusive, foi financiada pelos amigos.<br />

Praticamente tudo que existe hoje sobre a vida de Camões é<br />

resultado das analogias feitas por especialistas na obra do poeta, pois a<br />

precariedade dos registros históricos não nos permite conhecê-lo de outra forma<br />

senão interpretando seus poemas.<br />

Em 1571, um ano depois que Camões desembarcou em solo<br />

português, após 17 anos de exílio na Índia por ter agredido o rei de Portugal, de<br />

vida penosa, agitada e dificílima nas terras do Oriente, o poeta obtém, através<br />

de amigos influentes, a permissão e o alvará régio para a publicação de Os<br />

Lusíadas.<br />

De Camões, em verdade, pouco sabemos. Nasceu pobre, viveu,<br />

morreu mais pobre ainda. Em sua poesia, e sobretudo nas poucas cartas que<br />

indubitavelmente são dele, pode-se ler que, como português, incorporou na<br />

alma toda a nossa condição : pobreza, vagabundagem, cadeia, sofrimento,<br />

paixão, insatisfação com os governantes de sua época.<br />

______________<br />

1. Conjunto de hinos sagrados do Antigo Testamento Bíblico<br />

2. Poeta português do Sécuylo XVI, famoso por seus escritos Os Lusíadas<br />

44


Erros, má fortuna e amor ardente se conjugaram para fazer daquele<br />

alto espírito do maneirismo europeu uma das figuras mais desgraçadas da via-<br />

sacra nacional.<br />

Quando foi preso em Goa, ilha sob domínio português, a nau 1 em<br />

que viajava naufragou e ele teve de nadar até as margens do Rio Mekong para<br />

salvar os manuscritos de Os Lusíadas, obra então quase finalizada.<br />

O importante da obra de Camões é ressaltar que o poeta foi capaz de<br />

enaltecer a história e, apesar de ter morrido na miséria, confunde-se com a<br />

própria história através dos tempos.<br />

Não há estudioso capaz de falar em poesia ou literatura portuguesa<br />

sem lembrar de Os Lusíadas, clássico da poesia que já nem pertence mais ao<br />

poeta e sim à humanidade, digno de respeito, consideração e estudo.<br />

Camões viu a história, narrou-a e tornou-se história, inegavelmente,<br />

através de sua obra e de todo o sofrimento que acumulou em vida, como poeta,<br />

náufrago e exilado. Um pouco do pensamento do poeta pode ser analisado no<br />

poema abaixo:<br />

______________<br />

A DITOSA PÁTRIA<br />

Eis aqui, quase cume da cabeça<br />

De Europa toda, o Reino Lusitano,<br />

Onde a terra se acaba e o mar começa<br />

E onde Febo repousa no Oceano.<br />

Este quis o Céu justo que floresça<br />

Nas armas contra o torpo mauritano,<br />

Deitando-o de si fora; e lá na ardente<br />

África estar quieto o não consente.<br />

Esta é a ditosa pátria minha amada,<br />

À qual se o Céu me dá que eu sem perigo<br />

Torne, com esta empresa já acabada,<br />

Acabe-se essa luz ali comigo.<br />

1. Grande embarcação, navio<br />

45


José de Anchieta, nosso primeiro poeta nacionalista veio para o Brasil<br />

em 1553, com a Companhia de Jesus, na comitiva de Duarte da Costa 1 .<br />

Durante o período de colonização, sua missão principal foi a de catequizar os<br />

índios e ser professor nos primeiros colégios destinados aos filhos de<br />

portugueses que aqui chegaram, fidalgos, em primeira instância.<br />

Estudiosos e pesquisadores o definem como iniciador da nossa<br />

poesia, independente de ter vindo de Portugal e de ter nascido na Espanha,<br />

pois aqui viveu na época de transição histórica, a chamada fase lingüista do<br />

português.<br />

Alguns estudos críticos de Anchieta, a participação na formação<br />

histórica do país foi de tal maneira intensa e fecunda que seus historiadores ou<br />

mesmo seus biógrafos quase sempre se esquecem que ao lado do homem de<br />

ação lúcida, de colonizador obstinado, coexistia um escritor sensível.<br />

Toda a obra literária de Anchieta está ligada à realidade<br />

brasileira da época do descobrimento. Escreveu dois grandes poemas, um<br />

dedicado à Virgem Maria e outro aos feitos de Mém de Sá 2 , em 4 línguas : o<br />

próprio latim, o espanhol, o português e a chamada língua geral baseada no<br />

dialeto dos Tupinambás 3 , ou língua mais falada na costa do Brasil, ao seu<br />

tempo.<br />

Seus escritos foram classificados em cartas, fragmentos históricos,<br />

sermões, poesia lírica e autos de catequese, os últimos colhidos nos próprios<br />

costumes ou cerimônias indígenas. Os originais do chamado caderno Anchieta,<br />

com 208 folhas, encontram-se nos arquivos da Companhia de Jesus, em Roma.<br />

Ao que tudo indica, essas páginas escritas por Anchieta o<br />

acompanharam ao longo de sua vida no Brasil até os últimos momentos e estão<br />

recheadas de acontecimentos históricos do período em que os primeiros<br />

habitantes do Brasil tiveram o imenso gosto de companhia e puderam<br />

testemunhar a coragem do evangelizador e poeta em solo brasileiro.<br />

_______________<br />

1. Segundo Governador Geral do Brasil, a serviço do Reino de Portugal<br />

2. Terceiro Governador Geral do Brasil, a serviço do Reino de Portugal<br />

3. Uma das principais tribos da costa marítima brasileira à época do descobrimento<br />

46


No período Romântico brasileiro, encontramos um número sem fim de<br />

poemas e poetas a descreverem todo tipo de ação feito do seu respectivo<br />

tempo. Gonçalves de Magalhães narra Napoleão em Waterloo de maneira<br />

brilhante, algo escrito com riqueza de detalhes ou mesmo de imaginação digna<br />

de quem devorou por inteiro e absorveu todo conhecimento histórico daquela<br />

fatídica batalha em que grande imperador francês foi derrotado.<br />

Alguns poemas monumentais não devem ser esquecidos jamais pela<br />

humanidade e, principalmente, pelos brasileiros. São poemas que relatam uma<br />

época sem precedentes, de transformação e muitas injustiças, onde os poetas<br />

escancaram toda verdade não adquirida pela simples leitura de livros escolares.<br />

I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias; Os Jesuítas e Navio Negreiro, de<br />

Castro Alves; Pedro Ivo, de Álvares de Azevedo; Morte e Vida Severina e o Auto<br />

do Frade, de João Cabral de Melo Neto; Natureza Intima e Lamento da Coisas,<br />

de Augusto dos Anjos e os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello.<br />

Há nos poemas todo um mistério irrefutável e intimamente ligado à<br />

história, não somente pela verdade poética do seu conteúdo, mas também pelo<br />

fato de não distorcerem os acontecimentos e ampliarem o nível de<br />

conhecimento tão limitado pelo registro histórico e pelo conhecimento do<br />

homem.<br />

Wystan Hugh Auden, poeta inglês nascido no início do século, era o<br />

nome de um santo do século IX por quem o pai do poeta tinha particular afeição.<br />

Médico, Dr. George Auden dedicava-se também aos estudos arqueológicos,<br />

históricos e clássicos, tendo passado um pouco desses gostos ao filho caçula.<br />

Segundo José Paulo Paes (1986:7), em sua introdução quase didática<br />

sobre a Vida e Poética de W.H.Auden, enquanto poeta, ele é uma das mais<br />

convincentes ilustrações daquilo que os críticos costumar chamar de falácia<br />

biográfica , ou seja, o equívoco de querer explicar as particularidades da obra<br />

de um escritor pelos acontecimentos de sua vida civil.<br />

Na sua poesia, o pendor para a generalização leva de vencida a<br />

preocupação com o particular, o crítico obnubila o sentimental, e os poemas, em<br />

vez de estarem voltados para o registro de incidentes da vida do poeta ou de<br />

traços de sua personalidade, interessam-se antes pelo sucesso e pelas idéias<br />

mais candentes que foi dado a ele viver.<br />

47


Em Valência, onde chegou em janeiro de 1937, não foi ser soldado<br />

nem motorista de ambulância como pretendia; puseram-no na propaganda pelo<br />

rádio.<br />

De volta à Inglaterra, escreveu um poema sobre a Guerra Civil<br />

Espanhola denominado Espanha, no qual oferece à história um série de<br />

acontecimentos da época e, mais tarde, numa declaração pública contentou-se<br />

em dizer, laconicamente, que apoiara o governo republicano espanhol “ porque<br />

a sua derrota pelas forças do fascismo internacional seria um grande desastre para<br />

a Europa” 1 .<br />

Em janeiro de 1938, viajou ao Oriente onde ele e outro colega foram<br />

fazer a cobertura da guerra sino-japonesa para um livro encomendado pela<br />

editora americana Randon House. Passaram três meses na China e alguns dias<br />

no Japão. Essa excursão inspirou Auden, em cuja obra há vários poemas sobre<br />

lugares, “ Uma Viagem “, em que, além da peça de abertura, em versos livres,<br />

acerca do seu desencanto com a utopia do bom lugar, inclui sonetos ferinos<br />

sobre o Egito, Hong-Kong e Macau.<br />

A desilusão política de Auden é retratada em diversos poemas seus e<br />

quase todos o poeta faz um balanço de influências intelectuais, religiosas e<br />

políticas que sofreu :<br />

_______________<br />

Mas de súbito e sem aviso,<br />

despencou toda a Economia:<br />

para instruir-me havia Bretch 2 .<br />

Por fim, coisas pavorosas,<br />

que Hitler e Stalin faziam<br />

trouxeram-me Deus à mente.<br />

Como estava certo do erro ?<br />

Por Kierkegaard, Wiliam e Lewis<br />

fui à fé reconduzido.<br />

1. The English Auden, cit., p.18<br />

2. Poeta, dramaturgo e romancista alemão do início do século<br />

48


Ao citar Auden tentamos traçar um paralelo entre a vocação do poeta<br />

e a importância histórica do seu trabalho transformado em poesia onde,<br />

claramente constatado em seus escritos, há dados inequívocos da sua<br />

excepcional facilidade em avaliar os acontecimentos e registrá-los com riqueza<br />

de detalhes.<br />

Poetas como Auden, Milton, Valery, Apollinaire e Heine são a própria<br />

história da humanidade. Através deles os estudiosos contemplam as verdades e<br />

mentiras de seu tempo e dificilmente podemos encarar qualquer poema ou<br />

mesmo texto em prosa que não haja um mínimo de verdade absoluta.<br />

A história está para a poesia e a poesia está para a história, são<br />

inseparáveis e nada pode desfazer esta junção. Seja por Homero, Horácio,<br />

Sófocles ou mesmo por Shakespeare, a história sempre chegou com detalhes<br />

embora as dúvidas sejam muitas pela fragmentação da obra de muitos poetas.<br />

49


4. OS GRANDES POETAS<br />

Apesar da livre opção e vontade própria de incluir um capítulo sobre<br />

os grandes poetas que surgiram desde a antigüidade até os dias de hoje, seria<br />

prematuro e arriscado de minha parte afirmar que a humanidade teve um ou<br />

outro de maior importância que os demais.<br />

O envolvimento com a poesia durante a execução da monografia já<br />

me permite afirmar que os poetas, mesmo citados em enciclopédias e livros de<br />

história como Grandes para um ou outro autor, foram para seu tempo e sua<br />

época e, portanto, devem ser avaliados sob diferentes pontos de vista, a<br />

começar pela obra de cada um em particular.<br />

Píndaro, Sófocles e Temístocles foram importantíssimos para o povo<br />

da Grécia antiga assim com Virgílo, Alighieri, Petrarca e Ovídio foram para os<br />

italianos. Se perguntarmos aos americanos qual o poeta mais importante da<br />

humanidade é muito provável que elejam Ezra Pound ou Emerson, os alemães<br />

dirão Goethe e os britânicos não hesitarão em apontar Shakespeare como o<br />

maior de todos os tempos.<br />

Verdade pura, todos tiveram sua importância no desenvolvimento da<br />

história e da literatura universal. Não pretendo, na minha humilde capacidade de<br />

analogia dos poemas estudados, fazer juízo de qualquer autor que seja, pelo<br />

simples fato de saber que a humanidade conhece a todos e a eles dedica todo o<br />

respeito que lhes cabe.<br />

A bem da verdade, o mais importante é saber que todos os nomes<br />

atualmente registrados na história, por acaso ou pela influência exercida em<br />

cada época, se perpetuaram por uma razão única : ter se distinguido da filosofia<br />

e dos costumes tradicionais.<br />

50


Na maioria dos poetas pesquisados, todos os casos encontrados<br />

sobressaíram-se no seu tempo por algum motivo contrário à ordem ou tradição,<br />

aos costumes ou à lei, por rebeldia, melancolia, utopia ou mesmo por um<br />

romantismo mais acentuado.<br />

Sob o ponto de vista didático e em razão do farto material disponível<br />

nas bibliotecas, concentrei minha pesquisa nos autores de maior conhecimento<br />

do público, quer pelo amplo número de livros publicados, quer pela influência<br />

exercida pela mídia sobre determinados autores, quer também pela propaganda<br />

cultural de determinadas classes literárias que estabelecem uma espécie de<br />

cânone da literatura mundial, a exemplo do que fez o crítico e estudioso norte-<br />

americano Harold Bloom 1 .<br />

Meu objetivo no capítulo não se restringe a eleger os melhores e sim<br />

demonstrar a importância da obra de cada um dos escolhidos sob o nosso<br />

cânone, a fim de enriquecer o trabalho e defender meu ponto de vista sobre a<br />

importância da poesia no decorrer da história.<br />

Conforme discorrido anteriormente, Homero foi um dos mais<br />

importantes poetas da antiga literatura grega, não somente pelo fato de ter<br />

produzido toda sua obra mesmo cego, mas também pelo fato de ter relatado<br />

acontecimentos de caráter histórico e informativo de sua época, através dos<br />

seus dois maiores poemas, considerados por muitos historiadores os maiores<br />

épicos da antigüidade: Ilíada e Odisséia.<br />

Homero é para a Grécia o que Shakespeare é para a Inglaterra. Não<br />

se pode ignorar a importância do poeta hoje, decorridos quase 3.000 anos do<br />

seu tempo, pois permanece objeto de estudo em universidades, escolas<br />

poéticas e causa o mesmo fascínio de antes. Livros são escritos sobre a sua<br />

obra e as interpretações são mais diferentes possíveis.<br />

As obras do poeta, como conhecemos atualmente, apresentam uma<br />

unidade impressionante, apesar de serem muito longas. Do ponto de vista<br />

histórico, Ilíada e Odisséia são de extrema importância pela simples razão de<br />

ajudarem a reconstruir a antiga história da Grécia.<br />

_______________<br />

1. O Cânone da Literatura Ocidental<br />

51


Mais adiante, Horácio, Virgílio e Ovídio exerceram influência<br />

suficiente para registro de seus nomes nos anais da história da literatura<br />

universal.<br />

Horácio, que viveu de 65 a 8 a.C., tinha uma personalidade áspera e<br />

autodepreciativa, comprovada através de seus poemas Sátiras e Epístolas.<br />

Seus quatro volume de Odes são ainda mais notáveis, escritos em versos que<br />

mostram da melhor maneira a concisão latina, abrangendo grande variedade de<br />

assuntos, com predomínio do amor, da política, da filosofia, da poesia e da<br />

amizade.<br />

Filho de um esclarecido escravo liberto, nasceu na região de Venosa<br />

e contou sempre com o apoio do pai em todos os momentos de sua formação.<br />

Estudou em Roma e Atenas. Republicano convicto, tomou o partido de Bruto 1 e<br />

não hesitou em confessar, candidamente, que abandonara as armas no campo<br />

de batalha de Filipos, onde Otávio derrotara as forças de Bruto e Cássio.<br />

Juntamente com Virgílio e Catulo, Horácio forma a tríade maior da<br />

poesia latina clássica. Seus mestres foram os poetas gregos - não os mais<br />

próximos, os alexandrinos, mas os recuados, os fundadores da lírica helênica :<br />

Arquíloco, Safo e Alceu.<br />

Sua obra chegou-nos praticamente completa; são sátiras, epodos,<br />

epístolas e, principalmente, odes (em quatro livros), estudadas, esmiuçadas e<br />

traduzidas em inumeráveis línguas, tanto no Ocidente como no Oriente, ao<br />

longo desses dois milênios, como o pequeno fragmento que transcrevemos a<br />

seguir :<br />

Pobre vida a da moça que não pode<br />

namorar (vigilância)<br />

nem se permite um gole<br />

para afogar as mágoas (e as más línguas?)<br />

Admirado, traduzido e imitado há dois milênios, Caio Valério Catulo<br />

(82-52 a.C.), pode ser considerado o maior lírico da poesia latina. Segundo<br />

Décio Pignatari em seu 31 Poetas 214 Poemas (1996 : 118),<br />

_______________<br />

1. Soldado romano do Século I a.C., um dos assassinos do imperador Júlio César<br />

52


“ . . . sua lírica, não raro atravessada por laivos epigramáticos irônicos,<br />

jocosos ou satíricos, é louvada pela sua inovadora simplicidade direta - escorada,<br />

porém, por uma sábia estrutura que não se exibe - e pela inflamada crispação<br />

interna que a paixão amorosa provoca ”.<br />

Nascido em Verona, de pais abastados e muito bem relacionados,<br />

viveu na Roma de Júlio César e Cícero; o primeiro era hóspede freqüente de<br />

seu pai (que não impediu algumas farpas do filho); o segundo está ligado a ele<br />

pelos dois pontos que mais poderiam tocá-lo : sua poesia e sua amada-amante.<br />

Quanto ao primeiro, o orador criticava em Catulo e seus jovens<br />

amigos poetas as liberdades métricas, a irreverência, os coloquialismos<br />

familiares e populares e o pouco apreço que tinham pelos severos mestres do<br />

passado, Ênio em especial; chamava-os neoteroi , inovadores, em grego, de<br />

propósito, pelo vezo que tinham de imitar poesia grega, tanto a lírica arcaica e<br />

pioneira de Arquíloco e Safo como a mais recente, a alexandrina. Segundo<br />

ponto : Chegou a referir-se a Clódia, esposa de um cônsul romano, como<br />

“meretriz barata”, em pleno fórum, além de insinuar que ela mantinha relações<br />

incestuosas com o irmão.<br />

Contudo, suas odes tornaram-se famosas e foram traduzidas em<br />

diversas línguas nos últimos dois mil anos, como a que podemos ler a seguir :<br />

Tordo, prazer da minha namorada,<br />

brinquedo vivo que ela leva ao seio<br />

e que incita a bicadas doídas,<br />

com a ponta do dedo, quando quer<br />

- Ó, meu bem, minha luz, meu bem-querer -<br />

distrair-se com algo divertido,<br />

para acalmar a dor, quem sabe ? de uma<br />

paixão voraz - pudesse eu brincar<br />

com você, como o faz a sua dona,<br />

pra amortecer as dores do meu peito !<br />

53


Marco Valério Marcial, nascido no ano 40 d.C. na hoje província de<br />

Saragoça, Espanha, foi para Roma em 64, retornando depois de 30 anos à terra<br />

natal, onde morreu, no ano de 104, presumivelmente.<br />

Viveu a vida típica de um cliente , homem supostamente livre, que<br />

vive de badalações e de prestar serviço aos poderosos, a começar pelo bestial<br />

Domiciano 1 .<br />

O poeta foi um cronista social obsceno e pornográfico de seu tempo,<br />

por isso mesmo criticado, quando não desdenhado e desprezado.<br />

Seus epigramas - mais de um milhar -, distribuídos em doze livros,<br />

vêm atravessando os séculos, influenciando muitos escritores e poetas, entre os<br />

quais Rabelais, Quevedo, Gregório de Matos e Bocage.<br />

Com o poeta Juvenal, também espanhol e seu amigo, formaram a<br />

maior dupla satírica latina, descontando-se, logicamente, Horácio, que operou<br />

em outro registro.<br />

Marcial deixou a marca de seu talento também em muitas passagens<br />

como a do “ plátano de César “ e a do “ rol das coisas boas da vida “ .<br />

Muito censurado, só encontrou as primeiras traduções sem travas nos<br />

anos 60 e 70, especialmente graças ao trabalho pioneiro do historiador Guido<br />

Ceronetti, do qual muito os historiadores atuais se valem, descontando suas<br />

excessivas liberdades formais.<br />

Sua obra, porém, continha poemas mais suaves, a despeito de toda<br />

sua fama de satírico e pornográfico, embora recheada de metáforas picantes :<br />

_______________<br />

Para embrulhar atuns não faltem capas,<br />

Não fiquem sem cartucho as azeitonas,<br />

E nem padeça a traça a fome vil.<br />

Vá, papiro do Egito, é o que possuo :<br />

O inverno ébrio quer novas piadas.<br />

Eu jogo dados de papel, não dardos,<br />

E tanto faz um crepe como um seis.<br />

Lanço cubos de um copo-pergaminho:<br />

Lucros nem perdas não me traz o acaso.<br />

1. Irmão e sucessor de Tito no império romano<br />

54


Entre a elite bem-dotada da China do Século VIII estavam dois dos<br />

maiores poetas da história : Li Po e Tu Fu.<br />

Li Po nasceu em 701, em algum lugar da Ásia Central, onde sua<br />

gente viveu por mais de um século antes de retornar e se instalar em Sichuan,<br />

por volta de 705. A família talvez estivesse envolvida com o comércio, visto<br />

como uma ocupação inferior pela corte, o que talvez explique porque a carreira<br />

de Li Po no serviço público definhara.<br />

Recusou-se a prestar concurso público e assumiu sua nômade<br />

pobreza. De qualquer forma, ele era um rebelde e um andarilho por natureza,<br />

um romântico, místico e libertino, viciado em vinho, amor e poesia.<br />

Li Po é o grande poeta da China, inventor e mestre. Dizem que tinha<br />

muito de não-chinês, que era da Ásia Central e que aprendeu muito com as<br />

apreciadas dançarinas e cantoras do Turquestão, nos cabarés de suas<br />

andanças.<br />

Bêbado iluminado (Tu Fu o considerava um mago), crêem os espíritos<br />

taoístas, em lenda célebre, que Li Po morreu afogado ao se debruçar de um<br />

barco para beijar o reflexo da lua na água; os confucianos, dizem que de<br />

pneumonia.<br />

Seu poema “ Bebendo sozinho com a lua “ demonstra a notabilidade,<br />

audácia e o lirismo dos principais poetas Tang :<br />

De um cântaro de vinho entre flores<br />

eu bebia sozinho. Ninguém comigo -<br />

E então, erguendo minha taça, pedi à clara lua<br />

que trouxesse minha sombra e fizesse de nós, três.<br />

E minha sombra pendeu de mim ociosamente.<br />

Ainda assim, por momentos tive amigos<br />

para me animar no fim da primavera ( . . . )<br />

Cantei. A Lua me estimulou.<br />

Dancei. Minha sombra cambaleou atrás.<br />

Tanto quanto soube, fomos joviais companheiros.<br />

Depois fiquei bêbado, e nos perdemos.<br />

55


Tu Fu, amigo do Li Po, nascido em 712, era um homem sério,<br />

estudioso, profundamente comprometido com o humanismo confucionista e com<br />

o serviço público, muito valorizado na China.<br />

Tendo prestado concurso, Tu Fu foi reprovado e contentou-se com<br />

posições subalternas de extranumerário. Com freqüência, usava a poesia como<br />

protesto político, atacando a injustiça social, assumindo a voz de um soldado<br />

camponês e colocando-se em algum passado distante.<br />

No final da vida, Tu Fu testemunhou a rebelião contra o imperador<br />

Hsuan-tsung e escreveu sobre a fome e desordem que tomaram conta da China<br />

e seus poemas era tão apreciados quanto os de Li Po. Vejamos um pedaço de<br />

sua obra através da Canção do Mar do Sul :<br />

Vindo do mar do Sul,<br />

Disse o Hóspede-Enigma :<br />

“ É de sereia. Aceite<br />

Esta pequena lágrima” .<br />

Era uma estranha pérola<br />

com laivos e sinais,<br />

que tentei decifrar<br />

com leituras banais.<br />

Mas, quando abri o escrínio,<br />

que mudança funesta :<br />

um coágulo de sangue<br />

- É tudo o que me resta !<br />

Homens como esses participaram de uma explosão gloriosa da<br />

literatura e das artes e não podem ser ignorados jamais, pois somente o fato de<br />

hoje termos uma pequena mostra de sua obra, 1300 anos depois, revela a<br />

importância e o impacto forte de sua poesia no período em que viveram.<br />

Dante Alighieri, poeta italiano do século XIII, nasceu e passou<br />

metade da vida em Florença até que os acontecimentos políticos o obrigaram ao<br />

exílio, procurando refúgio em uma corte após outra.<br />

56


Os anos de Florença foram marcados por sua paixão por Beatriz<br />

Portinari, que morreu em 1290, com menos de 20 anos, e que permaneceu fonte<br />

de inspiração e devoção para o poeta até o fim de sua vida.<br />

Este amor trágico inspirou belos poemas líricos em Vida Nova, no ano<br />

de 1293. No exílio, escreveu dois tratados latinos : Sobre a Língua do Povo, da<br />

maior relevância ao colocar o italiano como idioma literário, e No Governo do<br />

Mundo, que apoiava o Sacro Império Romano contra as reivindicações do<br />

papa.<br />

A Divina Comédia, sua obra mais conhecida, foi iniciada em 1308,<br />

mas concluída somente ao final da vida. Trata-se de um poema em três partes,<br />

Inferno, Purgatório e Paraíso, que descreve a jornada de Dante para encontrar<br />

Deus, acompanhado de Virgílio, até o ponto em que Beatriz (a graça divina)<br />

deve guiá-lo.<br />

A obra é uma cosmografia 1 completa do conhecimento medieval e<br />

uma profunda recapitulação da doutrina cristã da queda e da redenção,<br />

colocada em versos de sublime e majestosa beleza, especialmente na criação<br />

de imagens.<br />

Representa o pináculo da poesia italiana.<br />

Não menos importante, Luís Vaz de Camões, poeta português do XVI,<br />

por volta de 1542, já com pendores literários, freqüentava a nobreza, mas suas<br />

posições políticas levaram-no ao exílio em Ribatejo.<br />

“ Nada talvez seja mais obscuro do que a biografia de Camões. A maioria<br />

dos fatos relevantes e importantes ligados a sua trajetória pessoal estão envolvidos<br />

numa névoa espessa que a passagem do tempo não consegue dissipar ”.<br />

Com essas palavras, o pesquisador José Emílio de Major Neto<br />

(1993 : 6) expõe a vida conturbada de Camões. Quase tudo que sabemos são<br />

informações truncadas, incompletas e muitas vezes contraditórias, a maioria<br />

não passível de informação documental.<br />

Sabe-se que desde antes do fim da adolescência o poeta já se<br />

encontrava em Lisboa, e neste ano prestou serviços militares na África, onde<br />

perdeu um dos olhos, numa batalha ou acidente.<br />

_______________<br />

1. Descrição astronômica do mundo<br />

57


Apesar da precariedade dos dados históricos de sua vida e obra, a<br />

vida de Camões foi turbulenta e instável, repleta de vicissitudes, marcada por<br />

enormes dificuldades, pela pobreza e pela miséria, e com certeza pela inimizade<br />

e perseguição por parte de forças poderosas suas contemporâneas.<br />

Contudo, Camões é uma das figuras de maior relevo da tradição<br />

literária em língua portuguesa e, sem dúvida alguma, um dos maiores poetas do<br />

seu tempo. Sua obra é a base para a compreensão do complexo cultural que<br />

envolve o século XVI e o fenômeno histórico e estético chamado Renascimento.<br />

Os ecos de seus temas, procedimentos formais e estilísticos são<br />

facilmente detectáveis ao longo dos últimos quatro séculos de cultura literária,<br />

quer em Portugal, quer no Brasil.<br />

Camões ocupa assim um lugar de destaque, quer entre os mais<br />

prestigiados autores de seu tempo, quer como o mais ilustre representante de<br />

toda uma cultura e tradição literária no seio das modernas literaturas européias.<br />

Sua obra mais famosa, Os Lusíadas, foi escrito quase integralmente<br />

no exílio e, atualmente, é objeto de estudo e qualquer lugar do mundo.<br />

O centro temático mais relevante da obra de Camões é o amor e suas<br />

implicações profundas em relação à condição humana, tal como no soneto<br />

LXXIII apresentado a seguir :<br />

Amor é fogo que arde sem se ver,<br />

é ferida que dói e não se sente,<br />

é um contentamento descontente,<br />

é dor que desatina sem doer.<br />

É um não querer mais que bem querer,<br />

é solitário andar por entre a gente,<br />

é não contentar-se de contente,<br />

é cuidar que se ganha em se perder.<br />

É um estar-se preso por vontade,<br />

é servir, a quem vence, o vencedor,<br />

é um ter com quem nos mata lealdade.<br />

58


Mas como causar pode o seu favor<br />

nos mortais corações conformidade,<br />

sendo a si tão contrário o mesmo amor ?<br />

Miguel de Cervantes, romancista, dramaturgo e poeta espanhol do<br />

século XVI, criou personagens universalmente conhecidos, como D. Quixote, o<br />

cavaleiro errante, e seu criado Sancho Pancho. Escreveu principalmente nos<br />

doze últimos anos de vida, depois de uma carreira como soldado, quando foi até<br />

prisioneiro de piratas e preso na Espanha sob acusação de mal uso do dinheiro<br />

público.<br />

O longo poema Viagem a Parnaso (1614) obteve pouco sucesso, mas<br />

seu fracasso relativo foi seguido pela aclamação da sua paródia do romance de<br />

cavalaria As Aventuras de Quixote (1605-15), motivo pelo qual Cervantes é<br />

admirado e estudado até os dias de hoje.<br />

Minha pesquisa não teria valido a pena se não tivesse esperado<br />

ansiosamente pelo estudo e inclusão da vida e obra do dramaturgo e maior<br />

poeta inglês de todos os tempos : Wiliam Shakespeare.<br />

Para a grande maioria, artistas, jovens, velhos, poetas, escritores ou<br />

não, Shakespeare é considerado o maior poeta de todos os tempos. Seus<br />

versos são declamados repetitivamente nos teatros cênicos, nos principais<br />

meios de comunicação, em novelas, peças teatrais e nas escolas.<br />

Suas obras, traduzidas e apresentadas em todas as partes do mundo,<br />

tornaram-no o mais célebre dos escritores. Sabe-se que já trabalhava no teatro<br />

londrino em torno de 1592, porém nada se conhece a respeito de sua educação<br />

ou profissão anteriores.<br />

Como autor e ator, trabalhou para a Companhia de Lord Chamberlain,<br />

conhecida a partir de 1603 como Companhia Real, o grupo mais importante a<br />

ocupar, desde 1599, o Globe Theatre, do qual era sócio.<br />

Shakespeare é autor de 38 peças conhecidas, que dividem sua<br />

carreia em aproximadamente quatro períodos.<br />

No primeiro, compreendido até 1594, escreveu diferentes tipos de<br />

comédia, tais como O Esforço do Amor Perdido, a Comédia dos Erros e A<br />

Megera Domada.<br />

59


A abordagem da história da Inglaterra, por ele elaborada em suas<br />

obras, teve início com primeira tetralogia, que compreende Henrique IV e<br />

Ricardo III. A sangrenta Titus Andronicus é sua primeira tragédia.<br />

Entre 1594 e 1599, permaneceu concentrando-se em comédias e<br />

peças históricas. As comédias deste período - Sonho de Uma Noite de Verão,<br />

As Alegres Comadres de Windsor, O Mercador de Veneza - são produto de sua<br />

melhor inspiração romântica, enquanto o domínio completo da Narrativa<br />

aparece na segunda tetralogia : Ricardo III, Henrique IV e Henrique V.<br />

Na terceira fase, entre 1599 e 1608, o poeta abandonou a comédia<br />

romântica e a história inglesa, passando a produzir tragédias, peças de humor<br />

negro ou episódicas, como Medida por Medida, Tudo Está Bem quando Acaba<br />

Bem e Troilus e Criseida.<br />

De um modo geral, Rei Lear, Macbeth, Hamlet e Otelo são<br />

consideradas suas quatro maiores tragédias, embora um segundo grupo de<br />

peças romanas se caracterize por presenças igualmente notáveis, como Antonio<br />

e Cleópatra, Júlio César e Coriolano. A esta fase também pertence Timon de<br />

Atenas, possivelmente escrita em parceria com Thomas Middleton 1 .<br />

A fase final da produção shakespeariana corresponde ao período<br />

entre 1608 e 1613 e é dominada por um novo estilo de comédia, que aborda<br />

temas como a perda e a reconciliação : Péricles, Cimbelina, Conto de Inverno e<br />

A Tempestade, conhecidas como seus últimos trabalhos românticos.<br />

A consagração de Shakespeare deve-se a seus notáveis e<br />

complexos personagens, à dinâmica de suas peças, obtida através de<br />

alternância de cenas curtas e rápidas e, acima de tudo, à sutil e extraordinária<br />

riqueza de seus versos brancos, que apresentam metáfora profunda e retórica<br />

elaborada.<br />

A juventude de Shakespeare se deu num tempo em que o povo inglês<br />

era persistente com relação aos entretenimentos dramáticos. A corte se ofendia<br />

facilmente com as alusões políticas e tentava suprimi-los.<br />

Os puritanos, um grupo crescente e enérgico, sendo os religiosos em<br />

meio ao da Igreja Anglicana, teriam suprimido os entretenimentos, mas o povo<br />

os desejava, certamente.<br />

_______________<br />

1. Dramaturgo e escritor amigo de Shakespeare<br />

60


O poeta levava a sua poderosa execução aos mínimos detalhes, até a<br />

perfeição. Ele tinha o poder de criar uma pintura. O seu poder lírico está no<br />

gênio da peça escrita. Os sonetos, são tão inimitáveis quanto os últimos.<br />

“ Shakespeare é o único biógrafo de Shakespeare; e até mesmo ele nada<br />

pode dizer, exceto para o Shakespeare em nós; a saber, em nosso momento mais<br />

perceptivo e simpático” 1 .<br />

É fácil perceber que o que é melhor escrito ou feito pelo gênio no<br />

mundo não foi trabalho de um homem, mas surgiu de uma ampla obra social,<br />

quando mil pessoas produziam como uma, compartilhando o mesmo impulso.<br />

Shakespeare era um homem do povo e com eles teve uma perfeita<br />

relação de amor e respeito, dando ao povo o que o povo queria : emoção.<br />

Seus poemas, sonetos, peças ou tragédias são a expressão da<br />

consciência humana, no seu grau mais profundo de reflexão e martírio. Talvez<br />

por este motivo, Shakespeare está tão perto de nós, a tilintar nossos cérebros e<br />

tenha condenado toda humanidade a conviver com sua obra e jogar-se a seus<br />

pés, involuntariamente.<br />

No poema A Graça do Perdão, inserido na peça O Mercador de<br />

Veneza, que transcrevemos a seguir, Shakespeare coloca-nos em choque<br />

conosco mesmo, forçando-nos à reflexão pura e simples, desprovida de um<br />

esforço maior, pela simples leitura de suas linhas :<br />

_______________<br />

A graça do perdão não é forçada;<br />

Desce dos céus como uma chuva fina<br />

Sobre o solo: abençoada duplamente,<br />

Abençoa a quem dá e a quem recebe;<br />

É mais forte que a força: ele guarnece<br />

O monarca melhor que uma coroa;<br />

O cetro mostra a força temporal,<br />

atributo de orgulho e majestade,<br />

onde assenta o temor devido aos reis;<br />

Mas o perdão supera essa imponência :<br />

É um atributo que pertence a Deus,<br />

1. Ralph Waldo EMERSON, Ensaios, p.143<br />

61


E o terreno poder se faz divino<br />

Quando, à piedade, curva-se à justiça.<br />

Sobre Shakespeare não cabe mais nada. Difícil interpretá-lo, fácil<br />

admirá-lo. Os artistas sabem do que estamos falando, ao suarem e<br />

permaneceram noites acordados tentando a incorporação e a melhor<br />

interpretação de seus personagens e do espírito shakespeareano.<br />

Para fazer Shakespeare é preciso estudá-lo, conhecer sua obra como<br />

a palma da mão, colocar-se no seu tempo e pensar como ele, sob pena de<br />

admirá-lo em vão, sem qualquer efeito. Talvez seja esse o motivo que nos leve<br />

a carregá-lo na memória, na alma e por toda eternidade, sem sombra de dúvida.<br />

Charles Baudelaire, poeta francês do início do século XIX, foi pouco<br />

apreciado enquanto viveu, mas é hoje considerado um dos expoentes da<br />

literatura francesa. A coletânea de poemas As Flores do Mal, quando publicada<br />

em 1857, provocou um processo no qual o poeta foi acusado de atentar contra a<br />

moral pública.<br />

Em As Flores do Mal, Baudelaire apresenta os contrastes entre as<br />

aspirações ideais de um homem e a desilusão experimentada na sua existência<br />

cotidiana. Buscando a beleza não em abstrações, mas na sórdida realidade da<br />

vida parisiense, especialmente em Quadros Parisienses, o poeta descobre<br />

reflexos do além em toda a criação.<br />

No entanto, vencido pelo desgosto, se rebela contra Deus e busca a<br />

liberdade oferecida pela morte, que lhe permitirá observar o mundo atrás da<br />

fachada da existência.<br />

Os poemas nos quais exibe mestria no controle da rima e do ritmo<br />

apresentam um colorido exótico herdado do romantismo, ainda que baseados<br />

em observação da vida real e executados numa forma perfeita que antecipa as<br />

características dos parnasianos.<br />

Ao longo dos séculos, dois alemães se destacaram pela importância<br />

de sua obra poética, coincidentemente, ambos nascidos no século XVIII.<br />

Johann Wolfgang von Goethe, poeta, dramaturgo, novelista e filósofo<br />

alemão, é considerado um dos maiores poetas de língua alemã. Nascido no ano<br />

de 1809, Goethe produziu uma obra que abrange desde o subjetivismo do<br />

62


movimento Sturm and Drang ( Tempestade e Ímpeto) até a consciência<br />

harmônica do classicismo.<br />

Sua obra inclui poesia lírica, épica e baladas, romances, contos e<br />

obras autobiográficas. A publicação de Götz von Berlichingen (1771), uma peça<br />

no estilo da tradição de Shakespeare, retratando um herói destruído pela<br />

degeneração da idade, firmou seu conceito no meio literário.<br />

No ano seguinte, o poeta apareceu com Os Sofrimentos do jovem<br />

Werher, romance epistolar sobre um forasteiro muito sensível sem lugar no<br />

mundo.<br />

Sua obra-prima é Fausto, um drama em duas partes, do qual se<br />

ocupou de 1770 até 1831. O trabalho reflete o desenvolvimento das<br />

observações colhidas ao longo de toda uma vida marcada por sofrimento,<br />

tragédia, humor e ironia.<br />

“ Goethe, um homem com um centena de braços, olhos de Argus, capaz e<br />

feliz de poder, com essa giratória miscelânea de fatos e ciências e, por sua própria<br />

versatilidade, capas de delas dispor facilmente; uma mente masculina,<br />

desembaraçada pela variedade de casacos da convenção com que a visa se<br />

incrustou, facilmente capaz, por sua sutileza, de penetrá-la e retirar a sua força da<br />

natureza, com a qual ele vivia em perfeita comunhão 1 .<br />

Faz um grande diferença para a força de qualquer sentença saber se há<br />

um homem atrás dela ou não. Goethe é o tipo da cultura, o amador de todas as<br />

artes, ciências e acontecimentos ; artístico, mas não artista; espiritual, mas não<br />

espiritualista. O que também é estranho e nos chamou atenção durante a<br />

pesquisa sobre sua vida, é que ele vivia numa cidadezinha , num estado<br />

insignificante, num estado derrotado, num tempo em que a Alemanha não<br />

representava um país tão importante nos negócios do mundo a ponto de inchar o<br />

peito de seus filhos com qualquer orgulho metropolitano, como o que devia alegrar<br />

um gênio francês, inglês ou, antes, um romano ou ático. No entanto, não há traço<br />

algum de limitação provinciana em sua musa. Ele não é um devedor de sua posição,<br />

mas nasceu com um gênio livre e controlador.<br />

_______________<br />

1. Ralph Waldo EMERSON, Ensaios, p. 183<br />

63


Helena, ou a segunda parte de seu poema Fausto , é uma filosofia da<br />

literatura em poesia. A maravilha do poema está na inteligência superior do<br />

poeta. Assim, ele é um poeta de um laurel mais orgulhoso do que qualquer um<br />

dos contemporâneos.<br />

O que distingue Goethe dos leitores franceses e ingleses é uma<br />

propriedade que ele compartilha com a sua nação - uma referência habitual à<br />

verdade interior. Na Inglaterra e na América há respeito pelo seu talento e em<br />

todos os países em que sua obra foi traduzida, os homens de talento escrevem<br />

com o talento.<br />

“ Talento apenas não faz um escritor. Deve haver algum homem por trás<br />

do livro; uma personalidade que, pelo nascimento e por suas qualidades, está<br />

empenhada nas doutrinas ali descritas e que existe para ver e declarar coisas assim<br />

e não de outro modo ” 1 .<br />

Goethe, a cabeça e o corpo da nação alemão, segundo seus<br />

biógrafos e estudiosos, não fala do talento, mas a verdade brilha através dele.<br />

Ele é bastante sábio, embora seu talento freqüentemente cubra a sabedoria. Ele<br />

é o tipo da cultura, o amador de todas as artes, ciências e acontecimentos,<br />

motivo pelo qual permanece vivo no coração da classe literária mundial, incapaz<br />

de não consultar os seus escritos para encher-se de sabedoria e conhecimento<br />

da filosofia.<br />

A sua autobiografia, sob o título de Poesia e Verdade da Minha Vida,<br />

é a expressão da idéia, agora familiar ao mundo através da mente alemã, mas<br />

uma novidade para outros países quando o livro apareceu, a de que um homem<br />

existe para cultura , não para aquilo que ele pode executar, mas pelo que pode<br />

ser executado nele. A reação das coisas sobre o homem é o único resultado<br />

digno de nota.<br />

Henrique Heine é considerado o segundo maior poeta alemão do<br />

século passado e o maior poeta judeu de língua alemã, em qualquer tempo. O<br />

primeiro, naturalmente, é Goethe, que, de resto, velho e consagrado, não deu a<br />

mínima atenção ao seu conterrâneo.<br />

_______________<br />

1. Ralph Waldo EMERSON, Ensaios, p. 189<br />

64


Sua origem criou alguns problemas para Hitler, mas não para Ezra<br />

Pound, que o admirava e traduziu, neste século finalizante.<br />

Foi contemporâneo de Byron 1 e, pode-se dizer, byroniano, pelo<br />

cinismo anti-romântico e pelas posições políticas rebeldes e revolucionárias,<br />

mas superou-o pela finura e precisão de sua arte poética.<br />

Converteu-se ao catolicismo e ao protestantismo, seguindo conveniên<br />

cias; foi amigo de Marx 2 , criou o famoso slogan “A religião é o ópio do povo “,<br />

encontrou abrigo na Paris das lutas republicanas, expulso da Alemanha pela<br />

política prussiana.<br />

Sua prosa narrativa de viagens e suas canções tornaram-no famoso<br />

antes dos trinta anos, bastando dizer que o seu livro de canções teve treze<br />

edições enquanto ainda era vivo, canções essas que foram musicadas por<br />

Schubert e Schumann 3 , entre outros.<br />

Em 1848, data de publicação do Manifesto Comunista , em visita ao<br />

Museu Louvre, em Paris, sofreu um desmaio diante da Vênus de Milo: era a<br />

sífilis medular que o mandou para a cama durante oito anos, enquanto duas<br />

mulheres se picavam ao seu redor, pela grande fama e pequena fortuna, por<br />

conta de seus poemas românticos, como a jóia que coletamos de sua obra :<br />

Violeta - brilho dos olhos<br />

Lírio - brilho das mãos<br />

Rosa - brilho das faces<br />

Violeta, rosa, lírio :<br />

Flores do coração secas.<br />

Jean-Nicolas Arthur Rimbaud é o demoníaco anjo loiro da poesia<br />

ocidental modera e um dos maiores mestres da poesia de todos os tempos 4 .<br />

Amigo de Baudelaire, foi um nômade que rompeu as convenções poéticas,<br />

estéticas e sexuais de sua época 5 .<br />

_______________<br />

1. Poeta inglês do século XIX<br />

2. Pensador e filósofo alemão, criador do Marxismo<br />

3. Compositores alemão e austríaco do século XIX<br />

4. Décio PIGNATARI, 31 poetas 214 Poemas, p.130<br />

5. Rodrigo Garcia LOPES, Illuminuras, Prefácio<br />

65


Nascido em Charleville, pequena cidade do interior da França, nas<br />

Ardenas, fugiu de casa pela primeira vez, aos dezessete anos; nessa e em<br />

muitas outras ocasiões, nos rolos que apresentava em suas andanças,<br />

resgatado<br />

pela mãe (por quem, de resto, não nutria estima qualquer).<br />

Em 1862 ingressou no Collège Charleville e em 1870 fez amizade<br />

com seu professor de retórica George Izambard. Em 1871 escreveu ao amigo<br />

Paul Demeny a “ Carta do Vidente “, seu manifesto poético e existencial.<br />

Rebelde, ateu, antimonarquista, não tardou a mandar-se para Paris,<br />

novamente, a Paris da Comuna, à qual aderiu, embora estivesse em Charleville,<br />

quando os communards foram esmagados.<br />

Como que entediado, escreveu suas primeiras obras-primas com<br />

dezessete anos, tais como Ma bohème e Cabaret vert. Como se isso fosse<br />

pouco, pouco antes de completar dezoito anos compôs Le bateau ivre (O Barco<br />

Bêbado), um de seus poemas mais surpreendentes e famosos, ao lado do<br />

poema em prosa, Une saison en enfer (Uma Temporada no Inferno), que<br />

compôs e publicou às suas custas.<br />

Em 1872 fugiu para a Bélgica com seu amigo poeta Verlaine, dez<br />

anos mais velho e que abandonou a mulher grávida e saiu pelo mundo,<br />

seduzido pelo anjo loiro. Em seguida partem para a Inglaterra onde, juntos,<br />

levaram uma vida miserável, entre disputas, discussões, tiros e cacetadas. Em<br />

Paris, dois tiros, um fere-lhe a mão : dois anos de cadeia mais multa.<br />

Em 1875, viveu em Stuttgart, na Alemanha, onde escreveu seus<br />

manuscritos famosos de Illuminations. Depois de viajar pela Áustria e Holanda,<br />

retornou, retornou à Alemanha e trabalhou como intérprete do Circo Loisset,<br />

excursionando pela Suécia e Dinamarca.<br />

Rimbaud é um grande entre grandes, os grandes eram todos<br />

simbolistas e levavam o nome de Baudelaire, Mallarmè, Corbière, Verlaine.<br />

Em sua vida nômade, conheceu Alexandria, trabalhou no Chipre e<br />

visitou o Oriente Médio. Realizou expedições, comercializou peles, marfim e<br />

chegou a traficar armas e escravos na África.<br />

Segundo Rodrigo Garcia Lopes (1996 : 164), a poesia do trajeto de<br />

Rimbaud reflete a velocidade e pressa de ver e viver tudo ao mesmo tempo :<br />

66


“ ... suas idas e vindas a Londres, suas vadiagens por Paris, Bruxelas,<br />

Stuttgart, no período de redação de suas famosas Iluminuras, acabaram fazendo<br />

com que o dinamismo também se revelasse a nível textual. O poeta insistia na Ação;<br />

ler, escrever e pensar caminhando, incorporando ou coletando os dados tal como<br />

acontecem durante o trajeto embriagado pelas ruas em que se “caça crônicas”<br />

como se fosse um “cavaleiro selvagem ”.<br />

Rimbaud morreu em dezembro de 1891, vítima de um tumor<br />

cancerígeno no joelho direito agravado por uma antiga sífilis e depois de ter<br />

uma das pernas amputada.<br />

Há um século o poeta vêm apaixonando e alimentando diversas<br />

gerações de leitores sendo capaz de influenciar escritores tão diferentes com<br />

Proust, Ezra Pound, Samuel Beckett e Jim Morrison. Um pouco de sua obra,<br />

hoje parte integrante e fundamental na poesia universal :<br />

MARINHA<br />

As carroças de cobre e prata -<br />

as proas de prata e aço -<br />

Espalmas espumas, -<br />

esgarçam macos de sarças.<br />

As correntezas da roça,<br />

E os sulcos imensos do refluxo,<br />

fluem em círculos rumo a leste,<br />

rumo às hastes da floresta, -<br />

rumo aos fustes do quebramar,<br />

cujo ângulo é ferido por turbilhões de luz .<br />

Aos 33 anos estava de cabelos brancos. Aos vinte, não era mais<br />

poeta. Nesta década corrente, no centenário de sua morte, foi lembrado e muito<br />

comemorado, onde quer e por quem que tivesse interêsse real pela poesia do<br />

planeta Terra. Rimbaud foi um dos seus melhores representantes.<br />

Ralph Waldo Emerson, ensaísta, professor e poeta, foi um dos<br />

grandes expoentes da literatura norte-americana do século XIX. Depois de<br />

abandonar o trabalho como prelado da igreja unitarista, passou a residir em<br />

67


Concord, Massachussetts, onde se tornou figura central entre os<br />

transcendentalistas.<br />

O verdadeiro evangelho do grupo, apresentado em seu ensaio Nature<br />

(1836), mereceu pouca atenção, mas com os discursos O Erudito Americano<br />

(1837) e O Endereço da Escola Divin (1838), despertou muita polêmica.<br />

A publicação dos primeiros volumes de Ensaios (1841) e Poemas<br />

(1847), e de Homens Representativos (1850), resultou em grande prestígio<br />

dentro e fora dos Estados Unidos. Emerson foi o maior pensador do chamado<br />

“renascentismo americano” de meados do século XIX.<br />

Em seus Ensaios sobre Auconfiança, História, Leis Espirituais e<br />

Amizade entre outros, Emerson despeja toda sabedoria de um homem<br />

consciente dos valores da vida e maturidade suficiente para orientar uma<br />

multidão de pessoas.<br />

Todos eles são iniciados por um poema de maior profundidade que o<br />

outro e em simples há muito mais verdades que nas centenas de páginas<br />

restantes, tal como o abertura do ensaio Prudência, que transcrevemos a<br />

seguir:<br />

“ Nenhum poeta cantou de bom grado um tema<br />

caro aos velhos e infame aos jovens,<br />

nas desdenhes o amor pelas vozes na melodia<br />

nem os objetos das artes.<br />

A grandeza da perfeita esfera celeste<br />

deve-se aos átomos que juntos se mantêm” 1 .<br />

O sensível polonês Guillaume-Albert-Wladimir-Alexandre-Apollinaire-<br />

Kostrowitzky é o maior poeta francês do Século XX, ao lado de Paulo Valéry,<br />

que representa a sensibilidade antiga, simbolista e pós-simbolista.<br />

Imerso nas vanguardas artísticas do início do século, tais como<br />

cubismo, futurismo e orfismo, é um poeta confluente e defluente. Confluem<br />

Mallarmé (ideografia) e Rimbaud (dessemantização); defluem muitos, a partir de<br />

dada e o surrealismo, incluindo brasileiros de gerações literárias várias, como<br />

Mário de Andrade, Vinícius de Moraes, Oswald de Andrade.<br />

_______________<br />

1. Ensaios, p. 149<br />

68


Segundo Décio Pignatari (1996 : 132), talvez o projeto mais revolucio<br />

nário de Apollinaire esteja menos nos seus caligramas, mesmo ambiciosos,<br />

como o de Lettre Océan, do que na paratatização sistemática, que ele chamava<br />

de simplificação sintática, cujo melhor exemplo é o de As Janelas, inspirado<br />

num quadro pioneiro do abstracionismo geométrico, da autoria de Robert<br />

Delaunay.<br />

Filho de uma aventureira e de um padre, viveu na França estranhas e<br />

tumultuadas peripécias, que incluem involuntária receptação de estatuetas<br />

roubadas do Louvre, composição de anônimas obras pornográficas e reiterados<br />

casos de amor conflituosos, o mais célebre dos quais com uma<br />

aristocrática quarentona hunguenote, Louise de Coligny-Châtillon, a Lou (loup =<br />

lobo) de seus poemas ( repelido, engaja-se no exército francês, como<br />

artilheiro, e vai para a guerra; a moça, patrioticamente tocada pelo seu gesto,<br />

vai ao seu encontro, mas o namoro dura poucas semanas: apavorada com a<br />

truculência erótico - amorosa do poeta, rompe e foge).<br />

Naturalizou-se francês, foi ferido na cabeça, condecorado, passou por<br />

uma trepanação, apanhou uma pneumonia e deu-se bem, mas não escapou da<br />

gripe espanhola, que o matou a poucos dias do armistício. Foi dos primeiros<br />

poetas a registrar poemas em disco. Retratado por Picasso, o Douanier<br />

Rousseau, Marie Laurencin (também sua namorada) e Vlaminck.<br />

Seus poemas, escritos sem pontuação, revelam uma clara tentativa<br />

de vanguardismo, tanto na forma quanto no conteúdo, a exemplo do que<br />

transcrevemos a seguir , em seus Versos a Lou :<br />

[ . . . ]<br />

Os ramos que se agitam são seus olhos que tremem<br />

Vejo você em toda parte você tão bela tão terna<br />

Os pregos dos meus sapatos brilham como os seus olhos<br />

A vulva das jumentas é rosada como a sua<br />

E nossas armas engraxadas são como quando você me quer<br />

A doçura da minha vida é como quando você me ama . . .<br />

Outro poeta de maior importância no desenvolvimento da poesia foi o<br />

norte-americano Thomas Stearns Eliot , nascido em 1888, naturalizado cidadão<br />

britânico e morto em 1965 e, seguramente, a mais potente influência moderna<br />

69


dos domínios da crítica da poesia e talvez o mais discutido e comentado poeta<br />

da modernidade.<br />

T. S. Eliot trouxe ao espírito a idéia de Henry James, procurando na<br />

Inglaterra uma tradição que não encontrou na América, a preferência pela ilha.<br />

Tal tradição, que ele iria investigar nos clássicos greco-latinos e nos pilares da<br />

literatura inglesa; desde Chaucer e Milton, Dryden e Coleridge, ele trouxe para a<br />

sua própria poesia, toda ela eminentemente alusiva.<br />

Por outro lado, criou a idéia da “poesia dos poetas” chegando a<br />

certas obscuridades - como as que se encontram em The Waste Land (A Terra<br />

abandonada), o poema mais influente do século.<br />

A elite cultural freqüentemente considera a possibilidade de que seus<br />

versos resistirão mais ao tempo que os de Pound 1 , também criptógrafo de sua<br />

poesia. É que perpassa pela poesia de Eliot um sopro às vezes mais liberto e<br />

espontâneo que a atmosfera freqüentemente irrespirável do Pound dos Cantos 2 .<br />

Os ensaios de Eliot são verdadeiros clássicos da modernidade, deles<br />

derivando inúmeras expressões e conceitos que balizaram grande parte da<br />

crítica e da teoria literárias desde então. Eliot também tentou também um revival<br />

do drama em verso.<br />

O pequeno trecho do poema A Canção de Amor de J. L. Prufrock que<br />

aqui transcrevemos foi aquele com que se lançou na poesia - já estribado em<br />

uma epígrafe de um poeta que marcaria muito os seus passos - Dante 3 - o que<br />

desde já reflete um recurso freqüente na técnica eliotiana, ou seja, a mesclagem<br />

do coloquial e do elevado, que tanto o caracterizou :<br />

_______________<br />

Vamos, pois, você e eu,<br />

quando o entardecer se expande contra o céu<br />

como um paciente anestesiado na mesa;<br />

vamos por certas ruas quase sem passantes,<br />

os refúgios murmurantes<br />

1. Poeta e crítico literário norte-americano deste século<br />

2. Jorge WANDERLEY, 22 Ingleses Modernos, p.83<br />

3. Referimo-nos aqui ao poeta italiano Dante Alighieri, pelo qual Eliot tinha grande<br />

admiração e que terminou por influenciar todo seu pensamento poético<br />

70


de inquietas noites nos hotéis baratos de uma só dormida<br />

E restaurantes cheios de serragem<br />

que as conchas de ostra vai unida :<br />

ruas que seguem como debates tediosos<br />

com objetivos insidiosos<br />

de levá-lo a uma pergunta esmagadora . . .<br />

Oh, não diga “qual, essa questão esquisita ?”<br />

Continuemos, façamos nossa visita.<br />

Seu poema A Terra Devastada, enigmático e dividido em cinco partes,<br />

reflete a experiência fragmentada do homem urbano do século XX .<br />

A obra tornou-se um marco do modernismo e fez de Eliot um porta-<br />

voz de uma geração secularizada e desiludida. A partir de 1925, reuniu um<br />

grupo de poetas, inclusive Auden, Spencer e Pound, que representou a<br />

principal corrente do moderno movimento poético.<br />

Eliot exerceu grande influência como crítico e poeta. Entre seus vários<br />

livros de crítica está O Bosque Sagrado: Ensaios sobre Poesia e Crítica (1920).<br />

Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1948.<br />

Entre os grandes mestres da literatura universal e mais influentes na<br />

língua portuguesa destacamos Fernando Antonio Nogueira Pessoa. Filho de<br />

família burguesa, foi criado na África do Sul, fazendo do inglês sua segunda<br />

língua.<br />

De volta a Lisboa, abandonou os estudos universitários para tornar-se<br />

autodidata. Ganhava a vida como correspondente de casas comerciais, até que<br />

em 1912 publicou os primeiros ensaios de crítica da moderna poesia<br />

portuguesa, na revista A Águia.<br />

O ano de 1914 foi decisivo para a evolução literária de Fernando<br />

Pessoa; nesta data nasceram os três principais heterônimos, personalidades<br />

distintas a quem o poeta atribuiu a autoria de suas poesias, em estilos bastante<br />

diferentes, mas que apresentam a unidade no que diz respeito à natureza<br />

psicológica enigmática de cada um.<br />

São eles : Alberto Caeiro , observador irônico, autor dos ciclos O<br />

Guardador de Rebanhos e Poemas Inconjuntos ;Álvaro de Campos, influenciado<br />

71


por Whitman 1 , canta a cidade moderna e a técnica em Tabacaria, Ode Triunfal<br />

e Ode Marítima ; Ricardo Reis compõe odes bucólicas e elegíacas.<br />

As poesias assinadas com o próprio nome são mais simples e cheias<br />

de emoção, como O Último Sortilégio e Autopsicografia. Seus poemas<br />

apareceram nas revistas Orfeu, Portugal Futurista e Presença, das quais<br />

participava com o círculo de amigos.<br />

Apenas com a publicação das Obras Completas, em 1943, teve início<br />

a sua influência sobre as novas gerações de poetas, inclusive no Brasil.<br />

Fernando Pessoa é tido como o maior poeta português desde Camões.<br />

Duílio Colombini foi um dos maiores especialistas brasileiros em<br />

Fernando Pessoa e, durante vinte anos, lecionou em diversas faculdades e<br />

universidades, entre elas a USP, divulgando a obra e vida de poeta.<br />

A seguir transcrevemos um pequeno poema minimalista de Pessoa,<br />

inserido na compilação de sua obra pelo estudioso e de grande profundidade :<br />

Ah, tudo é símbolo e analogia !<br />

O vento que passa, a noite que esfria,<br />

São outra coisa que a noite e o vento -<br />

Sombras de vida e de pensamento.<br />

Tudo o que vemos é outra coisa.<br />

A maré vasta, a maré ansiosa,<br />

É o eco de outra maré que está<br />

Onde é real o mundo que há.<br />

Tudo o que temos é esquecimento.<br />

A noite fria, o passar do vento,<br />

São sombras de mãos, cujos gestos são<br />

A realidade desta ilusão.<br />

Outros poetas de nome internacional deveriam ser citados nesta<br />

monografia pela sua importância no mundo da poesia, mas não podemos<br />

encerrar este capítulo sem mencionar alguns poetas brasileiros que hoje gozam<br />

de todas as glórias do mundo da literatura, grandes pela coragem exercida no<br />

seu tempo, grande pelas mensagens perpetuadas nos poemas.<br />

_______________<br />

1. Poeta norte-americano do século passado que exerceu grande influência na poesia de<br />

seu país liberando seus seguidores das convenções formais<br />

72


No Brasil, Gregório de Matos Guerra, O Boca do Inferno, é com<br />

certeza um dos autores mais controversos do período colonial e da literatura em<br />

seus primórdios.<br />

Nascido na Bahia a 20 de dezembro de 1623 (A data não é precisa,<br />

alguns historiadores datam o nascimento no ano de 1636), filho de família<br />

abastada, estudou no colégio dos Jesuítas de Salvador.<br />

Em 1650 viajou para Lisboa com o objetivo de dar continuidade à sua<br />

formação intelectual, onde se matriculou na Universidade de Coimbra, tornando-<br />

se Bacharel.<br />

Seu prestígio literário sempre sofreu apreciáveis oscilações, e ainda<br />

hoje o consenso crítico sobre sua obra e importância no processo global da<br />

nossa formação literária não foi estabelecido.<br />

As reações em torno da sua produção variam, ao longo do tempo, e<br />

em função de vários fatores, da apologia e adesão gritante, à críticas<br />

insubstanciais, passando por avaliações insustentáveis.<br />

Gregório de Matos foi, sem dúvida, um dos maiores representantes da<br />

literatura barroca nacional. A parte mais significativa de sua obra é lírica, de<br />

caráter sacro, porém ficou mais conhecido pela sátira à nobreza e ao clero, o<br />

que lhe valeu um sem-número de desafetos.<br />

Hoje, porém, há quase um consenso de que foi ele o iniciador da<br />

literatura brasileira, apesar do caráter esparso de sua obra, escrita na Bahia, em<br />

Coimbra, em Angola e no Recife, lugares onde estudou e ocupou cargos<br />

públicos de destaque.<br />

Gregório de Matos se constitui num problema literário de amplas<br />

proporções, e as diversas formulações em torno de sua obra e de sua validade<br />

estética e cultural trazem embutidas matrizes e paradigmas de compreensão e<br />

avaliação da tradição e da cultura brasileira.<br />

Para muitos é o nosso primeiro grande autor propriamente nacional,<br />

aquele que começou estabelecer o diálogo permanente - do qual se alimenta a<br />

cultura brasileira - entre o dado local e as matrizes externas; para outros não<br />

passa deu poeta de relevo e importância relativas.<br />

Independente dessas divergências conceituais e críticas é inegável<br />

que ele está incorporado de uma forma ou de outra à cultura letrada brasileira, e<br />

continua despertando interesse pelos mais variados motivos.<br />

73


Como se sabe sua obra poética é basicamente dividida em dois eixos<br />

principais : a produção lírica e a satírica. A primeira foi nitidamente marcada<br />

pela temática amorosa, ou pela temática religiosa, em meio as quais repontam<br />

sempre temáticas seiscentistas por excelência.<br />

Já a segunda oscila entre a sátira social e a sátira política, de maior<br />

ou menor abrangência, indo do geral ao particular, do dado individual às<br />

estruturas coletivas.<br />

Seu conjunto de poemas dá bem a dimensão da produção poética e<br />

do comportamento intelectual, e mesmo pessoal, que lhe valeu o qualificativo de<br />

Boca do Inferno. Neles é possível apreciar diversas facetas do autor, e avaliar<br />

um conjunto de comportamentos e valores culturais particulares ao século XVII<br />

que gravitam em torno da questão da sexualidade, e que ainda têm razoável<br />

circulação no nosso imaginário.<br />

Ao mesmo tempo documento histórico e obras literárias autônomas,<br />

independentemente da perspectiva pela qual forem avaliadas, os poemas têm<br />

um valor cultural e antropológico indiscutível 1 , motivo pelo qual não deixamos<br />

de transcrever um trecho da sua preciosidade, enviado a umas freiras que<br />

mandaram perguntar por ociosidade, ao poeta, a definição de príapo 2 , e ele<br />

mandou a definição em décimas :<br />

_______________<br />

Ei-lo, vai desenfreado,<br />

que quebrou na briga o freio,<br />

todo vai de sangue cheio,<br />

todo vai ensangüentado.<br />

Meteu-se na briga armado,<br />

como quem nada receia<br />

foi dar um golpe na veia,<br />

deu outro também em si,<br />

bem merece estar assi<br />

quem se mete em casa alheia.<br />

1. José Emílio de Major NETO, Poemas do Boca do Inferno, p. 9<br />

2. Relativo a pênis no português coloquial<br />

74


Em 1969, James Amado publicou todos os escritos que se atribuem<br />

ao poeta, em sete volumes e muito do que escreveu chegou fragmentado aos<br />

dias de hoje, mas, sem dúvida, Gregório de Matos não será ignorado jamais.<br />

Para não alongarmos demais a monografia, optamos pela inclusão da<br />

vida e obra de Gregório de Matos Guerra e, sem menosprezar os demais<br />

importantes poetas (principalmente os da fase romântica, como Gonçalves Dias,<br />

Castro Alves, Casimiro de Abreu e Gonçalves de Magalhães entre outros).<br />

Incluímos também aquele que, talvez pela maior proximidade com ele<br />

neste século, vêm provocando ao longo de cinqüenta anos um gosto maior pela<br />

poesia e literatura nacional, digno das mais tresloucadas críticas e também dos<br />

mais sinceros e honestos elogios : Carlos Drummond de Andrade, mineiro de<br />

Itabira.<br />

Drummond, como ficou conhecido no mundo todo, teve seus poemas<br />

traduzidos para mais de 25 países. Poeta e prosador, em 1930, junto com<br />

outros companheiros, fundou A Revista, que teve vida curta mas considerável<br />

influência no movimento modernista.<br />

Seus primeiros livros, Alguma Poesia (1931), Brejo das Almas (1934)<br />

e Sentimento do Mundo (1940) mostraram o impasse entre o artista e o mundo.<br />

Em A Rosa do Povo (1945) apresentou uma poesia de certa forma engajada. A<br />

partir de Claro Enigma (1951) registro o vazio da vida humana e o absurdo do<br />

mundo, e enriqueceu a pesquisa de novas formas da utilização das palavras.<br />

Em 1928, seu poema No Meio do Caminho, publicado em São Paulo<br />

na Revista Antropofagia, se transformou no maior escândalo literário da época :<br />

No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma<br />

pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no<br />

meio do caminho tinha uma pedra.<br />

Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida<br />

de minhas retinas tão fatigadas. / Nunca me<br />

esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra /<br />

tinha uma pedra no meio do caminho / no meio do<br />

caminho tinha uma pedra.<br />

75


Drummond foi um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos e<br />

exerceu grande influência nas gerações que se seguiram. Tem sido traduzido<br />

para vários idiomas e consta de inúmeras antologias estrangeiras,<br />

principalmente o poema O Mundo é Grande :<br />

O mundo é grande e cabe<br />

nesta janela sobre o mar.<br />

O mar é grande e cabe<br />

na cama e no colchão de amar.<br />

O amor é grande e cabe<br />

no breve espaço de beijar.<br />

Depois de estudar todos esses poetas, pergunto a mim mesmo :<br />

Quem foi o maior poeta dos últimos tempos ? Quem é o maior de todos ? Todos<br />

são maiores ?<br />

Felizmente, pela mais simples e humilde interpretação, não posso<br />

julgar esse ou aquele como maior ou melhor de todos. Como já disse<br />

anteriormente, cada um teve sua importância em sua respectiva época e minha<br />

alegria maior foi saber que todos tiveram foram brilhantes à sua maneira.<br />

A poesia universal não foi generosa com todos os poetas, mas, com<br />

toda deficiência, reconheceu tardiamente alguns e outros ainda penam no<br />

anonimato. Deixamos de citar vários nomes de grande influência no meio<br />

literário e que, certamente, poderíamos discorrer sobre eles com o amplo e farto<br />

material que tivemos ao nosso alcance.<br />

Milton, Hartcrane, W.B. Yeats, D.H.Lawrence, Brodski, Pound,<br />

Michelangelo, Byron, Petrarca, Burns, Cecília Meireles, Fagundes Varella,<br />

Cecília Meireles, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Thiago de<br />

Mello, a lista parece interminável, mas, em verdade, é limitada, pois são mentes<br />

privilegiadas, amadas pelos seus povos e seguidores.<br />

Os alemães continuam amando Heine e Goethe; os ingleses,<br />

Shakespeare e Auden; os franceses, Rimbaud e Baudelaire; os norte-<br />

americanos, Emerson e Eliot; os portugueses, Camões e Fernando Pessoa; os<br />

chilenos amando Neruda e nós, brasileiros, seguiremos amando Castro Alves,<br />

Augusto dos Anjos, Drummond, Thiago de Mello . . .<br />

76


A UTILI<strong>DA</strong>DE <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong><br />

77


1. <strong>POESIA</strong> EM FORMA DE PROTESTO<br />

De alguma forma, a poesia sempre esteve ligada às causas rebeldes,<br />

em todos os tempos, desde os grandes dramaturgos até os dias de hoje, nas<br />

odes de Píndaro e Temístocles ou nos versos brancos de Thiago de Mello,<br />

Ferreira Gullar ou Drummond.<br />

Alceu, poeta do Século VII a.C., contemporâneo e conterrâneo de<br />

Safo, pertencia à aristocracia de Lesbos, que entrou em choque com outras<br />

forças sociais aspirantes ao poder, representadas pelos chamados tiranos, tais<br />

como Melancro, Pítaco e Mirsilo (cuja morte o poeta festejou). Participou<br />

intensamente dessas lutas, com seus irmãos. Percorreu o Egito e a Trácia<br />

(provavelmente exilado), onde se situa o rio Ebro, celebrado em seus versos.<br />

Sua obra, originalmente distribuída em dez livros, apesar de ter<br />

chegado a nós muito fragmentada, contém a expressão e a força de suas<br />

convicções políticas e de oposição aos governos.<br />

Catulo, já estudado no capítulo anterior, apesar da sua lírica<br />

predominante, apresenta em seus textos marcas profundas da sua convicção<br />

satírica, jocosa e por vezes irônica mesmo, louvada pela sua simplicidade<br />

direta.<br />

Júlio César e seu chefe de estado-maior eram o alvo das farpas de<br />

Catulo: “ ambos adúlteros, igualmente ávidos, parceiros na competição pelas<br />

mocinhas da cidade “. César, como vimos anteriormente, tinha espírito<br />

esportivo. Depois de exigir e receber desculpas, convidou o poeta para jantar.<br />

78


Cabe, para melhor interpretação da parte inicial do capítulo que<br />

estamos estudando, um pequeno trecho do poema mais famoso de Catulo :<br />

Rufo, que acreditei, erroneamente,<br />

ser amigo, de graça (mas, de graça ?<br />

Paguei um alto preço e sofri danos),<br />

Como pôde você insinuar-se,<br />

Abrasar as entranhas deste pobre,<br />

Levar toda a riqueza de uma vida ?<br />

Levou, levou o meu vento ardente,<br />

roubou a praga do meu amor, ai.<br />

Ninguém representou melhor a poesia satírica latina do início do<br />

primeiro milênio do que Marcial, poeta espanhol nascido no ano 40 d.C.. Pelo<br />

fato de ter vivido uma vida livre e a serviço dos poderosos, foi cronista social<br />

obsceno e pornográfico e por isso mesmo muito combatido e perseguido no seu<br />

tempo.<br />

Com seu amigo espanhol Juvenal formaram a maior dupla da poesia<br />

satírica latina, além de Horácio, no século anterior. Censuradíssimo, só<br />

encontrou as primeiras traduções sem maiores empecilhos nos anos 60 e 70,<br />

especialmente graças ao trabalho do pioneiro e estudioso de sua obra Guido<br />

Ceronetti, do qual muitos historiadores ao longo tempo também se valeram.<br />

Abaixo, alguns trechos dos seus famosos epigramas dão razoável<br />

dimensão da obscenidade do poeta, despejada sem escrúpulo sobre seus<br />

inimigos e, inclusive, sobre aquelas que, embora estivessem na cama dos<br />

muitos poderosos, faziam questão de ignorá-lo por sua língua ferina :<br />

I, 24<br />

Veja, Deciano, aquele homem despenteado,<br />

cenho cerrado, que até incute medo,<br />

e que só fala dos varões de antigamente :<br />

Casou-se ontem, acredite : ele era a noiva.<br />

I, 57<br />

De que tipo de garota eu gosto, Flaco ?<br />

79


sua poesia :<br />

Entre a difícil e a fácil, meio a meio.<br />

A namorada ideal é assim que eu quero :<br />

Não infernize a minha vida e não me farte.<br />

Em outro, rebate as críticas de seus contemporâneos que zombam de<br />

Você não publica teus versos, Lélius,<br />

mas critica os meus,<br />

põe fim às tuas críticas<br />

ou publica os teus.<br />

No epigrama II, 62, sua obscenidade vai ao extremo :<br />

Você depila peito, braços, pernas<br />

e apara em arcos os pentelhos. Dou fé,<br />

Labieno : é pra agradar a namorada<br />

- Mas, e o cú depilado, pra quem é ?<br />

Os poetas latinos do início do século I d.C., salvo algumas raras<br />

exceções como Propércio, dedicaram-se a maior parte do tempo a estudar o<br />

comportamento de inimigos e desafetos para transformá-lo em verdadeiro objeto<br />

de crítica e sátira sem qualquer constrangimento.<br />

Seus protestos ou sátiras eram puras ofensas que, muitas vezes,<br />

demoravam a ser compreendidas e chegavam aos ouvidos dos destinatários por<br />

outros de maneira distorcida.<br />

Desta forma, não raro os poetas debruçavam-se em réplicas e<br />

tréplicas constantes por conta de sua responsabilidade na manutenção da<br />

palavra (ou ofensa) perante os cidadãos da época.<br />

Catulo e Marcial foram bons no que se propuseram a fazer e por<br />

conta de seus protestos muitos imperadores romanos como Júlio César e<br />

Cláudio perderam boa parte do seu tempo tentando justificar-se dos insultos e<br />

verdades.<br />

80


Camões, apesar de ter cantado muitos amores, soube servir-se se sua<br />

indiscutível capacidade intelectual para atirar suas farpas contra tudo aquilo que<br />

julgara inútil em vida.<br />

A mesmo tempo homem de “armas” e de “ letras “, temperamento<br />

aventureiro, ousado e reflexivo, ele é o representante típico de um modelo e<br />

ideal de homem que é central para a cultura do século XVI.<br />

“ Sua vida traz em si a plenitude da experiência da condição humana :<br />

soldado, marinheiro, colonizador e estrangeiro, poeta, homem de cultura<br />

assombrosa e requintada, universal para os moldes de seu tempo, e em permanente<br />

conflito com as vicissitudes do mundo e da vida. E sua obra é, sem dúvida, o espelho<br />

fiel desta plenitude e universalidade ” 1 .<br />

Seu espírito rebelde e suas desavenças com o rei de Portugal<br />

custaram-lhe anos de exílio e terminaram por obrigá-lo a desempenhar funções<br />

longe da terra natal, a serviço da corte, em países onde não tinha a menor<br />

afinidade com a língua e costumes.<br />

Por este motivo talvez tenha produzido uma obra tão vasta e de<br />

caráter turbulento, despejado com fervor em grande parte dos seus poemas,<br />

como o que transcrevemos em seguida :<br />

_______________<br />

[ TANTA GUERRA, TANTO ENGANO . . . ]<br />

No mar tanta tormenta e tanto dano,<br />

tantas vezes a morte apercebida;<br />

Na terra tanta guerra, tanto engano,<br />

tanta necessidade aborrecida !<br />

Onde pode acolher-se um fraco humano,<br />

Onde terá segura a curta vida,<br />

que não se arme e se indigne o céu sereno<br />

contra um bicho da terra tão pequeno ?<br />

1. José Emílio de Major NETO, Poemas do Boca do Inferno, p.12<br />

81


Nosso maior representante da poesia em forma de protesto foi,<br />

certamente, Gregório de Matos Guerra, motivo que lhe valeu o apelido de Boca<br />

do Inferno e chegou a ser banido para Angola no de 1694.<br />

A parte mais significativa de sua obra é lírica, de caráter sacro, porém<br />

ficou mais conhecido pela sátira à nobreza e ao clero, escrita nos mais diversos<br />

lugares onde estudou e ocupou cargos públicos de destaque.<br />

No poema que segue, Gregório de Matos descreve o que era naquele<br />

tempo a cidade da Bahia e não poupa elogios (?) aos desmandos de Portugal,<br />

embora a interpretação seja difícil somente numa primeira avaliação e leitura de<br />

seus versos :<br />

A cada canto um grande conselheiro,<br />

que nos quer governar cabana e vinha.<br />

Não sabem governar sua cozinha<br />

e podem governar o mundo inteiro.<br />

Em cada porta um bem freqüente olheiro<br />

que a vida do vizinho e da vizinha<br />

pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha<br />

para levar à praça e ao terreiro.<br />

Muitos mulatos desavergonhados,<br />

trazidos sob os pés dos homens nobres<br />

posta nas palmas toda a picardia,<br />

Estupendas usuras nos mercados,<br />

todos os que não furtam muito pobres<br />

e eis aqui a cidade da Bahia.<br />

Este soneto dá uma boa idéia da dimensão da produção poética e do<br />

comportamento agressivo, mas intelectual e pessoal, do Boca do Inferno.<br />

Mais para o nosso século, vamos nos prender aos autores brasileiros<br />

que melhor representaram a classe de protestantes (esta definição é nossa,<br />

surgiu espontaneamente) do Brasil do início do século até os dias de hoje.<br />

82


Augusto dos Anjos, mencionado no capítulo dos Grandes Poetas,<br />

nunca se filiou a qualquer escola poética, dada sua riqueza de sensações e<br />

estilo próprio. O título de seu único livro, Eu, agregado posteriormente a Outras<br />

Poesias pelos amigos e estudiosos do poeta, é um monossílabo que fala 1 .<br />

Segundo apuramos, três fatores fizeram a profunda tristeza de<br />

Augusto dos Anjos : um de caráter individualíssimo, outro mesológico 2 e o<br />

terceiro espiritual.<br />

Seu protesto era contra a vida, contra tudo e contra todos. Histérico,<br />

neurastênico, desequilibrado, a esse tipo de julgamento teve de acostumar o<br />

poeta, O Doutor Tristeza.<br />

Cesário Verde, antigo professor da Paraíba, enfurecido com os temas<br />

escritos por Augusto dos Anjos no jornal O Comércio, deu-se ao trabalho de<br />

mandar imprimir e fazer distribuir pelas ruas da cidade uma “ carta aberta ”,<br />

cheia de impropérios, atacando rudemente o Poeta Raquítico , mas a resposta<br />

não tardou a chegar, em versos alexandrinos 3 , e merece ser lembrada :<br />

_______________<br />

BILHETE POSTAL<br />

Ilustre professor da Carta Aberta: - Almejo<br />

que uma alimentação a fiambre e a vinho e a queijo<br />

lhe fortaleça o corpo e assim lhe fortaleça<br />

as mãos, os pés, a perna et coetera e a cabeça.<br />

Continue a comer como um monstro no almoço,<br />

inche como um balão, cresça como um colosso<br />

e vá crescendo e vá crescendo e vá crescendo,<br />

e fique do tamanho extraordinário e horrendo<br />

do célebre Titão e do Hércules lendário;<br />

O seu ventre se torne um ventre extraordinário,<br />

cheio do cheiro ruim de fétidos resíduos,<br />

as barrigas então de cinqüenta indivíduos<br />

1. Órris SOARES in : Augusto dos Anjos, Eu e Outras Poesias, p.34<br />

2. Relativo a mesologia, a relação entre o s seres e seu meio ambiente<br />

3. Versos de doze sílabas, empregados pela primeira vez por Alexandre de Bernay, num<br />

poema dedicado a Alexandre, O Grande<br />

83


não poderão caber na sua ampla barriga;<br />

Não mais lhe pesará a desgraça inimiga,<br />

O seu nome também não será mais Antonio.<br />

Todos hão de chamá-lo o colosso, o demônio,<br />

a maravilha das brilhantes maravilhas.<br />

As hienas carniçais, as leoas e as novilhas,<br />

diante do seu vigor recuarão, e diante<br />

do estribado metal de sua voz atroante<br />

decerto correrão mansas e espavoridas.<br />

Se as minhas orações forem, pois, atendidas,<br />

o senhor há de ser o Teseu do universo.<br />

Seja um gigante, pois; não faça porém, verso<br />

de qualidade alguma e nem também me faça<br />

artigos tresandando a bolor e a cachaça,<br />

ricos de incorreções e erros de gramática,<br />

tenha vergonha, esconda essa tendência asnática,<br />

que somente possui o seu cérebro obtuso -<br />

Esconda-a, e nunca mais se exponha a fazer uso<br />

da pena, e nunca mais desenterre alfarrábios.<br />

Os tolos, em geral, são tidos como sábios,<br />

que sabem calar-se e reprimir-se sabem,<br />

o senhor é palpavo e os palpavos não cabem<br />

no centro literário e no centro político.<br />

Respeite-me, portanto !<br />

O Poeta Raquítico .<br />

Durante a ditadura militar, Carlos Drummond de Andrade já<br />

com o peso da idade e os ombros que suportam o mundo 1 , sofreu calado,<br />

intimidado pelo regime militar que não poupou os manifestos nacionalistas nas<br />

suas mais diferentes formas : exílio, tortura, cassação de direitos políticos.<br />

_______________<br />

1. Famoso poema de Drummond incluído em diversos antologias nacionais e<br />

internacionais<br />

84


É possível identificar em diversos poemas de Drummond, com um<br />

pouco de esforço intelectual, o seu repúdio e ódio pela sistemática do governo<br />

ditatorial, intrinsecamente manifestada por uma questão de segurança.<br />

Em seus Poema Salário, O Novo Homem, Caça Noturna e O<br />

Prisioneiro, o poeta não esconde a insatisfação pelas coisas vis, pelo que<br />

considera indigno ao ser humano, que representam o confronto direto entre a<br />

sua eterna convicção e tudo o que se produz de ruim no mundo.<br />

Certas Palavras resume seu manifesto de oposição e protesto ao<br />

sistema controlador da liberdade, do direito à liberdade de vida e expressão,<br />

como podemos avaliar a seguir :<br />

Certas palavras não podem ser ditas<br />

em qualquer lugar e hora qualquer.<br />

Estritamente reservadas<br />

para companheiros de confiança,<br />

devem ser sacramente pronunciadas<br />

em tom muito especial<br />

lá onde a polícia dos adultos<br />

não adivinha nem alcança.<br />

Entretanto são palavras simples :<br />

definem partes do corpo, movimentos, atos<br />

do viver que só os grandes se permitem<br />

e a nós é defendido por sentença dos séculos.<br />

É tudo proibido. Então falamos.<br />

Aos 17 anos, o poeta desentendeu-se com seu professor de<br />

português no internato onde estudava, exatamente ele, o jovem que nos<br />

certames literários do colégio, por sua maestria, era chamado de “general ”. A<br />

conseqüência desse incidente é a expulsão do colégio ao término do ano de<br />

1919.<br />

Durante os anos de internato, Drummond descobriu que Itabira era<br />

sua : a terra e a livre - seu quarto, infinito. Tristeza, saudades, solidão e rebeldia<br />

85


marcaram este período, duramente protestado em seu poema Fim da casa<br />

Paterna, como retratamos abaixo, em um pequeno trecho do poema :<br />

E chegada a hora negra de estudar.<br />

Hora de viajar rumo à sabedoria do colégio.<br />

Além, muito além de mato e serra<br />

fica o internato sem doçura ...<br />

O colchão diferente.<br />

O despertar em série (nunca mais acordo<br />

individualmente, soberano).<br />

A fisionomia indecifrável<br />

dos padres professores.<br />

Até o céu diferente : céu de exílio.<br />

Quase ao mesmo tempo, Thiago de Mello, embora vivendo no Chile,<br />

teve mais oportunidade de combater tudo aquilo que julgou contrário aos seus<br />

princípios e preceitos básicos da boa convivência e relacionamento. Por esse<br />

motivo, o poeta irrompeu na paisagem da poesia brasileira como um força<br />

elementar.<br />

“ Uma personalidade indomável ; um grande individualista que tinha o<br />

direito de falar de si próprio e das suas emoções porque manifestava sentimentos<br />

representativos ” 1 . Foi o primeiro grande poeta que o Amazonas deu ao Brasil e<br />

um cidadão aberto aos anseios coletivos do povo brasileiro.<br />

Thiago de Mello colocou seus versos a serviço dos oprimidos e<br />

humilhados porque imaginou que a redenção deles marcaria a sua e a nossa<br />

liberdade.<br />

Em abril de 1964, quando optou pelo exílio no distante Chile (onde<br />

desempenhava a função de adido cultural da embaixada brasileira), a ter de se<br />

sujeitar aos desmandos da ditadura militar instalada no Brasil, o poeta produziu<br />

um das jóias raras da poesia nacional, seu célebre poema Os Estatutos do<br />

Homem, uma espécie de Ato Institucional Permanente, como ele mesmo definiu,<br />

dedicando-o a Carlos Heitor Cony, seu amigo das letras.<br />

_______________<br />

1. Mensagem de Otto Maria CARPEAUX para a orelha do livro do FAZ ESCURO, MAS EU<br />

CANTO, 15ª Ed., 1996<br />

86


No poema, Thiago de Mello desabafa toda sua indignação contra o<br />

novo regime e, ao contrário do que se tentava implantar no país, pregou a<br />

liberdade com maestria e a valorização da ética e do bom senso, protestando<br />

sem ironia e com muita esperança contra tudo aquilo que jamais desejou para o<br />

povo brasileiro.<br />

Vejamos, então, seu protesto calado, ou parte dele, hoje traduzido em<br />

várias línguas e momento da resistência do povo brasileiro contra a opressão :<br />

ARTIGO I<br />

Fica decretado que agora vale a verdade,<br />

que agora vale a vida,<br />

e que de mãos dadas,<br />

trabalharemos todos pela vida verdadeira . . . .<br />

. . .<br />

ARTIGO II<br />

Fica decretado que todos os dias da semana,<br />

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,<br />

têm direito a converter-se em manhãs de domingo . . . .<br />

. . .<br />

ARTIGO III<br />

Fica decretado que, a partir deste instante,<br />

haverá girassóis em todas as janelas,<br />

que os girassóis terão direito<br />

a abrir-se dentro da sombra;<br />

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,<br />

abertas para o verde onde cresce a esperança . . .<br />

. . .<br />

ARTIGO V<br />

Fica decretado que os homens<br />

estão livres do jugo da mentira.<br />

Nunca mais será preciso usar<br />

a couraça do silêncio<br />

nem a armadura das palavras.<br />

O homem se sentará à mesa<br />

87


com seu olhar limpo<br />

porque a verdade passará a ser servida<br />

antes da sobremesa.<br />

. . .<br />

ARTIGO XII<br />

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.<br />

Tudo será permitido,<br />

inclusive brincar com os rinocerontes<br />

e caminhar pelas tardes<br />

com uma imensa begônia na lapela.<br />

Parágrafo Único:<br />

Só uma coisa fica proibida : amar sem amor.<br />

. . .<br />

ARTIGO FINAL<br />

Fica proibido o uso da palavra liberdade,<br />

a qual será suprimida dos dicionários<br />

do pântano enganoso das bocas.<br />

A partir deste instante<br />

a liberdade será algo vivo e transparente<br />

como um fogo ou um rio,<br />

e a sua morada será sempre<br />

o coração do homem.<br />

Ao inserir a pérola poética de Thiago de Mello, encerro o capítulo com<br />

o sentimento do dever cumprido, ou seja, o de enaltecer o valor da poesia como<br />

instrumento de protesto e resistência aos mais diferentes tipos de opressão<br />

acumulada em milênios da existência humana, por conta de corruptos e tiranos<br />

detentores do poder em todas as épocas, muitas vezes tomado à força.<br />

Naturalmente, não fui capaz de avaliar cada poeta em particular à<br />

altura dos grandes estudiosos e críticos do mundo literário, mas descobri, em<br />

curto espaço de tempo, a força de suas palavras, a profundidade de suas<br />

mensagens e reconheço na sobrevivência poética de todos o verdadeiro valor<br />

que representavam para o seu povo, caso contrário, teriam caído no<br />

esquecimento e não seria possível tomar conhecimento de suas obras.<br />

88


2. A POPULARI<strong>DA</strong>DE <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> ATRAVÉS <strong>DA</strong> MÚSICA<br />

Alguns estudiosos da literatura afirmam que a poesia vive hoje o seu<br />

apogeu no mundo artístico através da música popular. Muitos compositores ou<br />

mesmo intérpretes se valeram de trechos encontrados em poemas de autores<br />

conhecidos e mesmo desconhecidos da poesia universal.<br />

Nos poetas da antigüidade descobrimos a conjunção da poesia e do<br />

teatro cênico, representada nas grandes tragédias e declamadas ao som da lira,<br />

como recurso único de elevação do espírito poético e provocação da emoção da<br />

platéia presente.<br />

Robert Burns, poeta camponês e glória da literatura escocesa, levou<br />

uma vida atribulada e miserável, mas entre bebedeiras e prostitutas, compôs<br />

centenas de canções líricas e satíricas, que se adaptavam às melodias<br />

tradicionais correntes na Escócia de seu tempo e que são cantadas até hoje<br />

pelos escoceses; muitas delas, no entanto, mereceram composições originais<br />

(Mendelssohn 1 musicou algumas).<br />

Apollinaire, estudado no capítulo Os Grandes Poetas, foi um dos<br />

primeiros a registrar seus poemas em disco com seu célebre poema “ Le Pont<br />

Mirabeau ” e descobriu que música e poesia estão intimamente ligadas.<br />

Discorrendo aqui por minha conta e risco, ao desenvolver o capítulo<br />

pareceu-me muito familiar a associação existente entre poesia e música, do<br />

ponto de vista cultural e artístico, ao lembrar as composições da nossa própria<br />

_______________<br />

1. Pianista, compositor e músico alemão do Século XIX<br />

89


terra, expressa nos versos de Ari Barroso, Noel Rosa, Pixinguinha, Chico<br />

Buarque, Milton Nascimento ou mesmo nos contemporâneos como Renato<br />

Russo e Herbert Viana entre outros.<br />

Quem não consegue enxergar a poesia em estado puro presente nos<br />

versos da composição de Pais e Filhos, grande sucesso musical de Renato<br />

Russo, líder do conjunto Legião Urbana, falecido recentemente ?<br />

“ É preciso amar as pessoas<br />

como se não houvesse amanhã ” .<br />

Ou então nos versos inesquecíveis de John Lennon, ex-integrante dos<br />

Beattles quando, já separado de seus companheiros, foi capaz de exprimir em<br />

versos tudo que a população da Terra sentia, ao final da Guerra do Vietnã,<br />

através da composição Imagine, em 1970 :<br />

Imagine there´s no heaven<br />

(Imagine que não existe o céu)<br />

It´s easy if you try<br />

(é fácil se você tentar)<br />

No hell below us<br />

(nem inferno abaixo de nós)<br />

Above us only sky<br />

(acima de nós apenas o céu)<br />

You may say I´m a dreamer<br />

(você pode dizer que sou um sonhador)<br />

But I´m not the only one<br />

(mas eu não sou o único)<br />

I hope someday you´ll join us<br />

(Eu espero junte-se a nós algum dia)<br />

And the world will be as one . . .<br />

(e o mundo será somente um)<br />

Não dá para separar a música do poema. Seguramente, a união é<br />

indissolúvel, existe a música e a poesia e uma sem a outra talvez não tivesse<br />

feito tanto sucesso nem surtido o efeito necessário para promover a reflexão e<br />

90


trabalhar a emoção dos ouvintes, nem seria eternizada na memória e na cultura<br />

do povo inglês e todos aqueles o idolatram.<br />

Grandes compositores como Mozart, Schubert, Strauss, Vivaldi e<br />

Bach curvaram-se à exploração da poesia como forma de enriquecer suas<br />

músicas e ao ouvirmos as composições, lembramos e até chegamos a<br />

comprovar o conceito formal de poesia descrito no início da monografia, de<br />

autoria do estudioso e poeta Eno Teodoro Wanke : “ Quando ... o artista<br />

consegue transmitir sentimento, fazer com que o leitor, o ouvinte se sinta<br />

comovido, sublimado, arrebatado, terá ele atingido a poesia ”.<br />

No Brasil, Noel de Medeiros Rosa, reconhecidamente O Poeta da Vila,<br />

era um carioca impenitente e acabou unindo o útil ao agradável quando<br />

resolveu musicar seus versos de amor à Vila Isabel, bairro famoso do Rio de<br />

Janeiro, e sensibilizou a alma do povo, não somente pela melodia contagiante,<br />

mas, sobretudo, pelo sabor dos seus versos.<br />

Em seu versos, o poeta Noel Rosa procurava retratar, ainda que<br />

metaforicamente, um país ilhado em pobreza, com a fome e a miséria<br />

alastrando-se como praga. Foi parabenizado pela originalidade de suas letras e<br />

engenho sidade do seu samba, que ele próprio cantava com graça e especial<br />

sabor, imprimindo sua marca pessoal, notável principalmente pelo fraseado,<br />

pela habilidade com que pronunciava, nítida e rapidamente, os versos longos<br />

nos quais um intérprete menos ágil tropeçaria.<br />

Rendo aqui minha singela homenagem também ao poeta Luiz<br />

Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião , cantor, músico e compositor<br />

nordestino que popularizou a poesia de sua terra em todo o Brasil, tornando-se<br />

um dos artistas mais admirados no país.<br />

Asa Branca, toada de 1947, consagrou-se um hino nordestino e foi<br />

adaptada em diversas línguas, flagrante do folclore e espírito do povo do<br />

nordeste.<br />

Em seu extenso reinado da música, o Rei do Baião gravou 192 discos<br />

e deixou um precioso legado musical. Com Asa Branca, soube transmitir com<br />

emoção todo sofrimento de um povo castigado pela seca e miséria :<br />

Quando olhei a terra ardendo<br />

qual fogueira de São João,<br />

91


eu perguntei a Deus do céu,<br />

por que tamanha judiação ?<br />

Por fim, Vinícius de Moraes e Tom Jobim se revelaram os maiores<br />

expoentes da poesia aliada à musica no Brasil. Suas famosas canções, escritas<br />

em parceria, são dotadas da mais profunda inspiração poética, aliadas ao ritmo,<br />

balanço, melodia e harmonia existente entre os dois compositores.<br />

Vinícius sempre soube deixar as gerações para trás quando se sentia<br />

envelhecido. Ao sentir que a grande poesia estava tirando o vigor do seu<br />

coração, mudou de turma e soube perseguir o tempo sem perder o passo. Seus<br />

novos parceiros atuaram como zeladores do compromisso da experiência com a<br />

poesia.<br />

Há quem afirme que a dupla Tom/Vinícius se desfez por ciúmes do<br />

encontro de Vinícius com novos parceiros. Tom nunca se afastou<br />

completamente de Vinícius.<br />

Em 1977, quando já contabilizam 56 músicas em parceria, os dois<br />

subiram ao palco do Canecão para mais um dos shows inesquecíveis da casa.<br />

Tom Jobim nunca negou que devia tudo, ou quase tudo, ao sentimentalista<br />

poeta Vinícius de Moraes e tinha medo de que a música viesse a incomodar os<br />

versos e a poesia do amigo e companheiro.<br />

Vinícius sempre renegou a posição de mestre. Tom testemunhou que<br />

para o poeta, o mais atroz de todos os enigmas era a mulher, que tantos versos<br />

lhe inspirou. Juntos, unindo música e poesia, criaram belas canções como<br />

Garota de Ipanema, O Grande Amor, Eu Sei Que Vou te Amar e A Felicidade,<br />

aqui representada pelo seu refrão inesquecível : “Tristeza não tem fim,<br />

felicidade sim “.<br />

Num curto espaço de tempo, consigo lembrar razoavelmente de<br />

alguns poucos mestres provável e perfeita união entre música e poesia, mesmo<br />

deixando diversos poetas-compositores de lado, por falta de tempo para<br />

aprofundar-me num assunto extremamente rico e cativante.<br />

Diversos artigos que consultei nos periódicos mais expressivos do<br />

país, tratam a música quase sempre como impossível de ser realizada sem a<br />

junção com a poesia, mesmo que não expressa em versos e somente no interior<br />

daquele que se responsabilizou pela união de ambas.<br />

92


Como exemplo, cito alguns títulos de reportagens envolvendo poetas<br />

e músicos ao mesmo tempo ou de músicas expressando poesias :<br />

“ A VIVA VOZ - Poesias de Helena Kolody vão ser lançadas em CD<br />

até o final do ano”“ (Gazeta do Povo, 30/08/97).<br />

PR, 07.09.97).<br />

“ AO SOM <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> <strong>DA</strong> LETRAS BRASILEIRAS ” (O Estado do<br />

“ O BARDO MULTIMÍDIA - Poesia Musical de Arnaldo Antunes ”<br />

(Folha de São Paulo, 05.12.97).<br />

“ TOM E VINÍCIUS - Os Poetas compositores e parceria “ (Jornal<br />

Revista da Poesia, Ano III, N.º 10, Curitiba).<br />

Muito mais encontraríamos, certamente, mas encerramos o capítulo<br />

com a mais profunda certeza de que poesia e música se completam, e talvez<br />

seja este o motivo que faça a poesia resistir a todas as tormentas provocadas<br />

pela mudança na cultura dos povos, divididos entre a leitura e o computador, a<br />

miséria e a riqueza, a paz e a guerra.<br />

93


3. O FUTURO <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> E A <strong>POESIA</strong> DO FUTURO<br />

Há anos os mortais comuns ouvem dizer que o fim da poesia está<br />

próximo ou, então, que a poesia acabou. Verdadeira tolice. A execução desse<br />

trabalho deu-me a certeza de que a poesia está mais viva do que nunca, tem<br />

resistido ao tempo, da antigüidade até a época contemporânea, de Homero a<br />

Camões, de Shakespeare a João Cabral de Melo Neto.<br />

Em cinco mil anos de existência e glória, a poesia sofreu diversas<br />

transformações e a mutação deu-se por meio de diferenças de idéias e<br />

pensamentos, as chamadas correntes poéticas, convertidas posteriormente ao<br />

conceito de Escolas Poéticas pelos historiadores da literatura universal e da<br />

poesia propriamente dita.<br />

Lirismo, Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo e Modernismo<br />

foram algumas das principais escolas que sustentaram pensamentos muito<br />

particulares ou em bloco através de poetas e escritores em todos os tempos.<br />

Em defesa das idéias, a evolução da poesia foi visível e os debates calorosos<br />

nas mais diferentes épocas somente contribuíram para enaltecer valor artístico<br />

que a mesma sempre mereceu, embora não tenha conseguido atingir em sua<br />

plenitude.<br />

No Brasil, a partir de 1922, com o advento do Modernismo e a eclosão<br />

da poesia moderna, representada por Oswald de Andrade, Cecília Meireles e<br />

Guilherme de Almeida, muitas transformações ocorreram na arte da poesia.<br />

94


Oswald de Andrade, poeta e escritor, lançou o manifesto da poesia<br />

Pau-Brasil , ao qual se contrapunham os membros do grupo “verde-amarelo”,<br />

formado por Menotti Del Picchia , Raul Bopp, Cassiano Ricardo e outros, que<br />

pretendiam conferir à arte uma função social e política.<br />

Duas das mais importantes obras da literatura moderna do país e,<br />

provavelmente, do continente, são as de Manuel Bandeira, que aliou amargura,<br />

humor e ironia e uma grande sensibilidade em livros como Libertinagem e<br />

Pasárgada, e Carlos Drummond de Andrade, que uniu o lirismo ao seu<br />

indubitável senso de humor em obras como Claro Enigma e Lição de Coisas.<br />

O modernismo na poesia eclodiu com a Geração de 45, na qual<br />

desfilaram nomes como João Cabral de Melo Neto, José Paulo Paes, Thiago de<br />

Mello e Moacir Félix, contrapondo-se a alguns ideais do modernismo de 22 e<br />

englobando tendências díspares, ainda que defendendo, em comum, normas<br />

estéticas que aspiram à nitidez e à disciplina de expressão poética.<br />

De lá para cá a poesia mundial e brasileira nunca foram as mesmas.<br />

O poeta Mário Faustino, com uma atividade intelectual pragmática, procurava<br />

contribuir para elevar a educação literária nacional, através de exaustivo<br />

trabalho de crítica poética e tradução de autores estrangeiros em ascensão.<br />

Ainda na década de 50, nasceu o movimento concretista, talvez o<br />

primeiro movimento internacional que teve, na condição de criador, a<br />

participação direta de poetas brasileiros, entre os quais Décio Pignatari e os<br />

irmão Augusto e Haroldo de Campos, fundadores do grupo Noigandres, que<br />

colocou em xeque toda a tradição em poesia, observando os impactos criativos<br />

sofridos pela linguagem poética ao longo do século.<br />

Para os mentores do movimento, estava encerrado o ciclo histórico do<br />

verso, substituído pela associação formal dos vocábulos e pela sua disposição<br />

espacial na página, em alinhamentos geométricos. Pretendia-se, assim, libertar<br />

a poesia da sua limitação literária para integrá-la a outras formas de arte.<br />

No embalo das teorias da informação evocadas pelos concretistas,<br />

são lançados nas décadas de 60 e 70 os manifestos da poesia práxis e do<br />

poema processo, respectivamente defendidos, sobretudo, pelos poetas Mário<br />

Chamie e Wladimir Dias-Pino.<br />

95


Como reação à ditadura militar, surge entre 1964 e 1968 o grupo<br />

Violão-de-Rua, vinculado à UNE 1 , onde alguns poetas abandonaram seus<br />

projetos estetizantes por uma linguagem popular .<br />

Ao longo destas três últimas décadas, o poeta Ferreira Gullar<br />

desenvolveu uma obra com características variadas, reconhecida, todavia, pelo<br />

teor de contestação da ordem social aliado à apurada percepção formal.<br />

A década de 70 viu nascer um movimento poético de contracultura,<br />

liderado pela chamada Geração Marginal, onde se estabelecia uma quase<br />

espontânea crítica comportamental (Ana Cristina César, Cacaso, Francisco<br />

Alvim).<br />

Na década de 80 nota-se o resgate da poesia do mato-grossense<br />

Manoel de Barros, em consonância com o crescente interesse pela ecologia, e<br />

de Drummond, falecido em 1980, quando o povo brasileiro começava a<br />

assimilar a idéia da abertura política decretada pelo presidente Gal. Figueiredo.<br />

Em 1967, respondendo a um inquérito sobre a razão por que se<br />

escrevem poemas e romances, o escritor e crítico literário Ítalo Calvino teve a<br />

oportunidade de reconhecer que a literatura entrara a viver de sua própria<br />

negação.<br />

Segundo Calvino, exaurida, depois de sucessivas experiências no<br />

plano das questões sociais e políticas, as letras se haviam requintado no<br />

maneirismo de soluções acentuadamente formais.<br />

Sempre que a literatura dá a impressão de ter chegado a um impasse,<br />

como se não soubesse como ir adiante de si mesma, em busca de novos caminhos e<br />

soluções, suscita a perplexidade que conduz à sua condenação 2 .<br />

Essa nossa breve exposição de fatos e acontecimentos em menos de<br />

cem anos mostra a instabilidade da poesia e da literatura em geral diante das<br />

transformações do mundo moderno. Nesse fim de milênio, manda a verdade<br />

que se reconheça, que a literatura passa por uma espécie de eclipse parcial.<br />

______________<br />

1. União Nacional dos Estudantes, organização estudantil de maior força oposicionista<br />

durante o regime militar instalado no ano de 1964 no Brasil<br />

2. Josué MONTELLO, A literatura como perplexidade de solução, Revista Brasileira, p. 7<br />

96


Isto significa dizer que, descontadas as devidas proporções, a poesia<br />

perdeu a luz intensa que a brilhava. Daí as sombras que sobre ela se<br />

acumulam, por vezes levando-nos a supor que os poetas constituem uma<br />

espécie em via de extinção.<br />

Sou levado a crer que não é bem assim. É bem verdade que os<br />

jornais de hoje se retraíram diante do que é puramente literário. Até a crítica,<br />

que transformava o texto em debate público, se converteu por força da pressão<br />

exercida pelas novas formas de jornalismo, ajustadas a outros campos do<br />

conhecimento e da expressão.<br />

As revistas literárias, que poderiam suplantar esse silêncio, oscilam e<br />

levam um bom tempo para reaparecer, quando não desaparecem para sempre,<br />

desmotivadas pela falta de recursos e de incentivos de todas as partes.<br />

A televisão, que poderia abrir um largo caminho às letras, só<br />

ocasionalmente o faz, haja vista que, na rotina dos noticiários, não há espaço,<br />

mínimo que seja, para o aparecimento de um livro, ainda que se trate de um<br />

clássico da literatura nacional. Nesse ponto, cabe ressaltar apenas o excelente<br />

serviço da TV Educativa e da TV Cultura, com programas especialmente<br />

consagrados à poesia e literatura corrente.<br />

Em nossa pesquisa, apuramos que Augusto Frederico Schimidt<br />

profetizou, já quase no fim dos anos 30, a morte da Poesia. Mas a verdade é<br />

que, para o bem de todos, o óbito anunciado não ocorreu. Parafraseando o<br />

escritor Isaac B. Singer, Prêmio Nobel e Literatura, podemos pensar : “Como a<br />

poesia já existe, não podemos mais viver sem ela ” .<br />

Assim como o teatro sobreviveu ao impacto do cinema, o livro<br />

sobreviverá ao impacto da imagem, na instantaneidade dos recursos da<br />

televisão e do vídeo.<br />

A literatura do nosso tempo, apesar de não viver os melhores dias,<br />

saberá suplantar a crise, quer como interesse, quer como fonte de novas<br />

experiências. Enquanto existir a palavra escrita, somos levados a crer que<br />

continuará a existir a poesia, como requinte da forma e da expressão, na<br />

harmonia do verso ou da prosa.<br />

Atualmente, pelo mundo afora, a despeito de todas as experiências<br />

desenvolvidas em torno das novas tendências da poesia, a poesia de todos os<br />

97


tempos resiste bravamente aos mais diferentes experimentos e tentativas de<br />

mudança.<br />

Convivemos com a poesia tradicional, metrifica e rimada que<br />

eternizou a escola romântica através da geração dos condoreiros ; com a<br />

poesia de versos livres (ou brancos), onde a mensagem, distante da rima e da<br />

métrica, pode soar estranha, mas apresenta, se bem concebida, a arte poética<br />

em estado puro ; com a poesia visual, onde as palavras são substituídas pela<br />

interpretação espontânea e natural por parte de quem aprecia a imagem (muitas<br />

vezes confundida com poesia concreta) e, por fim, com a poesia através da<br />

musica, esta última mais resistente às oscilações do plano literário.<br />

A quem pertence o futuro da poesia ? Aos Deuses ou aos poetas ?<br />

Trata-se de uma resposta dificílima perante tantas controvérsias e diferenças de<br />

idéias e pensamentos. Quem pode afirmar dizer quem está certo ? Os<br />

concretistas, o modernistas, os de escola nenhuma ?<br />

Sou obrigado a concordar que a poesia maior é aquela que soa<br />

melhor aos nossos ouvidos e aos nossos olhos. Somente aquele estado da<br />

emoção recolhida é capaz de prever a sobrevivência ou a morte da poesia.<br />

Tudo o que aprendi durante o trabalho faz-me acreditar que a poesia<br />

não morrera jamais, está enraizada na alma humana, seja visual ou escrita,<br />

embora eu seja mais adeptos à poesia de versos clássicos, rimados e<br />

metrificados, com a qual aprendi a conviver desde pequeno e que soa melhor<br />

aos meus ouvidos.<br />

Como reflexão, valeu desenvolver o capítulo em cima de tudo aquilo<br />

que a poesia já produziu, da evolução que sofreu e das tendências futuras, mas<br />

o futuro, sinceramente, quero estar vivo para testemunhar.<br />

98


4. O ENSINO <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> NAS ESCOLAS<br />

Numa rápida avaliação, isenta de pesquisa e leitura, arrisco-me em<br />

afirmar que a poesia é pouco divulgada no mundo atual, nas escolas de primeiro<br />

e segundo grau, limitando-se ao estudo nada aprofundado em capítulos<br />

resumidos da nossa decadente literatura pedagógica.<br />

Convivemos então com o ensino mirrado de poesia incutida nas aulas<br />

curtas de Língua Portuguesa nas Escolas, sem a mínima preocupação com a<br />

divulgação mais ampla e séria de alguns milênios de história da poética<br />

universal.<br />

Desta forma crescemos desinteressados e descrentes com a literatura<br />

geral, e a poesia, parte integrante dela, fica restrita aos versos e rimas<br />

expressas pelo ímpeto da juventude apaixonada e cheia de sonhos. Ninguém<br />

pode dizer que não se tornou um pouco poeta na adolescência, movido por um<br />

amor relâmpago e secreto.<br />

Uma breve reflexão lembra a poesia na escola quando éramos<br />

obrigados a devorar um livro por conta de algum trabalho exigido para<br />

complemento de notas escolares ou quando recorremos a versos alheios<br />

(muitas vezes, por ingenuidade, fazendo de conta que eram nossos) para enviar<br />

cartas aos amigos ou mesmo paixões secretas.<br />

A poesia nas escolas sempre restringiu-se ao estudo formal das<br />

escolas poéticas, de poucos poetas em particular ou de mínimas redações<br />

envolvendo, geralmente, versos de poetas conhecidos e admirados no meio<br />

pedagógico. Estímulo ? Muito pouco, acreditem.<br />

Para melhor desenvolver este capítulo, proponho-me a trabalhar a<br />

resposta para algumas perguntas que exigem reflexão honesta :<br />

99


Por quê apreciar poemas na Escola Primária ?<br />

O mundo de hoje, com suas múltiplas solicitações, exige indivíduos<br />

criadores. Haverá criação somente pela educação da sensibilidade e da<br />

imaginação. E a poesia estimula a inteligência, educa a sensibilidade, incentiva<br />

a criatividade, desperta a apreciação pelo belo, contribui para a elevação<br />

espiritual das novas gerações pelo contato e apreciação de valores.<br />

Em geral, as crianças gostam de poesias. Cassiano Nunes e Mário da<br />

Silva Britto, estudiosos da literatura brasileira, afirmam que “poesia é a infância<br />

que permanece em nós” , o que significa que a alma infantil é “alma poeta”. Há<br />

perfeita identificação entre elas, pela amplitude de imaginação e pureza ao<br />

mesmo tempo.<br />

Na verdade, a poesia atrai a criança desde os seus primeiros anos de<br />

vida. Nos braços maternos ou no berço, observamos suas reações às cantigas<br />

de ninar. Ao choro sucede a calma e à calma sucede o sono. São a rima e a<br />

melodia que já encontraram ressonância em seus ouvidos.<br />

A rima e o ritmo, a melodia e o movimento são elementos que mais<br />

atraem a criança, segundo os pesquisadores. Ela se diverte com a rima, com os<br />

sons diferentes das palavras, mesmo antes de compreendê-las.<br />

Alice Ruiz afirma que “ toda pessoa que faz poesia traz a sua criança<br />

interior à flor da pele e tem, como as crianças, a capacidade de equilibrar seu<br />

amor pela verdade e, ao mesmo tempo, pela invenção e pela liberdade da<br />

imaginação” 1 .<br />

Quem faz poesia sabe, como as crianças, brincar com a realidade,<br />

com a linguagem, com os sentimentos e pensamentos. Por tudo que disse e<br />

acredito, há muita coisa na poesia para ser apreciada pelas crianças e, no<br />

entanto, é raro que isso aconteça.<br />

Grande parte das escolas ainda apresenta apenas a poesia de um<br />

passado muito remoto, cheio de regras rígidas e formalidade, com uma dicção<br />

dura e, principalmente, uma linguagem arcaica sobre temas antigos que nada<br />

tem a ver com os sentimentos, linguagem e realidade de hoje.<br />

______________<br />

1. Resenha, Jornal Occinho, Fundação Cultural de Curitiba, p. 13<br />

100


Esse tipo de educação é um meio eficaz e rápido de afastar as<br />

crianças da poesia, já que poesia, antes de mais nada, é capacidade de refletir,<br />

em palavras, o que acabou de mudar, mas ainda não foi dito.<br />

Felizmente algumas escolas esforçam-se para perceber essa falha e,<br />

poeticamente, inovam. A poesia que apresentam aos seus alunos é<br />

contemporânea e estimula a criar. Criar é uma forma profunda do conhecimento<br />

e não conhecemos ninguém melhor na criação do que uma criança.<br />

Como apreciar poemas em classe ?<br />

Acredito que a atitude do professor em face da linguagem literária é<br />

um dos pontos mais importantes na apreciação dos poemas em classe. A<br />

maneira como o professor vê e sente a poesia, seu real interesse, é que vai<br />

determinar o despertar e a prontidão do aluno para o assunto.<br />

Quando o professor prepara-se para trazer o poema à classe, não<br />

basta lê-lo uma vez, mas tantas vezes quantas forem necessárias, até que se<br />

sinta capaz de transmitir a mensagem poética às crianças. O professor deve<br />

procurar refletir sobre a nova dimensão que o autor deu às coisas, observar a<br />

sua linguagem e profundidade de pensamento.<br />

O poeta escreve para ser ouvido. Poesia é música, é arte oral. E<br />

como a música, precisa ser ouvida para ser apreciada. Quem arrisca ensinar<br />

poesia para seus alunos, deve ler uma, duas ou mais vezes, fazendo com que a<br />

voz siga o ritmo e as nuanças sugeridas pelas mensagens poéticas.<br />

À leitura do poema ergue-se a troca de idéias entre professor e<br />

alunos. Neste caso, o professor deve determinar um resultado positivo ou<br />

negativo na atitude da criança para com este ou aquele poema.<br />

Após a leitura, o professor deve colher as reações, fazer perguntas,<br />

mas com cuidado para não cercá-las de imaginação, sugerindo a resposta e<br />

estimulando a criatividade, abundante na infância e adolescência.<br />

“ Partilhar um poema com as crianças é apreciá-lo naquilo que ele tem<br />

de mais profundo, mais significativo. É despertar a classe para experiências<br />

variadas, abrindo perspectivas para o prazer estético. É estimular a imaginação,<br />

101


fazendo-as enxergar as coisas como o autor viu, por meio de suas palavras que,<br />

num toque de magia, tudo transformam ” 1 .<br />

O objetivo do educador, ao apresentar e apreciar poemas na escola<br />

primária, é procurar tornar a criança antes de tudo, amante da poesia. Não<br />

deve se exaltar na leitura do verso, analisar palavra por palavra como se fosse o<br />

último encontro com aquele poema. Seria a obra de arte feita para ser vista e<br />

apreciada apenas uma vez ? Não. Logo, a poesia, como arte, deve ter seu<br />

lugar comum na vida diária da classe.<br />

E a criança, não vai ler poemas ? Alguns educadores defendem que<br />

nos primeiros anos, não. Ela poderá ler depois de muito convívio com o poema,<br />

ou, então, quando dominar as habilidades de interpretação da leitura, quando a<br />

mecânica não lhe prejudicar a compreensão. Somente depois a criança lerá,<br />

após ouvir a leitura do professor para que o imite.<br />

E é por isso que o poema está presente nos livros básicos. A criança<br />

precisa aprender a ler poemas, oralmente, pela imitação do professor. Sem<br />

incentivos ou guias, a criança carrega a poesia na alma, inconscientemente,<br />

mas nunca terá sido despertada para o estudo e amor pela poesia.<br />

Numa pesquisa realizada no Brasil na década passada, observou-se<br />

que as crianças de quatro a cinco anos de idade passam um terço do seu tempo<br />

brincando do “ faz de conta ”, chamando a atenção alguns aspectos deste tipo<br />

de brincadeira, que são a concentração e o envolvimento que as crianças<br />

demonstram nesta sua participação, com grande eficiência na comunicação,<br />

dentro de contextos imaginários armados.<br />

Para se estudar a fantasia das crianças, torna-se necessário, em<br />

contrapartida, entender-se também a realidade de vida das mesmas e seus<br />

anseios pessoais já despertos ou latentes.<br />

Venturelli 2 afirma que a inocência da criança vem em forma de<br />

manual poético, por onde o mundo se entremostra, como se fosse pela primeira<br />

vez. E então o menino - e poeta - vê o mundo, vive o mundo, ama o mundo, ou<br />

seja, nas três partes que integram essa estética sem premeditações, onde tudo<br />

é mercado.<br />

______________<br />

1. Iêda Dias da SILVA, Jornal Revista da Poesia, Ano II, nº 5<br />

2. Introdução à Arte de Ser Menino, Jornal da Fundação Cultural de Curitiba, no. 1, 1997<br />

102


Convém aos pais e professores estimularem a criatividade livre das<br />

crianças, sem modelos nem imposições de preferência, dando valor ao colorido<br />

de seus rabiscos, desenhos, pinturas, gravuras e escritos desta idade em<br />

diante, pois desenvolvendo a escrita, elas sabem criar versos, onde exprimem<br />

as suas variadas combinações de emoções. Freud 1 , pai da psicanálise, diz :<br />

“ O escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um<br />

mundo de fantasia que leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande<br />

quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre o mesmo e a<br />

realidade. A linguagem preservou essa relação entre o brincar infantil e a criação<br />

poética ”.<br />

Para educar e ensinar poesia às crianças é necessário não só ter<br />

conhecimentos de pedagogia e história. É importante que o profissional saiba<br />

dessa outra dimensão da realidade, do jogo, de como ela se constitui e qual é<br />

sua função no período de vida a que chamamos de infância.<br />

Como avaliar os poemas ?<br />

O que se pretende ao sugerir o convívio dos poemas com a classe é a<br />

educação da sensibilidade e da imaginação; é despertar e encaminhar a criança<br />

na apreciação da arte literária, tornando a poesia parte de sua vida.<br />

O que um professor deve querer alcançar é uma reação positiva do<br />

seu aluno face a um poema novo ou já conhecido; é sua manifestação de gosto,<br />

de prazer, de compreensão; é seu desejo de ler mais poemas e, com o espírito<br />

poético, ter condições de avaliar seu discípulos no caminho das emoções.<br />

Pontos importantes a serem considerados<br />

1. A aula de poesia deve ser uma hora de entretenimento e prazer para<br />

o professor e alunos. Nenhum sacrifício deve ser imposto aos dois lados ;<br />

______________<br />

1. Sigmund FREUD, Apud Taya S. Risério, Escritores Criativos e Devaneios, p.150<br />

103


2. Passar um poema para prosa seria destruir a obra do autor, seria o<br />

mesmo que quebrar a estátua do escultor ou rasgar a tela do pintor ;<br />

3. O professor deve apresentar um poema à altura do nível intelectual e<br />

aprendizado da criança. De nada adiantaria debater um épico de Camões onde<br />

ele próprio teria dificuldade no entendimento ;<br />

4. Os alunos devem ser estimulados à exposição de suas idéias, por<br />

mais estapafúrdias que possam parecer. O professor não deve se empolgar e<br />

falar mais do que o aluno. Ele é um mero condutor e orientador.<br />

Propostas alternativas para o ensino da poesia nas Escolas<br />

O que apresento aqui, como proposta alternativa, limita-se ao meu<br />

entendimento básico de poesia que a monografia me proporcionou em pouco<br />

tempo de pesquisa, avaliação e fato reservatório de idéias e reservas poéticas,<br />

como diria Maiakovski, que faço questão de partilhar com o amigo leitor :<br />

1. Os alunos devem ser estimulados à pratica da poesia, em versos<br />

livres, inicialmente, sobre determinado assunto de seu interesse. A rima deve<br />

ser incentivada, pois soa melhor aos ouvidos de quem faz, quem lê e quem<br />

escuta.<br />

É sabido que toda criança gosta de rimar, mesmo em brincadeiras<br />

com os colegas. Brincadeiras do tipo “Você sabia ? “ e “Faz de conta “ são<br />

clássicos entre as crianças por que estimulam a imaginação e a poesia deve<br />

seguir o mesmo caminho ;<br />

2. Já que o escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca, a<br />

aula de poesia deve ser um jogo de idéias, palavras, uma espécie de brain<br />

storming entre professor e aluno, de maneira que eles possam os verdadeiros<br />

criadores sem se sentir conduzidos por ninguém. Após determinado o tema da<br />

poesia, o professor deve associar as palavras que podem melhor encaixar-se no<br />

assunto e buscar as rimas ou sinônimos em meio à tempestade cerebral que<br />

estará sendo provocada nas crianças.<br />

104


3. Algo que existe mais nos poemas que nos textos em prosa são<br />

imagens, coisas em que podemos pensar como se fossem cenas, paisagens,<br />

retratos, mas nada parecidos com aquilo que a gente vê. Essas imagens exigem<br />

que a gente ponha o cérebro a trabalhar mais, pois as palavras as vão criando,<br />

mas é preciso ter fantasia, capacidade para ver o que não existe, para ficar<br />

encantado com a arte do poeta. Imaginem essa cena :<br />

Papai e mamãe<br />

moram separados,<br />

como só tenho um coração,<br />

cada um mora de um lado.<br />

O autor é Ulisses Tavares, que escreveu essa quadrinha no livro Aos<br />

poucos fico louco. Se pensarmos a respeito, são só palavras, mas elas não<br />

dizem só aquilo que dizem quando as usamos. Por exemplo : ninguém mora<br />

num coração. Nem é verdade que o coração é onde está o amor. Mas então o<br />

poeta anda mentindo ? Não, ele só finge que o coração é como uma casa.<br />

Todos esses grupos que palavras criam essas igualdades (coração =<br />

casa) têm o nome metáfora e há muitos estudiosos que garantem que a poesia<br />

se esconde aí.<br />

Então, para se gostar de um poema, não basta ler ou ouvir e deixar<br />

que ele vá passando. É preciso tentar pegá-lo com a gente pega um bichinho de<br />

estimação : com muito jeito, um olho atento, um ouvido para os ruidinhos que<br />

ele faz, uma cabeça capaz de imaginar de onde ele veio, o que ele está<br />

achando de ficar na sua mão e para onde ele quer ir depois que você soltá-lo. É<br />

isso que muito adulto não sabe mais fazer, mas as crianças não esquecem.<br />

4. Uma alternativa encontrada em alguns livros que pesquisamos,<br />

embora pouco divulgada, é o processo de leitura criativa de um poeta bastante<br />

divulgado pela imprensa brasileira, na sua cidade ou no seu país, podendo ficar<br />

a critério do professor ou mesmo das crianças que sempre trazem na mente<br />

algum versinho conhecido.<br />

105


A seguir transcrevo uma pequena mostra dessa idéia, retirada do<br />

Jornal Occinho, editado pela Fundação Cultura de Curitiba, onde as crianças se<br />

divertem com a poesia e brincam com as palavras de um poeta bem humorado<br />

que foi o Paulo Leminski :<br />

Haicais do Autor Haicais das crianças<br />

Primeiro frio do ano primeiro frio do ano<br />

fui feliz e meu irmão nasceu<br />

se não me engano sem algum plano<br />

. . .<br />

jardim da minha amiga chaminé da minha casa<br />

todo mundo feliz vive um passarinho<br />

até a formiga que quebrou a asa<br />

. . .<br />

mar é um elo amar é belo<br />

entre o azul entre o sapato<br />

e o amarelo e o chinelo<br />

Eu poderia apresentar aqui diversas propostas alternativas para<br />

ensino da poesia, mas seria mais feliz se tendo a oportunidade e a maturidade<br />

suficiente para vender a idéia para mim mesmo na arte de ensinar.<br />

Antes de pensarmos no que é melhor para as nossas crianças, qual a<br />

melhor forma de orientá-las e educá-las, propomos uma reflexão sobre o lugar<br />

que nós, adultos, pais, professores, estamos atribuindo a elas.<br />

Qual o lugar que a infância ocupa no pensamento do adulto de hoje ?<br />

E a partir dessa questão poderemos trilhar as particularidades inerentes a uma<br />

realidade infantil, e as possíveis relações entre a dimensão lúdica da realidade,<br />

a sexualidade na infância e própria capacidade criativa da espécie humana.<br />

Para encerrar esse capítulo, tomei aqui o exemplo do pensador<br />

alemão Friedrich Nietsche a respeito do jogo infantil e suas possíveis relações<br />

com o pensar e atividade criativa do homem adulto : “ Maturidade do homem :<br />

significa reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar ” .<br />

106


CONCLUSÃO<br />

Concluir um trabalho não é tarefa muito fácil, como sugerem os<br />

entendidos. As idéias e informações acumuladas ao longo de três meses de<br />

trabalho contínuo e árduo ainda me confundem a cabeça, mas trouxeram uma<br />

única certeza : apesar do gosto particular pela poesia, nunca pensei em levar o<br />

estudo a sério e que acabaria tão envolvido.<br />

Como já vimos anteriormente, a poesia não pode ser feita como se faz<br />

um bolo, ou seja, com receita. Parece claro, mas há pessoas que supõem ser<br />

suficiente colocar no papel algumas palavras de maneira metrificada, dentro das<br />

regras tradicionais, para se ter Poesia.<br />

Outras são ainda mais radicais e acham que, se o poema não está<br />

metrificado, ele não pode, simplesmente, conter Poesia. No entanto, a Poesia<br />

independe da forma como vem escrita ou falada.<br />

José de Alencar, o genial romancista brasileiro, que hoje é lido tanto<br />

ou até mais do que quando era vivo, descobriu isso em 1865. Cansado de tentar<br />

produzir um grande poema indianista, Os Filhos de Tupã, descobriu não ser<br />

capaz de fazê-lo em versos, pelo menos de maneira satisfatória para sua<br />

autocrítica aguçada. Romance era o que ele sabia fazer, por isso atingiu o<br />

máximo de sua produção poética com Iracema, um romance-poema que pode<br />

ser lido com satisfação e deleite ainda hoje.<br />

Quando estudei os primeiros poetas, de longe comecei a entender<br />

todos os mistérios que envolvem a criação poética. Mistérios que tornaram<br />

prodigiosos e amados nomes como Homero, Sófocles, Shakespeare e<br />

Drummond.<br />

107


Fui feliz em testemunhar a importância dos poetas para o seu povo,<br />

amante do seu lado rebelde, pois os poetas sempre tomaram as rédeas do<br />

pensamento popular e não mediram esforços para expressar toda a ironia e<br />

descontentamento em relação à opressão dos tiranos em todos os tempos.<br />

Mas, nem só de rebeldia viveram os poetas. Foram também a<br />

expressão máxima dos sentimentos inerentes a todo ser humano, e como seres<br />

humanos, amaram, pecaram, tomaram as dores, indignaram-se e jamais<br />

sofreram o desprezo, a não ser dos seus oponentes.<br />

Através de ideais e convicções, materializados em poemas, souberam<br />

resistir ao tempo e ao jugo homem. Toda a universidade que se preza dedica<br />

um estudo mais que profundo para a história da poesia. Na Universidade de<br />

Oxford, em Londres, a cadeira especial de Ensino da Poesia é muito disputada<br />

e exige dedicação mais do que simples curiosidade.<br />

Qualquer escola, cidade, estado ou país, tem o seu poeta por<br />

excelência. E se os poetas estão em toda parte, quem poderá negar a<br />

importância da poesia como arte e instrumento de reflexão ? E dos poetas que<br />

já cumpriram o seu papel na face da Terra, mas continuam causando a mesma<br />

perplexidade de antes ?<br />

Diante da indiferença dos editores em relação à produção poética de<br />

qualquer país, causa-me espanto e indignação quando deparo-me com as<br />

barbaridades publicadas e lançadas diariamente nas livrarias.<br />

No mundo atribulado de hoje, as divergências religiosas e culturais<br />

neutralizam a capacidade de convivência pacífica do homem ao mesmo tempo<br />

que elevam-no à condição de predador e ávido por sobrevivência, instinto<br />

atribuído, até pouco tempo, exclusivamente aos animais.<br />

O ser humano sustenta uma necessidade desenfreada de acúmulo de<br />

poder e dinheiro; é o jogo da sobrevivência, onde tudo converge para o “salve-<br />

se-quem puder”. A escala de valores foi por água abaixo e o homem já<br />

consegue rir da desgraça alheia.<br />

Neste caso, a poesia apresenta-se como instrumento de reflexão e os<br />

poetas vem cumprindo sua difícil tarefa, a duras penas, numa sociedade cada<br />

dia mais inculta.<br />

Por esse motivo penso que a poesia vêm resistindo bravamente, a<br />

despeito de todas as anunciações de sua morte e das decadentes produções<br />

108


literárias, onde os repugnantes conquistam a simpatia popular por conta do<br />

baixo nível de cultura ou esclarecimento das pessoas.<br />

Todos os concursos literários que conheço incluem e abrem espaço,<br />

inevitavelmente, para a poesia, na esfera regional, nacional ou internacional. E<br />

se abrem espaço, significa que os estudiosos do assunto não mais podem viver<br />

somente de ficção, humor e da violência despejada nos romances e livros de<br />

contos, mas suas almas clamam pelo mistério e a sedução da metáfora<br />

obrigatória na criação poética.<br />

Os livros de história jamais deixaram de registrar a existência dos<br />

poetas em qualquer século da existência humana. Minha pesquisa confirmou o<br />

registro inequívoco de poetas e mais poetas em quase todas as fases do<br />

desenvolvimento cultural da humanidade, da Grécia Antiga ao mundo<br />

contemporâneo. Toda época teve o seu representante.<br />

Por esse motivo, custa-me entender o menosprezo da atualidade em<br />

relação ao mundo poético e daí a nossa necessidade e propósito de divulgar<br />

sua origem e desenvolvimento como forma de preservar a espécie.<br />

Minhas propostas alternativas para o ensino da poesia nas escolas,<br />

apesar de soarem humildes, significam a retomada dos valores literários<br />

restritos, atualmente, à elite cultural da humanidade.<br />

Salvo um ou outro caso isolado, a poesia é pouco divulgada nas<br />

escolas e vai se afunilando em debates de difícil acompanhamento nas<br />

universidades e nos encontros culturais promovidos por fundações ou<br />

secretarias de educação.<br />

É preciso reinventá-la, estimular a criação poética, buscar o prazer da<br />

leitura e devolver à poesia o lugar de destaque que lhe pertenceu, desde os<br />

tempos de Homero e de Davi. E ninguém melhor do que as crianças, símbolos<br />

de pureza e imaginação, para absorver um papel tão importante nos destinos<br />

do desenvolvimento cultural da humanidade, para o seu próprio bem.<br />

Tive a infelicidade de encontrar alguns comentários nos livros<br />

pesquisados, decretando a poesia como arte ultrapassada e decadente.<br />

Quanta pobreza de espírito e falta de percepção ! A poesia é eterna,<br />

oscilante, mas eterna. Ao confronto com tamanha heresia, cabe-me confortar a<br />

alma na poesia de todos os tempos, deslumbrante, onde Augusto dos Anjos<br />

esculpiu a humana mágoa, Baudelaire cultivou as flores do mal, Drummond<br />

109


esistiu a todas as pedras no caminho e João Cabral de Melo Neto ainda<br />

cumpre sua sina. Esse trabalho foi realizado em torno de uma necessidade<br />

popular. Parafraseando o grande poeta Fernando Pessoa, “ tudo vale a pena<br />

quando a alma não é pequena ”.<br />

Pelos versos de Ferreira Gullar, carregaremos a esperança que<br />

nunca morre, pois a poesia já é parte integrante da nossa alma :<br />

“ Como dois e dois são quatro,<br />

sei que a vida vale a pena,<br />

embora o pão se pouco<br />

e a esperança pequena ”.<br />

E viva a poesia, cheia de vida, de encanto e de alegria. E para provar<br />

que a poesia vive em mim, deixo aqui, ao final desse humilde trabalho, a poesia<br />

que hei de levar comigo até o fim dos meus dias :<br />

Viver em paz comigo mesmo<br />

(ainda que eu morra infeliz)<br />

ser alegre todo dia<br />

(ainda que eu deite triste)<br />

dar amor a vida toda<br />

(ainda que eu fique sozinho)<br />

deixar as águas rolarem<br />

(ainda que eu naufrague)<br />

enfrentar a tempestade<br />

(ainda que o vento me leve)<br />

crer na força das palavras<br />

(ainda que eu morda a língua)<br />

contemplar de frente o sol<br />

(ainda que eu siga no escuro)<br />

esperar pelo possível<br />

(ainda que pareça impossível)<br />

construir a liberdade<br />

(ainda que eu viva preso)<br />

voar alto cada dia<br />

(ainda que eu desça ao abismo)<br />

ser capaz da forma justa<br />

(ainda que eu me faça injusto)<br />

tomar as dores do mundo<br />

(ainda que eu viva de enganos)<br />

crescer segundo a segundo<br />

(ainda que dure mil anos)<br />

110


BIBLIOGRAFIA<br />

111


1. GERAL<br />

ANDRADE, Carlos Drummond de . Antologia Poética . 31.ed . Rio de<br />

Janeiro, Record, 1995.<br />

ANDRADE, Carlos Drummond de . A Paixão Medida . 2.ed . Rio de<br />

Janeiro,<br />

Record, 1994.<br />

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Palavra Mágica . Rio de Janeiro,<br />

Record, 1997.<br />

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras Poesias . 40. ed. Rio de Janeiro,<br />

Civilização Brasileira, 1995.<br />

AUDEN, Wystan Hugh. Poemas . Trad. e Introd. José Paulo Paes & João<br />

Moura Jr. 2.ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.<br />

BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. 3. ed . Rio de Janeiro,<br />

Nova Fronteira, 1993.<br />

BUENO,Alexei. Grandes Poemas do Romantismo Brasileiro. Rio de<br />

Janeiro, Nova Fronteira , 1995<br />

CAMÕES, Luís de. Sonetos de Amor. Org . José Emílio de Major Neto .<br />

São Paulo, Princípio, 1993.<br />

CAMÕES, Luís de. Verso e Alguma Prosa de Luís de Camões . Org . e<br />

Trad. Eugênio de Andrade. Lisboa, Moraes Editores, 1977.<br />

EMERSON, Ralph Waldo. Homens Representativos . Trad.Sônia Régis.<br />

Rio de Janeiro, Imago, 1996.<br />

EMERSON, Ralph Waldo. Ensaios . Trad. Carlos Graieb & José Marcos<br />

Maria de Macedo. Rio de Janeiro, Imago, 1994.<br />

112


GUERRA, Gregório de Matos. Poemas do Boca do Inferno . Org. José<br />

Emílio de Major Neto. São Paulo, Princípio, 1993.<br />

MELLO, Thiago de. De uma vez por todas. Rio de Janeiro,<br />

Civilização Brasileira, 1996.<br />

MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto. 14.ed. Rio de Janeiro,<br />

Civilização Brasileira, 1996.<br />

MODERNOS, 22 Ingleses. Uma Antologia Poética . Trad. Jorge<br />

Wanderley. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993.<br />

NERU<strong>DA</strong>, Pablo.Ainda. Trad. Olga Savary. 5.ed. Rio de Janeiro, José<br />

Olympio, 1995.<br />

NETO, João Cabral de Melo. Morte e Vida Severina e outros poemas<br />

para vozes. 34.ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1994.<br />

PESSOA , Fernando. Primeiro Fausto. Org . Duílio Colombini. São<br />

Paulo, Iluminuras, 1996.<br />

PIGNATARI, Décio . 31 Poetas 214 Poemas . 2.ed. São Paulo, Companhia<br />

das Letras, 1997.<br />

RIMBAUD, Arthur. Iluminuras. Trad. Rodrigo Garcia Lopes &<br />

Maurício Arruda Mendonça. 2.ed. São Paulo, Iluminuras, 1996<br />

SÃO PAULO, Folha de. Nova Enciclopédia da Folha - A Enciclopédia<br />

das Enciclopédias . São Paulo, Empresa Folha da Manhã, 1996.<br />

TIME-LIFE, Editores de . História em Revista 3500 a.C - 600 d.C.<br />

Rio de Janeiro, Abril Livros, 1995.<br />

113


2. ESPECÍFICA<br />

BORDINI, Maria da Glória. Poesia é brincadeira? Jornal da Fundação<br />

Cultural Curitiba, Curitiba, 1, (20) : 3-4, out. 1997.<br />

BUENO,Alexei. É preciso ser autêntico.Jornal do Brasil, Idéias, Rio de<br />

Janeiro, 11 nov. 1995. p.5.<br />

CAMPOS, Geir. Pequeno Dicionário da Arte Poética . 4.ed. Rio de<br />

Janeiro, Ediouro, 1995.<br />

<strong>DA</strong>VID, Célia Maria . Guia prático para um trabalho de<br />

monografia. Jaboticabal, Faculdade de Educação São Luís, 1996.<br />

FERNANDES, José Augusto. Dicionário de Rimas da Língua<br />

Portuguesa. 4.ed. São Paulo, Record, 1991.<br />

FERNANDES, José Carlos. Alguém que vem de passagem . Gazeta do<br />

Povo, Caderno G, Curitiba, 31 ago.1997. p.3.<br />

FERNANDES, José Carlos. A viva voz . Gazeta do Povo, Caderno G,<br />

Curitiba, 03 set . 1997. p.1.<br />

JORNAL REVISTA <strong>DA</strong> <strong>POESIA</strong> . Curitiba, Associação Brasileira de<br />

Poetas e Escritores, 1995-1997, Trimestral. 20 p.<br />

LOPES, Adélia Maria Lopes. Ao som da poesia das letras brasileiras .<br />

Jornal O Estado do Paraná, Almanaque, 07 set. 1997, p.3.<br />

114


MACEDO, Manoel de. Aprenda a Fazer Versos . 2.ed. Rio de Janeiro,<br />

Ediouro, 979.<br />

MAIAKOVSKI, Vladimir . Poética - Como Fazer Versos. 5.ed. Rio de<br />

Janeiro, Global, 1991.<br />

OCCINHO. Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba, 1997, Trimestral. 16 p.<br />

REVISTA BRASILEIRA . Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras,<br />

1994, Trimestral. 131 p.<br />

RISÉRIO, Taya Soledade. Luz sobre o lúdico - a real idade infantil .<br />

Jornal da Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba, 1 (20) : 6-7, out. 1997.<br />

WANKE, Eno Teodoro. Como Fazer Trovas e Versos . Rio de Janeiro,<br />

2.ed. Ediouro, 1985.<br />

115

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!