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Entrevista com Pero Vaz de Caminha

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CMF – HISTÓRIA – 6º ANO – Profª Regina Cláudia<br />

Jornal Correio da História – <strong>Entrevista</strong> <strong>com</strong> <strong>Pero</strong> <strong>Vaz</strong> <strong>de</strong> <strong>Caminha</strong><br />

Correio — Quando vocês viram terra pela primeira vez?<br />

<strong>Pero</strong> <strong>Vaz</strong> <strong>de</strong> <strong>Caminha</strong> — Na quarta-feira, pela manhã topamos aves a que chamam furabuxos. Neste dia, a horas <strong>de</strong> véspera,<br />

vista <strong>de</strong> terra!<br />

Correio — Qual foi a primeira paisagem que vocês viram?<br />

<strong>Caminha</strong> — Primeiramente dum gran<strong>de</strong> monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul <strong>de</strong>le; e <strong>de</strong> terra chã, <strong>com</strong><br />

gran<strong>de</strong>s arvoredos; ao monte alto o Capitão pôs nome — o Monte Pascoal e à terra — a Terra <strong>de</strong> Vera Cruz.<br />

Correio — Cabral mandou a frota se aproximar da terra?<br />

<strong>Caminha</strong> — Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e, ao sol posto, obra <strong>de</strong> seis léguas da terra, surgimos<br />

âncoras, em <strong>de</strong>z a nove braças. Ali permanecemos toda aquela noite.<br />

Correio — O que aconteceu hoje, quinta-feira, 23 <strong>de</strong> abril?<br />

<strong>Caminha</strong> — Fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante, até meia légua da terra, on<strong>de</strong> todos<br />

lançamos âncoras em frente à boca <strong>de</strong> um rio.<br />

Correio — O que se avistava a meia légua da terra?<br />

<strong>Caminha</strong> — Homens que andavam pela praia, obra <strong>de</strong> sete ou oito.<br />

Correio — O senhor <strong>de</strong>sembarcou?<br />

<strong>Caminha</strong> — O capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio.<br />

Correio — E <strong>com</strong>o reagiram os homens à aproximação <strong>de</strong> Nicolau Coelho?<br />

<strong>Caminha</strong> — Acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, <strong>de</strong> maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já<br />

ali havia <strong>de</strong>zoito ou vinte.<br />

Correio — Como eram?<br />

<strong>Caminha</strong> — Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos <strong>com</strong> suas<br />

setas.<br />

Correio — O que Nicolau Coelho fez?<br />

<strong>Caminha</strong> — Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. Eles os pousaram. Os arcos são pretos e <strong>com</strong>pridos, as setas<br />

também <strong>com</strong>pridas e os ferros <strong>de</strong>las <strong>de</strong> canas aparadas.<br />

Correio — Foi possível conversar <strong>com</strong> eles na praia?<br />

<strong>Caminha</strong> — Ali não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>les haver fala, nem entendimento <strong>de</strong> proveito, por o mar quebrar na costa.<br />

Correio — Mas houve algum tipo <strong>de</strong> contato,<strong>de</strong> <strong>com</strong>unicação?<br />

<strong>Caminha</strong> — Nicolau Coelho <strong>de</strong>u-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça <strong>de</strong> linho que levava na cabeça e um<br />

sombreiro preto.<br />

Correio — E os homens retribuíram?<br />

<strong>Caminha</strong> — Um <strong>de</strong>les <strong>de</strong>u-lhe um sombreiro e penas <strong>de</strong> ave, <strong>com</strong>pridas, <strong>com</strong> uma copazinha pequena <strong>de</strong> penas vermelhas e<br />

pardas <strong>com</strong>o <strong>de</strong> papagaio; e outro <strong>de</strong>u-lhe um ramal gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> continhas brancas, miúdas que querem parecer <strong>de</strong> aljaveira. E <strong>com</strong><br />

isto se volveu às naus por ser tar<strong>de</strong> e não po<strong>de</strong>r haver <strong>de</strong>les mais fala, por causa do mar.<br />

Correio — Eles usam chapéus ou sombreiros?<br />

<strong>Caminha</strong> — Uns trazem por baixo da solapa, <strong>de</strong> fonte a fonte para <strong>de</strong>trás, uma espécie <strong>de</strong> cabeleira <strong>de</strong> penas <strong>de</strong> ave amarelas,<br />

que seria do <strong>com</strong>primento <strong>de</strong> um coto, mui basta e mui cerrada, que lhes cobre o toutiço e as orelhas. E pega aos cabelos, pena a<br />

pena, <strong>com</strong> uma confeição branda <strong>com</strong>o cera, <strong>de</strong> maneira que a cabeleira fica mui redonda e mui basta, e mui igual, e não faz<br />

míngua mais lavagem para a levantar.<br />

Correio — Os homens <strong>de</strong>sta terra parecem saudáveis?<br />

<strong>Caminha</strong> — A feição <strong>de</strong>les é serem pardos, maneira <strong>de</strong> avermelhados, <strong>de</strong> bons rostos e bons narizes, bem feitos. Eles andam<br />

muito bem curados e muito limpos. Os corpos seus são tão limpos, tão gordos e formosos, que não po<strong>de</strong> mais ser.<br />

Correio — E as mulheres são bonitas?<br />

<strong>Caminha</strong> — Bem moças e bem gentis, <strong>com</strong> cabelos muito preto e <strong>com</strong>pridos pelas espáduas.<br />

<strong>Caminha</strong> lê seu relato da terra nova na<br />

nau capitânia: nem ouro, nem prata


Correio — Elas também andam nuas?<br />

<strong>Caminha</strong> — Todos andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso <strong>de</strong> encobrir ou <strong>de</strong> mostrar suas vergonhas; e<br />

nisso têm tanta inocência <strong>com</strong>o em mostrar o rosto.<br />

Correio — O senhor avistou crianças?<br />

<strong>Caminha</strong> — Vi uma mulher moça, <strong>com</strong> um menino ou menina ao colo, atado <strong>com</strong> um pano (não sei <strong>de</strong> quê) aos peitos, <strong>de</strong> modo<br />

que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe não traziam pano algum.<br />

Correio — Eles andam nus, só <strong>com</strong> essas cabeleiras <strong>de</strong> penas coloridas e sem nenhuma outra cobertura ou enfeite?<br />

<strong>Caminha</strong> — Uns andam quartejados <strong>de</strong> cores, a saber, meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>les da sua própria cor, e meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tintura preta, a modos <strong>de</strong><br />

azulada; e outros quartejados <strong>de</strong> escaques. Vi um que andava tinto <strong>de</strong> tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e<br />

pernas até baixo, mas os vazios <strong>com</strong> a barriga e o estômago eram <strong>de</strong> própria cor.<br />

Correio — Essa tintura não sai do corpo quando eles se banham no rio ou no mar?<br />

<strong>Caminha</strong> — A água a não <strong>com</strong>e nem <strong>de</strong>sfaz a tintura. Antes, quando sai da água, parece mais vermelha. Vi uma moça que trazia<br />

ambos os joelhos, <strong>com</strong> as curvas assim tintas e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e <strong>com</strong> tanta inocência<br />

<strong>de</strong>scobertas, que nisso não havia vergonha alguma.<br />

Correio — O que mais chamou sua atenção além da nu<strong>de</strong>z e dos corpos pintados?<br />

<strong>Caminha</strong> — Eles trazem os beiços <strong>de</strong> baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verda<strong>de</strong>iros, <strong>de</strong> <strong>com</strong>primento duma<br />

mão travessa, da grossura dum fuso <strong>de</strong> algodão, agudos na ponta <strong>com</strong>o furador.<br />

Correio — Os ossos não in<strong>com</strong>odam para falar ou <strong>com</strong>er?<br />

<strong>Caminha</strong> — São encaixados <strong>de</strong> tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no <strong>com</strong>er ou no beber.<br />

Correio — O que eles <strong>com</strong>em, <strong>com</strong>o sobrevivem no meio do arvoredo?<br />

<strong>Caminha</strong> — Não <strong>com</strong>em senão <strong>de</strong>sse inhame, que aqui há muito, e <strong>de</strong>ssa semente e fruitos, que a terra e as árvores <strong>de</strong> si lançam.<br />

Correio — Eles não plantam?<br />

<strong>Caminha</strong> — Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra<br />

alimária, que costumada seja ao viver dos homens.<br />

Correio — E mesmo assim parecem saudáveis?<br />

<strong>Caminha</strong> — Andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, <strong>com</strong> quanto trigo e legumes <strong>com</strong>emos.<br />

Correio — Eles bebem vinho?<br />

<strong>Caminha</strong> — Mal põem a boca. Não gostam nada. Mas, pareceme, que se lho avezarem, o beberão <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong>.<br />

Correio — Eles não lavram, mas a terra é fértil, boa para plantar, tem água?<br />

<strong>Caminha</strong> — Águas são muitas: infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das<br />

águas que tem.<br />

Correio — Tem ouro e prata?<br />

<strong>Caminha</strong> — Não pu<strong>de</strong>mos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma <strong>de</strong> metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra<br />

em si é <strong>de</strong> muito bons ares, assim frios e temperados. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, gran<strong>de</strong>s barreiras, <strong>de</strong>las vermelhas,<br />

<strong>de</strong>las brancas; e a terra<br />

por cima toda chã e muito cheia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa.<br />

Correio — Como são as matas , o arvoredo?<br />

<strong>Caminha</strong> — O arvoredo é tanto, tamanho, tão basto e <strong>de</strong> tantas prumagens, que homem as não po<strong>de</strong> contar. Há entre ele muitas<br />

palmas, <strong>de</strong> que se colhem muitos e bons palmitos.<br />

Correio — Os homens <strong>de</strong>sta terra têm casas? Como são elas?<br />

<strong>Caminha</strong> — São tão <strong>com</strong>pridas, cada uma, <strong>com</strong>o esta nau capitânia. São <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, e das ilhargas <strong>de</strong> tábuas, e cobertas <strong>de</strong><br />

palha, <strong>de</strong> razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, têm <strong>de</strong>ntro muitos esteios; e, <strong>de</strong> esteio a esteio, uma re<strong>de</strong><br />

atada pelos cabos, alta, em que dormem. E tem cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, outra no outro. Dizem que em<br />

cada casa se recolhem trinta ou quarenta pessoas.<br />

Correio — Eles são alegres?<br />

<strong>Caminha</strong> — Dançam e folgam, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E fazem-no bem.<br />

Correio — Parecem pessoas dóceis, afáveis <strong>com</strong> estranhos.<br />

<strong>Caminha</strong> — São muito mais nossos amigos que nós seus. Andam mais mansos e seguros entre nós, do que nós andamos entre<br />

eles.

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