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A CATEDRAL - Unama

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Francisca Francisca Francisca Francisca Francisca Magnólia Magnólia Magnólia Magnólia Magnólia de de de de de Oliveira Oliveira Oliveira Oliveira Oliveira Rego Rego Rego Rego Rego11111<br />

RESUMO:<br />

Este trabalho objetiva analisar o poema “Catedral”, de Alphonsus Guimarães, com enfoque<br />

nos níveis fônico, sintático e semântico. Trata-se de um poema riquíssimo, no que se refere às<br />

sugestões rítmicas e à seleção vocabular — que explora a palavra em todo o seu potencial fonético<br />

- que conferem ao poema uma criteriosa harmonia fônica.<br />

Entre brumas, ao longe, surge a aurora,<br />

O hialino orvalho aos poucos se evapora,<br />

Agoniza o arrebol.<br />

A catedral ebúrnea do meu sonho<br />

Aparece, na paz do céu risonho,<br />

Toda branca de sol.<br />

E o sino canta em lúgubres responsos:<br />

“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!’’<br />

O astro glorioso segue a eterna estrada.<br />

Uma áurea seta lhe cintila em cada<br />

Refulgente raio de luz.<br />

A catedral ebúrnea do meu sonho,<br />

Onde os meus olhos tão cansado ponho,<br />

Recebe a bênção de Jesus.<br />

E o sino clama em lúgubres responsos:<br />

‘‘Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!’’<br />

A <strong>CATEDRAL</strong><br />

Por entre lírios e lilases desce<br />

A tarde esquiva: amargurada prece<br />

Põe-se a lua a rezar.<br />

A catedral ebúrnea do meu sonho<br />

Aparece, na paz do céu tristonho,<br />

Toda branca de luar<br />

E o sino chora em lúgubres responsos;<br />

‘‘Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!<br />

O céu é todo trevas: o vento uiva.<br />

Do relâmpago a cabeleira ruiva<br />

Vem açoitar o rosto meu.<br />

E catedral ebúrnea do meu sonho<br />

Afunda-se no caos do céu medonho<br />

Como um astro que já morreu.<br />

E o sino geme em lúgubres responsos:<br />

‘‘Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!<br />

1 Licenciada em Letras, com Habilitação em Português e Inglês; cursando, na UEPA – Universidade do Estado do Pará,<br />

especialização em Língua Portuguesa e Análise Literária; monitora da disciplina Teoria Literária, em 2000. Professora de<br />

Língua Portuguesa e Literatura,no Ensino Fundamental e Médio; professora de inglês no Ensino Médio.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

1


2 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

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A <strong>CATEDRAL</strong> - METRIFICAÇÃO<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

1 En / tre / bru / mas, / ao/ lon / ge, / sur / ge / a au / ro / ra,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

2 O / hia / li / no or / va / lho aos / pou / cos / se e / va / po / ra,<br />

1 2 3 4 5 6<br />

3 A / go / ni / za o / arre / bol.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

4 A / ca / te / dral / e / búr / nea / do / meu / so / nho<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

5 A / pa / re / ce, / na / paz / do / céu / ri / so / nho,<br />

1 2 3 4 5 6<br />

6 To / da / bran / ca / de / sol.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

7 E o / si / no / can / ta em / lú / gu / bres / res / pon / sos:<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

8 “Po / bre Al / phon / sus! / Po / bre Al / phon / sus!’’<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

9 O as / tro / glo / rio / so / se / gue a / e / ter / na es / tra / da.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

10 U / ma áu / rea / se / ta / lhe / cin / ti / la em / ca / da<br />

1 2 3 4 5 6 7 8<br />

11 Re / ful / gen / te / ra / io / de / luz.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

12 A / ca / te / dral / e / búr / nea / do / meu / so / nho,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

13 On / de os / me / us / o / lhos / tão / can / as / do / po / nho,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8<br />

14 Re / ce / be a / bên / ção / de / Je / sus.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

15 E o / si / no / cla / ma em / lú / gu / bres / res / pon / sos:


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12345678901234567890123456789012123456<br />

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1 2 3 4 5 6 7<br />

16 ‘‘Po / bre Al / phon / sus! / Po / bre Al / phon / sus!’’<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

17 Por / en / tre / lí / ri / os / e / li / la / ses / des / ce<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

18 A / tar / de es / qui / va: a / mar / gu / ra / da / pre / ce<br />

1 2 3 4 5<br />

19 Põe- / se a / lua a / re / zar.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

20 A / ca / te / dral / e / búr / nea / do / meu / so / nho<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

21 A / pa / re / ce, / na / paz / do / céu / tris / to / nho,<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

22 To / da / bran / ca / de / lu / ar<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

23 E o / si / no / cho / ra em / lú / gu / bres / res / pon / sos;<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

24 ‘‘Po / bre Al / phon / sus! / Po / bre Al / phon / sus!<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

25 O / céu é / to / do / tre / vas: / o / ven / to / ui / va.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

26 Do / re / lâm / pa / go a / ca / be / lei / ra / rui / va<br />

1 2 3 4 5 6 7 8<br />

27 Vem / a / çoi / tar / o / ros / to / meu.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

28 A / c a / te / dral / e / búr / nea / do / meu / so / nho<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

29 A / fun / da-/ se / no / ca / os / do / céu / me / do / nho<br />

1 2 3 4 5 6 7 8<br />

30 Co / mo um / as / tro / que / já / mo / rreu.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

31 E o / si / no / ge / me em / lú / gu / bres / res / pon / sos:<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

32 ‘‘Po / bre Al / phon / sus! / Po / bre Al / phon / sus!<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

3


ESTRATO FÔNICO<br />

· O RITMO<br />

O estudo da versificação<br />

deve ressaltar o ritmo da<br />

repetição, característico do texto<br />

poético em versos. Analisaremos<br />

os versos em dois níveis,<br />

procurando as equivalências<br />

posicionais (metro e acentos) e,<br />

as equivalências sonoras (rimas,<br />

aliterações, etc.), que constituem<br />

as chamadas figuras de som.<br />

A musicalidade é uma<br />

característica inerente às palavras<br />

que compõem um poema. Em<br />

“<strong>CATEDRAL</strong>”, não poderia ser<br />

diferente, haja vista que seu efeito<br />

sonoro transcende as palavras e<br />

soa aos nossos ouvidos como um<br />

doce tocar da balada de um sino.<br />

Numa simples leitura<br />

silenciosa, somos capazes de<br />

captar as profundezas da camada<br />

sonora deste texto.<br />

· PERCEBENDO O<br />

COMPASSO<br />

O título do poema indica<br />

igreja e cria-nos a expectativa de<br />

um ambiente completamente<br />

religioso. Na verdade é o que<br />

acaba acontecendo, sobretudo<br />

quando nos deparamos com as<br />

palavras CÉU, CANTA,<br />

GLORIOSO, BÊNÇÃO,<br />

JESUS, CLAMA, REZAR e,<br />

principalmente, as duas que são<br />

repetidas por 4 vezes ao longo de<br />

todo o poema: <strong>CATEDRAL</strong> e<br />

SINO.<br />

Observa-se que a<br />

temática apoiada no ritmo do texto<br />

4 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

é contagiante, curta e simples,<br />

apesar da linguagem metafórica<br />

que se faz presente.<br />

A marcação das sílabas<br />

poéticas identifica a coincidência<br />

nos versos pares evidenciandose<br />

em “A catedral ebúrnea do<br />

meu sonho”, repetindo-se nos<br />

versos 4, 12, 20 e 28; “E o sino<br />

canta em lúgubres<br />

responsos”, ocorrendo nos<br />

versos 7, 23 e 31; “Pobre<br />

Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus!”, nos versos 8, 16,<br />

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24 e 32; finalmente, nos versos 5<br />

e 21, repetindo-se “ Aparece, na<br />

paz do céu risonho”.<br />

A essa repetição<br />

devemos a fácil memorização do<br />

poema e a formação do esquema<br />

rítmico no qual ocorrem sílabas<br />

fortes e fracas alternando-se num<br />

jogo que resultará na cadência do<br />

poema. Vejamos como exemplo<br />

a primeira estrofe, na qual<br />

destacamos em negrito as sílabas<br />

fortes:<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

4 EN EN / tre / BRU BRU BRU / mas, / ao/ lon / ge, / SUR SUR / ge / a au / RO RO RO / ra,<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11<br />

5 O / hia / / LI LI / no or / VA A / lho aos / pou / cos / se e / va / / PO PO / ra,<br />

1 2 3 4 5 6<br />

6 A / go / NI NI / za o / arre / BOL BOL. BOL<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9<br />

4 A / ca / te / DRAL DRAL / EBÚR EBÚR / nea / do / meu / SO SO / nho<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

5 A / pa / RE RE / ce, / na / / PP<br />

PAZ PP<br />

AZ / do / céu / ri / SO SO / nho,<br />

1 2 3 4 5 6<br />

6 TO TO / da / / BRAN BRAN / ca / de / SOL. SOL.<br />

SOL.<br />

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10<br />

8 E o / SI SI SI / no / CAN CAN / ta em / LÚ LÚ / gu / bres / res / PON PON / sos:<br />

1 2 3 4 5 6 7<br />

8 “PO PO / bre Al / / PHON PHON / sus! / / PO PO / bre Al / PHON PHON / sus!’’<br />

A repetição das letras<br />

também contribui para a formação<br />

da cadência do poema. Nesse<br />

aspecto, observa-se que há a<br />

predominância das consoantes<br />

“S” e “R”, num total de 72 e 55,<br />

respetivamente. Quanto às vogais,<br />

notamos que a letra ”A”<br />

aparece 101 vezes; o “E”, 105<br />

vezes e em número maior a letra<br />

“O” ocorrendo 106 vezes, ao<br />

longo do poema.


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No caso da aliteração,<br />

acreditamos poder afirmar que a<br />

ocorrência do “S” — consoante<br />

sibilante, portanto, por si só<br />

carrega uma musicalidade a<br />

ela inerente, que corresponde a<br />

inicial da palavra SINO, símbolo<br />

que representa a igreja; quanto<br />

ao “R”, remete-nos à rapidez<br />

com a qual se dá o transcurso de<br />

nossas vidas.<br />

· PALAVRA-CHAVE E<br />

JOGO DE SONS<br />

Neste poema, destacamos<br />

que como palavra-chave:<br />

SINO. Ela é repetida, coincidentemente<br />

na mesma posição, ao<br />

longo do poema.<br />

Levando em consideração<br />

que o título do poema nos<br />

sugere a ambientação de uma<br />

igreja, facilmente o relacionamos<br />

com essa palavra-chave, por se<br />

tratar de uma indumentária indispensável<br />

em qualquer “Casa de<br />

Deus”, por mais simples que seja.<br />

Neste caso, a palavrachave<br />

“SINO”, contagia outras<br />

com sua sonoridade:<br />

“E o sino canta em lúgubres<br />

responsos:”<br />

“E o sino clama em lúgubres<br />

responsos:”<br />

“E o sino chora em lúgubres<br />

responsos”;<br />

“E o sino geme em lúgubres<br />

responsos:”<br />

Repetindo-se sempre na<br />

mesma posição, a palavra<br />

“SINO” constitui uma anáfora,<br />

que é valorizada por ecoar no interior<br />

das palavras em que encon-<br />

tramos a predominância da vogal<br />

“E”, lembrando-nos o som do<br />

toque do sino, no alto da torre da<br />

catedral: “bem-belelém, bembelelém...”<br />

Esse jogo sonoro<br />

acentua-se na medida em que<br />

observamos que há grande incidência<br />

de sílaba forte sobre esta<br />

vogal.<br />

· O RITMO COMO CRIA-<br />

ÇÃO DO POETA.<br />

Considerando que o ritmo<br />

dos versos forma-se pela sucessão<br />

de unidades rítmicas da<br />

alternância entre sílabas acentuadas<br />

(fortes), ou entre sílabas<br />

constituídas por vogais longas e<br />

breves, faz-se necessário destacar<br />

no poema a sua disposição<br />

gráfica.<br />

Neste caso, especificamente,<br />

observamos que o poema<br />

é composto por 32 versos, distribuídos<br />

em 4 partes contendo, cada<br />

uma, dois tercetos e um refrão,<br />

criando, graças à criatividade do<br />

autor, um ritmo singular.<br />

Um olhar atento, portanto,<br />

treinado a ouvir, captará a partir<br />

de leituras e releituras do poema<br />

o ritmo e o significado como<br />

uma unidade indissolúvel.<br />

·CADA ÉPOCA TEM SEU<br />

RITMO<br />

O ritmo é um componente<br />

do poema que, certamente, tem<br />

relação com a época ou a situação<br />

em que é produzido.<br />

De autoria de Alphonsus<br />

Guimarães,“Catedral” representa<br />

o fruto do trabalho de um<br />

autor simbolista que traz consigo<br />

uma força reacionária contra toda<br />

a poesia anterior; que descobre<br />

qualquer coisa que, ou nunca se<br />

conhecera ou a que nunca até ai<br />

se dera relevo: a poesia pura –<br />

a poesia que surge do espírito<br />

irracional, não-conceptual, da linguagem,<br />

que é contrária a toda<br />

interpretação lógica. Para ele, a<br />

poesia é apenas a expressão daquelas<br />

relações e correspondências<br />

que a linguagem, deixada a<br />

si própria, cria entre o concreto e<br />

o abstrato, o material e o ideal, e<br />

entre as diferentes esferas dos<br />

sentidos.<br />

A geração simbolista<br />

teve com o Parnasianismo alguns<br />

pontos em comum. Primeiramente,<br />

ambos tiveram suas origens<br />

ligadas a um mesmo órgão literário,<br />

a revista francesa Parnasse<br />

Contemporain, da qual foram<br />

colaboradores Mallarmé e<br />

Verlaine, dois dos três principais<br />

simbolistas franceses, ao lado de<br />

Rimbaud.<br />

Além disso, os dois movimentos<br />

guardam em comum o<br />

princípio da “arte pela arte”, que<br />

se traduz numa intensa preocupação<br />

com a própria linguagem<br />

pela qual se expressam. Contudo,<br />

essa preocupação de cada<br />

um visa a objetivos diferentes. O<br />

Parnasianismo tinha uma concepção<br />

ornamental da linguagem: a<br />

seleção vocabular, o equilíbrio, a<br />

sintaxe elegante, a perfeição formal.<br />

Já o Simbolismo, mais ousado,<br />

procura ultrapassar os limites<br />

conhecidos da linguagem poética,<br />

tentando fundir a música à<br />

poesia, estreitando os limites entre<br />

o significante e o significado<br />

dos signos lingüísticos.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

5


Ao lado dessas<br />

diferenças de linguagem, o<br />

Simbolismo também apresenta<br />

diferenças ideológicas profundas<br />

em relação aos movimentos<br />

realista, naturalista e parnasiano.<br />

Esses movimentos, em maior ou<br />

menor intensidade, foram<br />

influenciados pela onda de<br />

racionalismo, materialismo e<br />

cientificismo da metade do século<br />

XIX e, assim, se pretendiam<br />

movimentos analíticos e impessoais.<br />

O Simbolismo, reagindo<br />

contra esse cientificismo, procura<br />

restaurar certos valores românticos<br />

varridos pelo Realismo,<br />

tais como o espiritualismo, o<br />

desejo de transcendência e de<br />

integração com o universo, o<br />

mistério, a religiosidade, a morte,<br />

sem, contudo cair na afetação<br />

sentimental romântica.<br />

Essa reação antimaterialista<br />

do grupo simbolista situase<br />

num contexto mais amplo, vivido<br />

pela Europa no último quarto<br />

do século XIX. O contexto de<br />

uma forte crise espiritual a que<br />

se tem chamado o decadentismo<br />

do final do século.<br />

O poema “Catedral”,<br />

no que tange às regras métricas,<br />

apresenta-se descomprometido<br />

aos esquemas tradicionais, haja<br />

vista que foi trabalhado ainda no<br />

século XIX — época na qual os<br />

ritmos dos poemas tornam-se a<br />

cada dia mais soltos. Daí porque<br />

ocorre variação no tamanho dos<br />

versos que o compõem.<br />

Passando à acentuação<br />

das sílabas poéticas o que se pode<br />

destacar é que, alternando as sílabas<br />

fortes e fracas, Alphonsus<br />

Guimarães compôs diferentes<br />

6 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

segmentos de versos, havendo<br />

coincidência sonora entre os mesmos.<br />

Salta-nos aos olhos o ritmo<br />

destes 32 versos. As rimas<br />

acentuam essa impressão, na<br />

medida em que obedecem ao seguinte<br />

esquema:<br />

1ª ESTROFE: AAB; CCB;<br />

DD;<br />

2ª ESTROFE: EEF; CCF;<br />

DD;<br />

3ª ESTROFE: GGH; CCH;<br />

DD;<br />

4ª ESTROFE: IIJ; CCJ; DD.<br />

Os versos, na maioria,<br />

são longos e têm caráter descritivo.<br />

Dentre os 32 versos que<br />

totalizam o poema, observamos<br />

que 09 deles são decassílabos.<br />

Esses, preferidos pelos poetas<br />

clássicos do século XVI, possuem<br />

um grande efeito musical. A<br />

partir dessa época, o decassílabo<br />

passou a ser enriquecido ritmicamente,<br />

com variantes de novos<br />

acentos em relação aos dois tipos<br />

iniciais. Veja como ele aparece<br />

no primeiro verso do dístico<br />

que funciona como refrão do<br />

poema “A Catedral”:<br />

E o sino canta em lúgubres<br />

responsos:<br />

“Pobre Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus!’<br />

Os dois versos têm tamanhos<br />

diferentes: dez e sete sílabas,<br />

respectivamente. Examinando<br />

o maior, verificamos que à<br />

medida que o lemos e o analisamos,<br />

encontramos novas variações<br />

rítmicas possíveis para este<br />

e para os outros tipos de versos.<br />

A partir da análise acima,<br />

ratificamos a concepção de<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

que a partir dos fins do século<br />

XIX, a simetria foi abolida das<br />

artes. Em poesia, os simbolistas<br />

deram os primeiros passos que<br />

culminaram na liberação rítmica<br />

do Modernismo. Em lugar da simetria,<br />

surge a irregularidade, o<br />

contraste, a dissonância, o efeito<br />

imprevisível ou inesperado.<br />

ESTRATO GRÁFICO<br />

O primeiro contato que<br />

temos com um poema escrito é a<br />

visão de sua configuração gráfica:<br />

na sua composição tem, uma<br />

cabeça e vários membros. A cabeça<br />

é o título, que engloba espacialmente<br />

as demais partes do<br />

poema, por estar por cima e numa<br />

posição de destaque. Neste poema<br />

que analisamos, o título é um<br />

elemento de determinação temporal,<br />

haja vista que a temática<br />

denota os 4 ciclos da vida : Infância<br />

– Juventude – Velhice –<br />

Morte.<br />

Leituras e releituras feitas,<br />

observamos que é constituído<br />

de uma série de coordenações<br />

e subordinações, ligadas ao conteúdo<br />

poemático sugerido pelo título.<br />

A função do título é semelhante<br />

à da etiqueta: serve para<br />

chamar a atenção do público, fazendo<br />

do texto uma mercadoria.<br />

Dessa forma, ao nos depararmos<br />

com a divisão estrófica, supomos<br />

que a cada uma estrofe<br />

corresponderá um movimento rítmico<br />

e ideológico do poema. a<br />

pontuação é outro elemento gráfico<br />

a ser notado, uma vez que<br />

ratificam expressões significativas<br />

que contribuirão para elucidar<br />

o significado do poema.


12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

· ESTROFES<br />

Conforme observamos, o<br />

poema “Catedral” possui 12 estrofes<br />

que, distribuídas no poema:<br />

têm 4 partes, cada uma delas com<br />

2 tercetos e um dístico (refrão).<br />

O refrão facilita a memorização<br />

e tem papel rítmico importante em<br />

todas as épocas.<br />

Na primeira parte do<br />

poema, observamos que os 6 versos<br />

iniciais descrevem um nascimento<br />

e, consequentemente, um<br />

período da vida (infância); na<br />

segunda,a descrição altera-se, há<br />

um clima de alegria, de brilho, de<br />

êxtase, configurando, talvez o período<br />

mais lindo e glorioso da vida<br />

(juventude); na terceira, percebese<br />

um declínio, uma amargura : é<br />

um período triste da vida (velhice)<br />

e, finalmente, na 4ª parte, sucumbe<br />

toda a alegria inicial, todo<br />

o brilho de uma época que passa<br />

pelo momento angustiante de ver<br />

chegar um período da vida que<br />

traz consigo a certeza de um fim<br />

que se aproxima (morte). Não podemos<br />

deixar de citar a importância<br />

do refrão que, entre essas<br />

partes acima descritas, além de<br />

estabelecer um elo, invoca a atenção<br />

para o apelo que se torna, progressivamente,<br />

mais denso e forte,<br />

à medida que avançamos na<br />

leitura do poema. Um leitor atento<br />

percebe que há uma penúria,<br />

uma angústia sentida pelo poeta<br />

que, tem em seu lamento a tradução<br />

da dor sentida ao perceber<br />

a efemeridade dos ciclos da<br />

vida, culminando com a estrofe<br />

final que descreve a morte e o<br />

seu lamento ainda mais acentuado.<br />

·RIMAS<br />

O parentesco fônico entre<br />

as palavras do poema ora analisado<br />

corresponde ao esquema<br />

AAB; CCB; DD; EEF; CCF;<br />

DD; GGH; CCH; DD; IIJ;<br />

CCJ; DD., conforme citado anteriormente.<br />

Mergulhando no compasso<br />

da musicalidade destas palavras<br />

podemos observar que as<br />

rimas, são do tipo “Externas”, e<br />

constituem um grande efeito musical<br />

e rítmico em “CATE-<br />

DRAL”. Numa análise mais<br />

atenta, percebe-se que há semelhança<br />

das consoantes e vogais<br />

finais dos versos. Observemos a<br />

4ª estrofe:<br />

O céu é todo trevas: o vento<br />

uiva.<br />

Do relâmpago a cabeleira ruiva<br />

vem açoitar o rosto meu.<br />

E catedral ebúrnea do meu sonho<br />

Afunda-se no caos do céu medonho<br />

Como um astro que já morreu.<br />

E o sino geme em lúgubres<br />

responsos:<br />

‘‘Pobre Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus!<br />

Convencionou-se, para<br />

efeito de análise, que a cada rima<br />

corresponde uma letra do alfabeto,<br />

por exemplo:<br />

Nesta 4 a parte, composta<br />

por dois tercetos e um refrão,<br />

a rima é IIJ; CCJ; DD.<br />

Quanto à distribuição das<br />

rimas, ao longo do poema, notamos<br />

que há uma simetria perfeita,<br />

pois temos: rimas consoantes<br />

nos dois versos iniciais de<br />

cada terceto que se alternam com<br />

rimas toantes entre os versos de<br />

cada terceto e nos refrões. Dessa<br />

forma, podemos concluir que,<br />

conforme o modo como estão distribuídas<br />

no poema, apresentamse<br />

emparelhadas nos dois primeiros<br />

versos de cada terceto<br />

(AA, CC, DD, GG, II) e nos<br />

refrões (EE). Por outro lado, as<br />

rimas entre os terceiros versos e<br />

cada terceto são interpoladas.<br />

Quanto à posição do<br />

acento tônico, no decorrer do<br />

poema as rimas classificam-se:<br />

graves nos versos 1(aurora) e 2<br />

(evapora) ; 4(sonho) e 5 (risonho);<br />

7(responsos) e 8<br />

(Alphonsus); 9(estrada) e 10<br />

(cada); 12 (sonho) e 13 (ponho);<br />

15(responsos) e 16(Alphonsus);<br />

17(desce) e 18(prece); 20(sonho)<br />

e 21(tristonho); 23<br />

(responsos) e 24 (Alphonsus);<br />

25(uiva) e 26 (ruiva); 28 (sonho)<br />

e 29 (medonho); 31(responsos)<br />

e 32 (Alphonsus). Havendo rimas<br />

do tipo aguda apenas nos<br />

versos 3(arrebol) e 6(sol);<br />

11(luz) e 14(Jesus); 19(rezar) e<br />

22(luar), 27(meu) e 30(morreu).<br />

Sabendo-se que vale<br />

conceituar rima rica e rima pobre,<br />

temos: no primeiro, o critério<br />

do ponto de vista gramatical. Assim,<br />

comparando os termos que<br />

rimam, percebemos que ocorrem<br />

rimas “ricas” entre os versos<br />

1(substantivo) e 2(verbo); 4(substantivo)<br />

e 5(adjetivo); 9(substan-<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

7


tivo) e 10(pronome); 12(substantivo)<br />

e 13(verbo); 17(verbo) e<br />

18(substantivo); 20(substantivo) e<br />

21(adjetivo); 25(verbo) e 26(adjetivo);<br />

27(pronome) e 30(verbo);<br />

28(substantivo) e 29(adjetivo) e,<br />

nos versos 3 e 6; 7 e 8; 11 e 14;<br />

15 e 16; 19 e 22; 23 e 24; 31 e 32,<br />

as rimas são “pobres”, uma vez<br />

que ocorrem apenas entre substantivos.<br />

Pelo critério fônico, a<br />

rima pode ser rica ou pobre conforme<br />

a extensão dos sons semelhantes.<br />

No primeiro caso, a identificação<br />

começa antes da vogal<br />

tônica e no segundo, iguala-se às<br />

letras a partir de vogal tônica.<br />

Dessa forma, voltando ao poema,<br />

chegamos à seguinte conclusão:<br />

entre os versos 4 e 5, há a semelhança<br />

a partir da consoante que<br />

antecede a vogal tônica, daí porque<br />

consideradas rimas “ricas”.<br />

Nos demais versos a coincidência<br />

ocorre somente da vogal tônica<br />

em diante. Por isso são consideradas<br />

rimas “pobres”.<br />

FIGURAS DE EFEITO SO-<br />

NORO<br />

Aliteração: entre o título do<br />

poema e texto correspondente,<br />

podemos verificar uma<br />

relação que nos leva a perceber<br />

a divisão das 4 etapas<br />

pelas quais todos os seres<br />

passam neste mundo terreno.<br />

Em função disso, buscamos<br />

a possível ligação entre<br />

a repetição de consoantes no<br />

poema e o seu respectivo<br />

efeito e, consequentemente,<br />

sua contribuição para a significação<br />

do texto.<br />

8 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

Os números mais relevantes<br />

que encontramos<br />

correspondem às consoantes<br />

“S” e “R” que aparecem,<br />

respectivamente, num total<br />

de 72 e 55 vezes.<br />

Assonância: em relação à<br />

repetição da mesma vogal no<br />

poema, observamos a ocorrência<br />

de “O”, “E” e “A”,<br />

aparecendo, respectivamente,<br />

106,105 e 101. Essas,<br />

curiosamente, sobressaem-se<br />

em relação às semivogais<br />

“U”, num total de 49 vezes<br />

e, “I” que ocorre 21 vezes<br />

ao longo de todo o poema.<br />

O que se pode concluir é que<br />

a repetição das vogais dá um significado<br />

que sugere uma atmosfera<br />

clara e luminosa, no início.<br />

Já, as semivogais podem<br />

corresponder ao tom quimérico<br />

diante da transitoriedade da vida,<br />

que se evidencia no final do poema.<br />

Diante de todos estes detalhes,<br />

é evidente que as figuras<br />

sonoras de repetição não têm um<br />

sentido por si próprias, mas somam<br />

seu efeito à significação do<br />

poema, cujo título já sugere a<br />

musicalidade que vai percorrê-lo.<br />

Há, uma associação entre a métrica<br />

e as rimas que juntamente<br />

com as repetições de letras dão<br />

musicalidade e ritmo ao poema.<br />

É nesse contexto, que observamos<br />

as correspondências sonoras<br />

reforçando a correspondência<br />

entre os diferentes ciclos da<br />

vida:<br />

Canta a infância (aurora, orvalho)<br />

Clama a juventude (glorioso,<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

áurea, cintila)<br />

Chora a velhice (desce, esquiva,<br />

amargurada)<br />

Geme a morte (trevas, uiva,<br />

afunda-se )<br />

·REPETIÇÃO DE PALA-<br />

VRAS<br />

Onomatopéia: é uma tentativa<br />

de estabelecer uma relação<br />

estrita e não convencional<br />

entre o plano de expressão<br />

e o do conteúdo. A<br />

imitação do som natural da<br />

coisa significada é dada pela<br />

escolha e pela disposição dos<br />

fonemas, de modo que o<br />

significante (a massa sonora)<br />

remeta diretamente para<br />

o significado (a imagem mental):<br />

Pobre Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus! lembra-nos<br />

o vai e vem do sino a badalar<br />

na torre da igreja.<br />

Anáfora: é um dos recursos<br />

muito freqüentes. A análise<br />

dos recursos sonoros enriquece<br />

os demais aspectos e<br />

torna-os mais sugestivos dentro<br />

do poema. Nesse caso, a<br />

repetição dos versos 4, 12, 20<br />

e 28 : A catedral ebúrnea<br />

do meu sonho, enfatiza e<br />

valoriza sua contribuição para<br />

a compreensão do significado<br />

do poema; Já, nos versos<br />

7 (E o sino canta em lúgubres<br />

responsos), 15 (E o<br />

sino clama em lúgubres<br />

responsos), 23(E o sino<br />

chora em lúgubres<br />

responsos), e 31 (E o sino<br />

geme em lúgubres<br />

responsos), há de observarse<br />

que estes versos não são


12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

totalmente repetidos, pois<br />

sofrem alterações na ação<br />

verbal. A essa mudança relacionamos<br />

o estado d’alma<br />

do poeta, diante da transformação<br />

que sofrem os ciclos<br />

da vida.<br />

A grande habilidade poética<br />

de Alphonsus Guimarães permite,<br />

através da troca dos verbos<br />

CANTA – CLAMA – CHO-<br />

RA – GEME, sugerir um clima<br />

de efemeridade. O poeta,<br />

astuciosamente, cria uma tensão<br />

ao permutar as ações verbais, tão<br />

temporárias quanto as fases de<br />

nossas vidas, de maneira a evidenciar<br />

a transitoriedade da vida.<br />

Dessa forma, ele tenta nos passar<br />

seus momentos de angústia<br />

diante de uma situação que não<br />

pode mudar. Não podemos deixar<br />

de observar que a mesma<br />

consoante que inicia o título do<br />

poema, também inicia os verbos<br />

que acompanham o substantivo<br />

SINO e que, diante das<br />

semivogais “I” e “E” assemelham<br />

ao som de “S” que, por sua<br />

vez inicia a palavra SINO. O<br />

SINO, que está diretamente ligado<br />

à <strong>CATEDRAL</strong>, está para o<br />

CORAÇÃO, assim como CA-<br />

TEDRAL está para o CORPO.<br />

Com a troca dos verbos indiciase<br />

o lamento pelo tempo que passa.<br />

A palavra GEME<br />

corresponde à agonia dos últimos<br />

momentos de vida das pessoas.<br />

NÍVEIS DO POEMA<br />

Buscando a interpretação<br />

do poema como uma uni-<br />

dade que compreende seus aspectos<br />

estruturais, procuramos,<br />

em separado, analisá-lo de maneira<br />

a desvelar, através de um<br />

leque de possibilidades que sua<br />

linguagem nos oferece, o seu significado.<br />

·NÍVEL LEXICAL<br />

“ A poesia é feita de palavras<br />

e a literariedade<br />

de um texto reside no<br />

uso específico que delas<br />

se faz. As palavras são,<br />

para o poeta, ao mesmo<br />

tempo signos e coisas.<br />

Elas designam não apenas<br />

as coisas, mas também<br />

a ação possível dessas<br />

coisas. Isso significa<br />

que a tendência funcional<br />

da linguagem poética<br />

é falar não ao nível<br />

dos conceitos, mas ao<br />

nível de realidades,<br />

presentificando os objetos<br />

denominados e mostrando-os<br />

sob um aspecto<br />

novo e surpreendente”.<br />

(D’ONOFRIO,<br />

1995, p. 21-22)<br />

Neste nível, vale nos<br />

prendermos ao vocabulário do<br />

texto, uma vez que é revelador<br />

da linguagem utilizada para a sua<br />

construção.<br />

Ao analisarmos este<br />

aspecto nos deparamos com uma<br />

linguagem coloquial, que somada<br />

ao uso dos substantivos em<br />

detrimento dos adjetivos e verbos,<br />

revela a grande preocupação com<br />

o ser. A predominância dos<br />

substantivos abstratos ratifica a<br />

temática do poema, haja vista que<br />

esses indicam generalização.<br />

Quanto aos tempos e<br />

modos verbais, verificamos que<br />

ao longo do poema ocorrem 17<br />

verbos no presente (marcando a<br />

proximidade da temática com o<br />

sujeito da enunciação) do<br />

indicativo (revelando que a<br />

temática trata de uma realidade<br />

pela qual todos nós passamos), 1<br />

na forma infinitiva e 1 no pretérito<br />

perfeito. A maioria dos verbos<br />

de ação indica o dinamismo com<br />

o qual há a evolução dos ciclos<br />

da vida.<br />

Pressupondo que a escolha<br />

das palavras utilizadas pelo<br />

poeta muito contribuirá para a<br />

nossa análise, adentraremos na<br />

relação entre cada uma delas, a<br />

forma como são usadas e o que<br />

sugerem, quando sozinhas.<br />

Inicialmente, precede-se<br />

o levantamento das categorias<br />

gramaticais: são 30 substantivos,<br />

sendo 29 comuns e apenas 1 próprio;<br />

dentre os 30, 17 são abstratos<br />

e 13 concretos. Vale destacar<br />

a ocorrência de 20 verbos (17<br />

no presente do indicativo, 1 na<br />

forma infinitiva e 1 no pretérito<br />

perfeito. Quanto aos artigos, temos<br />

22 definidos e indefinidos. Os<br />

pronomes presentes totalizam 14,<br />

sendo 6 possessivos. Há, apenas<br />

um advérbio de intensidade e 9<br />

preposições.<br />

Em cada estrofe observa-se<br />

a relação substantivo/adjetivo,<br />

ocorrendo sempre na mesma<br />

posição:<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

9


...o hialino orvalho... ( verso 2)<br />

...a catedral ebúrnea...( verso<br />

4)<br />

...do céu risonho...(verso 5)<br />

...lúgubres responsos... (verso<br />

7)<br />

...Pobre Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus...(verso 8)<br />

...astro glorioso...eterna estrada...<br />

(verso 9)<br />

...áurea seta... (verso 10)<br />

...Refulgente raio... (verso 11)<br />

...a catedral ebúrnea... (verso<br />

12)<br />

Após a observação da<br />

relação substantivo/adjetivo, concluímos<br />

que, apesar da preocupação<br />

com o ser em si e da idéia<br />

de dinamismo evidenciada pelos<br />

verbos de ação, há (através do<br />

uso de adjetivos — uma caracterização<br />

ou mais em cada verso,<br />

para cada substantivo), o que nos<br />

leva a perceber a estaticidade<br />

com a qual vemos acontecer a<br />

metamorfose em nossas vidas.<br />

Concluímos este breve<br />

estudo do estrato lexical observando<br />

que a poesia coloca as palavras<br />

em liberdade, dando privilégio<br />

ao léxico à custa da sintaxe.<br />

Assim:<br />

“A palavra (poética)<br />

nega a probabilidade estatística,<br />

frustra a expectativa<br />

que essa probabilidade<br />

estatística suscita<br />

em nós, e atesta ao mesmo<br />

tempo a escolha que<br />

cada poeta faz das palavras-chave,<br />

que determinam<br />

seu mundo. É,<br />

pois, verdadeiramente o<br />

léxico que traz a informação,<br />

e a sintaxe está<br />

subordinada a ele por<br />

10<br />

10<br />

10 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

princípio”. (131, p. 55)<br />

NÍVEL SINTÁTICO<br />

Observamos que o<br />

paralelismo não atinge apenas o<br />

estrato sintático, mas é o princípio<br />

onipresente da poesia, que se<br />

caracteriza pelo ritmo da repetição.<br />

Todas as homofonias (da<br />

rima ao refrão, constituído pela<br />

repetição de versos no início ou<br />

fim de uma estrofe) são<br />

paralelismos sonoros; todas as<br />

repetições de idéias ou sentimentos,<br />

que dão origem a isotopias,<br />

podem ser consideradas<br />

paralelismos semânticos.<br />

Ao organizar os versos<br />

deste poema, Alphonsus Guimarães,<br />

o fez da seguinte forma:<br />

Na primeira estrofe, o<br />

primeiro verso termina com um<br />

ponto final, denotando uma pausa<br />

maior que a vírgula. Neste<br />

caso marca o verso introdutório<br />

do poema; o verso 2 termina com<br />

uma vírgula que assinala a interrupção<br />

de um seguimento natural<br />

das idéias e se intercala um<br />

juízo de valor ou uma reflexão<br />

subsidiária; o 3 º verso, com um<br />

ponto final conclui a oração anterior<br />

e o 1 º terceto, da 1 ª estrofe<br />

que descreve o primeiro ciclo de<br />

nossas vidas. O 4 º verso inicia<br />

uma oração, por isso não tem<br />

pontuação, ocorre apenas uma<br />

pausa, talvez para dar tempo ao<br />

poeta de organizar as idéias e<br />

conceber o próximo verso, pontuado<br />

com uma vírgula que tem<br />

a mesma função daquela que<br />

aparece no verso 2.<br />

Para concluir a 1 ª estrofe,<br />

temos um refrão com dois<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

versos: o primeiro delimitado por<br />

dois pontos indicando que será<br />

seguido de uma quebra da seqüência<br />

das idéias e de expressão<br />

seguida de um pensamento<br />

difícil que é concluído com um<br />

ponto de exclamação traduzindo<br />

um enunciado denotativo da<br />

gradação da surpresa sentida pelo<br />

poeta.<br />

A mesma pontuação é<br />

utilizada nas estrofes seguintes,<br />

apenas diferem quanto à posição<br />

dos versos, mas a intenção é a<br />

mesma no que se refere ao sentido<br />

que dão ao significado do<br />

poema.<br />

A disposição gráfica do<br />

texto distribui-se em frases que<br />

ora apresentam-se isoladas e ora<br />

formam orações e até períodos<br />

longos, como acontece com a 3ª<br />

estrofe:<br />

A catedral ebúrnea do meu<br />

sonho<br />

Aparece, na paz do céu<br />

tristonho,<br />

Toda branca de luar<br />

O paralelismo que está<br />

presente neste poema salta aos<br />

nossos olhos. Tomemos como<br />

exemplo a 1 ª e a 2ª estrofes:<br />

Entre brumas, ao longe,<br />

surge a aurora,<br />

O hialino orvalho aos poucos<br />

se evapora,<br />

Agoniza o arrebol.<br />

A catedral ebúrnea do meu<br />

sonho<br />

Aparece, na paz do céu<br />

risonho,<br />

Toda branca de sol.


12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

E o sino canta em lúgubres<br />

responsos:<br />

Pobre Alphonsus !Pobre<br />

Alphonsus!’<br />

O astro glorioso segue a<br />

eterna estrada.<br />

Uma áurea seta lhe cintila<br />

em cada<br />

Refulgente raio de luz.<br />

A catedral ebúrnea do meu<br />

sonho,<br />

Onde os meus olhos tão<br />

cansado ponho,<br />

Recebe a bênção de Jesus.<br />

E o sino clama em lúgubres<br />

responsos:<br />

Pobre Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus!’<br />

Note que nos versos 5,<br />

21 e 29, há a mesma construção<br />

de substantivo (céu) alterando<br />

apenas a caracterização (risonho<br />

/ tristonho / medonho) — denotando<br />

a gradativa mudança de<br />

humor à medida em que os ciclos<br />

da vida vão passando de uma<br />

fase para outra; nos versos 4, 12,<br />

20 e 28, o sujeito e o predicado é<br />

o mesmo; os versos 8, 16, 24 e<br />

32, são refrões e, portanto, repetem-se<br />

completamente quanto à<br />

construção sintática; nos versos<br />

7, 15, 23 e 31, o sujeito e o<br />

predicado são os mesmos, sendo<br />

que ocorre uma variação na ação<br />

verbal. A todo esse paralelismo,<br />

atribuímos a idéia dos movimentos<br />

repetitivos da batida do sino<br />

da catedral. O sino, nada mais é<br />

do que uma metáfora de nosso<br />

coração, pulsando em nosso cor-<br />

po. As variações observadas dentro<br />

desse paralelismo nos remetem<br />

à mudança que ocorre de<br />

uma estrofe para outra, denotando<br />

e ratificando os quatro ciclos<br />

de nossas vidas.<br />

Ao observarmos o<br />

paralelismo nos refrões, facilmente<br />

percebemos a onomatopéia<br />

que o constitui e a relacionamos<br />

com o ir e vir do sino durante as<br />

batidas no alto da catedral. Nesse<br />

caso, a sinestesia apela à nossa<br />

audição e também à nossa visão.<br />

Ainda tratando do<br />

paralelismo, podemos observar e<br />

destacar as inversões sintáticas,<br />

que certamente contribuirão para<br />

nos levar ao caminho da interpretação<br />

do significado do poema.<br />

Assim, de volta ao poema, citamos:<br />

Qualquer inversão da<br />

posição natural dos sintagmas na<br />

frase chama a atenção sobre o<br />

texto e cria um efeito de<br />

estranhamento, denunciando a<br />

função poética da linguagem. A<br />

retórica clássica denominou<br />

hipérbato a figura que consiste em<br />

deslocar um elemento frásico de<br />

seu lugar habitual. Nos versos 2,<br />

10, 11 e 27, respectivamente temos:<br />

hialino orvalho, áurea<br />

seta, refulgente raio, amargurada<br />

prece. A antecipação do<br />

adjetivo em relação ao substantivo<br />

cria uma tensão na seqüência<br />

da construção desta relação, que<br />

na maioria das vezes ocorre de<br />

forma comum (substantivo +<br />

adjetivo), ao longo do poema.<br />

Neste caso, o hipérbato é provocado<br />

pela anástrofe (anteposição<br />

do determinante ao determinado).<br />

No verso 26,...Do relâmpago<br />

a cabeleira ruiva..., o<br />

objeto direto antecede o sujeito;<br />

já no verso 27, ...rosto meu...,<br />

temos a antecipação do substantivo<br />

em relação ao pronome possessivo.<br />

O hipérbato presente no<br />

verso 13 é bastante claro, pois<br />

temos...onde os meus olhos<br />

tão cansado ponho..., quando<br />

deveria ser “onde ponho os meus<br />

olhos tão cansado”.<br />

No primeiro terceto da 3ª<br />

estrofe observa-se: Por entre<br />

lírios e lilases desce / A tarde<br />

esquiva: amargurada prece /<br />

Põe-se a lua a rezar, a seqüência<br />

lógica seria “A tarde esquiva<br />

desce / por entre lírios e lilases /<br />

Põe-se a lua a rezar : amargurada<br />

prece”. Nota-se que há uma<br />

completa inversão de ordem. O<br />

poeta preferiu iniciar a estrofe<br />

com as preposições (por entre),<br />

colocando em evidência um cenário<br />

típico do crepúsculo, do<br />

entardecer. Nessa referência, a<br />

sinestesia apela à nossa visão,<br />

fazendo-nos perceber o coração<br />

angustiado do poeta.<br />

Na variação do verbo<br />

que segue a palavra sino, uma<br />

gradação: verso 7: o sino canta<br />

(cantar sugere alegria, inclusive<br />

nos remete ao ditado popular :<br />

“quem canta, seus males espanta”);<br />

verso 15 : o sino clama (<br />

clamar sugere apelo); verso 23 :<br />

o sino chora (chorar remete à<br />

tristeza); verso 31 : o sino geme<br />

(gemer lembra dor). Para cada<br />

um desses verbos há uma correspondência<br />

quanto às fases de<br />

nossas vidas:<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

11<br />

11


Cantar ............ Infância<br />

Clamar ............ Juventude<br />

Chorar ............ V elhice<br />

Gemer ............ M o r t e<br />

Unindo essas idéias, facilmente<br />

percebemos que o poema<br />

está dividido em quatro partes<br />

reveladoras da correspondência<br />

acima disposta. Curiosamente,<br />

à medida em que vamos descobrindo<br />

cada uma dessas correspondências,<br />

vamos nos dando<br />

conta de que, em “CATE-<br />

DRAL”, nada está escrito por<br />

acaso. Nas 3 primeiras estrofes,<br />

os verbos estão no presente do<br />

indicativo e, apenas na última, temos<br />

o verbo “morrer” no pretérito<br />

perfeito. Com essa tensão,<br />

provocada pela mudança brusca<br />

no tempo verbal, denota-se todo<br />

o clima angustiante e porque não<br />

dizer “medonho”, revelando o<br />

pavor que a maioria das pessoas<br />

têm da morte. Morte: a reta final<br />

de todos nós; a única certeza que<br />

temos na vida. A morte é o fim<br />

do qual gostaríamos de nos manter<br />

distantes - daí porque o<br />

distanciamento (marcado pela<br />

presença do verbo no passado)<br />

entre o texto e o presente, (marcado<br />

pelos verbos no presente do<br />

indicativo) que vivemos certos de<br />

que um dia passaremos pelos<br />

momentos angustiantes da reta<br />

final de nossas vidas. Após a tristeza<br />

e a dor do fim de tudo, o<br />

poema é encerrado com o efeito<br />

de perplexidade revelada pela exclamação<br />

dirigida ao Pobre<br />

Alphonsus! Pobre Alphonsus,<br />

que pode ser uma metonímia de<br />

todos nós, seres vivos.<br />

12<br />

12<br />

12 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

· ENCADEAMENTO OU<br />

“ENJAMBMENT”<br />

O verso, sendo um segmento<br />

do discurso poético, estabelece<br />

uma pausa fônica e semântica<br />

própria, independente<br />

das pausas fônicas e semânticas<br />

exigidas pelas normas de pontuação<br />

e de sintaxe do discurso prosaico.<br />

A palavra final de um verso<br />

é posta em ênfase e, especialmente<br />

se rimada, entra em relação<br />

de semelhanças ou<br />

dessemelhanças com as palavras<br />

terminais de outros versos.<br />

Em outras palavras, no<br />

texto poético há uma correlação<br />

intrínseca entre a estrutura da<br />

expressão e a estrutura do conteúdo,<br />

o que confere ao verso uma<br />

certa autonomia quanto às regras<br />

sintáticas e semânticas da linguagem<br />

comum. A poesia<br />

versificada, especialmente da<br />

época do Romantismo e do Simbolismo,<br />

tenta quebrar o<br />

paralelismo dono-semântico<br />

do discurso normal, em virtude do<br />

qual todo segmento de sentido<br />

coincide com uma pausa fônica,<br />

expressa graficamente pela pontuação.<br />

Esse paralelismo é rompido<br />

pela não-correspondência do<br />

corte do verso com o corte da<br />

frase, o que a linguagem retórica<br />

chama de enjambment,<br />

encavalgamento ou encadeamento:<br />

a pausa fônica final do verso<br />

separa aquilo que sintática e semanticamente<br />

é inseparável — o<br />

sujeito do verbo, o verbo do seu<br />

objeto, o adjetivo do substantivo,<br />

o artigo do nome. A unidade<br />

fônica do verso, contrariando a<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

12345678901234567890123456789012123456<br />

pausa gramatical, confere à palavra<br />

destacada pelo<br />

enjambement uma nova funcionalidade<br />

sintática e um sentido<br />

conotativo: a palavra final do verso<br />

28, sonho, está separada gráfica<br />

e fonicamente de seu verbo<br />

afunda-se, enquanto se liga<br />

fonicamente, pela rima, com o<br />

substantivo medonho. Isso faz<br />

com que afunda-se enfraqueça<br />

sua função de verbo e adquira<br />

uma nuance de sujeito<br />

indeterminado, marcado pelo se<br />

— índice de indeterminação do<br />

sujeito: com isso — como é característico<br />

dos simbolistas, o<br />

poeta sugere ao invés de revelar<br />

quem afunda-se no caos do<br />

céu medonho. Ele aguça a imaginação<br />

do leitor que, por sua vez<br />

terá que tirar as próprias conclusões.<br />

Isso ocorre, graças ao<br />

enjambement, que cria uma ambigüidade<br />

de leitura no texto poético:<br />

um poema pode ser lido segundo<br />

as pausas estabelecidas<br />

pela pontuação e pelo sentido<br />

denotativo ou segundo as pausas<br />

intermediárias e finais do verso.<br />

25 O céu é todo trevas: o<br />

vento uiva.<br />

26 Do relâmpago a cabeleira<br />

ruiva<br />

27 Vem açoitar o rosto<br />

meu.<br />

28 E catedral ebúrnea do meu<br />

sonho<br />

29 Afunda-se no caos do céu<br />

medonho<br />

30 Como um astro que já<br />

morreu.


12345678901234567890123456789012123456<br />

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12345678901234567890123456789012123456<br />

31 E o sino geme em lúgubres<br />

responsos:<br />

32 ‘‘Pobre Alphonsus! Pobre<br />

Alphonsus!<br />

A última estrofe apresenta<br />

uma sintaxe e uma pontuação<br />

ligando os versos: o primeiro<br />

verso introduz um pensamento<br />

concluído e por isso é pontuado<br />

com um ponto final. Entretanto,<br />

vale destacar a interessante pontuação<br />

bem no meio desse verso:<br />

O poeta afirma que o céu é todo<br />

trevas e em seguida coloca dois<br />

pontos, dando-nos indícios de<br />

que logo após fará uma<br />

complementação de sua idéia (o<br />

mesmo ocorre com o verso 18: a<br />

tarde esquiva: amargurada<br />

prece). O verso 26 termina com<br />

uma pausa pela necessidade da<br />

métrica e do ritmo. Em seguida,<br />

vem o seu complemento demarcado<br />

por um ponto final, dandolhe<br />

sentido completo.<br />

Entre os versos 28, 29 e<br />

30, há uma seqüência de idéias<br />

que se completam à medida que<br />

estes se dispõem. Por essa razão,<br />

não há pontuação entre os<br />

versos 28 e 29, apenas o verso<br />

30 é pontuado com um ponto final<br />

confirmando a complementação<br />

da idéia.<br />

Já nos versos 31 e 32 há<br />

pontuação: o primeiro aparece<br />

demarcado com dois-pontos, demonstrando<br />

a intenção de uma<br />

expressão seguinte que completará<br />

essa idéia. É o que acaba<br />

acontecendo com o verso 32 que<br />

finaliza com um ponto de exclamação.<br />

Surge, portanto, uma espécie<br />

de choque entre o som<br />

(completo), a organização sintática<br />

e o sentido (ambos incompletos).<br />

Ou seja: tensão. Geralmente<br />

o encadeamento produz<br />

uma relação bastante complexa<br />

entre esses níveis, resultando em<br />

ambigüidade de sentido. Atente<br />

para os encadeamentos na estrofe<br />

inicial do poema:<br />

28 E catedral ebúrnea do meu<br />

sonho<br />

29 Afunda-se no caos do céu<br />

medonho<br />

30 Como um astro que já<br />

morreu.<br />

Nos versos exemplificados,<br />

o termo colocado no final<br />

sofre uma espécie de redução em<br />

seu sentido, pelo “enjambement”<br />

que os liga pela sintaxe e pelo<br />

sentido do verso seguinte. No<br />

conjunto dos versos, há uma relação<br />

bastante complexa,<br />

sugerida pela ambigüidade que<br />

será ampliada pelo contraste sugerido<br />

entre as palavras SO-<br />

NHO X MEDONHO. Ora,<br />

quando ouvimos falar em sonho,<br />

rapidamente temos a idéia de<br />

momentos maravilhosos que passamos<br />

enquanto dormimos, ou<br />

enquanto acordados e nos vemos<br />

realizando ideais para nossas vidas.<br />

Por outro lado, a palavra<br />

medonho tem todo um sentido<br />

contrastante em relação à palavra<br />

sonho. Na verdade, está mais<br />

para pesadelo do que para sonho.<br />

Logo, ao rimar as duas palavras,<br />

o poeta aproxima duas idéias contrárias,<br />

criando uma situação<br />

marcada pela antítese SONHO<br />

X MEDONHO ao descrever o<br />

momento final de nossas vidas.<br />

Achamos importante res-<br />

saltar outras situações semelhantes<br />

nos versos:<br />

25 (trevas) X 26 (relâmpago)<br />

28 (ebúrnea) X 30 (astro)<br />

1 (aurora) X3 (agoniza)<br />

No conjunto, é notória<br />

uma certa ambigüidade motivada<br />

pelas relações estabelecidas<br />

entre esses versos. Mais uma vez,<br />

a antítese amplia a tensão<br />

sugerida pelos encadeamentos,<br />

instaurando duplicidade de sentido,<br />

na medida em que se associam<br />

aspectos contraditórios para<br />

descrever uma mesma paisagem.<br />

· NÍVEL SEMÂNTICO<br />

Sem dúvida, o nível mais<br />

importante da análise poemática<br />

é o semântico, haja vista que a<br />

finalidade última durante o estudo<br />

da literatura é captar a significação<br />

( ou as várias possibilidades<br />

de significações ) de um texto<br />

poético. Segundo Roland Barthes,<br />

a significação não é apreensível<br />

nem pelas formas nem pelos conteúdos,<br />

mas pelo “processo” que<br />

vai de umas a outros. Por isso,<br />

não basta ter realizado apenas o<br />

estudo dos tropos fônicos, lexicais<br />

e sintáticos, se não completá-lo<br />

com o estudo dos tropos semânticos.<br />

· FIGURAS DE LINGUA-<br />

GEM<br />

É imprescindível, neste<br />

nível, observarmos e comentarmos<br />

algumas figuras cuja presença<br />

no poema pode implicar importantes<br />

efeitos semânticos.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

13<br />

13


1. Comparação: é uma figura<br />

que aproxima dois termos,<br />

através da locução conjuntiva<br />

“como”, “assim como”, “tal”,<br />

“qual”, e outras do mesmo<br />

tipo. Como exemplo, citamos<br />

o verso 30: como um astro<br />

que já morreu. O poeta<br />

aproxima a catedral (corpo<br />

/ terreno), dos astros (espacial),<br />

através do “como”.<br />

2. Sinestesia: é o recurso que<br />

sugere associação de diferentes<br />

impressões sensoriais,<br />

ou seja, sugestões ligadas aos<br />

cinco sentidos: visão, tato,<br />

audição, olfato, paladar. O<br />

poema <strong>CATEDRAL</strong>, como<br />

não poderia deixar de ser —<br />

haja vista que é simbolista —<br />

é repleto de idéias que aguçam<br />

os nossos sentidos. Vejamos:<br />

Logo na primeira parte<br />

temos: BRUMAS, CANTA,<br />

AURORA, ORVALHO, EVA-<br />

PORA, ARREBOL, BRAN-<br />

CA, SOL; na segunda, podemos<br />

destacar: ASTRO, ÁUREA<br />

SETA, CLAMA, REFUL-<br />

GENTE, RAIO DE LUZ,<br />

BÊNÇÃO; na terceira: LÍRIOS<br />

LILASES, TARDE, CHORA,<br />

LUA, REZAR, LUAR, e na 4 a .:<br />

TREVAS, VENTO, RELÂM-<br />

PAGO, GEME, CABELEIRA<br />

RUIVA, AÇOITAR O ROS-<br />

TO MEU. Todas essas palavras<br />

que destacamos fazem-nos sentir,<br />

ouvir, cheirar e ver toda a paisagem<br />

do cenário descrito pelo<br />

poeta: o nascer luminoso (infância),<br />

traz a sensação do perfume<br />

da natureza orvalhada e à sensa-<br />

14<br />

14<br />

14 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

ção da luz (o vigor da juventude)<br />

e do aroma se acrescenta à da<br />

cor (na terceira parte o cenário é<br />

de um crepúsculo) e do som (das<br />

badaladas de um sino que anuncia<br />

a morte de alguém, principalmente<br />

nos interiores).<br />

Dentre todos os exemplos<br />

dados, citamos em separado,<br />

o principal que configura toda<br />

a sinestesia sugerida no poema:<br />

SINO. Com o simples ouvir dessa<br />

palavra, associando-se ao refrão<br />

do poema, facilmente construímos<br />

a cena de um sino tocando<br />

no alto da torre de uma igreja.<br />

3. Metáfora: é a metáfora por<br />

excelência que contém o<br />

mais alto grau de poeticidade,<br />

utilizada especialmente pelos<br />

poetas simbolistas. Consiste<br />

numa associação de sensações<br />

numa relação subjetiva<br />

entre uma percepção e outra<br />

que pertença ao domínio<br />

de um sentido diferente. De<br />

maneira simplificada, podese<br />

compreender a metáfora<br />

como uma comparação abreviada,<br />

ou seja, da qual se retirou<br />

a expressão “como” ou<br />

similar. O poema em análise<br />

representa uma grande metáfora:<br />

o homem e as quatro<br />

etapas de sua vida. Vejamos:<br />

Catedral Corpo<br />

Aurora Nascer<br />

Sino Coração<br />

Astro glorioso O homem<br />

jovem,<br />

cheio de<br />

vitalidade<br />

Tarde esquiva Envelhecimento<br />

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O céu é todo<br />

trevas A escuridão<br />

da morte<br />

(desconhecida)<br />

4. Metonímia: é o emprego de<br />

um termo por outro, numa<br />

relação de ordem. Em CA-<br />

TEDRAL, percebe-se que<br />

na verdade toda a situação<br />

descrita pelo poeta, ou seja,<br />

a transitoriedade da vida,<br />

configura uma metonímia<br />

daquilo que é sentido por todos<br />

nós.<br />

5. Antítese: é a aproximação<br />

de idéias contrárias. Retomando<br />

o poema, destacamos<br />

como antítese: SONHO X<br />

MEDONHO, na qual há a<br />

aproximação de um substantivo<br />

que significa, normalmente,<br />

uma coisa boa, com<br />

um adjetivo que se opõe a<br />

essa idéia uma vez que tem<br />

em seu significado uma situação<br />

ruim, pavorosa.<br />

6. Apóstrofe: geralmente<br />

acompanhada pela exclamação<br />

(que pode ser considerada,<br />

em alguns casos, outra<br />

figura retórica), é uma interpelação<br />

direta e inopinada a<br />

elementos do mundo real ou<br />

imaginário, animados ou inanimados,<br />

ou a si próprio, para<br />

expressar uma emoção viva<br />

e profunda que de repente<br />

invade o espírito do narrador.<br />

Essa figura configura-se no<br />

poema em análise, exatamente<br />

nos refrões, quando o poeta<br />

expressa todo o seu lamento.


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7. Prosopopéia ou personificação:<br />

consiste no fato de<br />

atribuir características de<br />

seres vivos a seres inanimados.<br />

Podemos destacar essa<br />

figura dentro do poema nos<br />

seguintes versos: (v.3) Agoniza<br />

o arrebol; (v. 5) Aparece,<br />

na paz do céu risonho;<br />

(v. 7)E o sino canta em<br />

lúgubres responsos; (v.<br />

19) Põe-se a lua a rezar;<br />

(v. 21) Aparece, na paz do<br />

céu tristonho; (v. 25) céu<br />

é todo trevas: o vento<br />

uiva; (v.26 e 27)Do relâmpago<br />

a cabeleira ruiva /<br />

Vem açoitar o rosto meu.<br />

Neste aspecto, supomos que,<br />

ao personificar seres inanimados,<br />

a idéia do poeta é<br />

enfatizar mais ainda a transitoriedade<br />

das fases de nossas<br />

vidas. É como se ele quisesse<br />

nos mostrar que a vida<br />

corre tal qual o tempo.<br />

8. Inversão: é uma alteração<br />

da ordem normal dos termos<br />

na oração ou das orações no<br />

período. Podemos verificar<br />

que ocorre inversão no verso<br />

17: Por entre lírios e lilases<br />

desce / 18; A tarde<br />

esquiva: amargurada prece<br />

/ 19: Põe-se a lua a rezar.<br />

Acreditamos poder afirmar<br />

que a essa inversão remetese<br />

a idéia do término de uma fase<br />

que coincide com o início de outra,<br />

revelando uma tensão causada<br />

pela mudança.<br />

9. Alegoria: constituída de uma<br />

metáfora ou de uma série de<br />

metáforas nas quais a<br />

imagem, mais do que uma<br />

função estética tem a<br />

finalidade de revelar um<br />

sentimento oculto. A alegoria<br />

é formada por uma cadeia<br />

simbólica, definindo-se o<br />

símbolo como um signo que,<br />

por natureza, forma ou<br />

convenção, representa e<br />

evoca, num determinado<br />

contexto, outra coisa ausente<br />

e abstrata (bandeira ><br />

símbolo da pátria; pomba ><br />

paz; cruz > cristianismo,<br />

etc.).<br />

Atentemos para a palavrachave<br />

do poema: SINO, nela<br />

percebe-se a alegoria das igrejas,<br />

uma vez que é utilizado para<br />

chamar a atenção dos fiéis.<br />

ESTABELECENDO RELA-<br />

ÇÕES<br />

<strong>CATEDRAL</strong>, de autoria de<br />

Alphonsus Guimarães tem em<br />

todos os seus aspectos estruturais<br />

características ligadas ao<br />

Simbolismo. A riqueza em sugestões<br />

rítmicas é observável logo<br />

nos seus primeiros versos, sobretudo,<br />

na seleção vocabular que<br />

enfatiza a musicalidade inerente<br />

às palavras, principalmente quando<br />

colocadas numa criteriosa harmonia<br />

fônica. Não bastando isso,<br />

podemos associar ao aspecto rítmico,<br />

todo um jogo de palavras<br />

que constitui o parentesco sonoro,<br />

o uso de figuras de linguagem,<br />

bem como o paralelismo predominante.<br />

Nesse aspecto, podemos<br />

verificar que a maior ocorrência<br />

da consoante “S”, deve-se à sua<br />

ligação com a palavra-chave do<br />

poema: SINO. O sino que, ale-<br />

goricamente corresponde a igreja,<br />

ambiente religioso — já sugerido<br />

a partir do título do poema.<br />

O simbolismo do sino está ligado,<br />

sobretudo, à percepção do som.<br />

Na Índia, por exemplo, ele simboliza<br />

ouvido, e aquilo que o ouvido<br />

percebe, o som, que é reflexo<br />

da vibração primordial. Assim<br />

a maior parte dos sons percebidos,<br />

por ocasião das experiências<br />

de ioga, são sons de sinos. No<br />

Islã, a repercussão do sino é o<br />

som sutil da revelação corânica,<br />

a repercussão do Poder Divino<br />

na existência: a percepção do<br />

ruído do sino dissolve as limitações<br />

da condição temporal. Sem<br />

dúvida, o sino simboliza o apelo<br />

divino ao estudo da lei, a obediência<br />

à palavra divina, sempre<br />

uma comunicação entre o céu e<br />

a terra. A maior incidência da sílaba<br />

forte sobre a vogal “E”,<br />

quando unida com a aliteração do<br />

“S”, sugere-nos o ecoar das batidas<br />

do sino: bem-be-lelém...<br />

bem-be-lelém.<br />

Um fator importante a destacar<br />

refere-se ao trocar progressivo<br />

dos verbos que acompanham<br />

a palavra SINO: Canta – Clama<br />

– Chora – Geme. A intenção<br />

do poeta é justamente estabelecer<br />

uma progressão que denota<br />

a transitoriedade das fases<br />

de nossas vidas: infância – juventude<br />

– velhice – morte.<br />

Observando o aspecto semântico<br />

do poema e fazendo a<br />

análise da simbologia dos elementos<br />

que a compõem temos, além<br />

dos acima citados, outros que<br />

certamente influenciarão na busca<br />

de seu significado. Vejamos:<br />

A partir da aliteração do “S”,<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

15<br />

15


surge a idéia de movimento, vivacidade.<br />

Essa palavra, ao ser<br />

repetida 72 vezes no poema e<br />

associada ao “R” que está presente<br />

55 vezes, marca a sonoridade<br />

que permeia a atmosfera que<br />

prevalece no poema: Rapidez no<br />

passar de uma fase da vida para<br />

outra.<br />

Com a presença de identidade<br />

sonora de construção, pudemos<br />

concluir que essa combinação<br />

estabelece aproximações que<br />

sugerem vários significados e associações,<br />

como na 1ª estrofe:<br />

Aurora Evapora<br />

Sonho Risonho<br />

Responsos Alphonsus<br />

Arrebol Sol<br />

A primeira parte tem<br />

como cenário um ambiente no<br />

qual ocorre um nascimento. Entre<br />

brumas, que assim como o<br />

nevoeiro é símbolo do<br />

indeterminado, de uma fase de<br />

evolução: quando as formas não<br />

se distinguem ainda, surge a aurora.<br />

Sempre jovem, caminha<br />

cumprindo seu destino e vê sucederem-se<br />

as gerações. Cada<br />

manhã, todavia, ela está ali, símbolo<br />

de todas as possibilidades,<br />

signo de todas as promessas, trazendo<br />

consigo o início da vida,<br />

uma origem: a infância. A aurora<br />

anuncia e prepara o desabrochar<br />

das colheitas, assim como a<br />

juventude anuncia e prepara o<br />

homem. Símbolo de luz e de plenitude<br />

prometida, a aurora jamais<br />

cessa de ser a esperança em<br />

cada um de nós. A relação sonora<br />

entre essa palavra e<br />

evapora(que significa emitir, exalar<br />

vapores), aguça o nosso olfa-<br />

16<br />

16<br />

16 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

to, fazendo-nos sentir o doce aroma<br />

de um amanhecer. Tudo isso<br />

nos leva a identificar, metaforicamente,<br />

o primeiro período de<br />

nossas vidas: a infância. A relação<br />

hialino orvalho, bem caracteriza<br />

esse período,haja vista que<br />

a combinação do determinante<br />

(hialino) dá a idéia de transparência,<br />

de clareza que se opõe ao<br />

tom rubro do céu ao entardecer<br />

(arrebol), caracterizando o determinado<br />

(orvalho), como a expressão<br />

da bênção celeste, que<br />

representa essencialmente a graça<br />

vivificante. Ou seja, na infância<br />

somos puros, inocentes, transparentes<br />

e vivemos tranqüilamente.<br />

Sem nenhuma malícia deixamos<br />

fluir nossos sonhos encantados<br />

sem sequer nos darmos contar<br />

de que um dia morreremos.<br />

É, talvez, o período mais iluminado<br />

de nossas vidas. A paz reina<br />

em nossos corações.<br />

Observando o aspecto semântico<br />

como um todo, vemos na<br />

comparação ( “o como”) a aproximação<br />

entre <strong>CATEDRAL</strong> e<br />

ASTRO, estabelecendo a seguinte<br />

relação: a Catedral (Igreja)<br />

é comparada a uma imagem<br />

de mulher, semelhante a uma cidade.<br />

Ostenta na cabeça uma<br />

maravilhosa coroa. De seus braços<br />

descem rios de glórias, que<br />

vêm do céu à terra. A igreja abriga<br />

em seu seio todos os justos,<br />

desde Abel até o último dos justos.<br />

Já o ASTRO, participa das<br />

qualidades de transcendência e de<br />

luz que caracterizam o céu, com<br />

um matiz de regularidade inflexível,<br />

comandada por uma razão<br />

natural e misteriosa ao mesmo<br />

tempo. São animados por um<br />

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movimento circular representando<br />

o sinal da perfeição. Os astros<br />

são símbolos do comportamento<br />

perfeito e regular, como<br />

também de uma inacessível e distante<br />

beleza. Assim, a catedral é<br />

para o poeta o que o astro é para<br />

o homem: a certeza de segurança,<br />

uma possibilidade de relação<br />

intrínseca com o céu. O céu, por<br />

sua vez é um símbolo pelo qual<br />

se exprime a crença em um Ser<br />

Divinamente Celestial. Pelo simples<br />

fato de ser elevado, de encontrar-se<br />

em cima, equivale a<br />

ser poderoso (no sentido da palavra<br />

religiosa). Muitas vezes, representado<br />

pelo coração do homem.<br />

O céu é universalmente, o<br />

símbolo dos poderes superiores<br />

ao homem, benevolentes ou temíveis.<br />

Emprega-se a palavra<br />

céu, com freqüência, para significar<br />

o absoluto das aspirações do<br />

homem, como a plenitude da sua<br />

busca, como o lugar possível de<br />

uma perfeição do seu espírito,<br />

como se o céu fosse o espírito<br />

do mundo.<br />

Estrada Cada<br />

Sonho Ponho<br />

Luz Jesus<br />

Responsos Alphonsus<br />

Nesta segunda estrofe,<br />

temos a relação com uma etapa<br />

de nossas vidas, na qual começamos<br />

a nos interessar por muitas<br />

coisas que não atentamos na<br />

infância. A juventude prepara<br />

para a maturidade. Com ela vem<br />

a necessidade de traçar nossos<br />

próprios caminhos, planos e objetivos<br />

de vida. É quando pomos<br />

o vigor de nossa idade em tudo<br />

quanto realizamos no intuito de


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conseguirmos o que queremos.<br />

Como cristãos clamamos Jesus,<br />

filho de Deus, para que interceda<br />

por nós junto aos céus e Deus nos<br />

abençoe e guie segundo a sua<br />

vontade.<br />

Na expressão ...áurea<br />

seta lhe cintila em cada Refulgente<br />

raio de luz..., destacamos<br />

o raio como uma manifestação<br />

das vontades e do poder infinito<br />

do Deus supremo. A luz por<br />

ele irradiada vem em direção a<br />

nossa juventude simbolizando valores<br />

complementares ou<br />

alternantes da evolução da infância<br />

para a juventude, e caracterizando<br />

uma evidente intervenção<br />

do Deus Celestial. A luz traz consigo<br />

o calor que dá a vida. Num<br />

plano espiritual a luz da graça fecunda<br />

o coração da criatura chamada<br />

por Deus. Assim, na relação<br />

sonora estabelecida entre<br />

Jesus e Luz, temos Jesus como<br />

a luz do mundo. Ou seja, Deus o<br />

guiou para nos salvar; a luz de<br />

Deus espalha beleza e pureza<br />

sobre as mais baixas faculdades<br />

da alma humana. A luz ilumina<br />

os nossos caminhos, e para que<br />

sejamos virtuosos, clamamos as<br />

bênçãos de nosso Pai do Céu.<br />

Ainda nesta parte, ao<br />

observarmos a relação catedral<br />

ebúrnea / meu sonho / na paz<br />

do céu risonho / toda de branca<br />

de sol, concluímos que: na<br />

primeira, catedral é adjetivada<br />

pela palavra ebúrnea, revelandoa<br />

tão alva e lisa quanto o marfim.<br />

Catedral, numa relação metafórica,<br />

que está para o corpo (parte<br />

material de um homem ou de um<br />

animal), envolve as pessoas como<br />

o mundo ao poeta; para Freud, o<br />

sonho é a expressão, ou a realização<br />

de um desejo reprimido. É<br />

também considerado uma autorepresentação<br />

espontânea e simbólica<br />

da situação atual do inconsciente.<br />

No Egito antigo, acreditava-se<br />

ser um caminho indicado<br />

por Deus, para ser seguido<br />

pelo homem. Assim, o poeta se<br />

integra no sonho da mesma forma<br />

como contorna o mundo : nessa<br />

primeira etapa da vida, o sonho<br />

/ risonho denota um momento<br />

para sonhar de forma<br />

agradável e promissora, com o<br />

privilégio de usufruir uma paz que<br />

para os cristãos representa um<br />

estado de contemplação espiritual.<br />

É, portanto, um estado<br />

endênico, liberto de todas as agitações<br />

do mundo, como característico<br />

da infância. Para o poeta,<br />

a infância surge, metaforicamente,<br />

representada pela catedral/corpo.<br />

A infância nasce toda branca<br />

de sol: a cor branca ora é símbolo<br />

de ausência e ora é a soma<br />

das cores. Daí porque, às vezes<br />

coloca-se no início e, outras vezes<br />

no término da vida diurna.<br />

Nos ritos de iniciação é a cor da<br />

1ª fase, a da luta contra a morte.<br />

Essa brancura é maternal, uma<br />

fonte que deverá ser despertada<br />

por um toque de vara. E dela escorrerá<br />

o primeiro líquido nutriz,<br />

o leite, rico de um potencial de<br />

vida ainda não expressado, ainda<br />

todo cheio de sonho. E é este o<br />

leite bebido pelo lactente, antes<br />

mesmo de haver entreaberto os<br />

olhos para o mundo diurno, o leite<br />

cuja brancura é a do lírio e do<br />

lótus — ambos, imagens de<br />

devenir, de um despertar rico em<br />

promessas e virtualidades; o lei-<br />

te, luz da prata e da lua que, em<br />

sua ronda completa, é o arquétipo<br />

da mulher fecunda, plena de<br />

promessas de riquezas e de auroras.<br />

Desse modo, progressivamente,<br />

produz uma mudança; e<br />

como o dia sucede a noite, o espírito<br />

sai de sua inação para proclamar<br />

o esplendor de uma brancura<br />

que é a da luz diurna, solar,<br />

positiva, máscula. Ao cavalo branco<br />

do sonho, portador da morte,<br />

sucedem os alvos cavalos de<br />

Apolo, aqueles que o homem é<br />

incapaz de fitar sem<br />

ofuscamento. A esse clima cristalino,<br />

associamos a simbologia do<br />

sol que é a fonte da luz, do calor,<br />

da vida. Seus raios representam<br />

as influências celestes ou espirituais,<br />

recebidas pela Terra. O sol<br />

está no centro do céu como o<br />

coração no centro do ser. Se a<br />

luz irradiada pelo sol é conhecimento<br />

intelectivo, o próprio sol é<br />

a inteligência cósmica, assim<br />

como o coração é no ser, a sede<br />

da faculdade do conhecimento.<br />

Jesus aparece como o Sol que irradia<br />

a justiça, como o Sol espiritual<br />

ou o coração do mundo. O<br />

sol é utilizado em comparações<br />

ou metáforas, para caracterizar,<br />

não só o brilhante ou o luminoso,<br />

mas tudo o que é belo, amável,<br />

esplêndido. Em astrologia, o sol é<br />

símbolo de vida, calor, dia, luz,<br />

autoridade e de tudo o que brilha.<br />

Dessa forma, podemos concluir<br />

que esta parte do poema evidencia-nos<br />

um momento iluminado de<br />

nossas vidas: a juventude — período<br />

no qual centramos todas as<br />

nossas forças em busca dos sonhos<br />

que nos impulsionam a seguir<br />

a nossa estrada (via direta<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

17<br />

17


ou reta que está em oposição aos<br />

caminhos tortuosos. É uma expressão<br />

freqüentemente aplicada<br />

à ascensão da alma, assim como<br />

o sino está para o coração).<br />

Dessa forma, o poeta<br />

evidencia as palavras-chave que<br />

justificam toda a atmosfera do<br />

poema, bem como a sua linguagem.<br />

O astro vai criar múltiplas<br />

sugestões: luminosidade, mobilidade,<br />

idéia de rapidez, é tão<br />

efêmero quanto o transcurso da<br />

vida, nos despertam a sensação<br />

visual; a catedral cria uma<br />

ambientação religiosa que revela<br />

um lugar seguro vinculado ao nosso<br />

Pai Criador que está no céu; o<br />

céu, é um sustentáculo para o<br />

astro e através do qual, elevamos<br />

nossas orações e pedidos ao pai<br />

eterno que nos abençoa sempre;<br />

o sino, um símbolo associado à<br />

igreja, denota o coração — um<br />

órgão vital para nós. O sino quando<br />

tocado no alto da torre da igreja<br />

desperta e mantém vivo o sentimento<br />

religioso entre os cristãos,<br />

assim como o coração, enquanto<br />

bate, significa que há vida.<br />

Desce Prece<br />

Rezar Luar<br />

Sonho Tristonho<br />

Responsos Alphonsus<br />

A velhice, temática da 4ª<br />

estrofe, nos traz tristezas, uma<br />

vez que sabemos que estamos<br />

nos aproximando do fim. Numa<br />

18<br />

18<br />

18 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

tentativa inútil choramos e elevamos<br />

nossas preces ao Senhor, à<br />

espera de momentos de lucidez<br />

que possam derramar sobre nós,<br />

assim como o luar ilumina a noite.<br />

Com tudo isso, a nossa esperança<br />

é de que sejamos resgatados<br />

de uma etapa que só nos resta<br />

fazer um balanço de nossas<br />

vidas: se plantamos, colhemos,<br />

caso contrário, nada conseguiremos.<br />

Uiva Ruiva<br />

Meu Morreu<br />

Sonho Medonho<br />

Responsos Alphonsus<br />

A próxima etapa é a<br />

mais temida, por isso a dor é grande<br />

quando a sentimos ou pensamos<br />

na sua proximidade. É o fim<br />

de nossos sonhos que outrora invadiram<br />

nosso peito com um ímpeto<br />

jamais sentido. Podemos perceber<br />

um clima apocalíptico: o<br />

sonho começa risonho, nele pomos<br />

todas nossas forças até que<br />

ele se torna tristonho e por último<br />

medonho. Essa tensão é facilmente<br />

percebida através da variação<br />

da construção sintática: primeiramente<br />

temos um substantivo + um<br />

adjetivo, ocorrendo o mesmo na<br />

terceira e quarta etapa. Somente<br />

na segunda temos o pronome possessivo<br />

rimando com um verbo.<br />

Tudo isso revela a carga emocional<br />

que marca o período mais bri-<br />

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lhante de nossas vidas — a juventude.<br />

É na juventude que acreditamos<br />

sermos os “donos do<br />

mundo e das verdades”, nada nos<br />

amedronta.<br />

Na última estrofe<br />

visualizamos o estado de contemplação<br />

do poeta diante de todas<br />

as verdades por ele ditas. Verdades<br />

que se chocam com seu mundo<br />

real. Por outro lado, a alusão<br />

ao mundo real resulta em comunhão<br />

com aspectos contraditórios<br />

como SONHO / MEDO-<br />

NHO. É o desfecho das idéias<br />

que o tornam melancólico e quimérico,<br />

haja vista que seus deliciosos<br />

sonhos de outrora acabam<br />

por tornar-se medonhos diante de<br />

seu destino: a morte.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIO-<br />

GRAFICAS<br />

CHEVALIER, Jean. Dicionário<br />

de Símbolos: mitos, sonhos,<br />

costumes, gestos, formas,<br />

figuras, cores, números. 11.<br />

ed. Rio de Janeiro: José Olympio,<br />

1997.<br />

D’ONOFRIO, Salvatore.<br />

Teoria do Texto: teoria da lírica<br />

e do drama. São Paulo: Ática,<br />

1995.v.2.


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A GLOBALIZAÇÃO NA AMAZÔNIA<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

1 Elda Rebêlo<br />

RESUMO:<br />

A globalização, em seu contexto histórico, age no lado social e econômico, tendo que ser atualizada<br />

conforme o tempo. É lógico que na globalização há contradições, pois com ela há uma integração<br />

maior da humanidade, ela também aumenta o poder econômico de empresas e regiões. Com isso,<br />

ocorrerá grandes problemas sociais, tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos.<br />

Com a globalização, as barreiras comerciais entre países começam a se abrir e cabe ao governo criar<br />

políticas alternativas à ideologia neoliberal, pois no Brasil e, principalmente, na Amazônia é preciso<br />

leis fortes e sábias para que países desenvolvidos não queiram se aproveitar de nossas riquezas.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Globalização / Mundialização na Amazônia.<br />

A globalização pode ser<br />

definida como um processo<br />

de integração mundial com<br />

repercussão nos diversos<br />

setores de comunicação,<br />

finanças e economia, que se<br />

caracteriza através da queda<br />

das barreiras alfandegárias,<br />

da formação de blocos<br />

econômicos, velocidade das<br />

comunicações, mudanças<br />

tecnológicas e intenso fluxo<br />

de capitais internacionais.<br />

Bassi (1997)<br />

BREVE COMENTÁRIO<br />

HISTÓRICO<br />

A globalização ultimamente<br />

está presente nos discursos<br />

dos homens de negócios,<br />

governantes, políticos e jornalistas,<br />

porém esse processo não é<br />

tão recente como muitos pensam.<br />

Existem algumas divergências<br />

quanto ao início da globalização<br />

no mundo. Para alguns autores,<br />

a formação da economia mundi-<br />

al se deu através de um longo<br />

processo histórico como, por<br />

exemplo na Idade Antiga: no Império<br />

Chinês a globalização aparece<br />

na sua constituição; já a Civilização<br />

Egípcia manteve o domínio<br />

de todo o continente africano,<br />

na Grécia, percebe-se que<br />

apesar das cidades-estado serem<br />

independentes havia globalização<br />

na área econômica. No Império<br />

Romano é onde se tem uma visão<br />

nítida da globalização econô-<br />

1 Acadêmica do 4º ano do Curso de Ciências Econômicas da UNAMA e Monitora da Disciplina Formação Econômica do Brasil.<br />

19<br />

19


mica em sua história, pois eles<br />

criaram leis na globalização econômica<br />

e sabe-se que foram os<br />

gregos que descobriram o direito,<br />

mas é em Roma que o direito<br />

surge como instrumento do poder<br />

para com isso controlar o<br />

Estado. Devido a expansão<br />

territorial Roma foi obrigada a<br />

construir várias estradas, possibilitando,<br />

assim, a<br />

comercialização e a comunicação<br />

com outros povos.<br />

Já, na Idade Média, os<br />

portugueses, espanhóis, ingleses,<br />

etc..., quando decidiram fazer<br />

novas descobertas de terras, não<br />

foi só para se protegerem dos<br />

Mouros espanhóis, mas para procurar<br />

novas rotas de<br />

comercialização, ou seja, rotas<br />

comerciais de globalização. Devido<br />

ao desequilíbrio da produção<br />

e do consumo europeu, verificase<br />

que a falta de alimento para o<br />

abastecimento de seus núcleos<br />

urbanos e devido não haver mercado<br />

consumidor para a produção<br />

artesanal a solução encontrada<br />

foi a exploração de novas<br />

terras. Com isso novos mercados<br />

surgem com a capacidade de fornecer<br />

alimentos e metais, e ao<br />

mesmo tempo aptos a consumir<br />

os artesanatos europeus.<br />

No século XIX, com a<br />

crise da economia européia, devido<br />

a super produção nas fábricas,<br />

os preços e os juros caíram.<br />

Na tentativa de superar a crise,<br />

países europeus, EUA e Japão<br />

buscaram outros mercados para<br />

escoar o excesso de produção e<br />

de capitais. As economias indus-<br />

20<br />

20<br />

20 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

trializadas da época buscavam<br />

cada vez mais consumidores fieis,<br />

e com isso os continentes africanos<br />

e asiáticos se tornaram um<br />

centro fornecedor de matéria-prima<br />

e consumidores de produtos<br />

industrializados, gerando assim<br />

um alto grau de exploração e dependência<br />

econômica. Isso pode<br />

ser comparado com os dias atuais,<br />

pois os países desenvolvidos<br />

jamais serão generosos com os<br />

países “emergentes” e subdesenvolvidos.<br />

Nos anos 70, os economistas<br />

começam a dizer que a<br />

globalização é usada para que o<br />

comércio entre países seja mais<br />

freqüente e com menos burocracia.<br />

O QUE É GLOBALIZAÇÃO<br />

(MUNDIALIZAÇÃO)<br />

A globalização é o crescimento<br />

da interdependência de<br />

todos os países e povos da terra,<br />

ou seja é uma forma avançada e<br />

moderna de internacionalização<br />

das trocas de produtos e conhecimento.<br />

Ela também é conhecido<br />

como “aldeia global” devido a<br />

aparência de que o planeta está<br />

com um menor tamanho e com<br />

isso todos se conhecem.<br />

Já a globalização econômica:<br />

ocorre quando há um grande fluxo<br />

internacional de bens, serviços<br />

e capitais, quando há concorrência<br />

internacional e, também,<br />

uma crescente interdependência<br />

entre agentes econômicos e sistemas<br />

econômicos nacionais.<br />

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A GLOBALIZAÇÃO E OS<br />

IMPACTOS ECONÔMI-<br />

COS<br />

De acordo com Santana<br />

(1999) “<br />

O processo de integração<br />

entre os países parece ser<br />

irreversível: a globalização<br />

da economia forçará os negócios,<br />

em nível local e nacional,<br />

a competirem com<br />

outros mercados muitas<br />

vezes situados em outras<br />

partes do mundo. Por isso<br />

é importante que os países<br />

adotem medidas no sentido<br />

de poderem acompanhar<br />

as transformações<br />

trazidas pelo processo de<br />

globalização dos mercados.<br />

É preciso que conheçam<br />

sua realidade e que<br />

busquem reunir forças com<br />

potenciais aliados para não<br />

ficarem de fora da competição<br />

mundial, sob pena de<br />

terem suas economias esfaceladas”.<br />

Devido a isso, ocorre o desemprego,<br />

pois sempre que há<br />

novas tecnologias, pessoas são<br />

demitidas, como por exemplo pequenos<br />

escritórios que adquirem<br />

computadores e já não precisam<br />

de datilógrafos e também fabricas<br />

robóticas que dispensam seus<br />

operários.<br />

Ocorre também o desemprego<br />

pela redução de custo e<br />

pela potencialização da produtividade,<br />

pois na globalização a<br />

competição de mercado é bem<br />

acirrada e esse problema não<br />

ocorre só nos países subdesen-


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volvidos, mas também nos países<br />

desenvolvidos. Nestes países, o<br />

desemprego se manifesta em<br />

maior quantidade nas fábricas,<br />

que, por sua vez se deslocam para<br />

países onde o custo de produção<br />

é menor.<br />

Como, por exemplo, uma<br />

indústria de automóveis que<br />

fabrica um mesmo modelo de<br />

carro em montadoras de 3 (três)<br />

países diferentes e os vende em<br />

outros 5 países. As empresas não<br />

ficam mais restritas a um país,<br />

seja como vendedora ou produtora,<br />

devido ela saber que cada<br />

país onde está localizada tem as<br />

suas vantagens tanto na parte<br />

econômica como na mão-deobra.<br />

Com isso, as barreiras comerciais<br />

entre os países, começaram<br />

a cair, com a diminuição<br />

de impostos sobre importações,<br />

o fortalecimento de grupos internacionais<br />

(como o Mercosul ou a<br />

Comunidade Européia) e o incentivo<br />

do governo de cada país à<br />

instalação de empresas estrangeiras<br />

em seu território.<br />

A GLOBALIZAÇÃO NA<br />

AMAZÔNIA<br />

A Amazônia tem uma riqueza<br />

tão devastadora, as quais<br />

interessam aos países do primeiro<br />

mundo; e sabe-se que essa riqueza<br />

ainda não está totalmente<br />

descoberta, pois estudiosos sa-<br />

bem e também têm esperanças<br />

de poder tirar de nossa flora artigos<br />

para cura de várias doenças.<br />

Na saúde do homem<br />

sabe-se que a Amazônia nos reservas<br />

surpresas em relação a<br />

novas doenças (malária e febre<br />

hemorrágica). Na agricultura,<br />

pecuária, piscicultura, na química<br />

de produtos naturais, na<br />

microbiologia de solos e águas,<br />

nestas áreas há vários<br />

microorganismos a serem descobertos,<br />

os quais poderão ser colocados<br />

a serviços da humanidade.<br />

As empresas multinacionais<br />

têm grandes interesses na<br />

nossa flora devido aos componentes<br />

medicinais da cultura indígena,<br />

os quais são muito eficientes.<br />

Empresas que possuem melhor<br />

condição financeira e mais<br />

tecnologia entram no país de várias<br />

formas com o intuito de explorar<br />

esse material que para nós<br />

não parece ser tão precioso, porém,<br />

para eles é de grande valor,<br />

pois quando conseguem os produtos,<br />

muitas das vezes sem terem<br />

pago nada ao Brasil, eles industrializam<br />

os mesmos e em seguida<br />

revendem para nós com<br />

valores muito maiores em relação<br />

ao preço de custo. O grande<br />

problema nisso tudo é que nós<br />

estamos sendo roubados e as nossas<br />

autoridades fazem de conta<br />

que não enxergam isso, pois há<br />

queimadas, destruição, produtos<br />

de nossa fauna e flora são patenteados<br />

por os estrangeiros e nada<br />

disso é visto.<br />

A globalização, em relação<br />

ao nosso patrimônio histórico,<br />

nada mais é do que um moderno<br />

colonialismo, ocorrendo<br />

uma política neoliberal, onde países<br />

desenvolvidos se apropriam<br />

e exploram como querem as nossas<br />

riquezas naturais.<br />

Devemos nos despertar<br />

e nos conscientizar de que a<br />

globalização e a Amazônia é uma<br />

relação bem presente e que depende<br />

de nós o rumo a ser tomado,<br />

dependendo da flexibilidade,<br />

liberdade e das alternativas a serem<br />

tomadas por nossos<br />

governantes.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIO-<br />

GRÁFICAS<br />

BASSI, Eduardo. Globalização<br />

de negócios. São Paulo:<br />

Editores Associados, 1997.<br />

GONÇALVES, Reinaldo, O nó<br />

econômico. São Paulo: Record.,<br />

2003.<br />

PAIVA, Mário Antônio Lobato<br />

de.( malp@interconect.com.br).<br />

REBÊLO,, Elda Cristina dos S.<br />

21 ago. 2003.<br />

SANTANA, Cleuciliz Magalhães.<br />

Como Funciona a<br />

Globalização. Manaus: Valer,<br />

1999.<br />

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

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22 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.<br />

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Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003.<br />

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