Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
trabalhado no turno anterior, e aí a bagunça era<br />
geral até o romper do dia. O enfermeiro, então,<br />
nem se fala, pois era obrigado a fazer curativos,<br />
injeções, até quando eles queriam. Sempre havia<br />
uma viagem a Salvador para socorrer alguém. Eu,<br />
que já havia me situado no tempo e no espaço,<br />
às vezes viajava para prestar algum socorro <strong>de</strong><br />
lancha ou <strong>de</strong> ambulância, o problema era que a<br />
última estava sempre quebrada e por isso, às<br />
vezes, ela se tornava pior que o aci<strong>de</strong>nte, pois<br />
era um jipe transformado em ambulância.<br />
Quando chegávamos ao <strong>de</strong>stino, motorista,<br />
enfermeiro e paciente estavam queimados<br />
<strong>de</strong>vido ao calor do veículo.<br />
Nessas idas, sempre que podia, pedia ao Dr.<br />
Lapa que me transferisse para outro campo, e ele,<br />
sempre brincando comigo, dizia:<br />
– Eu sei o que se passa com você, pois ninguém<br />
suporta trabalhar com o Firmo.<br />
Era a mais pura verda<strong>de</strong>: nunca ele me dava<br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> folgar, pois era quem ditava as<br />
normas, e eu acumulando folgas, que eram<br />
apenas aos domingos. Embora todos trabalhados,<br />
folgar quando? Foi então que <strong>de</strong>scobri o porquê<br />
da fama <strong>de</strong> que petroleiro é rico, tem dinheiro<br />
etc.: naquela época, todo mês recebíamos o<br />
salário sem ter on<strong>de</strong> gastar. Alguns já bancavam<br />
mulheres na Vila, como era chamada São<br />
Francisco do Con<strong>de</strong>. Eram explorados à vonta<strong>de</strong><br />
e aproveitadores faziam empréstimos que eram<br />
cobrados com juros no final do mês e que todo<br />
mundo já sabia <strong>de</strong> antemão. Outros, por falta <strong>de</strong><br />
oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conseguir alguém, pois as<br />
mulheres eram disputadas, quando saíam <strong>de</strong><br />
folga, se trancavam num dos prostíbulos mais<br />
famosos <strong>de</strong> Salvador, o chamado Meia Três na<br />
la<strong>de</strong>ira da montanha. O local era freqüentado por<br />
petroleiros e marinheiros, e a primazia das<br />
mulheres era <strong>de</strong> quem chegasse primeiro. Ali eles<br />
<strong>de</strong>ixavam todo o salário <strong>de</strong> meses e meses <strong>de</strong><br />
sacrifício, presenteavam com roupas, jóias e<br />
8<br />
farras monumentais, voltavam contando todas as<br />
histórias do Tabaris, um cassino que havia atrás<br />
do Cine Guarani, do Rumba Dancing, o que para<br />
mim era novida<strong>de</strong>. Eles sabiam tudo: só não<br />
sabiam que estavam sujeitos a tantas doenças<br />
venéreas.<br />
Havia também os conservadores, que<br />
economizavam todo o dinheiro ganho e<br />
aplicavam em imóveis e até em fazendas,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da cultura <strong>de</strong> cada um. Conheço<br />
muitos que até hoje têm alguma coisa proveniente<br />
<strong>de</strong>ssas economias.<br />
Durante alguns meses sofri todas as penas a<br />
que tinha direito, até que um dia chegou <strong>de</strong> folga<br />
um colega chamado Joselito, auxiliar <strong>de</strong><br />
escritório, e perguntou:<br />
– Você é casado?<br />
– Sim – repondi.<br />
Ele me contou que a minha esposa havia<br />
chegado no vapor, como era chamado o ‘Navio<br />
João das Botas’, que fazia a linha Salvador–Santo<br />
Amaro.<br />
Eu não quis acreditar, mas conhecendo a<br />
mulher que tinha não dava para duvidar, e<br />
fazer o quê? O problema agora era on<strong>de</strong><br />
acomodá-la, já que não havia nem hotel,<br />
nem casa conhecida na cida<strong>de</strong>. Depois <strong>de</strong><br />
receber essa notícia, que era um misto <strong>de</strong><br />
tristeza e alegria, a única saída eram umas<br />
casas <strong>de</strong> taipa na entrada da cida<strong>de</strong>, as<br />
quais eu já havia pedido a preferência <strong>de</strong><br />
uma. Não tinha como mandá-la <strong>de</strong> volta<br />
para Salvador, pois, ainda que houvesse<br />
alguma condição, só podia ser feito no dia<br />
seguinte.<br />
Foi aí que pedi ao Dr. Humberto que me<br />
dispensasse. Ele então or<strong>de</strong>nou que me levassem<br />
até a Vila, on<strong>de</strong> a encontrei sentada na praça<br />
principal da cida<strong>de</strong>. Peguei a mala e fui com ela<br />
direto para a casa do senhor que havia me<br />
prometido a casa. Ele me disse que não podia