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educação básica e diferenças regionais entre as províncias ...

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Educação e desenvolvimento: <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> e <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> <strong>regionais</strong> <strong>entre</strong> <strong>as</strong><br />

provínci<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> do Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco (1850 –<br />

1870)<br />

Resumo<br />

Vinícius De Bragança Müller e Oliveira 1<br />

A questão educacional e, especificamente, a instrução primária, é vista como fator<br />

fundamental para o desenvolvimento econômico de países e regiões. A teoria da<br />

História Econômica Institucional aponta que quanto maior o número de indivíduos de<br />

uma sociedade com acesso à <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> ou quanto mais inclusiva for a trajetória<br />

de incorporação dos indivíduos à <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> maior a chance de obtenção de<br />

desenvolvimento econômico de longo prazo. No Br<strong>as</strong>il do século XIX, a<br />

responsabilidade sobre a instrução primária estava sob <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> e não sob o<br />

governo central, o que para muitos autores foi motivo de frac<strong>as</strong>so, já que <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong><br />

poucos recursos tinham para garantir investimentos em setor tão relevante. Porém, este<br />

artigo tenta mostrar que, não obstante a pouca autonomia d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, era dado a el<strong>as</strong><br />

a oportunidades de garantir os investimentos sobre su<strong>as</strong> responsabilidades e, por isso, <strong>as</strong><br />

<strong>diferenç<strong>as</strong></strong> <strong>entre</strong> el<strong>as</strong> (Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco) no que tange aos<br />

investimentos em <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> podem ser comparad<strong>as</strong>. A conclusão é que havia uma<br />

grande diferença no tratamento dado pel<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> analisad<strong>as</strong> no que respeita os<br />

investimentos em instrução primária e que est<strong>as</strong> <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> podem ajudar a entender os<br />

resultados do desenvolvimento econômico de cada uma del<strong>as</strong>.<br />

Abstract<br />

The educational issue and, specifically, the primary statement, is seen <strong>as</strong> a key factor for<br />

economic development of countries and regions. The theory of Institutional economic<br />

history suggests that the greater the number of individuals of a society with access to<br />

b<strong>as</strong>ic education or the more inclusive for the trajectory of incorporation of individuals to<br />

b<strong>as</strong>ic education incre<strong>as</strong>ed the chance of obtaining long-term economic development.<br />

Brazil in the 19th century responsibility for primary education w<strong>as</strong> under the provinces<br />

and not under the central Government, which for many authors w<strong>as</strong> re<strong>as</strong>on of failure,<br />

since the provinces had few resources to ensure investments in industry <strong>as</strong> relevant.<br />

However, this article tries to show that, notwithstanding the little autonomy of<br />

provinces w<strong>as</strong> given to them the opportunities to ensure investments on their<br />

responsibilities and therefore the differences between them (Rio Grande do Sul, São<br />

Paulo and Pernambuco) with respect to public investments in primary education can be<br />

compared. The conclusion is that there w<strong>as</strong> a big difference in treatment given by the<br />

provinces analysed <strong>as</strong> regards investments in primary education and that these<br />

differences can help you understand the results of economic development of each one.<br />

1 Bacharel em História, Mestre em Economia, Doutorando em História Econômica. Professor do Insper,<br />

Instituto de Ensino e Pesquisa, São Paulo, Br<strong>as</strong>il.


Introdução<br />

O debate acerca da formação do Estado nacional br<strong>as</strong>ileiro n<strong>as</strong> primeir<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> do<br />

século XIX em boa parte se concentra em uma tradicional historiografia que indica uma<br />

excessiva centralização do poder em mãos do império e a conseqüente fragilidade da<br />

autonomia provincial. Esta centralização teria sofrido um pequeno revés durante os anos<br />

de 1830, no período conhecido como regencial (1831-40), m<strong>as</strong> logo readquirido seu<br />

papel de principal característica do recém fundado país. Segundo esta historiografia, <strong>as</strong><br />

tendênci<strong>as</strong> descentralist<strong>as</strong> teriam sido derrotad<strong>as</strong> em meados do século XIX e só<br />

retornaram após 1870, quando o ideal federalista foi reapresentado sob nova roupagem<br />

e sob a liderança dos grandes produtores rurais do centro-sul br<strong>as</strong>ileiro. O ambiente<br />

institucional e político teria levado ao republicanismo, em parte federalista,<br />

caracterizando a organização do país após a proclamação da república em 1889 e,<br />

principalmente, após a promulgação da constituição de 1891.<br />

Contudo, alguns autores estão, nos últimos anos, propondo uma revisão desta<br />

historiografia em virtude de nov<strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong> que indicam a possibilidade de reavaliar<br />

se, de fato, a autonomia provincial era tão prejudicada pela centralização excessiva do<br />

poder em mãos do império. Os resultados dest<strong>as</strong> pesquis<strong>as</strong> surpreendem na medida em<br />

que mostram que <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> tinham muito mais liberdade, responsabilidades e<br />

investimentos sob su<strong>as</strong> respectiv<strong>as</strong> administrações do que se pensava. Alguns autores,<br />

então, buscam nos últimos anos definir o alcance desta autonomia provincial,<br />

especificando o que estava sob responsabilidade d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> e, mais importante,<br />

como <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> usaram esta autonomia em favor de seus<br />

desenvolvimentos locais. Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, se a autonomia provincial era maior do<br />

que muitos admitiam até poucos anos atrás, <strong>as</strong> decisões que cada uma del<strong>as</strong> tomou, em<br />

variados setores ligados à administração pública, podem guardar relação com a<br />

trajetória de desenvolvimento econômico e social de cada uma del<strong>as</strong>. Est<strong>as</strong> trajetóri<strong>as</strong><br />

não poderiam ser mais lançad<strong>as</strong> exclusivamente sob a responsabilidade do governo<br />

central do Império Br<strong>as</strong>ileiro, m<strong>as</strong> sim sob <strong>as</strong> <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> impulsionad<strong>as</strong> pelo uso da<br />

autonomia provincial, por cada uma del<strong>as</strong>, no que tange a qualidade de su<strong>as</strong> instituições<br />

locais.<br />

Neste sentido, <strong>as</strong> instituições locais/provinciais devem ser observad<strong>as</strong> e comparad<strong>as</strong> na<br />

medida em que definiam, parcialmente, m<strong>as</strong> de modo relevante, o funcionamento


institucional sob sua responsabilidade, ou seja, no limite de sua autonomia. Para tanto,<br />

três provínci<strong>as</strong> ganham aqui destaque: Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco. A<br />

primeira, no extremo meridional do país, se caracterizou no período por razoável<br />

estabilidade econômica ligada à sua tradicional participação no mercado interno,<br />

especialmente no comércio de produtos oriundos da criação animal; a segunda<br />

província, São Paulo, foi a região de maior crescimento econômico na segunda metade<br />

do século XIX devido à expansão da lavoura do café e do aumento da exportação deste<br />

produto pelo país; e, finalmente a terceira, Pernambuco, ao contrário, foi um dos c<strong>as</strong>os<br />

mais emblemáticos de decadência econômica visto no século XIX br<strong>as</strong>ileiro, já que de<br />

uma d<strong>as</strong> regiões mais prósper<strong>as</strong> do país e uma d<strong>as</strong> du<strong>as</strong> principais produtor<strong>as</strong> e<br />

exportador<strong>as</strong> de cana de açúcar – mais destacado produto br<strong>as</strong>ileiro desde o período<br />

colonial – não apresentou a mesma pujança a partir de fins do século XIX e início do<br />

XX.<br />

Participação da receita arrecadada na Corte e n<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> na receita geral do Império<br />

Período Rio Grande do Sul São Paulo Pernambuco<br />

(%)<br />

1840-49 6,91 2,13 12,64<br />

1850-59 5,40 2,15 14,39<br />

1860-69 5,92 3,39 13,58<br />

1870-79 5,33 5,02 10,50<br />

1880-89 4,97 8,40 8,88<br />

Fonte: Ministério da Fazenda. Balanço da Receita e Despesa do Império, citado por Diniz, 2002.<br />

A tabela mostra a participação de cada província aqui tratada na receita geral do Império, o que<br />

demonstra a <strong>as</strong>censão de S. Paulo, a estabilidade do Rio Grande do Sul e a decadência de<br />

Pernambuco.<br />

O que se propõem, então, é uma análise sobre a autonomia dest<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> e o uso que<br />

fizeram desta autonomia em relação aos g<strong>as</strong>tos públicos. Dá-se, neste estudo, especial<br />

atenção aos g<strong>as</strong>tos públicos em <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> (instrução primária), setor que, segundo<br />

a Constituição Imperial, estava sob responsabilidade d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>. Também porque a<br />

questão educacional é vista por autores ligados à escola da Nova Economia Institucional<br />

(NEI) como sendo uma d<strong>as</strong> mais relevantes instituições de um país e/ou região.


Sobre isso, a abordagem institucional apresentada por Engerman e Sokoloff é usada na<br />

medida em que definem instituições como sendo mais ou menos inclusiv<strong>as</strong>, ou seja, que<br />

absorvem ou garantem acesso aos seus benefícios maiores ou menores contingentes<br />

populacionais. Os autores exemplificam esta questão a partir de três itens - acesso a<br />

<strong>educação</strong> <strong>básica</strong>, acesso ao sufrágio e acesso à propriedade privada - e na relação <strong>entre</strong><br />

maior ou menor inclusão institucional e desenvolvimento econômico.<br />

Em resumo, o artigo apresenta uma comparação <strong>entre</strong> três provínci<strong>as</strong> br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> que,<br />

durante o século XIX, mostraram trajetóri<strong>as</strong> econômic<strong>as</strong> diferentes <strong>entre</strong> si, e identificar<br />

como a questão educacional – instituição central para o desenvolvimento de longo prazo<br />

de uma região, segundo Engerman e Sokoloff – foi tratada por cada uma del<strong>as</strong>,<br />

<strong>as</strong>sumindo que a autonomia provincial no Br<strong>as</strong>il Império era maior do que a tradicional<br />

historiografia sobre o tema, em geral, admite. Tal comparação pode lançar luz sobre o<br />

entendimento d<strong>as</strong> <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> <strong>entre</strong> regiões br<strong>as</strong>ileir<strong>as</strong> no que tange ao desenvolvimento<br />

econômico de longo prazo.<br />

O debate <strong>entre</strong> centralização e descentralização no Império br<strong>as</strong>ileiro e a<br />

autonomia d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong><br />

Parte da historiografia sobre o período imperial br<strong>as</strong>ileiro admite que a divisão de<br />

competênci<strong>as</strong> fiscais feita pela Constituição de 1824 e pelos ajustes e reform<strong>as</strong> que se<br />

seguiram eram favoráveis ao governo central e, no limite, inviabilizavam a<br />

sobrevivência autônoma d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>. Tal visão é compartilhada por um grupo de<br />

estudiosos que, em c<strong>as</strong>os extremos, como Diniz, explicita a relação de espólio <strong>entre</strong> o<br />

governo central, o Império, e <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, quando diz:<br />

“Com efeito, os dados do Balanço demonstram que, a partir da<br />

década de 1830, a estrutura financeira do Império funcionou<br />

eficientemente no processo de apropriação da renda produzida<br />

n<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, principalmente Pernambuco, Bahia, Maranhão,<br />

Pará, São Paulo e Rio de Janeiro. Em conjunto, ess<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong><br />

forneceram 126,65 milhões de libr<strong>as</strong> em tributos ao Império e<br />

receberam 58,70 milhões de libr<strong>as</strong> sob a forma de recursos<br />

nel<strong>as</strong> despendidos; a diferença em favor do Governo Geral foi,<br />

portanto, de 67,95 milhões de libr<strong>as</strong>. (...) M<strong>as</strong>, além do c<strong>as</strong>o<br />

dess<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> que forneceram recursos sistematicamente ao<br />

Governo Geral, aquel<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> mais carentes, c<strong>as</strong>o<br />

aument<strong>as</strong>sem o volume de impostos gerados, também teriam


parte de sua renda remetida para a sede do poder central do<br />

Império.” (Diniz, 2002)<br />

Outros, como Cabral de Melo, estabelece uma relação amparada na idéia de pouca,<br />

qu<strong>as</strong>e nenhuma autonomia provincial e que, portanto, <strong>as</strong> <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> <strong>entre</strong> el<strong>as</strong> devem-se<br />

ao modo que os recursos eram distribuídos pelo governo central <strong>entre</strong> <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>. A<br />

conclusão é que <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> favorecid<strong>as</strong> pela distribuição dos recursos pelo governo<br />

central apresentaram bons resultados durante o império em detrimento daquel<strong>as</strong> que<br />

foram prejudicad<strong>as</strong>. Mais do que isso, Cabral de Melo afirma que:<br />

“é inegável que, durante todo o Segundo Reinado, verificou-se<br />

uma transferência líquida de recursos do norte para o sul, sob<br />

forma de movimento de fundos governamentais; e que o<br />

Império <strong>as</strong>sentou-se num processo de espoliação que no norte<br />

se aparentou b<strong>as</strong>tante a uma situação do colonial do tipo<br />

clássico, isto é, do tipo fiscal.”(Cabral de Melo, 1999)<br />

Diniz, concordando com a esta perspectiva de Cabral de melo, afirma que:<br />

A situação de permanente exação fiscal d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong><br />

<strong>as</strong>semelhava-se, para os contemporâneos e opositores da<br />

centralização, a uma situação de tipo colonial. (Diniz, 2002)<br />

Esta perspectiva historiográfica se ampara, e neste sentido é pertinente, na divisão de<br />

responsabilidades fiscais que, de fato, privilegiava o governo central. O que se discute é<br />

a relação <strong>entre</strong> a fatia disponível às provínci<strong>as</strong>, su<strong>as</strong> obrigações e a capacidade que cada<br />

uma del<strong>as</strong> tinha de administrar sua parcial autonomia. Esta diferença pode ser vista,<br />

medida e qualificada se considerarmos que, mesmo sendo pequena a fatia fiscal à<br />

disposição d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, ela era suficiente para garantir <strong>as</strong> responsabilidades definid<strong>as</strong><br />

às provínci<strong>as</strong>, gerar superávit e, portanto, determinar investimentos.<br />

Uma hipótese complementar defendida por parte da historiografia sobre o período é a<br />

que versa sobre a necessidade política de aproximação <strong>entre</strong> os defensores de maior<br />

descentralização e os partidários da centralização excessiva em virtude da manutenção<br />

da unidade territorial e, principalmente, do tráfico de escravos. Esta perspectiva mais<br />

próxima da história política do Br<strong>as</strong>il, tem como premissa que a pequena<br />

descentralização promovida durante a década de 1840 – <strong>as</strong>sociada ao grupo e depois<br />

Partido Liberal – foi uma d<strong>as</strong> responsáveis pelo aumento d<strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> separatist<strong>as</strong> ou


suficientemente violent<strong>as</strong> na ação contrária à centralização política do país que colocou<br />

em risco a unidade territorial. Sobre isso, comenta Bosi:<br />

“Nessa altura, os cafeicultores (i.e. valeparaibanos, então novo<br />

pólo de desenvolvimento da lavoura para a exportação),<br />

almejavam um Estado forte, uma administração coesa e<br />

prestante ou, nos seus repetidos termos, precisavam manter a<br />

unidade nacional. Foi a bandeira do Regresso (movimento de<br />

centralização política de meados d<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> de 1830 e 1840).<br />

O padre Feijó, renunciando ao cargo de regente em meio a<br />

dificuldades extrem<strong>as</strong>, fizera perigar o cumprimento desse<br />

desígnio, na medida em que supunha ser inevitável a tendência<br />

separatista de algum<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, como Pernambuco e Rio<br />

Grande do Sul” (Bosi, 1993)<br />

O argumento é reforçado por uma famosa intervenção de um importante personagem da<br />

época, Bernardo Pereira de V<strong>as</strong>concelos, que disse:<br />

“Fui liberal (i.e. defensor da descentralização), então a<br />

liberdade era nova no país, estava n<strong>as</strong> <strong>as</strong>pirações de todos, m<strong>as</strong><br />

não n<strong>as</strong> leis, n<strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong>; o poder era tudo; fui liberal.<br />

Hoje, porém, é diverso o <strong>as</strong>pecto da sociedade: os princípios<br />

democráticos tudo ganharam e muito comprometeram: a<br />

sociedade, que então corria o risco pelo poder, corre agora o<br />

risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis,<br />

quero hoje servi-la, quero salvá-la, e por isso sou regressista.<br />

Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendi no dia de<br />

seus perigos, da sua fraqueza, deixo-a no dia em que tão seguro<br />

é o triunfo que até o excesso a compromete” (citado por Bosi,<br />

1993)<br />

Complementando, além da unidade territorial que teria sido ameaçada pela<br />

descentralização da década de 1830 e, por isso, tal movimento centrífugo teria sido<br />

abortado logo depois pelo chamado „regresso conservador‟, a manutenção da oferta de<br />

escravos era vista como sub-produto da capacidade de o Estado Br<strong>as</strong>ileiro de se<br />

posicionar no jogo internacional comandado pela Grã-Bretanha, abertamente contrária<br />

ao tráfico de escravos africanos. Desta forma, argumenta-se, o enfraquecimento do<br />

poder central ante o aumento dos poderes provinciais no Br<strong>as</strong>il tornaria ainda mais<br />

vulnerável a posição br<strong>as</strong>ileira relacionada à manutenção da oferta de escravos e, vice-<br />

versa, o fortalecimento do poder central ampliaria a possibilidade do país em manter o


tráfico ativo. Esta posição é muito bem argumentada por Bosi, que afirma sobre <strong>as</strong><br />

palavr<strong>as</strong> de Bernardo Pereira de V<strong>as</strong>concelos:<br />

E, por fim, complementa:<br />

“Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o discurso quer dizer: a política de<br />

centralização é o antídoto necessário a uma divisão do país, que<br />

por seu turno (e aí vem a razão calada), seria fatal ao novo<br />

centro econômico valparaibano” (Bosi, 2002)<br />

“Tudo se apresenta imbricado: o centralismo se diz nacional e<br />

vale-se do Exército, que toma vulto no período; o tráfico é<br />

utilíssimo à expansão do café, enfim, O partido da Ordem<br />

abraça tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> bandeir<strong>as</strong>...” (Bosi, 2002)<br />

Contudo, há uma historiografia vem sendo produzida na última década que, por mais<br />

que aceite a centralização política e fiscal em mãos do governo imperial como uma<br />

característica do Estado br<strong>as</strong>ileiro durante o século XIX, argumenta que tal<br />

centralização não foi fator para que <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> vivessem em estado de penúria e/ou<br />

que fossem tão dependentes dos rep<strong>as</strong>ses do governo central.Portanto, não concluem<br />

que a relativa autonomia provincial era próxima de nula. Ao contrário, tal autonomia<br />

seria real e pode ser vista como fator de desenvolvimento d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> sem a<br />

manutenção de relações com aquilo que cada uma del<strong>as</strong> recebia do governo central. O<br />

principal trabalho <strong>as</strong>sociado a esta nova abordagem da formação br<strong>as</strong>ileira e do<br />

relacionamento <strong>entre</strong> a autonomia provincial e a centralização imperial é de Dolhnikoff,<br />

que afirma:<br />

“A autonomia provincial incidia sobre a tributação, <strong>as</strong> decisões<br />

referentes a empregos provinciais e municipais, obr<strong>as</strong> públic<strong>as</strong>,<br />

força policial, de modo que os governos d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong><br />

dispunham de capacidade financeira para autonomamente<br />

decidir sobre investimentos em áre<strong>as</strong> vitais para a expansão<br />

econômica, o exercício da força coercitiva e o controle de parte<br />

da máquina pública.” (Dolhnikoff, 2005)<br />

Com <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> conclusões, relativ<strong>as</strong> à autonomia provincial durante o império<br />

br<strong>as</strong>ileiro, Oliveira diz:


“A divisão d<strong>as</strong> atribuições fiscais <strong>entre</strong> o governo imperial e <strong>as</strong><br />

provínci<strong>as</strong>, feita pelo Ato Adicional de 1834, não foi<br />

modificada durante o processo de centralização do poder<br />

político e administrativo que se seguiu ao „avanço liberal‟.<br />

Dessa forma, os direitos adquiridos pel<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> não se<br />

alteraram, permanecendo aqueles que foram determinados pela<br />

descentralização de 1834. Isso significa que, não obstante a<br />

maior parte d<strong>as</strong> rend<strong>as</strong> fiscais ser de direito do governo central,<br />

às provínci<strong>as</strong> sobraram alguns direitos que possibilitavam<br />

relativa autonomia no que tange a arrecadação, os g<strong>as</strong>tos e os<br />

investimentos. No c<strong>as</strong>o de S.Paulo, foi possível à província<br />

viver um período de crescimento – fosse na arrecadação, fosse<br />

na produção e exportação agrícola.” (Oliveira, 2007)<br />

Portanto, <strong>as</strong>sumir que <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> não tinham capacidade de garantir o cumprimento<br />

daquilo que estava sob sua responsabilidade parece um exagero se considerarmos que,<br />

mesmo sendo pequena a fatia fiscal destinada às provínci<strong>as</strong>, era suficiente para arcar<br />

com su<strong>as</strong> cont<strong>as</strong> e investimentos. Desta forma, estava sob responsabilidades d<strong>as</strong><br />

provínci<strong>as</strong> o manejo de recursos destinados aos setores que definiam como prioridades e<br />

tais definições podem estar na origem d<strong>as</strong> vantagens ou dificuldades que <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong><br />

tiveram em seu desenvolvimento de longo prazo.<br />

A questão educacional: a teoria institucionalista aplicada ao Império Br<strong>as</strong>ileiro<br />

A abordagem institucional, em sua mais recente vertente, ficou consagrada a partir dos<br />

estudos do economista Dougl<strong>as</strong>s North e sua inspiração na economia neoclássica.<br />

North, ganhador do Nobel de Economia em 1993, em conjunto com outro economista, o<br />

norte-americano Robert Fogel, consolidou uma nova abordagem teórica que tenta<br />

aproximar os estudos econômicos e a história nos moldes da economia neoclássica, e<br />

não mais <strong>entre</strong> <strong>as</strong> abordagens considerad<strong>as</strong> heterodox<strong>as</strong>. Desta forma e, exatamente por<br />

isso, North é um dos fundadores da chamada Nova Economia Institucional (doravante,<br />

NEI), muito influente n<strong>as</strong> últim<strong>as</strong> décad<strong>as</strong> <strong>entre</strong> inúmeros estudiosos do<br />

desenvolvimento econômico.<br />

Entre os princípios que norteiam os estudos da NEI estão aqueles listados por North,<br />

quais sejam:<br />

a economia de mercado, em sua abordagem neoclássica – ou seja,<br />

agentes econômicos e racionais que tomam decisões que buscam a<br />

maximização dos resultados – é válida para situações extrem<strong>as</strong> n<strong>as</strong> quais


os custos de transação e de obtenção de informações são nulos e,<br />

portanto, os agentes tem toda a racionalidade possível;<br />

porém, como esta situação não é vivida, os agentes não tem tod<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

informações possíveis e, portanto, sua racionalidade é limitada;<br />

sendo <strong>as</strong>sim, <strong>as</strong> instituições, ou seja, <strong>as</strong> regr<strong>as</strong> e leis (instituições formais)<br />

e os costumes (instituições informais) são importantes na medida em que<br />

podem diminuir os custos de transação e de obtenção de informações,<br />

fazendo com que os agentes cheguem mais próximos ao que seria<br />

desejável em sua atuação econômica;<br />

além disso, <strong>as</strong> instituições são responsáveis pelos estímulos aos agentes<br />

econômicos, principalmente aquel<strong>as</strong> que legislam sobre os direitos de<br />

propriedade.<br />

Em síntese, define North:<br />

Institutions are the rules of the game in a society or, more formally,<br />

are the humanly devised constraints that shape human interaction. In<br />

consequence they structure incentives in human exchange, whether<br />

political, social, or economic. Institutional change shapes the way<br />

societies evolve through time and hence is the key to understanding<br />

historical change.<br />

(…) Institutions affect the performance of the economy by their effect<br />

on the costs of exchange and production. Together with the<br />

technology employed, determine the transaction and transformation<br />

(production) costs that make up total costs. (North, 1982)<br />

Em complemento, m<strong>as</strong> não menos importante, North ainda considera que <strong>as</strong> sociedades<br />

que historicamente desenvolveram instituições melhores – ou seja, que facilitam a ação<br />

dos agentes econômicos ao diminuírem os custos de transação, de obtenção de<br />

informações e garantindo o direito de propriedade – apresentam, em prazos alongados,<br />

melhor desenvolvimento econômico. Assim, apresenta como justificativ<strong>as</strong> para o<br />

melhor desenvolvimento econômico de um país ou região <strong>as</strong> instituições criad<strong>as</strong> e, mais<br />

importante, <strong>as</strong> trajetóri<strong>as</strong> institucionais vivenciad<strong>as</strong>. Desta forma, North busca em<br />

momentos específicos da História (momentos de criação de uma instituição) e no<br />

conflito <strong>entre</strong> mudanç<strong>as</strong> e permanênci<strong>as</strong> (<strong>as</strong> trajetóri<strong>as</strong> institucionais de cada país ou<br />

região), <strong>as</strong> explicações para o desenvolvimento econômico desigual apresentado por<br />

países e regiões diferentes.


A partir d<strong>as</strong> definições de North, outros autores usaram e ampliaram os conceitos<br />

relacionados à economia institucional. A mais relevante, para este trabalho, é a<br />

cl<strong>as</strong>sificação d<strong>as</strong> instituições historicamente construíd<strong>as</strong> e su<strong>as</strong> respectiv<strong>as</strong> trajetóri<strong>as</strong><br />

como inclusiv<strong>as</strong> ou não-inclusiv<strong>as</strong>. Na verdade, algum<strong>as</strong> instituições, segundo tal<br />

cl<strong>as</strong>sificação, são mais ou menos inclusiv<strong>as</strong> na medida em que privilegiam ou<br />

reconhecem contingentes maiores da população de um país ou região. Seriam<br />

instituições p<strong>as</strong>síveis de serem cl<strong>as</strong>sificad<strong>as</strong> a partir dest<strong>as</strong> qualificações o direito ao<br />

sufrágio, o acesso à propriedade e à <strong>educação</strong>. Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o direito ao sufrágio<br />

é uma instituição que pode ser mais ou menos inclusiva, sendo que é mais quando é<br />

universal e menos quando restrito a uma pequena parcela da população; <strong>as</strong>sim como o<br />

acesso à propriedade e à <strong>educação</strong>. E, segundo muitos autores, o desenvolvimento<br />

econômico de um país ou região, em prazos mais alongados, guarda uma relação<br />

positiva com <strong>as</strong> instituições e seus graus de inclusividade: quanto maior for a inclusão<br />

de contingentes populacionais e maior for seu acesso à propriedade,<br />

escolaridade/<strong>educação</strong> e direito ao voto, maior será o desenvolvimento econômico desta<br />

sociedade se comparada a outr<strong>as</strong> com instituições cuja trajetória não se caracteriza pela<br />

inclusão de grande parte da população. Alguns trabalhos são esclarecedores sobre tais<br />

definições. Vejamos o que dizem os historiadores econômicos Engerman e Sokoloff,<br />

sobre <strong>as</strong> relações <strong>entre</strong> desenvolvimento institucional e desenvolvimento econômico<br />

comparando regiões diferentes do continente americano:<br />

More specifically, in societies that began with extreme inequality, the<br />

elites were both inclined and able to establish a b<strong>as</strong>ic legal framework<br />

that ensured them a disproportionate share of political power and to<br />

use that influence to establish rules, laws, and other government<br />

policies that gave them greater access to economic opportunities than<br />

the rest of the population, thereby contributing to the persistence of<br />

the high degree of inequality. In societies that began with greater<br />

equality in wealth and human capital or homogeneity among the<br />

population, the elites were either less able or less inclined to<br />

institutionalize rules, laws, and other government policies that grossly<br />

advantaged them, and thus the institutions that evolved tended to<br />

provide more equal treatment and opportunities, thereby contributing<br />

to the persistence of the relatively high degree of equality.<br />

(…)Although much work needs to be done, our findings from<br />

comparative studies of suffrage, public land, schooling, and other<br />

institutions in the perhaps limited context of the Americ<strong>as</strong> are<br />

consistent with the notion that those societies that began with more<br />

extreme inequality or heterogeneity in the population were more likely<br />

to develop structures that advantaged members of elite cl<strong>as</strong>ses by<br />

providing them with relatively more political influence or access to<br />

economic opportunities. (Engerman & Sokoloff, 2002)


Também Acemoglu e Robinson, dois dos mais destacados estudiosos de economia<br />

institucional:<br />

Inclusive institutions tend to create a level playing field in business, in<br />

markets and in education, while extractive institutions often create<br />

inequities that run deep. In most societies with extractive institutions,<br />

only the lucky few have access to education, and the ability to start<br />

and operate businesses and reach high levels of economic and social<br />

success. (Acemoglu & Robinson, 2009)<br />

Um outro autor, Peter Lindert, sobre a possibilidade de relacionarmos investimento em<br />

<strong>educação</strong> primária e desenvolvimento econômico, recentemente escreveu:<br />

The second kind of social spending emerged in the nineteenth century.<br />

Country after country turned toward tax revenues <strong>as</strong> a b<strong>as</strong>is for<br />

launching or expanding schools, especially primary schools. Yet some<br />

countries took far longer than others to develop universal primary<br />

schooling – and most countries have deficient primary education even<br />

today. These differences in b<strong>as</strong>ic schooling have long been recognized<br />

<strong>as</strong> one of the keys to global income inequalities.1 Of all the kinds of<br />

public spending considered in this book, expenditures on public<br />

schooling are the most positively productive in the sense of raising<br />

national product per capita. Here we concentrate on primary public<br />

education, the kind of education that involves the greatest shift of<br />

resources from upper income groups to the poor. (Lindert, 2004)<br />

Portanto, o que podemos concluir é que <strong>as</strong> instituições importam para o entendimento<br />

da trajetória histórica que aponta um maior ou menor desenvolvimento econômico de<br />

um país ou região e que, na medida em que pensamos <strong>as</strong> instituições como inclusiv<strong>as</strong> ou<br />

não, aqueles que criam e desenvolvem instituições que precipitam maior acesso – ou de<br />

um número maior de pesso<strong>as</strong> – à propriedade, ao direito ao sufrágio e à<br />

<strong>educação</strong>/escolaridade, tendem a apresentar, no tempo, maior desenvolvimento<br />

econômico.<br />

Em nosso c<strong>as</strong>o, então, o lugar que ocupava a <strong>educação</strong> – instituição que, sendo<br />

inclusiva, pode ajudar a determinar trajetória de desenvolvimento econômico de um país<br />

ou região – pôde ser determinante para o desenvolvimento de <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> <strong>regionais</strong> no<br />

Br<strong>as</strong>il. E, ainda sobre a citação de Lindert, a diferença em investimento em <strong>educação</strong><br />

primária <strong>entre</strong> os países é característica do século XIX. Em outr<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, o<br />

investimento em <strong>educação</strong> primária já era no século XIX visto como fundamental ao<br />

desenvolvimento econômico pel<strong>as</strong> nações em desenvolvimento.


O debate sobre <strong>educação</strong> primária no Br<strong>as</strong>il e a situação d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>: Rio<br />

Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco<br />

Existem inúmeros trabalhos que tratam d<strong>as</strong> condições apresentad<strong>as</strong> pela sociedade e<br />

pela legislação br<strong>as</strong>ileira imperial a respeito da <strong>educação</strong> <strong>básica</strong>. A maior parte<br />

tangencia quatro questões de capital importância, quais sejam:<br />

a incorporação da obrigatoriedade do ensino básico na Constituição de<br />

1824 e <strong>as</strong> reform<strong>as</strong> constitucionais que , de algum modo – direta ou<br />

indiretamente – afetaram a questão educacional;<br />

a carência de um projeto educacional unificado ou nacional, o que<br />

enfraquecia a possibilidade de sucesso do processo educacional<br />

br<strong>as</strong>ileiro;<br />

a aparente contradição <strong>entre</strong> <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> e uma sociedade escravista<br />

e radicalmente desigual, o que teria precipitado um baixo investimento<br />

em <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> (voltada às camad<strong>as</strong> menos favorecid<strong>as</strong> da<br />

população) em benefício da <strong>educação</strong> superior (voltada à elite); e<br />

o equívoco institucional em deixar o investimento em <strong>educação</strong> <strong>básica</strong><br />

em mãos d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, dado que est<strong>as</strong> eram b<strong>as</strong>tante vulneráveis<br />

economicamente ante um desproporcional poder econômico controlado<br />

pelo governo imperial.<br />

Os quatro itens apresentam certa coerência se tratados em conjunto, já que mesmo<br />

legalmente incluída na Constituição de 1824, a obrigatoriedade de oferta de ensino<br />

básico pressupunha uma estrutura burocrática incompatível com o momento histórico<br />

vivido pelo país, ou seja, um país recém independente que carecia tanto de experiência<br />

quanto de, principalmente, capital humano para a formação do funcionalismo público<br />

que garantisse e verific<strong>as</strong>se tal obrigatoriedade. A inclusão do ensino básico na Carta<br />

de 1824 devia-se, principalmente, a uma qu<strong>as</strong>e isolada influência que os princípios e<br />

conseqüênci<strong>as</strong> do processo iluminista-liberal europeu exercia sobre o monarca<br />

br<strong>as</strong>ileiro, D. Pedro; contudo, influência que não caracterizava de modo geral o governo<br />

imperial, dada a sua inclinação ao centralismo e, para alguns, absolutismo.<br />

Um agravante da situação fora a reforma de 1834, conhecida como Ato Adicional. Nele,<br />

a responsabilidade sobre a oferta de ensino básico recaía sobre <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>, que, com


orçamentos reduzidíssimos, não teriam condições nem de efetivar os investimentos em<br />

<strong>educação</strong>, muito menos de verificar sua efetividade. Isso só mostrava o pouco c<strong>as</strong>o que<br />

se fazia da <strong>educação</strong> <strong>básica</strong>, voltada aos grupos menos favorecidos e incompatível com<br />

a escravidão, reflexo de uma sociedade desigual, elitista e que, de modo algum – sob a<br />

leitura institucional – promovia instituições inclusiv<strong>as</strong>. Ao contrário do ensino superior,<br />

em mãos do governo Imperial e, portanto, coeso, pensado estrategicamente e voltado às<br />

elites dirigentes e burocrátic<strong>as</strong> do país, o ensino básico sofreria de inanição, na mesma<br />

proporção de sua insignificância para <strong>as</strong> elites provinciais – preocupad<strong>as</strong> com questões<br />

menores envolvendo poderes e favores locais – e da insignificância dos orçamentos<br />

voltados a ela, dada a estrutura institucional equivocada que deixava às provínci<strong>as</strong> –<br />

falid<strong>as</strong> e dependentes dos recursos que recebiam do governo central – a<br />

responsabilidade sobre tema tão relevante para o desenvolvimento econômico e social<br />

de longo prazo. Tais conclusões aparecem de modo inequívoco em algum<strong>as</strong> d<strong>as</strong> obr<strong>as</strong><br />

mais destacad<strong>as</strong> e usad<strong>as</strong> como referênci<strong>as</strong> bibliográfic<strong>as</strong> sobre o tema. Interessa-nos<br />

em especial o item sobre o possível equívoco institucional em deixar a responsabilidade<br />

sobre a <strong>educação</strong> primária em mãos d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong>. Eis um trecho retirado de uma obra<br />

de referência sobre o tema:<br />

A Instrução primária, confiada às provínci<strong>as</strong>, vai-se organizando por<br />

um sistema de tentativ<strong>as</strong> e erros, em conformidade com os recursos<br />

limitados de cada uma del<strong>as</strong> e ao capricho d<strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong> quais<br />

os predomínios deste ou daquele grupo partidário ou a inspiração<br />

pessoal do presidente, em que se pode encontrar a causa mais<br />

próxima da periodicidade d<strong>as</strong> variações n<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> locais de<br />

<strong>educação</strong>. O pessoal docente, qu<strong>as</strong>e todo constituído de mestres<br />

improvisados, sem nenhuma preparação específica, não melhora <strong>as</strong><br />

primeir<strong>as</strong> escol<strong>as</strong> normais que se criaram no país. (Azevedo, 1976)<br />

Um outro autor, Anísio Teixeira, um dos mais respeitados estudiosos sobre a <strong>educação</strong><br />

br<strong>as</strong>ileira, <strong>as</strong>sim afirmou, confirmando a tese de Azevedo:<br />

Por isto mesmo, quando, com a independência e <strong>as</strong> idéi<strong>as</strong> então<br />

dominantes de monarqui<strong>as</strong> constitucionais liberais, procurou-se<br />

organizar o País, já com o pensamento na <strong>educação</strong> do povo<br />

br<strong>as</strong>ileiro, confiou-se esta tarefa às Provínci<strong>as</strong>, deixando-se o sistema<br />

da elite sob a guarda do poder central, afim de se lhe salvaguardar o<br />

caráter anterior. Chamou-se a esse Ato Adicional de 1834 de<br />

descentralizador, quando, na realidade, pelo menos em <strong>educação</strong>, só<br />

descentralizava algo que não se considerava suficientemente<br />

importante (Teixeira, 1999)


Portanto, como explicitado pelos autores e trechos citados, a literatura sobre História da<br />

Educação no Br<strong>as</strong>il atribui o frac<strong>as</strong>so, ou grande parte dele, da <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> no<br />

século XIX à impossibilidade d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> de arcarem com <strong>as</strong> responsabilidades<br />

inerentes ao tema e previst<strong>as</strong> na Constituição Imperial. Esta impossibilidade estaria<br />

ligada intimamente à situação de penúria fiscal, financeira e econômica vivida pel<strong>as</strong><br />

provínci<strong>as</strong> em benefício do fortalecimento do governo central. Teixeira ainda atribui tal<br />

arranjo institucional que p<strong>as</strong>sava às provínci<strong>as</strong> a responsabilidade sobre a <strong>educação</strong><br />

<strong>básica</strong> à pouca importância dada pelo país ao tema.<br />

Contudo, algum<strong>as</strong> considerações retirad<strong>as</strong> de documentação relacionada ao tema nos<br />

colocam algum<strong>as</strong> dúvid<strong>as</strong> sobre tais afirmações, já que mostram uma consciência muito<br />

mais explícita sobre a importância da <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> do que a afirmação de Teixeira<br />

nos leva a pensar. Vejamos:<br />

“Não há no Império província alguma que conte com tão subido<br />

número de instituições públic<strong>as</strong> de instrução elementar, exceto a de<br />

Minh<strong>as</strong> Gerais que, segundo o mapa que acompanhou o relatório da<br />

Inspetoria Geral da Instrução Pública da Corte, anexo ao apresentado<br />

no corrente ano à Câmara dos srs. Deputados pelo excelentíssimo<br />

Ministro do Império, tem 255 escol<strong>as</strong>. Proporcionalmente à<br />

população ainda São Paulo leva vantagem nesta parte”. (Relatório da<br />

Instrução Pública, 1857, pelo inspetor geral Diogo de Mendonça<br />

Pinto.)<br />

Claramente, o responsável pela instrução pública de São Paulo usa a questão da<br />

<strong>educação</strong> <strong>básica</strong> – que considera em sua província melhor do que n<strong>as</strong> outr<strong>as</strong> – como<br />

uma vantagem apresentada pela sua província. Alguns anos depois, o presidente de S.<br />

Paulo, ao apresentar uma proposta de revisão d<strong>as</strong> leis relacionad<strong>as</strong> à <strong>educação</strong> em sua<br />

província, <strong>as</strong>sim disse:<br />

“E na instrução primária denominada inferior, do primeiro grau ou<br />

elementar, bem pouco adiantados estamos. Aí faltam-nos<br />

principalmente:<br />

Declarar obrigatória a instrução primária. Ao dever do Estado de<br />

propagá-la deve corresponder o direito de exigir dos chefes de família<br />

a matrícula na escola da infância sob seu governo e a permanência<br />

dela aí por todo o prazo preciso a fim de que a cultura da inteligência<br />

e da vontade chegue ao grau que deve se elevar. Não sei com que<br />

ordem de consideração se defende a plena liberdade em cuja posse<br />

vejo esses chefes de mandar ou não seus filhos à escola e de retirar<br />

del<strong>as</strong> quando lhes apraz. A lei não tolera que o cidadão desbarate os


próprios bens, força-o ao respeito à propriedade, encarando-a como<br />

futuro patrimônio de sua descendência, m<strong>as</strong> se um pai deserda um<br />

filho de toda a instrução e <strong>educação</strong>, se <strong>as</strong>sim atenta contra sua sorte,<br />

e portanto o prejudica não nos bens, m<strong>as</strong> na própria pessoa, a Lei não<br />

se reputa com o direito de intervir, e possuída de respeito diante do<br />

abuso da autoridade paterna, <strong>as</strong>siste imp<strong>as</strong>sível ao estrago insanável<br />

do futuro de uma geração na parte mais preciosa.” (Relatório do<br />

presidente da província de S.Paulo, 1861)<br />

Novamente não reflete uma opinião de alguém que pouca importância dedica à questão<br />

educacional; ao contrário, confirma a hipótese de Lindert sobre a consciência da época<br />

sobre a importância da <strong>educação</strong> <strong>básica</strong> para o desenvolvimento d<strong>as</strong> futur<strong>as</strong> gerações.<br />

Uma declaração semelhante feita pelo presidente da província do Rio Grande do Sul<br />

confirma tal consciência e indica que estava relacionada ao que ocorria em outr<strong>as</strong> partes<br />

do mundo ocidental, desmentindo o suposto desc<strong>as</strong>o dedicado ao tema. Vejamos <strong>as</strong><br />

palavr<strong>as</strong> de Rodrigo de Azambuja Villanova, presidente da província gaúcha em 1871:<br />

“Não b<strong>as</strong>ta criar escol<strong>as</strong>, dotá-l<strong>as</strong> com o necessário e provê-l<strong>as</strong> de<br />

bons professores; é preciso que el<strong>as</strong> sejam freqüentad<strong>as</strong>, senão pelo<br />

empenho dos pais de família, pela força da lei. (...) É à ignorância do<br />

povo que se deve atribuir o nosso atr<strong>as</strong>o na indústria e na agricultura,<br />

o que nos coloca na retaguarda d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> que não dispõem de<br />

melhores elementos de prosperidade.”<br />

E também em Pernambuco, tal consciência se manifesta n<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> do presidente da<br />

província, José Antônio Saraiva, em seu relatório de 1859, quando reivindica maior<br />

investimento público em <strong>educação</strong> primária. Vejamos:<br />

E nem venha a questão do dinheiro, que não é esta a província que<br />

mais g<strong>as</strong>ta com Instrução pública. Talvez seja a que, em relação aos<br />

seus rendimentos, a que menos despenda para tal fim. Enquanto o<br />

orçamento vigente da Bahia que monta 1.468:816$725 designa<br />

263$000 para este ramo de serviço, o de Pernambuco, que soma<br />

1.516:860$570 à custo consigna...124:743, sendo somente 66:403 para<br />

a instrução pública.<br />

Porém, mesmo sendo às três província a preocupação e a importância dada a questão<br />

educacional, <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> significativ<strong>as</strong> são vist<strong>as</strong> quando analisamos quantitativamente o<br />

comportamento de cada uma del<strong>as</strong> em relação à instrução. As tabel<strong>as</strong> abaixo mostram<br />

alguns números sobre a <strong>educação</strong> primária pública d<strong>as</strong> três provínci<strong>as</strong> durante du<strong>as</strong><br />

décad<strong>as</strong> do século XIX, <strong>entre</strong> 1850 e 1870. Comecemos por São Paulo:


Número de alunos matriculados e de escol<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> de Instrução primária na província<br />

de S. Paulo, 1850 - 1870<br />

Ano Nº de alunos Nº de escol<strong>as</strong><br />

1850 Não disponível 163<br />

1851 4225 Não disponível<br />

1852 5375 183<br />

1853 4337**** Não disponível<br />

1854 5001 155<br />

1855 5667 176<br />

1856 5690 188<br />

1857 5847 205<br />

1858 6264 215<br />

1859 6824 219<br />

1860 7254 220<br />

1861 6989 238<br />

1862 5503 238<br />

1863 5503** 246<br />

1864 7232 248<br />

1865 7276 270<br />

1866 7586 Não disponível<br />

1867 Não disponível Não disponível<br />

1868 Não disponível Não disponível<br />

1869 Não disponível 348<br />

1870 8859 Não disponível<br />

Fonte: relatórios anuais da Inspetoria da Instrução Pública da Província e Relatórios anuais do presidente<br />

da província de S. Paulo. ** Número que não considera os municípios de Indaiatuba, Juquery, Iguape,<br />

Taubaté, Paraibuna e Capivari, que não mandaram os relatórios. Além disso, “Devo declarar que o<br />

número de meninos e menin<strong>as</strong> que aprendem atualmente a ler e a escrever não é o normal. Mostra-se<br />

inferior ao dos anos anteriores em razão de se terem fechado recentemente muit<strong>as</strong> escol<strong>as</strong>, pela demissão<br />

dada a tudo quanto era professor contratado.” (relatório do Inspetor da Instrução Pública da província de<br />

São Paulo, 1862 e 1863). Os relatórios dos dois anos foram apresentados em conjunto, portanto, não há<br />

informações sobre os números separados por ano (1862 e 1863, respectivamente). **** Não incluíd<strong>as</strong> <strong>as</strong><br />

escol<strong>as</strong> do Paraná, já que no ano anterior foram separad<strong>as</strong> a província paulista da paranaense.<br />

Vejamos agora os números de Pernambuco:


Número de alunos matriculados e de escol<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> de Instrução primária na província<br />

de Pernambuco, 1850 - 1870<br />

Ano Nº de alunos Nº de escol<strong>as</strong><br />

1850 Não Disponível Não disponível<br />

1851 2.138 Não disponível<br />

1852 2.927 Não disponível<br />

1853 3.278 Não disponível<br />

1854 3.452 Não disponível<br />

1855 3.801 Não disponível<br />

1856 3.636 Não disponível<br />

1857 4.209 Não disponível<br />

1858 5.912 Não disponível<br />

1859 4.430 112<br />

1860 4.568 269*<br />

1861 4703 101<br />

1862 4300 103<br />

1863 4386 106<br />

1864 4658 119<br />

1865 5893 112<br />

1866 6940* 197<br />

1867 8.198 203<br />

1868 6252 (8983)* 217<br />

1869 6239 (9323)* 232<br />

1870 9822 269<br />

Fonte: Relatórios de presidente da província de Pernambuco. * Números apresentados em balanço feito<br />

em 1871, não nos relatórios anuais.<br />

E, finalmente os números do Rio Grande Do Sul:


Número de alunos matriculados e de escol<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> de Instrução primária na província<br />

do Rio Grande do Sul, 1850 - 1870<br />

Ano Nº de alunos Nº de escol<strong>as</strong><br />

1850 3532 95<br />

1851 3542 Não disponível<br />

1852 3549 Não disponível<br />

1853 3812 105<br />

1854 3481 121<br />

1855 3764 120<br />

1856 3808 120<br />

1857 4830 144<br />

1858 4120 152<br />

1859 4801 189<br />

1860 5568 Não disponível<br />

1861 5828 154<br />

1862 5416 Não disponível<br />

1863 6012 167<br />

1864 6293 167<br />

1865 6806 Não disponível<br />

1866 5856 187<br />

1867 Não Disponível 206<br />

1868 7286 222<br />

1869 7949 Não disponível<br />

1870 7019 212 (246)*<br />

Fonte: relatórios anuais de presidentes da província do Rio Grande Do Sul e Relatórios da Secretaria da<br />

Instrução Pública do Rio Grande Do Sul (balanço de 1876). * Números dados pelo presidente da<br />

província de Pernambuco, em um exercício de comparação <strong>entre</strong> <strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> em relatório anual de 1871<br />

e número referente a 1871 retirado de relatório da Secretaria da Instrução Pública do Rio Grande do Sul,<br />

respectivamente.<br />

Como se vê, a trajetória dos números relacionados à <strong>educação</strong> nos mostra um montante<br />

maior de alunos em escol<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> de instrução primária em Pernambuco, seguido de<br />

São Paulo e Rio Grande do Sul. Em número de escol<strong>as</strong>, São Paulo, Pernambuco e Rio<br />

Grande do Sul, Porém, se colocarmos mais três itens perceberemos que tais conclusões


são fals<strong>as</strong>: a população e o investimento absoluto e o investimento em relação a receita<br />

de cada província. Vejamos:<br />

Estimativ<strong>as</strong> de população livre d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> de São Paulo, Rio Grande do Sul e<br />

Pernambuco, anos selecionados<br />

Província Ano População livre<br />

São Paulo 1858 410.000<br />

Rio Grande do Sul 1858 390.000<br />

Pernambuco 1858 630.000<br />

Fonte: Relatório do presidente da província do Rio Grande do Sul, 1858.<br />

Província Ano População livre<br />

São Paulo 1864 600.000<br />

Rio Grande do Sul 1863 315.000<br />

Pernambuco 1861 900.000<br />

Fonte: relatórios dos presidentes d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> para os c<strong>as</strong>os pernambucano e gaúcho e Relatório da<br />

Inspetoria da Instrução Pública para o c<strong>as</strong>o de S. Paulo.<br />

Alguns anos depois, em 1870, a população livre de S.Paulo era de aproximadamente<br />

800.000 enquanto a de Pernambuco, no mesmo ano, era de aproximadamente<br />

1.000.000. Vejamos a comparação <strong>entre</strong> anos diferentes da mesma província e a relação<br />

<strong>entre</strong> população livre, número de alunos e número de escol<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> de instrução<br />

primária.<br />

Comparação <strong>entre</strong> anos diferentes para a província de Pernambuco<br />

Ano População (P) Nº de Alunos<br />

(A)<br />

Nº de escol<strong>as</strong><br />

(E)<br />

P/A P/E<br />

1858 630.000 5912 112* 106 5625<br />

1861 900.000 4703 238 191 3781<br />

1870 1.000.000 9822 269 101 3717<br />

*Não havia número de escol<strong>as</strong> disponível para o ano de 1858, então foi usado o número de 1859.<br />

Supondo que de uma não para o outro não há grandes <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> nestes números e que, mesmo tendo, o<br />

número de escol<strong>as</strong> seria maior em 1859 do que 1858, a relação é aproximada, porém significativa, não<br />

havendo prejuízo analítico. Fonte: Relatórios de presidentes da província de Pernambuco, anos<br />

selecionados.


Comparação <strong>entre</strong> anos diferentes para a província de São Paulo<br />

Ano População (P) Nº de Alunos<br />

(A)<br />

Nº de escol<strong>as</strong><br />

(E)<br />

P/A P/E<br />

1858 410.000 6264 215 65 1906<br />

1864 600.000 7232 248 83 2419<br />

1870 800.000 8859 348* 90 2298<br />

* Não está disponível o número de escol<strong>as</strong> em 1870, <strong>as</strong>sim usamos o número relativo a 1869. Como não<br />

há tendência de diminuição do número de escol<strong>as</strong>, a razão <strong>entre</strong> a população livre e o número de escol<strong>as</strong><br />

deve ser, de fato, menor. Fonte: Relatórios de presidentes da província de S.Paulo, anos selecionados<br />

Comparação <strong>entre</strong> anos diferentes para a província do Rio Grande do Sul<br />

Ano População (P) Nº de Alunos<br />

(A)<br />

Nº de escol<strong>as</strong><br />

(E)<br />

P/A P/E<br />

1858 390.000 4120 152 94 2565<br />

1861 266.000 5828 154 45 1727<br />

1863 315.000 6012 167 52 1886<br />

Fonte: relatórios de presidente da província do Rio Grande do Sul, anos selecionados<br />

Os números referentes à população são frágeis e, por isso, podem ser questionados,<br />

mesmo que como estimativa não parecem comprometer a análise. Para reforçar tal<br />

fragilidade, podemos, em nome da conclusão que tiramos destes números, usar outr<strong>as</strong><br />

variáveis relacionad<strong>as</strong> às despes<strong>as</strong> gerais e aos g<strong>as</strong>tos d<strong>as</strong> provínci<strong>as</strong> em <strong>educação</strong><br />

primária.<br />

Tabela de despes<strong>as</strong>, despes<strong>as</strong> em obr<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> e <strong>educação</strong> em Pernambuco, 1860 - 1870<br />

Exercícios Despesa Despes<strong>as</strong> obr<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong><br />

Despesa/despesa obr<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong> (%)<br />

Despes<strong>as</strong><br />

<strong>educação</strong><br />

Despesa/despesa<br />

<strong>educação</strong> (%)<br />

1860-61 1.095:400$932 437:492$481 39 78:440$000 7<br />

1861-62 1.328:519$771 254:386$387 18 82:137$000 6<br />

1862-63 1.233:139$987 338:618$782 27 109:664$000 8<br />

1863-64 1.401:295$005 404:004$121 28 111:149$675 7<br />

1864-65 1.560:533$841 553:441$326 35 124:024$165 8<br />

1865-66 1.831:731$180 527:063$009 28 167:280$000 9<br />

1866-67 1.748:426$919 797:363$127 45 138:593$000 11<br />

1867-68 1.682:381$169 636:141$897 37 228:400$000 13<br />

1868-69 1.865:022$276 486:232$764 26 247:136$665 13<br />

1869-70 2.048:922$396 525:726$266 25 268:880$000 13<br />

Fonte: Balanço feito e exposto no relatório do presidente da província de Pernambuco, Frederico de<br />

Almeida e Albuquerque, em 01 de Abril de 1871.


Tabela de despes<strong>as</strong>, despes<strong>as</strong> em obr<strong>as</strong> públic<strong>as</strong> e <strong>educação</strong> no Rio Grande do Sul, 1860 -<br />

1870<br />

Exercício Despesa Despesa com<br />

obr<strong>as</strong> públic<strong>as</strong><br />

Despesa/despesa<br />

com obr<strong>as</strong><br />

públic<strong>as</strong> (%)<br />

Despes<strong>as</strong> com<br />

<strong>educação</strong><br />

1860-61 843:703$753 68:032$846 8 101:692$566 12<br />

1861-62 960:432$431 51:998$075 5 113:710$817 12<br />

1862-63 1.342:229$717 44:720$958 3,5 163:959$574 12<br />

1863-64 1.285:309$635 64:297$692 5 176:285$685 13,5<br />

1864-65 1.008:283$440 28:201$384 2,5 179:002$785 17,5<br />

1865-66 1.070:628$546 12:750$000 1 173:658$387 16<br />

1866-67 966:527$137 92:427$452 9,5 174:778$372 18<br />

1867-68 1.141:527$406 123:780$630 11 192:033$359 16<br />

1868-69 1.607:881$215 69:253$566 4,5 199:615$162 12,5<br />

1869-70 1.742:629$208 XXXXXXX XXXXXXXX 229:584$424 13<br />

Fonte: Livros da Tesouraria Provincial<br />

Despesa/despesa<br />

com <strong>educação</strong><br />

(%)<br />

O c<strong>as</strong>o gaúcho é ainda mais destacado na medida em que em praticamente todos os anos<br />

da década de 1860, com exceção dos três primeiros a despesa com <strong>educação</strong> primária é<br />

a maior <strong>entre</strong> todos os orçamentos da província. Vejamos:<br />

Ano G<strong>as</strong>tos com <strong>educação</strong> G<strong>as</strong>tos força policial G<strong>as</strong>tos aparato fiscal<br />

1859-60 135:728$114 132:001$529 137:901$178<br />

1860-61 101:692$566 113:279$388 117:644$806<br />

1861-62 113:710$817 108:838$372 122:527$795<br />

1862-63 163:959$574 123:629$679 135:649$986<br />

1863-64 176:285$685 125:982$705 141:841$124<br />

1864-65 179:002$785 139:449$598 135:725$654<br />

1865-66 173:658$387 102:731$988 137:894$399<br />

1866-67 174:778$372 136:124$542 149:432$160<br />

1867-68 192:033$359 136:591$457 159:881$794<br />

1868-69 199:615$162 144:558$881 165:995$226<br />

1869-70 229:584$424 163:058$050 165:995$226<br />

Fonte: Livros da Tesouraria provincial do Rio Grande do Sul


Conclusão<br />

A centralização do poder político em mãos do governo Imperial durante o século XIX<br />

no Br<strong>as</strong>il não pode servir de argumento para o pouco envolvimento provincial em<br />

algum<strong>as</strong> questões considerad<strong>as</strong> já à época como relevantes, tais como a <strong>educação</strong><br />

primária. Isso porque a autonomia provincial, mesmo que tímida, era suficiente para que<br />

cada uma del<strong>as</strong> mantivesse seus compromissos e obrigações, além de definirem,<br />

individualmente, como dividiam seus orçamentos <strong>entre</strong> os vários setores sob su<strong>as</strong><br />

administrações.<br />

Sendo <strong>as</strong>sim, três provínci<strong>as</strong> foram analisad<strong>as</strong> em seus g<strong>as</strong>tos com <strong>educação</strong> primária,<br />

na medida em que <strong>educação</strong> primária é vista, pela literatura institucional, como um dos<br />

três itens que compõem o que chamamos de instituições inclusiv<strong>as</strong>: a <strong>educação</strong><br />

primária, o acesso ao poder político e voto, e o direito de propriedade e distribuição da<br />

riqueza.<br />

Desta forma, os números referentes aos investimentos em <strong>educação</strong> primária d<strong>as</strong> três<br />

provínci<strong>as</strong> – Rio Grande Do Sul, São Paulo e Pernambuco – mostram claramente a<br />

relevância do tema para <strong>as</strong> três, com destaque positivo ao Rio Grande do Sul e negativo<br />

a Pernambuco. Os números ligados a quantidade de alunos matriculados, de escol<strong>as</strong>,<br />

investimentos públicos, mesmo se comparados a outros setores, confirmam uma maior<br />

disposição dos gaúchos em alavancar a instrução primária de sua província vis a vis aos<br />

pernambucanos. O c<strong>as</strong>o paulista, intermediário, mais se aproxima do gaúcho do que do<br />

pernambucano, indicando que a <strong>educação</strong> primária na província de S. Paulo também<br />

ocupava importante destaque nos g<strong>as</strong>tos públicos provinciais.<br />

Desta forma, tentou-se argumentar que a análise do Império br<strong>as</strong>ileiro a partir da<br />

excessiva centralização não capta <strong>as</strong> especificidades de cada província, principalmente<br />

porque alguns dos mais relevantes setores e instituições estavam sob su<strong>as</strong><br />

responsabilidades, tais como investimento em <strong>educação</strong> primária, e que tais instituições<br />

s su<strong>as</strong> trajetóri<strong>as</strong> e especificidades podem estar na origem d<strong>as</strong> <strong>diferenç<strong>as</strong></strong> <strong>regionais</strong> vist<strong>as</strong><br />

no país até os di<strong>as</strong> de hoje.


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Disponível em http://www.almanack.usp.br/PDFS/5/almanack.pdf<br />

TEIXEIRA, Anísio. Educação no Br<strong>as</strong>il. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.<br />

Fontes<br />

Relatórios de presidente de província<br />

Relatório da Inspetoria da Instrução Pública de São Paulo<br />

Livros da Tesouraria da província do Rio Grande do sul

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