Download - Teatro Nacional São João no Porto
Download - Teatro Nacional São João no Porto
Download - Teatro Nacional São João no Porto
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
lágrimas, a redenção do ser que sofre. Rastos de Cristo feito<br />
homem. Não há nada de místico nessa atitude, apenas uma<br />
intensidade que convoca a experiência crística como modelo<br />
do homem sublimado pela dor.<br />
Warlikowski não se demarca do amor. O amor transgressivo<br />
dos homens que ousam afirmar as suas paixões, assumir as<br />
suas perdições, homens entre homens, para quem as lágrimas<br />
não são proibidas. Há neste teatro poético um canto de amor<br />
que o atravessa sobre um fundo de eterna insaciedade. Mas<br />
Warlikowski não é Fassbinder… Não procura a provocação. O<br />
amor homossexual é uma expressão da sensibilidade dos seres<br />
para quem a única condição de sobrevivência são, justamente,<br />
os afectos. Warlikowski situa ‑se mais do lado de Oscar Wilde e de<br />
Mishima, cuja ambígua Madame de Sade levou brilhantemente<br />
à cena. Aqui, o amor vem sempre escoltado por uma incansável<br />
melancolia porque é vivido como procura do seu duplo perfeito.<br />
Há nele um narcisismo próprio de cada eu que julga salvar ‑se<br />
graças ao encontro embriagante consigo próprio. O que explica<br />
porventura a frequência dos espelhos neste teatro em que o<br />
sujeito se lança na busca da sua própria imagem reflectida.<br />
E isso leva a um enclausuramento, protector mas também<br />
destruidor. O amor, em Warlikowski, é uma experiência do<br />
sofrimento amoroso vivido como sofrimento devorador.<br />
— — — — — — — — — — —<br />
Krzysztof Warlikowski<br />
Nasce em 1962, em Szczecin (Polónia). Depois de<br />
estudar História e Filosofia na Universidade de<br />
Jagiellonia, em Cracóvia, muda ‑se para Paris, onde<br />
estuda durante um a<strong>no</strong> História do <strong>Teatro</strong>, na École<br />
Pratique des Hautes Études da Sorbonne. Regressa<br />
à Polónia em 1989, para estudar Encenação na<br />
Academia de <strong>Teatro</strong> de Cracóvia, encenando aí,<br />
em 1992, os seus primeiros espectáculos: Noites<br />
Brancas, de Dostoievski, e Auto ‑de ‑fé, de Elias<br />
Canetti. Trabalha depois com grandes <strong>no</strong>mes<br />
da cena europeia: em 1992 ‑93, foi assistente de<br />
encenação de Peter Brook em Impressions de Pelléas,<br />
espectáculo apresentado <strong>no</strong> Théâtre des Bouffes<br />
du Nord (Paris) e <strong>no</strong> contexto de um workshop<br />
organizado pelo Wiener Festwochen (Viena); ainda<br />
em 1992, assistiu Krystian Lupa na sua encenação<br />
de As A<strong>no</strong>tações de Malte Laurids Brigge, de Rainer<br />
Maria Rilke, <strong>no</strong> Stary Teatr de Cracóvia; em 1994,<br />
Giorgio Strehler supervisio<strong>no</strong>u o seu trabalho de<br />
adaptação e encenação de Em Busca do Tempo<br />
Perdido, de Marcel Proust, <strong>no</strong> Piccolo <strong>Teatro</strong> de<br />
Milão. Ence<strong>no</strong>u várias obras de William Shakespeare,<br />
como O Mercador de Veneza (1994), O Conto de<br />
Inver<strong>no</strong> (1997), Hamlet (1997 e 1999), O Amansar<br />
da Fera (1998), Noite de Reis (1999), A Tempestade<br />
(2003) e Macbeth (2004). Trabalhou ainda textos de<br />
outros dramaturgos clássicos como Sófocles (Electra,<br />
1996) e Eurípedes (As Fenícias, 1998; As Bacantes,<br />
2001), bem como de autores contemporâneos:<br />
Franz Kafka (O Processo, 1995), Bernard ‑Marie<br />
Koltès (Roberto Zucco, 1995; Cais Oeste, 1998), Matéi<br />
Nada lhe é mais estranho do que o sentimentalismo.<br />
Nunca encalha numa postura desse género. Os seus<br />
espaços são vastos, os seus ladrilhos frios, os seus espelhos<br />
indiferentes… Ele constrói laboratórios para uma anatomia do<br />
ser. A postura é cirúrgica: a cena não se furta às lágrimas e ao<br />
sangue, mas não alimenta nenhuma relação de complacência,<br />
de misericórdia para com estas personagens à deriva. Não é<br />
de indiferença que se trata, mas da apresentação clínica do<br />
mal d’être. Os lugares não surgem para apaziguar ou entrar em<br />
diálogo com esse mal que é forçoso fardo da solidão mas, ainda<br />
assim, ininterruptamente deseja transcender ‑se, comunicar,<br />
chamar por socorro. É próprio dos esfolados vivos não temerem<br />
a expressão da dor mais extrema. E é por isso que Warlikowski<br />
será o melhor encenador dessa outra romântica que foi<br />
Sarah Kane. Porque restitui o sofrimento da dramaturga<br />
mantendo ‑se glacial. Lágrimas geladas… Eis o oximoro que<br />
sustenta o teatro de Warlikowski. •<br />
* Excerto de “Postface: Le théâtre écorché de Warlikowski”. In Théâtre<br />
écorché. Ouvrage conçu et réalisé par Piotr Gruszczyński. Arles: Actes<br />
Sud; [Bruxelles]: La Monnaie, impr. 2007. p. 188 ‑190.<br />
Trad. Regina Guimarães.<br />
Visniec (Zatrudnimy starego clowna, 1996), Witold<br />
Gombrowicz (Tancerz mecenasa Kraykowskiego,<br />
1997), Sarah Kane (Purificados, 2001) ou Andrew<br />
Bovell (Droomsporen, 2003). Estreia ‑se na<br />
encenação de óperas <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2000, com The<br />
Music Programme, de Roxanna Panufnik, a que<br />
se seguiram Don Carlo, de Verdi (2000), Tattooed<br />
Tongues, de Martjin Padding (2001), Ubu Rex, de<br />
Krzysztof Penderecki (2003), Wozzeck, de Alban<br />
Berg (2006), Ifigénia em Táurida, de Gluck (2006),<br />
O Caso Makropulos, de Leoš Janácek (2007), Eugene<br />
Onegin, de Tchaikovski (2007), Parsifal, de Wagner<br />
(2008), e Medeia, de Cherubini (2008). Dos seus<br />
trabalhos teatrais mais recentes, destaque para<br />
Dybuk, a partir de textos de Sholem An ‑Ski e Hanna<br />
Krall (2003), Madame de Sade, de Yukio Mishima<br />
(2006), e Anjos na América, de Tony Kushner (2007).<br />
O Sindicato Francês da Crítica Teatral distinguiu<br />
Purificados, em 2002, como Melhor Peça Estrangeira.<br />
Recebeu recentemente, na cidade grega de Salónica,<br />
o prestigiado Prémio Europa, na categoria Novas<br />
Realidades Teatrais 2008. •<br />
Wrocławski Teatr Współczesny<br />
(Wrocław, Polónia)<br />
A actividade artística do Wrocławski Teatr<br />
Współczesny (WTW) [<strong>Teatro</strong> Contemporâneo<br />
de Wrocław] desenvolve ‑se – desde Janeiro de<br />
1999, altura em que Krystyna Meissner assumiu a<br />
Direcção Geral e Artística – em tor<strong>no</strong> de dois eixos<br />
programáticos: a produção e acolhimento, nas<br />
suas duas salas, de obras do repertório clássico<br />
e contemporâneo, e a organização do festival<br />
internacional de teatro DIALOG ‑WROCŁAW, de<br />
periodicidade bienal.<br />
A “contemporaneidade” inscrita <strong>no</strong> seu <strong>no</strong>me<br />
significa, antes de mais, uma vontade de pensar<br />
a arte como um meio de estimular a formação de<br />
um juízo crítico sobre a realidade circundante. É<br />
com esta postura que o WTW tem vindo a marcar<br />
uma presença, forte e distinta, na vida cultural da<br />
Baixa Silésia, bem como na cena polaca e europeia.<br />
A criação de espectáculos que combinam teatro<br />
e música, a montagem de peças especialmente<br />
pensadas para um público jovem, as releituras<br />
contemporâneas de clássicos e as corajosas<br />
apresentações de estreias polacas e mundiais são<br />
alguns dos traços que definem a sua “especificidade<br />
teatral”. O WTW trabalha com encenadores de<br />
diferentes gerações e nacionalidades, e estimula<br />
muitas co ‑produções com instituições nacionais e<br />
internacionais.<br />
Foi <strong>no</strong> WTW que Krzysztof Warlikowski dirigiu<br />
dois dos seus mais emblemáticos espectáculos<br />
(Purificados, 2001; Dybuk, 2003). Foi também<br />
aqui que Paweł Szkotak fez a sua estreia <strong>no</strong> teatro<br />
institucional, com Pod drzwiami, de Wolfgang<br />
Borchert (2000), e que Piotr Cieplak prosseguiu<br />
o seu diálogo com a herança bíblica (Historia<br />
Jakuba/A História de Jacob, 2001; Ksiega Hioba/<br />
O Livro de Job, 2004), dando assim continuidade<br />
à grande tradição do WTW, herdeira do trabalho<br />
desenvolvido por <strong>no</strong>mes como Jerzy Jarocki, Helmut<br />
Kajzar e Tadeusz Rózewicz. •