Animação e Narrativa - As Letras da Luz Neste breve ... - PUC-Rio
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Mestrado em Design – <strong>PUC</strong>-RIO – 2003/1 – Narrativi<strong>da</strong>de<br />
Professor: Luiz Antônio Coelho<br />
Trabalho Final - Marcos Amarante de Almei<strong>da</strong> Magalhães<br />
<strong>Animação</strong> e <strong>Narrativa</strong> - <strong>As</strong> <strong>Letras</strong> <strong>da</strong> <strong>Luz</strong><br />
<strong>Neste</strong> <strong>breve</strong> artigo trabalharei livremente algumas reflexões sobre a natureza e a<br />
potenciali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> narrativa dentro <strong>da</strong> linguagem do cinema de animação.<br />
Se entendermos a narrativa como um relato de "fatos que se sucedem uns aos outros no<br />
tempo, guar<strong>da</strong>ndo relações entre si" 1 e para o qual é fun<strong>da</strong>mental a existência de um<br />
narrador, através do qual estes fatos ganham o filtro <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e se tornam histórias,<br />
então poderemos concluir que o cinema de animação será na maior parte <strong>da</strong>s vezes uma<br />
linguagem repleta de potenciali<strong>da</strong>des narrativas.<br />
O princípio físico que originou o nascimento do cinema de animação é determinado pela<br />
exibição de uma sucessão de imagens fixas, uma após a outra, em veloci<strong>da</strong>de superior a um<br />
décimo de segundo, ultrapassando a veloci<strong>da</strong>de do nosso sistema perceptivo e assim<br />
gerando a ilusão do movimento. Desta forma, qualquer sucessão de imagens, deste que<br />
possua um mínimo de coerência entre si, pode se tornar um continuum que nos dê a<br />
impressão de movimento ou transformação. Podemos, então, a<strong>da</strong>ptar a definição de<br />
Cardoso: "fotos (registros de luz, não necessariamente fatos), se sucedem uns aos outros<br />
criando um tempo próprio, desde que guardem relações entre si".<br />
O movimento próprio é, como definido desde Aristóteles, o que distingue os animais, os<br />
que possuem anima (alma), <strong>da</strong>s coisas inanima<strong>da</strong>s, inertes. Imagens que se ordenam<br />
construindo a ilusão de movimento tornam-se imagens vivas, anima<strong>da</strong>s. Pressupõe-se que<br />
esta ilusão, artificial e delibera<strong>da</strong>mente monta<strong>da</strong> com a interferência de um indivíduo,<br />
portanto vivo e consciente, seja uma construção realiza<strong>da</strong> com to<strong>da</strong> a subjetivi<strong>da</strong>de deste<br />
mesmo indivíduo. Torna-se assim um relato, que não é apenas um registro mecânico mas<br />
uma narração realiza<strong>da</strong> por um ponto de vista e uma subjetivi<strong>da</strong>de muito particular.<br />
No cinema ao vivo, em que as imagens fixas não são construí<strong>da</strong>s a partir do na<strong>da</strong>, mas<br />
capta<strong>da</strong>s de uma reali<strong>da</strong>de fotográfica, as imagens têm grande poder de narrativa pois<br />
sempre se pode considerar a câmera como o olho de um narrador. To<strong>da</strong> imagem filma<strong>da</strong> foi<br />
acompanha<strong>da</strong> e escolhi<strong>da</strong> pelo olho do câmera, que desta maneira imprime sua<br />
subjetivi<strong>da</strong>de e portanto narra o fato visualmente. A câmera é sempre narradora, mesmo<br />
que em cena surjam outros personagens que queiram assumir mais claramente este papel<br />
(exemplo: o protagonista, como em Ci<strong>da</strong>de de Deus, que é também narrador em voz off).<br />
No cinema, o tempo é o diferencial conferido às imagens fotográficas, permitindo-lhes<br />
evoluir na linha cronológica e construir relações entre as cenas. Em uma imagem<br />
cinematográfica sempre haverá algum tipo de narrativa, mesmo que não tenha havido esta<br />
intenção. Um filme documentário é narrativo, e mesmo filmes experimentais<br />
1 João Batista Cardoso, Teoria e prática de leitura, apreensão e produção de texto, 2001, pág. 35
declara<strong>da</strong>mente "não-narrativos" acabam sendo documentos de uma época, contando<br />
histórias, e narrando o seu tempo.<br />
Já o cinema de animação, por li<strong>da</strong>r com imagens sempre construí<strong>da</strong>s ou sintetiza<strong>da</strong>s,<br />
precisa li<strong>da</strong>r obrigatoriamente com o que poderíamos considerar a uni<strong>da</strong>de mínima de<br />
narrativa visual - o fotograma. A partir dos fotogramas são construí<strong>da</strong>s as cenas, são<br />
sintetizados os movimentos. Esta visão microscópica <strong>da</strong> ação nos obriga a ampliar a<br />
concepção de narrativa. <strong>As</strong> imagens não possuem agora a obrigação de coerência com a<br />
reali<strong>da</strong>de e, portanto, não necessariamente estarão tratando de "fatos". Um fotograma<br />
isolado pode conter ou não imagens com informações que sustentam uma narrativa, como<br />
por exemplo: cenários e personagens que contextualizem fisicamente o relato, cores e<br />
sombras que possam trazer matizes subjetivos à historia. Porém, com a sucessão dos<br />
fotogramas, que engendra a ação, qualquer tipo de informação, mesmo que não se refira a<br />
fatos ou a signos reconhecíveis pelo entendimento comum, poderá evoluir através do tempo<br />
e formar um fluxo narrativo.<br />
Norman McLaren, o cineasta de animação que desenvolveu algumas <strong>da</strong>s principais técnicas<br />
do cinema de animação experimental, conseguia construir narrativas contendo drama,<br />
conflito e emoção utilizando apenas signos visuais bastante elementares, como riscos feitos<br />
diretamente na película ou círculos recortados em papel. O tempo demonstra-se neste tipo<br />
de obra o elemento mais básico para a construção de narrativas. McLaren dizia que a<br />
animação não se constituía em "movimentar desenhos", mas em "desenhar movimentos",<br />
ou seja , desenhar o próprio tempo, pois que para a realização de um movimento a definição<br />
de um tempo será sempre necessária.<br />
Através <strong>da</strong> experiência de do cinema de animação, em que a construção e a ordenação dos<br />
fotogramas são cui<strong>da</strong>dosamente estu<strong>da</strong>dos e uma codificação é estabeleci<strong>da</strong> para vários<br />
gêneros de narrativa, pode-se falar de uma "alfabetização" visual. O nome desta bem<br />
poderia ser "fotogramização".<br />
Pela noção de alfabeto (vindo <strong>da</strong>s letras gregas: alfa, beta, gama, etc...) compreendemos<br />
uma seqüência finita de letras pré-determina<strong>da</strong>s, um código base que serve para a<br />
construção de sintagmas: palavras, frases e textos, que compõem nosso código de<br />
comunicação verbal.<br />
O fotograma (de photos, luz, e grama, letra), é como uma letra visual, forma<strong>da</strong> pelo registro<br />
<strong>da</strong> luz. Ca<strong>da</strong> cena de animação, ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de coerente forma<strong>da</strong> de vários fotogramas<br />
(criados através <strong>da</strong> síntese de imagens, desenhos, movimentação de bonecos ou<br />
personagens), corresponde a uma frase, a um sintagma visual, que tem natureza de<br />
comunicação e percepção diferentes <strong>da</strong> palavra fala<strong>da</strong>.<br />
<strong>As</strong> possibili<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> fotograma são infinitas, e ao contrário do alfabeto, ca<strong>da</strong> signo<br />
dificilmente será igual a outro criado. A "fotogramização" seria o processo pelo qual o<br />
indivíduo se tornaria capaz de decodificar, em fotogramas, narrativas visuais já existentes, e<br />
principalmente criar sua própria expressão visual pela ilusão do movimento.<br />
Marcos Magalhães