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Enilda Cabral Barreto (ERASB).pdf - cchla

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PRECONCEITO LINGUÍSTICO: O ABISMO NA COMUNICAÇÂO<br />

1-Introdução<br />

<strong>Enilda</strong> <strong>Cabral</strong> <strong>Barreto</strong> (<strong>ERASB</strong>)<br />

adlinebarreto@hotmail.com<br />

A língua que usamos não é uniforme em nenhum dos seus usos. Ao falarmos,<br />

fazemos usos de diversos modos quer na pronúncia (sotaque), quer na escolha lexical, ou no<br />

registro (formal / informal). Tais variações são constitutivas das línguas humanas, sempre<br />

existiram e sempre existirão independente de qualquer força normativa. Não há como todos os<br />

falantes utilizarem a língua dentro de um mesmo padrão.<br />

Embora a escola, os livros, dicionários e as gramáticas prescrevam a modalidade<br />

escrita formal como aquela que as pessoas devam usar, isso não é o que acontece de fato<br />

quando se põe em prática o “jeito gostoso” de se falar com familiares e amigos em casa e na<br />

comunidade.<br />

É bem verdade que o uso da linguagem informal, ao longo dos tempos, tem sido<br />

fortemente marcado por intolerância e preconceitos, com o agravante de que a intolerância<br />

linguística é muito mais camuflada do que outras formas de preconceitos.<br />

Em linhas gerais, o problema com o uso informal da língua se manifesta na não<br />

aceitação dessa modalidade durante a conversação. Os usuários, por sua vez são denominados<br />

de “ignorantes”, e passam a ser vítimas de chacotas e discriminações. É o chamado<br />

preconceito linguístico, que, presente na sociedade, afasta cada vez mais as pessoas do<br />

convívio social, uma vez que inibem, ou melhor, anula suas competências comunicativas e<br />

multiplica os mitos com relação ao Português.<br />

Acreditamos no papel da escola como principal agência do letramento e<br />

consequentemente do uso formal da língua e da mesma forma a enquadramos como entidade<br />

facilitadora e capaz de desfazer certos mitos que cercam o ato comunicativo. Em se tratando<br />

da nossa escola sabemos que, quase na sua totalidade, os falares se cruzam numa mistura que<br />

envolve a fala “de casa” (pais, irmãos e vizinhos), a fala “dos colegas”e a fala “da sala de<br />

aula”, mediada pelo (a) professor(a).Aproveitar esses falares, ao invés de recriminá-los deve<br />

ser a meta da escola na atualidade.


O trabalho para desmistificar o preconceito linguístico, começando na escola, por<br />

meio da interação professor x aluno, justifica-se pela própria natureza de autoridade da<br />

instituição. Se dela partir explicações críticas cabíveis quanto à questão variação linguística, a<br />

adequação da linguagem à situação comunicativa, a criação do mito de que falar português é<br />

difícil, é possível que se crie uma atmosfera de aceitação e divulgação na sociedade do jeito<br />

diferente de falar das pessoas.<br />

Nossa hipótese é de que num ambiente que valorize a troca linguística sem<br />

preconceitos, respeitando as normas conhecidas a priori pela comunidade discente, cremos<br />

ser possível a criação e utilização de técnicas pedagógicas para facilitar a mesma a aquisição<br />

da norma padrão como adição àquelas já existentes, uma vez que, como educadores, sabemos<br />

da importância de se adquirir, em uma sociedade globalizada e multicultural, competências<br />

comunicativas.<br />

Contamos para tanto com o protagonismo juvenil dos nossos estudantes, pois<br />

acreditamos na força dos seus ideais e na capacidade que eles têm de difundirem o<br />

conhecimento construído cotidianamente nas nossas salas de aula, através dos debates, das<br />

leituras e trabalhos em grupos organizados ao longo do ano letivo. Acreditamos ainda num<br />

convívio melhor e de maior aceitação entre os estudantes e seus pais, uma vez que estes não<br />

terão seu jeito de falar corrigido e sim aceito e compreendido por parte dos filhos, no caso,<br />

dos nossos estudantes.<br />

Nesse sentido, o presente trabalho se insere na linha teórica da Sociolinguísta e por<br />

esse motivo visa mostrar como uma escola do Estado de Pernambuco (Escola de Referência<br />

em Ensino Médio Abílio de Souza Barbosa – Orobó – PE) trabalhou o combate ao<br />

preconceito linguístico a partir de uma metodologia que privilegiou o estudo da variação<br />

linguística e de suas causas e discutir os resultados significativos de um projeto (A Língua e<br />

suas variações) elaborado pela professora de Português para tal estudo.<br />

Para aquela ocasião o objetivo geral era refletir sobre os fatores que interferiam na<br />

variação linguística, como forma de desmistificar o preconceito linguístico. Especificamente<br />

pretendíamos combater tal preconceito através da formação de grupos de estudo para<br />

produção e apresentação de peças teatrais conforme as variações da língua; promover o<br />

avanço da cidadania e, por conseguinte a inclusão social de usuários das variedades populares<br />

que sofrem algum tipo de discriminação; apresentar diferenças no uso e identificar os fatores<br />

envolvidos e comentar a importância do domínio da língua padrão em certas situações<br />

comunicativas.


Em termos teóricos nos embasamos nas contribuições de Bechara (2002) e Possenti<br />

(2004) para questões do ensino de língua; para o estudo da variação linguística Bortoni-<br />

Ricardo (2004-2005); Scherre (2005) e Bagno (2000); Para as diretrizes do ensino seguimos<br />

as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) e da Base Curricular Comum<br />

para as escolas de Pernambuco – BCC /PE(2009).<br />

Assim, este trabalho encontra-se dividido em quatro partes: na primeira está a<br />

introdução, na qual apresentamos um breve panorama do nosso estudo, incluindo os objetivos<br />

do presente trabalho, bem como daquele ao qual nos referimos, além da citação dos teóricos;<br />

na segunda apresentamos a fundamentação teórica, na qual situamos o leitor acerca dos<br />

nossos seguimentos em termos de variação linguística, de ensino de língua e das diretrizes<br />

para tal ensino; na terceira está a análise dos dados, onde, além de tecermos comentários sobre<br />

os resultados do projeto acima referido, apresentamos a metodologia do mesmo; na quarta<br />

apresentamos as considerações finais, onde elaboramos os parágrafos conclusivos seguidas<br />

pelas referências bibliográficas.<br />

2ª parte<br />

2- Fundamentação teórica<br />

2.1- A escola e seu papel frente à variabilidade linguística<br />

Estudiosos da Sociolinguística, a exemplo de Bagno (2000-2007), Scherre (2005),<br />

Bortoni-Ricardo (2004-2005), além das orientações da Base Curricular Comum para as redes<br />

públicas de ensino de Pernambuco, doravante BCC-PE (2009) e dos Parâmetros Curriculares<br />

Nacionais (1999) são unânimes em dizerem que se faz necessária uma ampla reflexão no<br />

âmbito escolar no que se refere à variação linguística. Precisa-se conscientizar os estudantes<br />

de que é possível falar diferente e não está falando “errado”.<br />

As vozes da nossa sociedade multifacetada, expressas através de vocábulos,<br />

neologismos, arcaísmos, gírias e abreviações se condensam em exuberante variabilidade<br />

linguística e por isso não devem ser silenciadas. Caberá a entidade de ensino trabalhar essa<br />

realidade de modo investigativo e crítico, pois se trata de uma cocha de retalhos da qual todos<br />

fazem parte. Segundo a BCC-PE (op. cit, p.58) espera-se que as escolas concedam relevância<br />

ao estudo e à pesquisa de uma língua vista como flexível, ou seja, “de uma língua que admite<br />

variações, por conta das diferenças geográficas, culturais e situacionais dos contextos em que


se realiza”. Trabalhar essa realidade significa oportunizar outras descobertas, as quais foram<br />

deixadas de lado e que, por sua vez, permitiram a expansão do preconceito linguístico, bem<br />

como apoderar os estudantes de argumentos plausíveis para se defenderem caso sejam vítimas<br />

do mesmo.<br />

Sabemos que é papel da escola ensinar o padrão culto, uma vez que o popular, ou<br />

mesmo, o não-padrão, os estudantes já sabem e dominam muito bem, considerando seu<br />

âmbito social extraclasse (família, vizinhança, amigos etc). Possenti (2004, p. 33) afirma:<br />

O objetivo da escola é ensinar o Português padrão, ou, talvez mais<br />

exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra<br />

hipótese é um equívoco político e pedagógico.<br />

Logicamente seria contraditória qualquer menção a respeito do dever da escola com<br />

relação ao ensino de português se esse não fosse o de ensinar o padrão. Todavia, a realidade<br />

da sala de aula foge dessa regra. As influências cotidianas dos estudantes com relação à língua<br />

e aos seus usos, na sua maioria, estão marcadas única e exclusivamente pela oralidade.<br />

Embora eles assistam às aulas na modalidade padrão, leiam livros e revistas, pesquisem na<br />

internet e na biblioteca, apresentam resistência, ou talvez, inadaptação ao uso do padrão<br />

formal quer na modalidade oral, quer na escrita.<br />

De acordo com Bechara (2002, p. 38),<br />

O professor de hoje reconhece que o aluno vem com sua modalidade<br />

linguística. Uma língua que só tem uma modalidade é uma língua morta. O<br />

ideal é que o aluno seja poliglota na própria língua, que ele aprenda o maior<br />

número de realidades da sua língua e até a língua padrão porque senão vai<br />

cometer vários erros de tradução na própria língua.<br />

A proposta de ser “poliglota na própria” língua abre espaço para uma série de<br />

alternativas para o professor com relação ao ensino de português. Na atualidade, fala-se em<br />

adequação do discurso. Isso resultaria na prática pedagógica do professor aproveitar os falares<br />

dos alunos (trazidos de casa e da comunidade em geral) e lhes apresentar a ideia de adequar<br />

tais falares às diversas situações comunicativas. Seria a saída para se falar em preconceito<br />

linguístico e, a partir de então, desmistificá-lo.<br />

Como os PCN (1999) de língua reconhecem o caráter múltiplo da linguagem resta,<br />

pois ao professor de Português saber o que fazer com os falares dos estudantes. Na verdade,<br />

como bem argumenta Bortoni-Ricardo (2004), a variação é inerente a toda comunidade<br />

linguística. Nessa visão, na sala de aula há, sem dúvida, a presença de diversas variedades.


Diversos falares existem em todos os ambientes onde haja seres humanos em<br />

interação, inclusive, como vimos, no escolar. Assim, professores e alunos os utilizam por toda<br />

vida. Uma proposta viável de trabalho nas escolas é apresentar aos estudantes o que é<br />

desejável aprender: a norma padrão, assentada nas gramáticas e livros didáticos para<br />

participar, de fato, da sociedade globalizada e letrada, para usufruir dos bens da cultura escrita<br />

e garantir sucesso posterior (entrevista de emprego, concursos, vestibulares, Exame Nacional<br />

do Ensino Médio – ENEM, entre outros).<br />

Assim, saber adequar os discursos às diversas situações comunicativas será o carro-<br />

chefe para o combate ao preconceito linguístico, pois os estudantes estarão aptos a “trocarem<br />

o chip”. Por outro lado, estarão mais preparados / abertos para ouvirem os diversos falares e,<br />

(por que não dizer?) mais competentes comunicativamente para entenderem e defenderem<br />

quem se afastar da modalidade padrão.<br />

3ª Parte<br />

3-Análise dos dados<br />

3.1- A metodologia para obtenção dos dados durante o projeto<br />

Para vivenciarmos o estudo das variações linguísticas organizamos as aulas em 03<br />

etapas distintas, a saber: a 1ª contemplou o estudo da variação linguística, dos fatores que<br />

interferem no ato comunicativo, através da leitura de textos, de exercícios orais (Educandus) e<br />

da aplicação de exercícios (em grupos) retirados do ENEM e do SAEPE (Sistema de<br />

Avaliação Educacional do Estado de Pernambuco).<br />

A partir de tais atividades e das conversas cotidianas da sala de aula os estudantes<br />

estavam aptos para compreenderem o que era o preconceito linguístico e as razões que o<br />

mantinha na sociedade. Desse modo iniciamos a 2ª etapa, na qual os estudantes em grupos<br />

realizaram a produção escrita de textos teatrais sobre os vários tipos de variação linguística:<br />

regional, social, profissional e de acordo com a idade do falante, como podemos ler em alguns<br />

dos fragmentos abaixo:<br />

Exemplo 01-


Contexto da produção: Variação regional evidenciada através das falas de jovens de<br />

lugares diversos do país que se encontram numa república para dividirem as despesas e<br />

estudarem. O fragmento abaixo representa a chegada de cada uma delas na república:<br />

Ana Paula: Oxente, num chego ninguém ainda? Vô arrumar a casa porque<br />

isso tá uma bagunça. (cantando) vou não, quero não, que a mulé num deixa<br />

não, eita cantora arretada (...)<br />

Geane: Uai sô<br />

Ana Paula: Oi nêga, entra (se abraçam)<br />

Geane: Quem é você?<br />

Ana Paula: Pode mim chamar de Val, sou de Pernambuco, moro em Ouricuri<br />

e tu?<br />

Geane: Sou Fernanda, pode me chamar de Nanda sô.<br />

(...)<br />

(Chega outra estudante)<br />

Marinalva: (...)Sou Tatiane, sou da cidade maravilhosa, vim pra Sampa fazer<br />

facul de medicina na Unicamp e curtir pra caramba.<br />

(chega mais uma estudante)<br />

Claudiana: Olá, gurias<br />

(todas): Oi<br />

Marinalva: aqui é assim, chega, fala o nome, a quê veio e se gosta de curtir<br />

como eu.<br />

Claudiana: Calma thê, já vou me apresentar. Sou Solange, mas pra ti posso<br />

ser Sol. Sou gaúcha do Rio Grande do Sul, vim a São Paulo fazer engenharia<br />

na Unicamp.<br />

Ana Paula: Vigi que chic!<br />

Marinalva: Que nada, guria.<br />

(Chega mais uma estudante)<br />

Juliane: (...) Sou Claudinha... vim fazer Direito na Unicamp. E tu ainda me<br />

pergunta se gosto de farra? Meu velho, se tiver uma latinha batendo,eu já tô<br />

no meio.<br />

(...)<br />

Geane: Calma aí galera, mim falaram que seriam seis pessoas, já estamos em<br />

cinco, falta mais uma uai.<br />

Adeilda: Quem faltava já chegou


(Discurso de formatura): Geane: Sabemos que a nossa vida depende<br />

basicamente de duas coisas: das escolha que fazemos e das oportunidades<br />

que tivemos. Ao longo desses anos, além de formarmos laços de amizades,<br />

fomos capazes de entender que há várias formas de nos expressar.<br />

Convivendo com pessoas de diferentes regiões, observamos que o falar<br />

varia..., os costumes variam, assim é a vida! As mudanças ocorrem ao longo<br />

de nossas vidas, são apenas formas de adaptação. É como ocorre com as<br />

variações linguísticas, por exemplo. Não devemos usar a linguagem<br />

coloquial em uma entrevista de emprego ou numa palestra. Precisamos nos<br />

adaptar e respeitar o falar dos outros...<br />

O texto acima após as revisões e constantes ensaios foi encenado na escola para as<br />

turmas, como todos os demais, no dia da culminância do projeto. Tratou-se da 3ª etapa do<br />

projeto, fase em que o estudo da variação linguística atingiu seu ápice. De modo que os<br />

alunos da nossa entidade de ensino conheceram a essência do nosso estudo e refletiram a<br />

cerca das discriminações que muitos usuários da língua portuguesa passam pelo simples fato<br />

de falarem diferente das camadas de maior prestígio social. Foram momentos de risos e<br />

aplausos dos alunos visitantes, mas também de muita atenção às peças apresentadas.<br />

Quanto ao exemplo acima, percebemos a que nível de conhecimento chegaram as<br />

participantes. A produção textual, na sua essência, mostrou o conhecimento das produtoras no<br />

que tange ao uso das gírias características de cada região (oxente – pernambucana; uai –<br />

mineira; thê- gaúcha; caramba – carioca), por outro lado, os diálogos estiveram sempre<br />

marcados pelo respeito ao “diferente” como pudemos observar no discurso elaborado pela<br />

formanda “... precisamos nos adaptar e respeitar o falar dos outros”.<br />

Em todas as produções os alunos demonstraram o cuidado de mostrar a variação da<br />

língua para que os ouvintes compreendessem e desfizessem o preconceito linguístico, sem,<br />

contudo menosprezar a linguagem padrão. A esse respeito segue o exemplo 02, o qual trata-se<br />

de uma apresentação de um telejornal cujo objetivo foi demonstrar um evento comunicativo<br />

formal.<br />

Vale salientar que em todas as apresentações houve a presença da mediadora a qual<br />

intervinha e dava as explicações para os ouvintes (professores e estudantes convidados) sobre<br />

os usos da língua. No fragmento abaixo, por exemplo, ela explica o porquê dos repórteres<br />

utilizarem o nível formal naquela situação. Vejamos a produção criativa de mais um grupo de<br />

estudantes:<br />

Exemplo 02


JORNALISTA: (Alessandra)- “Neste ano de 2011 as Escolas de Referência<br />

em Ensino Médio começam o ano letivo com o ensino da língua e suas<br />

variações. A boa notícia foi a descoberta pelos alunos de que a língua pode<br />

variar conforme o tempo, a idade , a profissão, a procedência social e a<br />

região dos falantes. Mais informações com a repórter Eduarda.<br />

REPÓRTER: (Eduarda)- Bom dia, é isto mesmo Sandra, é importante<br />

lembrar também que as línguas apresentam variações na pronuncia, no<br />

vocabulário e na estruturação gramatical. Todas as línguas apresentam<br />

variedades regionais, sociais e contextuais. Sandra.<br />

MEDIADORA: Nesta primeira parte vocês puderam perceber que a<br />

linguagem usada pelos jornalistas é uma linguagem culta, porque ela deve<br />

está adequada à profissão que ambas exercem, pois o jornal é transmitido<br />

para todo o mundo. Agora vocês irão ficar com outra apresentação e<br />

percebam como a idade faz a língua variar.<br />

Como vimos as alunas fazendo uso de uma metalinguagem, repassaram os<br />

conhecimentos construídos ao longo do projeto. Certamente que os objetivos do mesmo<br />

tinham tudo para serem postos em voga, uma vez que em cada produção ficava clara a ideia<br />

da variação, o que, por sua vez implicaria na aceitação. Vimos ainda que a mediadora<br />

“entrava” em cena e dava prosseguimento ao estudo que realizaram. A propósito, vejamos no<br />

exemplo 03 a chamada anunciada acima pela própria mediadora:<br />

Exemplo 03<br />

Mãe: Vem cá, Vitora daí i pireque a essa minina que num tô nem guentano<br />

ficar de pé.<br />

Filha: Mãe, cheguei. Cadê minha pequena?<br />

Mãe: minha fia, que bom que você chego, acho que careço ir pro hispitá.<br />

MEDIADORA: Como vocês puderam notar, a senhora que falou utilizou<br />

uma linguagem que para muitos está errada. Devemos considerar nesses<br />

casos que ela é uma senhora idosa que não freqüentou a escola, sem contato<br />

com a língua culta, a que conhecia era apenas a que escutava dos vizinhos e<br />

amigos. Já sua filha teve outras oportunidades e por isso fala diferente. No<br />

entanto, no hospital ela também vai variar sua forma de falar, pois está<br />

diante de um médico, ou seja, de uma pessoa com quem ela não tem<br />

intimidade. Vejamos:<br />

(No hospital)


Filha: Licença! Bom dia! Gostaria de consultar a minha mãe urgente.<br />

Doutor: Pois não?<br />

Mãe: Dotô, oi to veno caga-fogo, o zói tá queimano, uma bebediça, to<br />

aguniadinha!<br />

(Entra o filho do médico)<br />

Filho do médico: Pô pai, to num liseu, precisando de uma graninha extra<br />

para resolver uma parada aí! Vai liberar?<br />

Médico: Pô filho, hoje só tenho esse (entrega o dinheiro), mas também vou<br />

nessa com você. Preciso dar um role com a moçada.<br />

Mediadora: Acredito que vocês observaram que o doutor, ao consultar a<br />

senhora falou de uma maneira,porque é uma pessoa com quem ele não tem<br />

intimidade e sua profissão exige a formalidade. Todavia, ao falar com o filho<br />

na mesma sala, “troca o ship” e fala na linguagem do filho por ter intimidade<br />

com ele.<br />

É possível percebermos a precisão da atuação na fala da mediadora, de tal forma que<br />

por si só já explica e confirma a aprendizagem construída e multiplicada a cada apresentação.<br />

Foram 28 (vinte oito) estudantes envolvidos os quais levaram para todos os demais da escola<br />

o conhecimento construído durante um bimestre através de uma mensagem elucidativa e<br />

atraente.<br />

Outra iniciativa interessante foi a ideia criada durante o projeto de “trocar o chip”<br />

numa analogia a “adequar o discurso à situação comunicativa”, pois ao ser mencionado que<br />

todos dali deveriam “trocar o chip” na hora certa, houve risos e risos da platéia. Essa nossa<br />

criação foi uma forma de também deixar claro que não estávamos ali mostrando ou mesmo<br />

desprezando o padrão culto formal da língua, mas sim fornecendo um “alívio” ou “desencargo<br />

de consciência” para quem sempre pensou que falava tudo errado e que somente o povo da<br />

cidade falava bonito.<br />

“Trocar o chip”, ao contrário, seria também usar o padrão formal tão requerido numa<br />

entrevista de emprego, nos vestibulares e ENEM no momento em que o falante necessitasse.<br />

Essa foi a forma mais adequada de fazê-los se sentirem incluídos e capacitados para<br />

transitarem nos padrões existentes na língua.<br />

O uso do português padrão passou a ser visto como opção incontestável para o<br />

sucesso profissional, facilitado pois seu estudo. O uso popular ficou encarado como a língua<br />

“de casa”, “da região” e da “idade” que deve ser respeitada por haver explicações justas, mas<br />

que necessita da escola, dos livros, gramáticas e dicionários para o falante se dar “ao luxo” de<br />

escolher em qual modalidade se expressar na fala e na escrita.


Muitas vezes nós educadores temos que lançar mão de certas criações para<br />

deixarmos “nosso recado” na sala de aula. Ao invés de condenar o uso genuíno dos estudantes<br />

e assim gerar o abismo na comunicação, uma estratégia para o ensino das variedades<br />

linguísticas é explicar as diferenças partindo sempre das expressões que os estudantes trazem<br />

e a partir delas apresentar o novo, ou em outras palavras, o padrão.<br />

4- Considerações finais<br />

4ª Parte<br />

Ao final de mais uma prática educativa devo dizer que sendo a escola por excelência<br />

o local onde se exige e se ensina a modalidade linguística padrão, essa realidade não lhe<br />

exime do dever de tratar na sala de aula - com seriedade e respeito - da modalidade popular,<br />

trazida de casa, do bairro, enfim da comunidade em geral. O que não podemos é deixar os<br />

estudantes serem vítimas ou até praticarem o preconceito linguístico na sociedade, pelo fato<br />

de ter sido sonegado deles o conhecimento.<br />

Desde o início do projeto eu tinha a plena convicção de que a escola teria como papel<br />

fundamental aproveitar o que os estudantes sabiam e lhes oferecer um outro modo (formal) de<br />

se dizer o mesmo. O lema foi “aceitar para modificar”, pois essa era a maneira de lhes dar<br />

oportunidades de conhecer o diferente, por sinal, com entusiasmo.<br />

A beleza das variações linguísticas encontrou nas peças encenadas a elucidação e<br />

conscientização para um novo olhar. Olhar esse capaz de desfazer por completo o abismo<br />

existente no ato comunicativo quando os falares não são iguais. Houve um crescimento<br />

gradativo dos estudantes, suas falas levaram o público ouvinte aos risos, mas também a<br />

certeza de que precisamos aceitar a maneira de cada um se expressar, pois a partir do<br />

momento que ignoramos o modo de falar do outro, abrimos espaço para a distância e o<br />

silêncio comunicativo na nossa sociedade.<br />

Foi possível ouvir nos corredores da escola o diálogo maduro travado entre<br />

estudantes sobre o preconceito linguístico e a forma de tratá-lo a partir de então. Os pais<br />

seriam os primeiros envolvidos, pois segundo muitos dos seus filhos havia um sentimento de<br />

vergonha de trazer o pai ou a mãe para a escola, uma vez que eles “não sabiam falar.” Parece<br />

exagero, mas eram essas as colocações dos nossos estudantes.


Pude observar comentários deles sobre as críticas da mídia com relação ao<br />

lançamento do livro didático aprovado pelo MEC, cujas sentenças ferem a norma padrão. A<br />

ideia de que esta deve ser ensinada, com rigor, pela escola ficou bastante clara para eles<br />

atrelada a outra de que há a possibilidade de variar o discurso nas demais instâncias sociais<br />

em que o popular não interfira no sucesso comunicativo e / ou profissional.<br />

As contribuições do presente trabalho certamente ficaram visíveis na vida dos<br />

estudantes. A metodologia do estudo das variações facilitou o entendimento crítico, fazendo<br />

surgir agentes multiplicadores dos conhecimentos adquiridos. Acredito na desmistificação do<br />

preconceito linguístico conseguida não a duras penas, através de regras intermináveis do que é<br />

certo ou errado na língua, mas por meio do estudo crítico e participativo envolvendo a<br />

professora e os alunos.<br />

Enfim, projeto vivenciado, todavia, não obrigatoriamente acabado. A aprendizagem<br />

aconteceu e, para minha satisfação como educadora, aconteceu de modo crítico-reflexivo e<br />

amplo. O que nele foi construído certamente será multiplicado para a comunidade linguística<br />

daqueles estudantes. Se é verdade que “a vida depende basicamente das escolhas que fazemos<br />

e das oportunidades que tivemos”, como disse uma das estudantes no seu (suposto) discurso<br />

de formatura, posso afirmar que com o uso da língua para os estudantes não é diferente: o<br />

sucesso depende das oportunidades que a escola lhes dar para se apoderarem do padrão e das<br />

escolhas, em termos linguísticos, que fazem ao se comunicar com seus interlocutores. Saber o<br />

momento certo de “trocar o chip” é também uma forma de desfazer o abismo comunicativo.<br />

4.1-Fundamentação teórica<br />

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. O que é, como se faz. Edições Loyola, São Paulo,<br />

Brasil, 2000.<br />

________________ Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística.<br />

São Paulo: Parábola Editorial, 2007.<br />

BECHARA, Evanildo. Não sou poliglota. Sou linguarudo. (Entrevista concedida a Alexandre<br />

Bandeira e Homero Fonseca). In: Continente Multicultural, ano 11, nº 13. Pernambuco:<br />

CEPE, janeiro / 2002. P. 38<br />

BORTONI-RICARDO. Stella Maris. Educação em língua materna. Editora Parábola, 2004.


________________ Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & educação. São<br />

Paulo: Parábola Editorial, 2005<br />

Brasil, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e tecnológica. Parâmetros<br />

Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.<br />

Pernambuco. Secretaria de Educação. Base Curricular Comum para as redes Públicas de<br />

Ensino de Pernambuco. Língua Portuguesa. Recife- PE, 2009.<br />

POSSENTI, Sírio. Sobre o ensino de Português na escola. In: GERALDI, João Wanderley<br />

(org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004. (p. 32-38).<br />

SCHERRE, Maria Marta Pereira. Doa-se lindos filhotes de poodle: variação lingüística,<br />

mídia e preconceito. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

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