Piratas em Buarcos. Digressão épica na Oração de Sapiência do P ...
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<strong>Piratas</strong> <strong>em</strong> <strong>Buarcos</strong>. <strong>Digressão</strong> <strong>épica</strong> <strong>na</strong> <strong>Oração</strong> <strong>de</strong> <strong>Sapiência</strong> <strong>do</strong> P. Francisco<br />
Macha<strong>do</strong> (1629)<br />
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este aviso.<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, Instituto <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s<br />
Clássicos<br />
http://hdl.handle.net/10316.2/7620<br />
Accessed : 19-Apr-2013 05:44:19<br />
digitalis.uc.pt
HVMANITAS- Vol. XLIX (1997)<br />
'PIRATAS EM BUARCOS'<br />
DIGRESSÃO ÉPICA NA ORAÇÃO DE SAPIÊNCIA DO<br />
R FRANCISCO MACHADO - SJ (1629)<br />
OU<br />
REAVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE PRODUÇÃO<br />
LITERÁRIA DO SÉC. XVI<br />
CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />
Escritas sob a influência <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> preceitos e lugares-comuns<br />
vigentes no meio humanista <strong>do</strong> re<strong>na</strong>scimento português, as orações <strong>de</strong> <strong>Sapiência</strong><br />
<strong>do</strong> século XVI que têm vin<strong>do</strong> a ser estudadas 1 constitu<strong>em</strong> um corpus vasto e<br />
riquíssimo, contributo notável para o estu<strong>do</strong> da evolução <strong>do</strong> ensino, da socieda<strong>de</strong>,<br />
<strong>do</strong> pensamento e da cultura no Portugal <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po. Revisitar esta produção<br />
literária, b<strong>em</strong> como os estu<strong>do</strong>s feitos a seu propósito será s<strong>em</strong>pre útil ao<br />
investiga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> humanismo.<br />
As orações <strong>de</strong> <strong>Sapiência</strong> <strong>do</strong> séc. XVII, porém, mais distantes da<br />
observância daqueles preceitos, não foram ainda objecto <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong><br />
sist<strong>em</strong>ático. Talvez porque não foram publicadas e <strong>de</strong>certo porque são menos<br />
conhecidas, estas orações permanec<strong>em</strong> copiadas <strong>em</strong> volumes manuscritos como<br />
tanta outra literatura novilati<strong>na</strong>, mas valeria a pe<strong>na</strong> conhecê-las mais profundamente<br />
pois <strong>do</strong>cumentam a evolução <strong>do</strong>s gostos e critérios <strong>de</strong> produção literária<br />
<strong>do</strong> seus cont<strong>em</strong>porâneos e oferec<strong>em</strong> por vezes ilumi<strong>na</strong>ção e esclarecimento<br />
sobre factos, acontecimentos e pessoas <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po.<br />
O que à partida <strong>de</strong>sperta mais interesse nestes textos é a sua evi<strong>de</strong>nte<br />
diferença <strong>em</strong> relação aos textos congéneres <strong>do</strong> séc. XVI. Pod<strong>em</strong>os agora falar<br />
' Estu<strong>do</strong>s feitos por diversos investiga<strong>do</strong>res <strong>na</strong> sua maioria orienta<strong>do</strong>s por Américo da<br />
Costa Ramalho que t<strong>em</strong> estimula<strong>do</strong> esta e muita outra investigação <strong>em</strong> torno da literatura novilati<strong>na</strong><br />
<strong>em</strong> Portugal.
228 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
com mais proprieda<strong>de</strong> da <strong>Oração</strong> <strong>de</strong> <strong>Sapiência</strong> <strong>do</strong> mestre <strong>de</strong> Retórica, Francisco<br />
Macha<strong>do</strong>, da Companhia <strong>de</strong> Jesus proferida <strong>na</strong> Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra<br />
<strong>em</strong> 1629 2 . Mesmo uma leitura superficial <strong>de</strong>sta <strong>Oração</strong> nos permite admirar a<br />
sua origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> e apreciar agradavelmente as diversões que o autor nos oferece.<br />
Habitua<strong>do</strong> à unida<strong>de</strong> partilhada pelas orações <strong>de</strong> quinhentos que o mo<strong>de</strong>lo<br />
ciceroniano 3 inspira, o leitor <strong>de</strong> hoje não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se surpreen<strong>de</strong>r com o<br />
texto <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> que, s<strong>em</strong> dúvida, nos revela o cansaço <strong>do</strong> estereótipo daqueles<br />
textos e a procura da novida<strong>de</strong>, quer no conteú<strong>do</strong>, quer <strong>na</strong> forma. O discurso <strong>de</strong><br />
Francisco Macha<strong>do</strong> não ce<strong>de</strong> o habitual <strong>de</strong>staque ao louvor <strong>de</strong> cada discipli<strong>na</strong>,<br />
e pouco ou <strong>na</strong>da diz <strong>de</strong> novo acerca <strong>de</strong> cada campo <strong>do</strong> saber. O que impressio<strong>na</strong><br />
o leitor não é, pois, o t<strong>em</strong>a, mas a argumentação. Na verda<strong>de</strong>, as discipli<strong>na</strong>s não<br />
constitu<strong>em</strong> a matéria fundamental <strong>do</strong> discurso, elas são ape<strong>na</strong>s o pretexto para<br />
<strong>de</strong>scrições ou episódios mais ou menos longos que, esses sim, impressio<strong>na</strong>m o<br />
leitor.<br />
A diferença <strong>de</strong>ste texto <strong>de</strong>corre, pois, <strong>de</strong> uma opção <strong>do</strong> ora<strong>do</strong>r que, não<br />
isoladamente, mas no contexto da sua geração, <strong>de</strong>nuncia a valorização <strong>do</strong> mouere<br />
e <strong>do</strong> <strong>de</strong>lectare <strong>em</strong> prejuízo <strong>do</strong> <strong>do</strong>cere 4 . S<strong>em</strong> o sacrifício, porém, da unida<strong>de</strong> e<br />
coerência da oração que os princípios da harmonia, brevida<strong>de</strong> e equilíbrio<br />
clássicos inspiram, Francisco Macha<strong>do</strong> revela uma clara preferência pelo recurso<br />
<strong>do</strong>s ex<strong>em</strong>pla e entre estes opta sobretu<strong>do</strong> pela <strong>na</strong>rratio, evitan<strong>do</strong> o abuso e o<br />
cansaço <strong>de</strong>stas formas pelo recurso pontual à forma breuis e à <strong>de</strong>scriptio 5 .<br />
Optan<strong>do</strong> pela forma <strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plum 6 Macha<strong>do</strong> introduz autênticas<br />
2<br />
Anniuersaria Sapientiae Commendatio apud Conimbricenses Académicos Anuo 1629 a<br />
P. F. Macha<strong>do</strong>, Ms. Cód. 994, fols.279-286 da BGU cataloga<strong>do</strong> <strong>em</strong> RAMALHO, Américo e NUNES,<br />
João <strong>de</strong> Castro, Catálogo <strong>do</strong>s Manuscritos da Biblioteca Geral da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra relativos<br />
à Antiguida<strong>de</strong> clássica, Coimbra, 1945. Este texto foi por mim estuda<strong>do</strong> <strong>na</strong> dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong><br />
apresentada à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra <strong>em</strong> 1996, trabalho policopia<strong>do</strong>.<br />
3<br />
Como o d<strong>em</strong>onstra RAMALHO, Américo da Costa, "Cícero <strong>na</strong>s orações universitárias<br />
<strong>do</strong> Re<strong>na</strong>scimento", Para a História <strong>do</strong> humanismo <strong>em</strong> Portugal, Coimbra, 1988, Vol. I, pp 31-47.<br />
4<br />
Vd. CASTRO, Aníbal Pinto, Retórica e Teorização Literária <strong>em</strong> Portugal <strong>do</strong> Humanismo<br />
ao Neoclassicismo, Coimbra, 1973.<br />
5<br />
Veja-se a propósito <strong>de</strong>sta classificação LAUSBERG, Heinrich, Hund buch <strong>de</strong>r<br />
literarischen rhetorik. Eine grund legung <strong>de</strong>r literature wissenschast, Munchen, 1960, trad. J. P.<br />
Priesco, Madrid, 1966, reimp. 1990, tomo I, § 415 e 422.<br />
6<br />
Ao uso <strong>de</strong>ste recurso foi reconheci<strong>do</strong> s<strong>em</strong>pre o valor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os autores clássicos ao textos<br />
<strong>do</strong> humanismo, passan<strong>do</strong> pela pregação medieval. De entre a vasta bibliografia a este respeito vejase<br />
por ex<strong>em</strong>plo: FREIRE, José Geral<strong>de</strong>s, Commonitiones Sanctorum Patrum. Uma Nova colecção<br />
<strong>de</strong> apotegmas, Coimbra, 1974; COMPAGNON, Antoine, La secon<strong>de</strong> main ou le travail <strong>de</strong> la citation,<br />
Paris, 1979; LE GOFF, Jacques, "Uex<strong>em</strong>plum et la rhétorique <strong>de</strong> la prédication aux Xllè et
PIRATAS EM BUARCOS 229<br />
digressões que lhe permit<strong>em</strong> revelar o seu talento e virtuosismo <strong>na</strong> capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> imagi<strong>na</strong>r e compor os episódios. Um <strong>de</strong>stes é o episódio <strong>do</strong> ataque <strong>de</strong> piratas<br />
holan<strong>de</strong>ses à vila <strong>de</strong> <strong>Buarcos</strong> socorrida <strong>de</strong>pois por um exército <strong>de</strong> mestres e<br />
alunos da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra. Este é um caso típico <strong>de</strong> argumentação<br />
absolutamente exterior à d<strong>em</strong>onstração <strong>em</strong> causa.<br />
O t<strong>em</strong>a que confere unida<strong>de</strong> à oração é o louvor das riquezas da Sabe<strong>do</strong>ria<br />
e a d<strong>em</strong>onstração <strong>de</strong> como elas são superiores a todas as outras e as únicas que<br />
<strong>de</strong>v<strong>em</strong>os ter por verda<strong>de</strong>iras. Vejamos como Francisco Macha<strong>do</strong> estabelece a<br />
sua ligação com o episódio com que nos quer brindar.<br />
Depois <strong>do</strong> louvor <strong>do</strong> Direito no qual Francisco Macha<strong>do</strong> usa o tópico já<br />
recorrente segun<strong>do</strong> o qual os esta<strong>do</strong>s prosperam e viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> paz quan<strong>do</strong><br />
respeitam as leis sagradas e civis 7 , e o aplica a Portugal a qu<strong>em</strong> não faltaria a<br />
XlVè siècles", Retórica e Poética tra i secoli duodécimo e quator<strong>de</strong>cimo, Spoleto, 1988, reimp.<br />
1991 e SOARES, Nair <strong>de</strong> Nazaré Castro, "A literatura <strong>de</strong> sentenças no humanismo português: res<br />
et uerba", Actas <strong>do</strong> Congresso Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: Humanismo português <strong>na</strong> época <strong>do</strong>s Descobrimentos,<br />
Coimbra, 1993, pp 378-410.<br />
7 Veja-se um tratamento s<strong>em</strong>elhante <strong>do</strong> Direito <strong>na</strong> <strong>Oração</strong> <strong>de</strong> Gonçalo <strong>de</strong> ABREU, Oratio<br />
Anniuersaria in laud<strong>em</strong> Sapientiae, habita in aula Regia anno Dni 1611, Ms códice 994, Foi. 49,<br />
BGU.<br />
'Pontificis et Caesarii iuirs peritissimi solitas etiam lau<strong>de</strong>s exoptatis. Mitto Dyonisium<br />
leges...Utroque iure uigente /totius regni/politia uigebit: utroque iure florente, bene instituía<br />
Lusitânia'.<br />
"Desejais ainda os costuma<strong>do</strong>s louvores <strong>do</strong>s juristas, quer no direito <strong>do</strong>s Pontífices, quer<br />
<strong>do</strong>s Césares (...) Em ambos os direitos vicejan<strong>do</strong>, prosperará o bom governo <strong>do</strong> inteiro reino. Em<br />
ambos os direitos florescen<strong>do</strong>, b<strong>em</strong> se or<strong>de</strong><strong>na</strong> Portugal".<br />
Ε <strong>em</strong> ambos os direitos que resi<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um governo florescente, <strong>em</strong> paz e<br />
segurança, e a gran<strong>de</strong>za das <strong>na</strong>ções.<br />
Os autores das conhecidas orações <strong>do</strong>s séc. XV e XVI e<strong>na</strong>ltec<strong>em</strong> esta qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Direito:<br />
MOREIRA, Hilário, De omnium Philosophiae partium Laudibus et Studiis Oratio,<br />
introdução, tradução e notas <strong>de</strong> Albino <strong>de</strong> Almeida MATOS, Coimbra, 1990, p. 68: 'Nam qui status,<br />
quae hominum condi<strong>do</strong> tuta in terris existeret, si leges non reg<strong>na</strong>rent, fueritque huma<strong>na</strong> cupiditas<br />
seueritate legum et metu iudiciorum illigata?'. op. cit. p.68. "Efectivamente que esta<strong>do</strong>, que situação<br />
haveria <strong>na</strong> terra que se dissese segura, se não rei<strong>na</strong>ss<strong>em</strong> as leis, se a cobiça huma<strong>na</strong> não fosse<br />
coarctada pelo rigor das mesmas e pelo rigor <strong>do</strong>s tribu<strong>na</strong>is?" p. 69.<br />
MENESES, D. Pedro <strong>de</strong>, Oratio habita a Petro Menesio Comité Alcotini coram Emmanuele<br />
Sereníssimo Rege in Scholis Ulyxbo<strong>na</strong>e, Tradução <strong>de</strong> Miguel Pinto MENESES, LISBOA, 1964, p.<br />
88: 'Nam qui status, quae hominum conditio, tuta et libera in ténis uiueret, si leges suis uiribus<br />
subsistentes non reg<strong>na</strong>uerent?'; "Com efeito, que esta<strong>do</strong>, que condição huma<strong>na</strong> po<strong>de</strong>ria viver segura<br />
e livre <strong>na</strong> terra, se as leis não rei<strong>na</strong>ss<strong>em</strong>, firmes <strong>em</strong> suas forças?" p. 89.<br />
FERNANDES, Pedro, In <strong>do</strong>ctri<strong>na</strong>rum omnium commendation<strong>em</strong> oratio, introdução,<br />
tradução e notas <strong>de</strong> Maria Manuela Pinto ALVELOS, Coimbra, 1965, dissertação <strong>de</strong> licenciatura<br />
apresentada à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, trabalho policopia<strong>do</strong>, p. 128: 'Sine<br />
hac quomo<strong>do</strong> pietas, quomo<strong>do</strong> religio, quomo<strong>do</strong> excellens aliqua Respublica posset consistere?'.<br />
"S<strong>em</strong> ela, como po<strong>de</strong>ria subsistir a pieda<strong>de</strong>, a religião ou qualquer governo excelente?" p. 129.
230 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
fazenda se guardasse o tesouro <strong>de</strong> sabe<strong>do</strong>ria da justiça, o autor segue para uma<br />
digressão que aproveita o ensejo da alusão ao esta<strong>do</strong> crítico <strong>do</strong> reino e à gran<strong>de</strong>za<br />
perdida <strong>de</strong> Portugal 8 .<br />
A fuga para este excurso não é gratuita, Macha<strong>do</strong> não per<strong>de</strong> a<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong>ste artifício, trazer ao auditório, não um ex<strong>em</strong>plum<br />
clássico, n<strong>em</strong> um outro inteiramente i<strong>na</strong>udito, mas um episódio conheci<strong>do</strong> da<br />
comunida<strong>de</strong> universitária que <strong>de</strong>certo se interessaria vivamente pela <strong>na</strong>rrativa<br />
<strong>de</strong> um acontecimento que recent<strong>em</strong>ente a envolvera 9 .<br />
O excurso é anuncia<strong>do</strong> por uma máxima que Macha<strong>do</strong> se propõe<br />
'reformar': se os antigos diziam que o dinheiro é o nervo da guerra, com mais<br />
proprieda<strong>de</strong> o mesmo se diria da Sabe<strong>do</strong>ria, pois já muitas guerras terão<br />
começa<strong>do</strong> s<strong>em</strong> dinheiro mas nenhuma s<strong>em</strong> Sabe<strong>do</strong>ria.<br />
Veteres belli neruos pecuniam appellarunt, nec immerito.<br />
Qu<strong>em</strong>admodum enim corpus neruis continetur, ac sustentatur, sic bellum<br />
pecunia. Rectius tamen belli neruos dicerent sapientiam, guia sine pecunia<br />
nonnunquam bellum inferri poterit, non uero sine sapientia.<br />
Tollite stipendia, uectigalia, commeatus, pra<strong>em</strong>ia, <strong>do</strong><strong>na</strong> militaria;<br />
si u<strong>na</strong> supersit sapientia, nihil eorum <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rabitur. Tollite sig<strong>na</strong>, hastas,<br />
gládios clypeos: tollite reliquum armorum genus, si unus tantum<br />
sapientiae thesaurus non <strong>de</strong>ficiat, haec omnia dimicabunt 10 .<br />
Os antigos chamavam ao dinheiro, e não s<strong>em</strong> fundamento, o nervo<br />
da guerra". Com efeito, assim como o corpo é manti<strong>do</strong> e suporta<strong>do</strong> pelos<br />
s Este é um tópico recorrente <strong>na</strong> oração <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong>. A gran<strong>de</strong>za da Nação está projectada<br />
no passa<strong>do</strong>. Era o tesouro da Sabe<strong>do</strong>ria que outrora mantinha Portugal, 'gran<strong>de</strong> <strong>na</strong>ção', que contrasta<br />
com os t<strong>em</strong>pos 'ruinosos' (t<strong>em</strong>pus durum a<strong>de</strong>o, et calamitosum) a 'estreiteza da fazenda'<br />
(pecuniarum dificultaíe) e a fragilida<strong>de</strong> face aos ataques holan<strong>de</strong>ses à costa portuguesa. Ε com esta<br />
fragilida<strong>de</strong> que o ora<strong>do</strong>r caracteriza Portugal sob os Habsburgos. Em outros passos <strong>do</strong> seu texto,<br />
Macha<strong>do</strong> não per<strong>de</strong> a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estimular no auditório, por um la<strong>do</strong> o 'aborrecimento' da<br />
situação presente que facilmente se associa à união das duas coroas, por outro sentimentos <strong>de</strong> autoestima<br />
e dignida<strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, como o passo <strong>em</strong> que, fugin<strong>do</strong> ao lugar-comum <strong>do</strong> elogio <strong>do</strong> mo<strong>na</strong>rca<br />
(Filipe III), Macha<strong>do</strong> se atreve a fazer o elogio <strong>de</strong> D.João III, <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> um passa<strong>do</strong> áureo, não só<br />
da Universida<strong>de</strong>, como <strong>do</strong> reino.<br />
9 CÍCERO aconselha o uso <strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plum no género epidictico, para o qual é útil a <strong>na</strong>rrativa<br />
<strong>de</strong> factos surpreen<strong>de</strong>ntes e i<strong>na</strong>uditos (Partitiones Oratoriae, XXI, 73) e no <strong>de</strong>liberativo, l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong><br />
que os ex<strong>em</strong>pla pod<strong>em</strong> ser antigos, e assim <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mais prestígio e autorida<strong>de</strong>, ou recentes,<br />
e <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> mais conheci<strong>do</strong>s {Partitiones... XXVII, 96).<br />
10 Note-se o paralelismo da construção <strong>de</strong> frase.<br />
11 Não encontrámos nos 'antigos' esta afirmação, mas algo muito s<strong>em</strong>elhante, que <strong>de</strong>certo
PIRATAS EM BUARCOS 231<br />
nervos, também a guerra o é pelo dinheiro. Com mais razão, porém,<br />
diriam que a Sabe<strong>do</strong>ria é o nervo da guerra, pois s<strong>em</strong> dinheiro, não poucas<br />
vezes po<strong>de</strong>rá alguém ter começa<strong>do</strong> uma guerra, não porém s<strong>em</strong><br />
Sabe<strong>do</strong>ria.<br />
Acabai com os sol<strong>do</strong>s, com as rendas, com os lucros, com os<br />
prémios, com as recompensas militares; se ape<strong>na</strong>s a Sabe<strong>do</strong>ria subsistir,<br />
não se sentirá a falta <strong>de</strong> nenhuma <strong>de</strong>stas coisas. Deitai mão <strong>do</strong>s<br />
estandartes, das lanças, das espadas afiadas, <strong>de</strong>itai mão <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o mais<br />
que são armas. Se somente o tesouro da Sabe<strong>do</strong>ria vos não faltar, todas<br />
elas vos servirão 12 .<br />
Para d<strong>em</strong>onstrar que a Sabe<strong>do</strong>ria é o nervo da guerra e é, por isso, fundamental<br />
à <strong>na</strong>ção, Francisco Macha<strong>do</strong> evoca então um caso que havia poucos<br />
meses suce<strong>de</strong>ra envolven<strong>do</strong> a Acad<strong>em</strong>ia. Trata-se <strong>de</strong> um ataque <strong>de</strong> piratas<br />
holan<strong>de</strong>ses a <strong>Buarcos</strong>, que <strong>de</strong>vastou o lugar e profanou as igrejas.<br />
Depois <strong>de</strong> captar a atenção <strong>do</strong> auditório, Francisco Macha<strong>do</strong> confrontao<br />
com a crueza <strong>do</strong> sacrilégio infligi<strong>do</strong> aos altares, sacrários e imagens <strong>de</strong> santos,<br />
moven<strong>do</strong>-o à indig<strong>na</strong>ção contra a <strong>de</strong>sonra das imagens, <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> a sua<br />
<strong>de</strong>struição como se <strong>de</strong> corpos vivos se tratasse. A atenção que Macha<strong>do</strong> dá ao<br />
quadro das imagens <strong>de</strong>struídas é, <strong>de</strong> resto, compreensível, pois a sua profa<strong>na</strong>ção<br />
era um 'rito' habitual nos ataques <strong>de</strong> piratas protestantes à nossa costa 13 . Dan<strong>do</strong><br />
Francisco Macha<strong>do</strong> teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ler no primeiro volume da obra <strong>de</strong> André Rodrigues<br />
EBORENSE, Sententiae et Ex<strong>em</strong>pla ex probatissimis quibusque scriptoribus collecta, et per locos<br />
comunes digesta, per Andream Eborens<strong>em</strong> Lusitanum, Venetiis, MDLXXII:<br />
'Diuitiae nerui sunt rerum 'apud Diog. lib. I.<br />
"As riquezas são os nervos das cousas".<br />
Um autor cont<strong>em</strong>porâneo <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong>, António Sousa <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>, usa também<br />
aquela expressão <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> assim a sua popularida<strong>de</strong> <strong>na</strong> altura: 'as riquezas são as armas mais<br />
fortes, e o nervo da guerra...'. Cft. TORGAL, Luís Reis, I<strong>de</strong>ologia Política e Teoria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />
Restauração, Coimbra, 1982, ρ 196, citan<strong>do</strong> MACEDO, António Sousa <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>, Harmonia<br />
política <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos divinos com as conveniências d'Esta<strong>do</strong>, 1651, pp 112-113.<br />
12 Estamos perante um passo pouco claro cuja tradução por isso mesmo se tor<strong>na</strong> difícil.<br />
Terá o autor usa<strong>do</strong> o mesmo verbo tollo nos seus <strong>do</strong>is valores opostos 'tirai' e 'tomai'por mero<br />
exercício escolar? Com efeito, não há oposição clara entre um perío<strong>do</strong> e outro: Se não houver<br />
recompensas materiais mas ape<strong>na</strong>s a Sabe<strong>do</strong>ria fôr o móbil da guerra, qu<strong>em</strong> combate não sentirá a<br />
falta daquelas. Se pegarmos <strong>na</strong>s armas e a Sabe<strong>do</strong>ria estiver connosco, mesmo que falt<strong>em</strong> as<br />
recompensas, todas as armas nos serão úteis, porque combater<strong>em</strong>os.<br />
13 Radica<strong>do</strong> <strong>em</strong> purismos bíblico-fundamentalistas (Dt 27, Sab 13 e Rom 1), era usual o<br />
comportamento iconoclasta <strong>do</strong>s 'reforma<strong>do</strong>s' ante a religiosida<strong>de</strong> católica nos conflitos religiosos<br />
da Reforma. Ficou paradigmático <strong>de</strong>ste comportamento o 'saque <strong>de</strong> Roma' (1527) às mãos <strong>do</strong>s<br />
'lanzichenechi' <strong>do</strong>, <strong>em</strong>bora catolicíssimo Carlos V. Também entre nós se registara o mesmo
232 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
largas à expressão <strong>do</strong> seu horror pelas atrocida<strong>de</strong>s que os piratas cometeram,<br />
Francisco Macha<strong>do</strong> lança invectivas sobre os batavos e apela às <strong>em</strong>oções <strong>do</strong><br />
auditório lançan<strong>do</strong> sobre ele uma série <strong>de</strong> interrogações retóricas 14 para concluir<br />
que o povo não lutou n<strong>em</strong> ofereceu resistência por meio da guerra porque faltou<br />
a Sabe<strong>do</strong>ria.<br />
Mense quodam superiore, nuperrime quid<strong>em</strong> uidistis clarissimum<br />
huiusce rei <strong>do</strong>cumentum, qui aut<strong>em</strong> non uidistis uacuas mihi praebete<br />
aures, et qui etiam uidistis: forsan m<strong>em</strong>inisse iuuabit.<br />
Expug<strong>na</strong>nt hostes per summum nostri nominis <strong>de</strong><strong>de</strong>cus<br />
Buarchense oppidum: incolarum tectis iniectae suntflammae, nec sacris<br />
aedibus t<strong>em</strong>peratum est. O audaciam imman<strong>em</strong>! Ingreditur<br />
impu<strong>de</strong>ntissimus Batauorum grex, seu potius terrarum fax 15 t<strong>em</strong>pla<br />
sacratíssima, profanus religiosíssima sanctorum fa<strong>na</strong> polluit, uiolat, et<br />
incestat, parietes Mos omnibus <strong>do</strong><strong>na</strong>riis, or<strong>na</strong>mentisque nudat, adyta<br />
diripit, aras expilat, sacraria <strong>de</strong>peculatur; Ma diuorum simulacra quae<br />
ego ob maximam suam dignitat<strong>em</strong> prae religione nomi<strong>na</strong>re non au<strong>de</strong>o,<br />
audacissimus d<strong>em</strong>olitur, manus amputai, capita obtruncat, m<strong>em</strong>bra<br />
dissipai. O senti<strong>na</strong>mflagitiorum! Tu ingredi Mas <strong>do</strong>mos ausa es? tu Ma<br />
sanctissima limi<strong>na</strong> intrare? tu purissimis Numinibus os impurissimum<br />
osten<strong>de</strong>re? tu in tampias, etpulcherrimas Diuorum statuas tom Ímpias,<br />
etsceleratas manus iniicere? tu nequissima, improbissima, sceleratissima<br />
gens omnium mortalium (si tamenfas est inter homines locum aliqu<strong>em</strong><br />
tibi conce<strong>de</strong>re) tu caelestium corpora mutilare ? quae n<strong>em</strong>opoterat sine<br />
comportamento contra a imag<strong>em</strong>: É o que suce<strong>de</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, no ataque <strong>de</strong> 1602, conforme o<br />
relato <strong>de</strong> ST e MARIA, Nicolau, <strong>na</strong> Crónica da Ord<strong>em</strong> <strong>do</strong>s Cónegos regrantes <strong>do</strong> Patriarca St-<br />
Agostinho , Lisboa 1688, Livro IX p. 392: "& assi forão rouban<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> muito a seu salvo, & <strong>de</strong>pois<br />
fizerão o mesmo <strong>na</strong>s Igrejas, e on<strong>de</strong> quebrarão todas as Imagens". Este comportamento repete-se<br />
<strong>de</strong>pois <strong>em</strong> 1629 como relata Francisco Macha<strong>do</strong> e confirma o test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> FARIA, op. cit foi.<br />
256: "Saquearam os hereges a villa, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> os si<strong>na</strong>es <strong>de</strong>sta impieda<strong>de</strong> nos t<strong>em</strong>plos e imagens...".<br />
14 Estas, no contexto <strong>de</strong> uma leitura global da <strong>Oração</strong>, parec<strong>em</strong> sobretu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>das a<br />
exaltar os sentimentos patrióticos humilha<strong>do</strong>s <strong>na</strong>quele momento pelos ataques piratas, ataques<br />
facilita<strong>do</strong>s pela crise política que se vivia e que por muitos era atribuída à união das duas coroas,<br />
vista como perda <strong>de</strong> Soberania. Nos últimos anos da mo<strong>na</strong>rquia dual, Portugal ressente-se da crise<br />
que a coroa espanhola atravessa e qualquer medida restritiva por mais sensata que seja é vista como<br />
forma <strong>de</strong> opressão, o que faz aumentar <strong>em</strong> portugal o <strong>de</strong>scontentamento popular. Suced<strong>em</strong>-se a um<br />
aumento da pressão fiscal <strong>de</strong> 1628 vários tumultos <strong>em</strong> Agosto <strong>de</strong> 1628, Julho e Set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1629<br />
e Julho <strong>de</strong> 1630. Cfr. SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História <strong>de</strong> Portugal, Lisboa, 1987-1989, Vol.<br />
IV, pp 109-112.<br />
l5 Sic:/ex
PIRATAS EM BUARCOS 233<br />
horrore tangerei n<strong>em</strong>o sine religione adspicere? Ofacinus exsecrandum!<br />
O piaculum pro atrocitate sua expiandum nunquam satis!' 6<br />
Non comm<strong>em</strong>oro, auditores, fictum aliquod scelus, sed uerum,<br />
non auditum, sed uisum, testes lau<strong>do</strong> non quoscumque, sed locupletissimos:<br />
et quidforet, si me quoque test<strong>em</strong> possim producere? Testis<br />
etiam sum non auritus, sed oculatus. His oculis, his, inquam, oculis uidi<br />
obscurata diuorum lumi<strong>na</strong>, uidi abscisa, mutilataque m<strong>em</strong>bra: his<br />
manibus, qua potui ueneratione, accepi tutelarium Numinum manus;<br />
sed quales accepi? Pro Deum immortal<strong>em</strong>, cur iniuriam a<strong>de</strong>o ímmanissimam<br />
caelestibus tuis Matam non ulcisceris? Accepi Mas manus beatíssimas,<br />
quas in me saepiuspias, munificas, et liberales expertus fueram,<br />
s<strong>em</strong>iustas, fractas, contami<strong>na</strong>tasque.<br />
Quid agitis Lusitani? Quid amplius moramini? O pu<strong>do</strong>r! Vbi<br />
Lusitanorum inuicta gloria? Vbi maiorum uestrorum uirtus? N<strong>em</strong>o est,<br />
qui arrogantium perfi<strong>do</strong>rum supercilium conculcet ? N<strong>em</strong>o: omn<strong>em</strong> Mi<br />
Lusitanorum potentiam suis pedibus conculcarunt. Nullus est, qui belli<br />
expedire au<strong>de</strong>at machi<strong>na</strong>menta? Nullus: omnium Mi audaciam praepidiuerunt.<br />
uixfuit, qui sceleratissimis se opponeret"'.<br />
Quid? Deerantpecuniae ? a<strong>de</strong>rant. Quid?fugeruntmilites? aliqui<br />
dimicarunt. Quid? non erant arma? praesto erant. Quid ergo <strong>de</strong>fuit?<br />
Sapientia} % .<br />
Ainda há meses, b<strong>em</strong> pouco há, disso vistes um claro ex<strong>em</strong>plo.<br />
Vós que o não vistes, prestai-me os ouvi<strong>do</strong>s ig<strong>na</strong>ros; mas vós, também,<br />
que o vistes; quiçá l<strong>em</strong>brá-lo vos aproveite.<br />
Expug<strong>na</strong>m os inimigos, para suma <strong>de</strong>sonra <strong>do</strong> nosso nome, a praça<br />
<strong>de</strong> <strong>Buarcos</strong>; aos telha<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res se lançaram chamas; n<strong>em</strong> com<br />
as igrejas houve t<strong>em</strong>perança.<br />
O <strong>de</strong>smedida ousadia! Entra a caterva <strong>de</strong>savergonhada <strong>do</strong>s<br />
batavos, a b<strong>em</strong> dizer, flagelo das <strong>na</strong>ções, pelos t<strong>em</strong>plos consagra<strong>do</strong>s;<br />
sujam pés profanos as sagradas capelas <strong>do</strong>s santos, arromban<strong>do</strong>, violan<strong>do</strong>,<br />
<strong>de</strong>snudan<strong>do</strong> aquelas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus or<strong>na</strong>mentos e preciosos ex-votos,<br />
16 Not<strong>em</strong>-se as imprecações lançadas para conster<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> auditório.<br />
17 Pergunta e resposta indig<strong>na</strong>m o auditório.<br />
18 Note-se a repetição da mesma questão e a uariatio <strong>na</strong>s respostas.
234 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
<strong>de</strong>predan<strong>do</strong> altares, <strong>de</strong>lapidan<strong>do</strong> aras, <strong>de</strong>spojan<strong>do</strong> sacrários. Aquelas<br />
imagens <strong>do</strong>s santos que eu, por sua tão alta dignida<strong>de</strong>, por religião, não<br />
ouso nomear, arrogant<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>itam por terra <strong>de</strong>cepan<strong>do</strong>-lhes as mãos,<br />
<strong>de</strong>stroncan<strong>do</strong>-lhes as cabeças, dispersan<strong>do</strong>-lhes os m<strong>em</strong>bros. O flagelo<br />
imun<strong>do</strong>! Ousaste entrar <strong>em</strong> aquelas santas moradas, transpor aqueles<br />
sagra<strong>do</strong>s umbrais; ostentar a face imunda aos santos imacula<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>itar<br />
as ímpias, malvadas mãos a tão santas e formosas imagens <strong>de</strong> santos?<br />
Tu, entre os mortais a mais vil, iníqua, criminosa gente, (se é que entre<br />
os homens és dig<strong>na</strong> <strong>de</strong> algum lugar) ousaste <strong>de</strong>cepar os corpos da corte<br />
celestial que ninguém s<strong>em</strong> horror po<strong>de</strong>ria tocar, que ninguém s<strong>em</strong> religião<br />
po<strong>de</strong>ria cont<strong>em</strong>plar? O execrável torpeza! O malva<strong>de</strong>z que por sua<br />
atrocida<strong>de</strong> nunca há-<strong>de</strong> ser expiada.<br />
Não é, senhores, algum crime imaginário que estou l<strong>em</strong>bran<strong>do</strong>,<br />
mas um verda<strong>de</strong>iro, não <strong>de</strong> que se ouviu, mas que se viu, não são<br />
quaisquer as test<strong>em</strong>unhas que invoco, mas <strong>de</strong> nomeada;e quê, se posso<br />
eu mesmo citar-me como test<strong>em</strong>unha? Sou-o, não pelo que ouvi, mas<br />
pelo que vi. Com estes olhos, com estes próprios olhos vi apagadas as<br />
luzes <strong>do</strong>s santos, vi-lhes soltos os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong>cepa<strong>do</strong>s; com estas mãos,<br />
com quanta <strong>de</strong>voção pu<strong>de</strong>, tomei as mãos <strong>do</strong>s santos nossos patronos, e<br />
<strong>em</strong> que esta<strong>do</strong> as tomei! O Deus imortal, porque não vingais tão torpe<br />
injúria arr<strong>em</strong>essada aos vossos santos? Aquelas mãos santíssimas que<br />
tantas vezes sentira era meu favor pias, generosas, liberais, meio<br />
queimadas as tomei, quebradas, profa<strong>na</strong>das.<br />
Que fazeis, Portugueses? Que esperais ainda? O vergonha! On<strong>de</strong><br />
está a glória invicta <strong>de</strong> Portugal? On<strong>de</strong> a força <strong>do</strong>s vossos maiores?<br />
Ninguém há que abata a cabeça <strong>de</strong>sses arrogantes, <strong>de</strong>sses malva<strong>do</strong>s?!<br />
Ninguém! Ε calcaram eles a seus pés to<strong>do</strong> o po<strong>de</strong>rio <strong>do</strong>s portugueses.<br />
Ninguém há que se atreva contra as sua máqui<strong>na</strong>s <strong>de</strong> guerra? Ninguém!<br />
Em to<strong>do</strong>s tolheram a corag<strong>em</strong>. A custo alguém houve que aos malva<strong>do</strong>s<br />
fizesse frente.<br />
Porquê? Faltava dinheiro? Dinheiro havia. Então porquê?<br />
Desertaram solda<strong>do</strong>s? Alguns pelejaram. Então? Não havia armas? Logo<br />
as houve. Que faltou então? A Sabe<strong>do</strong>ria.
PIRATAS EM BUARCOS 235<br />
Um segun<strong>do</strong> ataque a <strong>Buarcos</strong> v<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrar que só a Sabe<strong>do</strong>ria soube<br />
fazer frente à ofensiva protestante, provan<strong>do</strong> assim que foi mais forte o po<strong>de</strong>r<br />
das Letras que o po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> dinheiro. Vejamos porquê: a Acad<strong>em</strong>ia soube <strong>do</strong><br />
assalto e lança-se Mon<strong>de</strong>go abaixo sob o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> próprio Reitor. Era tal o<br />
terror que inspirava este exército <strong>de</strong> Sabe<strong>do</strong>ria que o próprio Gerião, monstro<br />
que <strong>do</strong>mi<strong>na</strong> o Mon<strong>de</strong>go, se ren<strong>de</strong> e entrega as suas armas para auxílio <strong>do</strong><br />
combate 19 . A este exército não faltavam a corag<strong>em</strong> n<strong>em</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> lutar, o que<br />
não chega a fazer, porque o inimigo, à visão <strong>de</strong> tais forças, <strong>de</strong>siste <strong>do</strong> combate<br />
e <strong>de</strong>ita-se ao mar <strong>em</strong> fuga.<br />
Renunciantur Acad<strong>em</strong>iae in oppidum infelix secunda irruptio<br />
barbarorum. Quae alacritas? quae promptitu<strong>do</strong>? Vix belli signum<br />
Palladia ab arce Illustrissimus Rector extulit: iam Acad<strong>em</strong>ia in armis.<br />
Quis ad amn<strong>em</strong> concursus? tantus ac tam praeceps, ut non <strong>de</strong>fuerint<br />
qui, labente uestigio, pectore tenus mergerentur ; quasi uero a Martio<br />
calore uelint refrigerari. Jam cymbas exercitus conscendit, rostratas<br />
magis <strong>na</strong>ues, quam cymbas indicares: iam Mondam qua velis, qua r<strong>em</strong>is,<br />
qua contis findunt: Oceanum non Mondam appelares. Quam hórrida<br />
belli fácies? pulsantur tympa<strong>na</strong>, perstrepunt litui, perso<strong>na</strong>nt tubae,<br />
crispantur uexilla. Aer fulmi<strong>na</strong>i in glan<strong>de</strong>s, liquescit inplumbum, soluitur<br />
in fulgura, conflatur in nebulas, ruit in tonitrua 20 . Iam classis uniuersa<br />
praeterlabitur Acad<strong>em</strong>icum illud Geryonispromontorium. Quo euentu?<br />
Obstupescit Geryon Hispaniae quondam terror, ac <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>tor,<br />
<strong>de</strong>ponuitfuror<strong>em</strong>, clauam abiicit, submittit capita, Rector<strong>em</strong> Acad<strong>em</strong>iae<br />
praesentit, fortior<strong>em</strong> agnoscit, Hercul<strong>em</strong> alterum ueneratur, amicum se<br />
praedicat, non host<strong>em</strong>, trir<strong>em</strong>es Mas suas, bellica tormenta, hastas,<br />
19 Reunir o ga<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste monstro com três corpos que vivia numa ilha <strong>do</strong> Oci<strong>de</strong>nte (Eriteia)<br />
terá si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s 'trabalhos <strong>de</strong> Hércules'. No seu estu<strong>do</strong>, "O Colégio das Artes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Coimbra, Agente da Tradição clássica no início <strong>do</strong> séc. XVII", publica<strong>do</strong> <strong>na</strong> BIBLOS, Sebastião<br />
Tavares <strong>de</strong> PINHO dá notícia da representação da écloga Gerion no fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> ano lectivo <strong>de</strong> 1612,<br />
curiosamente o ano da entrada <strong>de</strong> Francisco Macha<strong>do</strong> no novicia<strong>do</strong> da Companhia <strong>em</strong> Coimbra.<br />
Gerião é o gigante <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>do</strong> por Hércules algures no extr<strong>em</strong>o Oci<strong>de</strong>nte, região "por muitos<br />
i<strong>de</strong>ntificada com uma parte da Península Ibérica". Segun<strong>do</strong> o artigo cita<strong>do</strong>, a acção passa-se <strong>na</strong><br />
região entre Lisboa e Coimbra, representadas pelos rios Tejo e Mon<strong>de</strong>go. Monda prologus é<br />
precisamente o símbolo da Região <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>da por Gerião, tirano <strong>de</strong> toda a Hispânia.<br />
Em Maio <strong>de</strong> 1629, o Colégio das Artes <strong>de</strong>dica uma representação <strong>de</strong>sta écloga ao Reitor<br />
da Universida<strong>de</strong>. Estaria portanto viva <strong>na</strong> m<strong>em</strong>ória <strong>do</strong> ora<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s seus ouvintes, a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ste<br />
monstro <strong>do</strong> Mon<strong>de</strong>go, <strong>do</strong>mi<strong>na</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> "Académico promontório".<br />
20 Note-se a gradatio.
238 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
O test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> Manuel Severim <strong>de</strong> Faria v<strong>em</strong> confirmar a existência<br />
<strong>de</strong>ste ataque b<strong>em</strong> como a orig<strong>em</strong> <strong>do</strong>s piratas. Com efeito, Joaquim Veríssimo<br />
Serrão 22 <strong>na</strong> sua História <strong>de</strong> Portugal fala-nos <strong>de</strong> um ataque <strong>de</strong> ingleses a <strong>Buarcos</strong><br />
<strong>em</strong> fins <strong>de</strong> Maio, mas <strong>na</strong>s fontes 23 que indica não encontrámos qualquer<br />
referência à orig<strong>em</strong> das "quatro <strong>na</strong>us inimigas (que) botaram gente <strong>em</strong> <strong>Buarcos</strong>"<br />
24 . A obra <strong>de</strong> Faria v<strong>em</strong> pois confirmar o test<strong>em</strong>unho <strong>de</strong> Francisco Macha<strong>do</strong><br />
segun<strong>do</strong> o qual os inimigos eram holan<strong>de</strong>ses.<br />
A este ataque, como afirma Macha<strong>do</strong> "a custo alguém houve que (...)<br />
fizesse frente"; por isso, a série <strong>de</strong> questões que o ora<strong>do</strong>r levanta ao auditório<br />
para que este conclua que a Sabe<strong>do</strong>ria é o "nervo da guerra", t<strong>em</strong> o seu<br />
fundamento. Com efeito, a população da costa não se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u <strong>de</strong>vidamente,<br />
como afirmam António <strong>do</strong>s Santos Rocha 25 e Veríssimo Serrão 26 . Houve gente<br />
que não quis combater e por isso foi castigada.<br />
António <strong>do</strong>s Santos Rocha e Veríssimo Serrão faz<strong>em</strong>-nos crer que teria<br />
havi<strong>do</strong> somente um ataque a <strong>Buarcos</strong> no ano <strong>de</strong> 1629, o que transformaria a<br />
secunda irruptio <strong>de</strong> que nos fala Macha<strong>do</strong> <strong>em</strong> um artifício literário b<strong>em</strong><br />
excogita<strong>do</strong>, para comprovar que, com a assistência da Sabe<strong>do</strong>ria — da Acad<strong>em</strong>ia<br />
'<strong>em</strong> pessoa'— todas as guerras seriam vitoriosas. Mais uma vez, porém, o<br />
manuscrito <strong>de</strong> Faria faz luz sobre esta questão e confirma a versão <strong>de</strong> Francisco<br />
Macha<strong>do</strong>, referin<strong>do</strong> uma tentativa <strong>de</strong> ataque a 7 <strong>de</strong> Junho e o pronto auxílio <strong>de</strong><br />
Coimbra <strong>de</strong> on<strong>de</strong> acudiram o Correge<strong>do</strong>r com gente da cida<strong>de</strong>, fidalgos e nobres<br />
e o Reitor da Universida<strong>de</strong> com alguns mestres por capitães <strong>de</strong> 420 estudantes 27 .<br />
Foi a este segun<strong>do</strong> ataque, e não ao <strong>de</strong> Maio, como afirma Veríssimo Serrão,<br />
que acorreu a Acad<strong>em</strong>ia.<br />
22<br />
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, in Historia <strong>de</strong> Portugal, vol. IV, ρ 108, fala-nos <strong>de</strong> uma<br />
"incursão armada <strong>do</strong>s ingleses" a <strong>Buarcos</strong>.<br />
23<br />
Uma carta régia <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1629 publicada <strong>na</strong> Collecção Chronologica da<br />
Legislação portuguesa , compilada e anotada por José Justino Andra<strong>de</strong> e SILVA, Lisboa, 1854-<br />
1857,9vols,pp 152-153.<br />
24<br />
Collecção ...op. cit, p. 153, carta régia <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1629.<br />
25<br />
ROCHA, António <strong>do</strong>s Santos, "Consi<strong>de</strong>rações sobre o esta<strong>do</strong> económico da Figueira no<br />
século XVII" in Materiais para a Historia da Figueira da Foz no sec. XVIIeXVIII, Figueira, Casa<br />
Minerva, 1893, p. 62, citan<strong>do</strong> a fonte:"sobre o que resultou da <strong>de</strong>vassa que o Des<strong>em</strong>barga<strong>do</strong>r João<br />
Carreiro <strong>de</strong> Almada tirou <strong>do</strong> sucesso <strong>de</strong> <strong>Buarcos</strong>" se recomenda: "E porque é justo e conveniente<br />
que as pessoas que <strong>na</strong>quela ocasião não cumpriram com sua obrigação sejam castigadas, para<br />
ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> outros, fareis que os que for<strong>em</strong> acha<strong>do</strong>s culpa<strong>do</strong>s, se livr<strong>em</strong> ordi<strong>na</strong>riamente, diante <strong>do</strong><br />
correge<strong>do</strong>r da Comarca <strong>de</strong> coimbrã". Livro <strong>de</strong> Correspondência <strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>barga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> paço, foi.<br />
86 in Collecção Cronológica da Legislação portuguesa 1627-1633 ρ 156.<br />
16<br />
SERRÃO, op. cit. vol. IV, p. 108 "houve gente que não quis combater".<br />
27 FARIA, op. cit. foi. 256.
PIRATAS EM BUARCOS 239<br />
" 'Contu<strong>do</strong> logo aos 7 <strong>de</strong> Junho, ven<strong>do</strong> outra s<strong>em</strong>elhante bo<strong>na</strong>nça,<br />
<strong>de</strong>ram mostras <strong>de</strong> querer sair <strong>em</strong> terra, por<strong>em</strong> como já o mal passa<strong>do</strong> nos<br />
tinha feito vigilantes, foi logo da<strong>do</strong> rebate <strong>em</strong> Coimbra, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> acudiram<br />
com suma presteza o Correge<strong>do</strong>r com a gente da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Infantaria<br />
por mar, e os <strong>de</strong> Carvalhos / <strong>em</strong> que estavãom os fidalgos, e nobres / por<br />
terra. O Reytor da Universida<strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Brito <strong>de</strong> Meneses se<br />
<strong>em</strong>barcou também <strong>em</strong> quize barcas com os estudantes que então havia,<br />
que por ser no fim <strong>do</strong> anno erão já poucos, mas ainda assy passarão <strong>de</strong><br />
420 <strong>de</strong> que forão por Cappitães D. André <strong>de</strong> Almeida, o Doutor Francisco<br />
Roiz <strong>de</strong> Valladares, D. António da Silvr. s , Franc.c 8 Cabral, e Nuno<br />
da Cunha, Estêvão da Cunha; sargentos Gaspar Pinto da Fonseca, e<br />
Jerónimo da Silva: o General <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s era o mesmo Reytor que ia diante<br />
<strong>em</strong> corpo com um bastão <strong>na</strong> mão." 28<br />
Ε bastante curioso este episódio, sobretu<strong>do</strong> pelo tom épico que Macha<strong>do</strong><br />
lhe confere, a ponto <strong>de</strong> já imagi<strong>na</strong>rmos o exército académico <strong>na</strong> luta, quan<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
facto ele não chega a combater graças à <strong>de</strong>sistência <strong>do</strong>s piratas que regressam<br />
ao mar. Na verda<strong>de</strong>, o inimigo chega a <strong>de</strong>s<strong>em</strong>barcar mas presta-se a aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r<br />
a terra e fazer-se ao mar, e também o manuscrito <strong>de</strong> Faria atribui a fuga ao<br />
t<strong>em</strong>or inspira<strong>do</strong> pelo exército vin<strong>do</strong> <strong>de</strong> Coimbra:<br />
"Foy este esquadrão notabelicimo assy pela qualida<strong>de</strong> da gente ,<br />
pois nelle encerrava a flor da fidalguia e letras <strong>de</strong>ste reyno, como pelo<br />
valor e armas que levarão. S<strong>em</strong> duvida que a noticia <strong>de</strong>lle fez voltar aos<br />
inimigos as costas pois <strong>de</strong>s<strong>em</strong>barcan<strong>do</strong> <strong>de</strong> seis ou sete vellas mais <strong>de</strong><br />
quinhentos homens, se tomarão a <strong>em</strong>barcar com maior presteza <strong>do</strong> que<br />
vierão. Ε assy pod<strong>em</strong>os dizer que foi este maior vencimento que o <strong>de</strong><br />
César, pois s<strong>em</strong> os nossos ser<strong>em</strong> vistos, só com a fama fizerão fugir os<br />
inimigos." 29<br />
A evocação <strong>de</strong>sta aventura no início <strong>do</strong> novo Ano Académico foi <strong>de</strong>certo<br />
b<strong>em</strong> acolhida pelo auditório, quer pelos que nela teriam participa<strong>do</strong>, quer pelos<br />
que estan<strong>do</strong> ausentes <strong>de</strong> Coimbra, porventura já <strong>de</strong> férias, agora ouviam com<br />
atenção a <strong>em</strong>polgada <strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong>s acontecimentos. Não faltou a Macha<strong>do</strong> a<br />
28 FARIA, op. cit. foi. 256.<br />
25 FARIA, op. cit. foi. 256, f e v.
240 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
habilida<strong>de</strong> para a integrar no t<strong>em</strong>a da oração <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a que não viesse a<br />
<strong>de</strong>spropósito, n<strong>em</strong> careceu <strong>de</strong> <strong>em</strong>penho <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição exaltada <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />
que ficou <strong>Buarcos</strong>. Na verda<strong>de</strong>, Francisco Macha<strong>do</strong> não exagera quan<strong>do</strong> afirma<br />
que ele próprio viu tal <strong>de</strong>solação, como po<strong>de</strong> confirmar, <strong>de</strong> novo, o manuscrito<br />
<strong>de</strong> Faria ao referir o contributo material para o exército que o P. Reitor da<br />
Companhia enviou a <strong>Buarcos</strong>, pelo P. Francisco Macha<strong>do</strong>. Este teria, pois,<br />
assisti<strong>do</strong> ao espectáculo <strong>de</strong>sola<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ataque <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>is <strong>de</strong> Maio,<br />
que seriam ainda visíveis a 7 <strong>de</strong> Junho.<br />
"O provimento para toda esta gente man<strong>do</strong>u largamente dar o<br />
Cabi<strong>do</strong> por o cónego Jacinto Pereira, e os senhores Inquiri<strong>do</strong>res por o<br />
Deputa<strong>do</strong> Pedro <strong>de</strong> Baecça, a qu<strong>em</strong> acompanharão os officiaes <strong>do</strong> Santo<br />
officio e o P. Reytor da Companhia pelos Pes Francisco Macha<strong>do</strong> e<br />
António da Rocha" 30<br />
Assim, a partir <strong>de</strong> uma experiência própria, Macha<strong>do</strong> constrói a sua<br />
argumentação, a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>vidamente o ex<strong>em</strong>plum à causa, pois como<br />
argumento exterior ele não t<strong>em</strong> qualquer valor se a relação entre ambos não fôr<br />
sustentada 31 . Coube ao seu engenho estabelecer essa relação <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a que o<br />
ex<strong>em</strong>plo se apresentasse com orig<strong>em</strong> <strong>na</strong> mesma unida<strong>de</strong> t<strong>em</strong>ática da causa <strong>em</strong><br />
questão: o valor da Sabe<strong>do</strong>ria. O ataque <strong>do</strong>s piratas a <strong>Buarcos</strong> e o posterior<br />
auxílio da Acad<strong>em</strong>ia foi b<strong>em</strong> usa<strong>do</strong> como 'ex<strong>em</strong>plum adpersua<strong>de</strong>ndum', para<br />
persuadir o auditório da importância da Sabe<strong>do</strong>ria <strong>na</strong> salvação da respublica.<br />
No uso preferencial da forma <strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plum, Macha<strong>do</strong> segue<br />
afi<strong>na</strong>l um gosto da sua época que continua <strong>na</strong> esteira da tradição medieval da<br />
arte <strong>de</strong> Pregar. O ex<strong>em</strong>plum entre os restantes instrumentos <strong>de</strong> Retórica aponta<strong>do</strong>s<br />
pelas Artes Praedicandi, é <strong>de</strong>certo <strong>do</strong>s que lhe merec<strong>em</strong> mais <strong>de</strong>staque e que<br />
mais beneficiam a Oratória sagrada <strong>na</strong> Ida<strong>de</strong> Média 32 . No dizer <strong>de</strong> Le Goff 3 , os<br />
"FARIA, op. cit. foi. 256 v.<br />
31<br />
Cfr. QUINTILIANO, Institutio Oratoriae, V, XI, I.<br />
32<br />
Veja-se a este propósito DELCORNO, Cario, Ex<strong>em</strong>plum e Letteratwa tra Medioevo e<br />
Ri<strong>na</strong>scimento, Bolog<strong>na</strong>, 1989.<br />
Esta tendência <strong>de</strong> 'amplificação' <strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plum <strong>em</strong> <strong>na</strong>rrativa verifica-se, p. ex. <strong>na</strong> evolução<br />
<strong>do</strong> apotegma, que <strong>de</strong> simples máxima ou <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong> carácter gnómico se transforma <strong>em</strong> '"longas<br />
<strong>na</strong>rrações que se vão ass<strong>em</strong>elhan<strong>do</strong> a uma novela". Cfr. FREIRE, José Geral<strong>de</strong>s, Commonitiones<br />
Sanctorum Patrwn. Uma nova colecção <strong>de</strong> apotegmas, Coimbra, 1974, ρ 100.<br />
33<br />
Cfr. LE GOFF, op. cit. pp. 22-23.
PIRATAS EM BUARCOS 241<br />
sécs. XIII e XIV assist<strong>em</strong> a uma renovação <strong>na</strong> arte <strong>de</strong> pregar que valorizará o<br />
ex<strong>em</strong>plum <strong>na</strong>rrativo <strong>em</strong> que a história, e não o sujeito, constitui o centro das<br />
atenções, um ex<strong>em</strong>plum acessível às massas, proposto como história edificante<br />
e instrumento <strong>de</strong> salvação.<br />
Nas orações <strong>de</strong> <strong>Sapiência</strong> <strong>do</strong> séc. XVI verificamos o mesmo gosto pelo<br />
recurso aos ex<strong>em</strong>pla que a Cultura <strong>de</strong> Contra Reforma favorece, não só <strong>na</strong> edição<br />
<strong>de</strong> colecções <strong>de</strong> sentenças e ex<strong>em</strong>pla <strong>do</strong>s clássicos tão gratas aos humanistas,<br />
mas também <strong>na</strong> reedição das velhas summae que recolhiam ex<strong>em</strong>pla isola<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> seu contexto literário, para <strong>do</strong>tar os prega<strong>do</strong>res <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> trabalho<br />
mais eficazes 34 . Nestas orações, porém, os ex<strong>em</strong>pla que encontramos são <strong>na</strong> sua<br />
maioria <strong>de</strong> fonte clássica e constitu<strong>em</strong> breves episódios, por vezes, mesmo,<br />
uma breve referência nomi<strong>na</strong>l e pouco mais, expurga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> qualquer contributo<br />
pessoal <strong>do</strong> ora<strong>do</strong>r <strong>na</strong> sua apresentação. Este recurso literário cumpria ape<strong>na</strong>s a<br />
sua missão <strong>de</strong> enriquecer e evitar a monotonia <strong>do</strong> louvor das discipli<strong>na</strong>s, conferir<br />
autorida<strong>de</strong> à argumentação, mostrar a erudição <strong>do</strong> ora<strong>do</strong>r e instruir o ouvinte.<br />
Neste momento a criação literária, longe ainda <strong>do</strong> mito romântico da<br />
origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um 'effet <strong>de</strong> rèpètition,' <strong>na</strong> expressão <strong>de</strong> Fumaroli 35 ,<br />
da procura <strong>de</strong> novas formas expressivas reinterpretadas, s<strong>em</strong>pre voltadas para<br />
os mo<strong>de</strong>los clássicos da época. Apresença <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los no texto <strong>de</strong> F. Macha<strong>do</strong><br />
é ainda visível, não só <strong>na</strong> mundividência humanista geral que revela, mas mesmo<br />
no excerto <strong>em</strong> causa, cuja harmonia discursiva <strong>de</strong>corre das repetições, antíteses,<br />
assonâncias, <strong>do</strong> paralelismo simétrico das construções, um <strong>do</strong>s traços mais<br />
característicos <strong>do</strong> estilo ciceroniano 36 , <strong>de</strong>ntro das normas <strong>do</strong> equilíbrio e da<br />
brevida<strong>de</strong>.<br />
Não pod<strong>em</strong>os, porém, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver neste texto marcas <strong>de</strong> novas<br />
tendências <strong>na</strong> hierarquização <strong>do</strong>s critérios <strong>de</strong> produção literária. Desvian<strong>do</strong>-se<br />
da função <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente didáctica <strong>de</strong>stes exercícios retóricos, Macha<strong>do</strong> opta<br />
pela 'amplificação' <strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plum <strong>em</strong> <strong>na</strong>rrativa e <strong>de</strong>le faz uso no contexto <strong>de</strong><br />
uma retórica <strong>de</strong> persuasão dirigida ao pathos, insistin<strong>do</strong> sobretu<strong>do</strong> no <strong>de</strong>lectare<br />
e também no mouere, "apelo aristotélico à afectivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> auditório" 37 . A<br />
<strong>de</strong>scrição intensamente <strong>em</strong>otiva que Macha<strong>do</strong> faz neste excerto, b<strong>em</strong> como as<br />
«DELCORNO, op. cit. ρ 14.<br />
35 FUMAROLI, Marc, ρ 46.<br />
3f 'Cfr. LAURAND, Étu<strong>de</strong>s sur le style <strong>de</strong>s Discours <strong>de</strong> Cicéron, Paris, 1926, Tomo II, pp<br />
126-135.<br />
"LEGOFF, op. cit.p 12.<br />
16
242 CARLOTA MIRANDA URBANO<br />
invectivas e as interrogações que lança, são claramente dirigidas à moção <strong>do</strong>s<br />
afectos <strong>do</strong>s que o ouv<strong>em</strong> 38 . A apresentação <strong>de</strong> tom épico <strong>do</strong> exército da Sabe<strong>do</strong>ria<br />
não serve ape<strong>na</strong>s a argumentação <strong>do</strong> seu valor inexcedível mas serve também a<br />
curiosida<strong>de</strong> <strong>do</strong> auditório que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitar-se e <strong>de</strong>ixar voar.a imagi<strong>na</strong>ção pelo<br />
<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>do</strong> exército que quase vê combater e <strong>em</strong> que eventualmente<br />
participou 39 .<br />
Pensamos que resulta <strong>de</strong>stas novas tendências também o surpreen<strong>de</strong>nte<br />
entusiasmo e o <strong>em</strong>penho que Macha<strong>do</strong> revela pela sua cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>. Ele<br />
não só recorre a figuras <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po para referir como ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros<br />
cultores da sabe<strong>do</strong>ria — é o caso <strong>do</strong> Tycho Brahe 40 — como se serve <strong>de</strong> acontecimentos<br />
que envolveram a Acad<strong>em</strong>ia para os usar como ex<strong>em</strong>pla, <strong>de</strong> que este<br />
episódio que a<strong>na</strong>lisámos constitui <strong>de</strong>certo o caso mais curioso 41 .<br />
A opção <strong>de</strong> Francisco Macha<strong>do</strong> pelo recurso, <strong>na</strong> argumentatio, aos factos<br />
cont<strong>em</strong>porâneos que tor<strong>na</strong>m o seu exercício retórico a vários títulos interessante,<br />
não só contribui mo<strong>de</strong>stamente para o conhecimento da cultura e da história <strong>do</strong><br />
seu t<strong>em</strong>po, mas é revela<strong>do</strong>ra daquelas tendências. A apresentação exclusiva <strong>do</strong><br />
38 Têm especial efeito neste objectivo a repetição <strong>de</strong> uma frase ou <strong>de</strong> perguntas.<br />
39 O paralelo <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo ora<strong>do</strong>r, entre o reitor e os estudantes, por um la<strong>do</strong>, e o<br />
general com seu exército por outro, não é <strong>em</strong> absoluto fruto da criativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ora<strong>do</strong>r, pois a<br />
Universida<strong>de</strong> apresentava, neste t<strong>em</strong>po, um carácter militar que já não encontramos <strong>na</strong> outras<br />
Universida<strong>de</strong>s da Europa <strong>de</strong>pois da organização <strong>do</strong>s exércitos permanentes. Vi<strong>de</strong> BRAGA, Teófilo,<br />
Historia da universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, Tomo II, 1895 pp 489-490 .<br />
Não é a primeira vez que a Acad<strong>em</strong>ia presta auxílio militar: ST S MARIA, Nicolau <strong>de</strong>, op.<br />
cit. Livro IX p. 392 dá test<strong>em</strong>unho <strong>do</strong> socorro que a Universida<strong>de</strong> se presta a levar, sob o coman<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> reitor D. Afonso Furta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça às gentes <strong>de</strong> <strong>Buarcos</strong> por ocasião <strong>de</strong> um ataque a <strong>Buarcos</strong><br />
<strong>de</strong> "huns ingrezes, hereges & ladrões" <strong>em</strong> 1602.<br />
T<strong>em</strong>os notícias <strong>de</strong> outras activida<strong>de</strong>s militares <strong>do</strong> Reitor com estudantes <strong>na</strong> consolidação<br />
da Restauração da In<strong>de</strong>pendência: GOMES, Joaquim Ferreira, <strong>em</strong> Estu<strong>do</strong>s para a História da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, Coimbra, 1991, diz-nos que <strong>em</strong> 1640 o Reitor Manuel Saldanha comanda<br />
um batalhão <strong>de</strong> 630 estudantes para o Alentejo, e r<strong>em</strong>ete-nos para FIGUEIROA, Francisco Carneiro,<br />
M<strong>em</strong>órias da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra, 1937, pp 135 e ss.<br />
40 Ao contrário <strong>de</strong> outros mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação à Sabe<strong>do</strong>ria <strong>na</strong>s suas várias discipli<strong>na</strong>s,<br />
Tycho Brahe não é um clássico, mas um cont<strong>em</strong>porâneo <strong>de</strong> Francisco Macha<strong>do</strong> (n. 1546, f. 1601).<br />
Este astrónomo di<strong>na</strong>marquês, notável hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> Ciência <strong>do</strong>s fi<strong>na</strong>is <strong>do</strong> séc. XVI, sob o mece<strong>na</strong>to <strong>de</strong><br />
Fre<strong>de</strong>rico II da Di<strong>na</strong>marca construiu um observatório astronómico no seu castelo <strong>de</strong> Uraniburgo<br />
on<strong>de</strong> ensinou por <strong>do</strong>ze anos, até que o sucessor <strong>do</strong> seu Mece<strong>na</strong>s lhe retirou a pensão anual, obrigan<strong>do</strong>-<br />
-o assim a retirar-se para a Al<strong>em</strong>anha. O seu intenso trabalho <strong>de</strong> observação proporcionou avanços<br />
consi<strong>de</strong>ráveis no campo da Astronomia.<br />
41 No seu texto encontramos outras referências ao t<strong>em</strong>po cronológico da oração. Ε o caso,<br />
por ex<strong>em</strong>plo, das referências à participação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> Coimbra <strong>na</strong> Junta <strong>do</strong>s prela<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />
Tomar contra o Judaísmo que i<strong>na</strong>ugurou as suas sessões <strong>em</strong> Maio <strong>de</strong> 1629, ou ainda à polémica e<br />
arrastada questão <strong>do</strong> pagamento das rendas da Universida<strong>de</strong> às Escolas Menores, ou Colégio das<br />
Artes, on<strong>de</strong> o R Francisco Macha<strong>do</strong> era mestre.
PIRATAS EM BUARCOS 243<br />
passa<strong>do</strong> clássico como fonte inesgotável <strong>de</strong> recursos literários, ce<strong>de</strong> a atenção,<br />
também humanista, ao t<strong>em</strong>po presente, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r o costuma<strong>do</strong><br />
exercício retórico mais agradável e <strong>de</strong> mostrar ao auditório o virtuosismo <strong>do</strong><br />
ora<strong>do</strong>r.<br />
O recurso a 'fontes materiais' <strong>do</strong> ex<strong>em</strong>plum pouco vulgares e o facto <strong>de</strong><br />
Macha<strong>do</strong> se preocupar, não tanto <strong>em</strong> <strong>do</strong>cumentar a sua argumentação com os<br />
ex<strong>em</strong>pla a que recorre, mas <strong>em</strong> enriquecer o seu texto com peque<strong>na</strong>s histórias<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes e cativantes, escolhidas mais para <strong>de</strong>leitar que para instruir,<br />
inscreve-se s<strong>em</strong> dúvida no fenómeno geral <strong>do</strong> cansaço <strong>do</strong>s estereótipos e da<br />
busca <strong>de</strong> novas expressões estéticas. Merece pois uma investigação sist<strong>em</strong>ática<br />
a vasta produção literária <strong>em</strong> língua lati<strong>na</strong> <strong>de</strong>sta época, tantas vezes, porque<br />
pouco conhecida, julgada com base <strong>em</strong> preconceitos que urge <strong>de</strong>sconstruir.