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Análise do Poema “Cristalizações” De Cesário Verde

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<strong>Análise</strong> <strong>do</strong> <strong>Poema</strong> <strong>“Cristalizações”</strong><br />

<strong>De</strong> <strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong><br />

O <strong>Poema</strong> <strong>“Cristalizações”</strong> de <strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong> é constituí<strong>do</strong> por vinte quintilhas, sen<strong>do</strong> o<br />

primeiro verso de cada uma alexandrino (<strong>do</strong>ze sílabas) e os quatro restantes decassílabos. O<br />

esquema rimático é ABAAB, haven<strong>do</strong> portanto rima cruzada, interpolada e emparelhada. <strong>De</strong><br />

notar a pre<strong>do</strong>minância de rima rica. O esquema descrito aplica-se exactamente em todas as<br />

estrofes <strong>do</strong> poema.<br />

A nível fónico há ainda a assinalar a presença muito frequente da aliteração: «Vibra<br />

uma imensa claridade crua / <strong>De</strong> cócoras, em linha os calceteiros».<br />

A análise que se faz <strong>do</strong> poema pode levar-nos à conclusão de que se trata de uma obraprima<br />

de <strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong> e até da nossa literatura. O próprio poeta escreveu a respeito de<br />

«Cristalizações»: «São uns versos agu<strong>do</strong>s, gela<strong>do</strong>s, que o Inverno passa<strong>do</strong> me aju<strong>do</strong>u a<br />

construir, lembram um poliedro de cristal e não sugerem, por isso, quase nenhuma emoção<br />

psicológica e íntima». <strong>De</strong> facto, a sugestão dada pelo Inverno (água gelada, cristais de neve)<br />

pode estar na origem <strong>do</strong> título <strong>do</strong> poema e <strong>do</strong> dinamismo imagístico <strong>do</strong> mesmo. Quanto ao facto<br />

de o poeta afirmar não haver «quase nenhuma emoção psicológica», julgamos que se deve<br />

entender a emoção à maneira romântica, porque, na realidade, há uma emoção intelectual, sem a<br />

qual não se explicaria a rica imagística e o impressionismo quase simbolista <strong>do</strong> poema.<br />

Digamos que a imaginação <strong>do</strong> poeta se apodera das diversas sensações captadas da<br />

realidade, crian<strong>do</strong> núcleos de associação, constelações de imagens — daí a razão <strong>do</strong> plural <strong>do</strong><br />

título: «Cristalizações».<br />

O poeta observa os calceteiros a «calçar de la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> a longa rua» e o primeiro espaço<br />

observa<strong>do</strong> é a rua por onde o poeta passeava. Este espaço vai-se alargan<strong>do</strong>, ou vai deslizan<strong>do</strong><br />

aos seus olhos, estenden<strong>do</strong>-se já por toda a rua e pelo casario: «E as poças de água, como um<br />

chão vidrento / Reflectem a molhada casaria.». Alarga-se ainda o espaço, quan<strong>do</strong> surgem as<br />

peixeiras, os «(...) barracões de gente pobrezita / E uns quintalórios velhos com parreiras.». Por<br />

vezes, quase se nos esvai o espaço físico, porque o poeta faz vir ao de cima o seu espaço<br />

psicológico: «Não se ouvem aves, nem o choro de uma nora! (...)/ E o ferro e a pedra — que<br />

união sonora! — Retinem alto pelo espaço fora, (...)». Foi como se o poeta tivesse fecha<strong>do</strong> os<br />

olhos, para se recordar da suavidade <strong>do</strong> campo, em contraste com o rigoroso martelar <strong>do</strong>s<br />

calceteiros que agora ouvia.<br />

Vejamos, no entanto, que é o tempo que acarreta consigo a mudança <strong>do</strong> espaço.<br />

Primeiro fazia frio («Faz frio»), mais abaixo já está bom («Bom tempo»). Há o primeiro e o<br />

depois, logo há o fluir <strong>do</strong> tempo que arrasta consigo a mudança <strong>do</strong> espaço físico e também <strong>do</strong><br />

espaço psicológico <strong>do</strong> poeta. E é assim que alternam os pedreiros (calceteiros), partin<strong>do</strong><br />

pene<strong>do</strong>s (espaço físico), com a fantasia <strong>do</strong> poeta (espaço psicológico) a imaginar a dura<br />

condição <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, no seu aspecto e no seu vestuário. Há a mesma alternância de<br />

espaços (físico e psicológico) entre a observação invernal das árvores despidas e a associação,<br />

na mente <strong>do</strong> poeta, a «uma esquadra fundeada... mastros, enxárcias, vergas».<br />

O espaço alarga-se ainda mais com uma panorâmica geral da cidade: «Vê-se a cidade,<br />

mercantil, contente: / Madeiras, águas, multidões, telha<strong>do</strong>s» e com a observação <strong>do</strong> céu a sofrer<br />

a influência cromática <strong>do</strong>s quintais: «Negrejam os quintais (...)/ O céu renova a tinta corredia».<br />

Mas, se o espaço desliza em frente da câmara <strong>do</strong> poeta, o tempo também não pára. E aí estão os<br />

verbos de aspecto durativo, e o uso sistemático <strong>do</strong> presente durativo a dar-nos a sensação <strong>do</strong><br />

tempo a fluir: «Carros de mão chiam carrega<strong>do</strong>s», «negrejam os quintais». E, até ao fim <strong>do</strong>


poema, os espaços físico e psicológico sucedem-se alternadamente no tempo, dan<strong>do</strong>-nos, a nós<br />

leitores, a ilusão de vermos movimentarem-se, no ecrã, os lugares, as coisas e as pessoas.<br />

O primeiro tipo social a aparecer no poema é o calceteiro, que se reveza, ao longo <strong>do</strong><br />

texto, nas funções de pedreiro e calceteiro. Neste tipo pode ser incluí<strong>do</strong> também o vala<strong>do</strong>r (o<br />

homem que abre as valas). Encarnam o trabalho mais sujo, grosseiro e duro. Surge, depois, o<br />

tipo das peixeiras, gente pobre, a quem a marcha parece moldar o próprio corpo («Em pé e<br />

perna dan<strong>do</strong> aos rins»). Finalmente aparece a actriz, a corista, elegante e pretensiosa, a destoar<br />

<strong>do</strong>s grosseiros e sujos trabalha<strong>do</strong>res.<br />

Os pedreiros (os duros trabalha<strong>do</strong>res) são postos em contraste, alternadamente, a partir<br />

<strong>do</strong> verso 71, em que «<strong>De</strong> escuro, bruscamente, ao cimo da barroca» aparece o perfil da «fina»<br />

actriz. Note-se que ela surge no poema, quan<strong>do</strong> o poeta acaba uma fuga para o <strong>do</strong>mínio da<br />

fantasia, em que justamente sentia com pena o sacrifício <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res: «(...) Assim as<br />

bestas vão curvadas! / Que vida tão custosa! Que diabo!». E, desde que aparece, esta figura de<br />

menina burguesa não mais deixa de contrastar, estrofe sim, estrofe não, com o duro pedreiro. <strong>De</strong><br />

um la<strong>do</strong> o luxo, a leveza, a leviandade da burguesinha, <strong>do</strong> outro, o bruto esforço («(...) Eu<br />

admiro os <strong>do</strong>rsos, os costa<strong>do</strong>s, / Como lajões. (...)»).<br />

É evidente que a simpatia <strong>do</strong> poeta vai para os calosos trabalha<strong>do</strong>res, a ponto de, ele<br />

próprio, encarnar a revolta que eles deveriam experimentar: «Que vida tão custosa! Que<br />

diabo!».<br />

Sobre a burguesinha actriz abate-se, porém, a vara quase invisível da ironia, mas que<br />

não deixa de fustigar: «<strong>De</strong> escuro (...)/ Surge um perfil direito que se aguça; / E ar de quem saiu<br />

da toca, / Uma figura fina (...) / Toda abafada num casaco à russa.». Atente-se no tom de ironia<br />

satírica que se desprende da palavra toca (em vez de casa) e da expressão «Toda abafada num<br />

casaco à russa». Esse senti<strong>do</strong> satírico ressalta mais claramente <strong>do</strong> facto de a figura estilizada da<br />

actriz surgir em contraste com as «bestas curvadas» <strong>do</strong>s pedreiros. Se é verdade que o poeta<br />

afirma fazer-lhe olhos bonitos («os olhos lisos como polimento») quan<strong>do</strong>, à noite, vai ao teatro,<br />

a verdade é que tu<strong>do</strong> isto continua dentro <strong>do</strong> mesmo tom irónico. Em da<strong>do</strong> momento, a ironia<br />

parece dar lugar à crítica aberta e sarcástica, quan<strong>do</strong> o poeta a imagina «nestes sítios<br />

suburbanos, reles!» e quan<strong>do</strong> a põe a atravessar «covas, entulhos, lamaçais, com os seus<br />

pezinhos rápi<strong>do</strong>s, de cabra» (notem-se o diminutivo irónico e o designativo de «cabra»,<br />

carrega<strong>do</strong>s de conotações pejorativas).<br />

<strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong> é o poeta <strong>do</strong> campo e da cidade. Tem muitos poemas sobre o campo em<br />

que tu<strong>do</strong> respira liberdade, ar puro, alegria, saúde. Nos poemas da cidade, porém, sentimos no<br />

poeta «melancolia», «enjoo», «desejo absur<strong>do</strong> de sofrer». Ora é nesta náusea citadina que o<br />

poeta sente por vezes necessidade de abrir as janelas sobre o campo... Mas vamos ao texto.<br />

Entre a pobreza das peixeiras e o trabalho duro <strong>do</strong>s pedreiros (terceira e quarta estrofes)<br />

aparecem «uns quintalórios velhos com parreiras», o que não chega para fazer o campo. E, por<br />

isso: «Não se ouvem aves, nem o choro duma nora». <strong>De</strong>pois de lançar a sua objectiva sobre a<br />

cidade mercantil, sobre as multidões, os telha<strong>do</strong>s (oitava estrofe), o poeta abre mais uma vez a<br />

sua janela sobre o campo, como que para matar um enjoo: «Negrejam os quintais (...)/ O céu<br />

renova a tinta corredia; /(...) os charcos brilham (...) / (...) lagoas de brilhantes!». O poeta<br />

precisou desta lufada de ar campestre para se recompor, para se refrescar e continuar, depois, o<br />

seu passeio impressionistamente extrospectivo pela cidade: «Lavo, refresco, limpo os meus<br />

senti<strong>do</strong>s. / (...) Cheira-me a fogo, (...) / Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.».<br />

O campo funciona aqui como antítese da cidade. Esta antítese está enraizada numa<br />

antítese vivencial <strong>do</strong> poeta: o campo é o passa<strong>do</strong> (a infância), a cidade é o presente (a vida<br />

adulta). O campo é atracção, a cidade é repulsa.


Note-se que a sugestão <strong>do</strong> campo nasce sempre, no poema, da observação <strong>do</strong> trabalho<br />

das peixeiras e <strong>do</strong>s pedreiros, «os filhos das lezírias». Nem uma única sugestão <strong>do</strong> campo tem<br />

origem na passagem da actriz, aliás grácil e elegante, pela objectiva <strong>do</strong> poeta<br />

O concretismo da poesia de <strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong> pode levar os mais despreveni<strong>do</strong>s a<br />

considerá-la prosaica. Daí o falar-se tantas vezes <strong>do</strong> «prosaísmo» <strong>do</strong>s poemas de <strong>Cesário</strong>.<br />

Realmente aparecem nestes poemas inúmeros termos concretos, vazios, em si, de qualquer<br />

conteú<strong>do</strong> poético. <strong>De</strong>staquemos <strong>do</strong> texto: barracões, quintalórios, ferro, pedras, maços, calçada,<br />

barretes, regueiras, japonas, coletes, picaretes, pederneiras e muitos outros. Ora estes e outros<br />

substantivos concretos, que até aqui andavam arreda<strong>do</strong>s <strong>do</strong> lirismo, só aparentemente é que<br />

tornam prosaicos certos versos de <strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong>. Assim, barracões e quintalórios são termos<br />

concretos, mas eles funcionam como pontes para o mun<strong>do</strong> da fantasia, que conduz o poeta à<br />

recordação <strong>do</strong> campo; ferro, pedra, maços são objectos demasiadamente duros para o <strong>do</strong>ce<br />

lirismo, mas eles funcionam como símbolos <strong>do</strong> trabalho duro <strong>do</strong>s pedreiros. Isto basta para nos<br />

levar à compreensão de que o poeta visiona a realidade nua e crua (daí o concretismo), mas<br />

visioná-la é vê-la à sua maneira, é elevá-la ao campo da fantasia, é criar relações mentais entre<br />

essas realidades. A associação é uma das operações mentais mais importantes da poesia<br />

moderna e é nela que reside o maior fascínio <strong>do</strong>s poemas de <strong>Cesário</strong> <strong>Verde</strong>.<br />

Assim, as árvores despidas (versos 31 a 33) são imediatamente transformadas numa<br />

esquadra fundeada, sem movimento, sem vida, tal como as árvores no Inverno. E o jogo <strong>do</strong> real<br />

e <strong>do</strong> irreal, que a imaginação manobra, para prazer <strong>do</strong> poeta e <strong>do</strong>s leitores. Tu<strong>do</strong> começa nos<br />

senti<strong>do</strong>s, há uma convergência de to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s para captar, sentir a realidade à medida <strong>do</strong><br />

poeta, e transferi-la, depois, para o <strong>do</strong>mínio da imaginação: «Lavo, refresco, limpo os meus<br />

senti<strong>do</strong>s. / E tangem-me, excita<strong>do</strong>s, sacudi<strong>do</strong>s. / O tacto, a vista, o ouvi<strong>do</strong>, o olfacto!».<br />

Veja-se o verso: «Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas». O poeta visionou<br />

os trabalha<strong>do</strong>res desumanamente carrega<strong>do</strong>s e logo a sua imaginação operou a associação com<br />

bestas de carga. Daí a expressão homens de carga (em lugar de destaque, no começo <strong>do</strong> verso).<br />

Examinemos a série de associações e a sucessão de imagens que se verificam na estrofe<br />

iniciada no verso 66. Agora não estamos no espaço real, mas no espaço psicológico <strong>do</strong> poeta.<br />

Este começa por lançar uma espécie de grito de revolta: «Povo!». <strong>De</strong>pois elevan<strong>do</strong>-se<br />

imediatamente da realidade <strong>do</strong> «pano cru rasga<strong>do</strong> das camisas» <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, com «listrões<br />

de vinho», entra no campo da fantasia e imagina uma bandeira-estandarte daquelas vidas<br />

sofre<strong>do</strong>ras. E, da realidade <strong>do</strong>s suspensórios, imagina também uma cruz nas costas <strong>do</strong>s<br />

pedreiros. Note-se o poder associativo, a passagem automática da realidade à imaginação:<br />

camisas rasgadas =>bandeira, vinho => sacrifício (sangue), suspensórios => cruz.<br />

Há, nesta estrofe, um certo tom de revolta, expresso mesmo em tom declamatório, à<br />

maneira romântica. Veja-se ainda o poder associativo da expressão «toda abafada num casaco à<br />

russa», caracteriza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> luxo burguês da actriz.<br />

Analisemos, agora, o poder sugestivo <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> verbo, adjectivo e advérbio<br />

expressivos. Notemos, desde já, que também esta expressividade provém de processos<br />

associativos (senti<strong>do</strong>s conotativos), tão <strong>do</strong> agra<strong>do</strong> <strong>do</strong> poeta.<br />

Verbos expressivos: «Vibra uma imensa claridade»; «tangem-me, excita<strong>do</strong>s, sacudi<strong>do</strong>s,<br />

o tacto, a vista (...)» (note-se a expressividade <strong>do</strong> pronome me); «um perfil direito que se<br />

aguça»; «desemboca».<br />

Adjectivos expressivos: «imensa claridade crua» (um antes, outro depois <strong>do</strong><br />

substantivo, os <strong>do</strong>is com um misto de objectividade e subjectividade); «os calceteiros (...)<br />

terrosos e grosseiros» (objectividade/subjectividade); «chão vidrento, molhada casaria»<br />

(visualismo); «gente pobrezita» (diminutivo de carinho); «choques rijos, ásperos, cantantes»<br />

(tripla adjectivação, em gradação ascendente de subjectividade); «rapagões morosos, duros,


aços» (neste caso, a subjectividade já parece em gradação descendente); «fria paz» (note-se<br />

como um adjectivo, que vulgarmente traduz um da<strong>do</strong> objectivo, aqui se carrega de<br />

subjectividade); «tinta corredia» (visualismo); «os meus senti<strong>do</strong>s tangem-me excita<strong>do</strong>s,<br />

sacudi<strong>do</strong>s» (valor adverbial); «lavada e igual temperatura (relação sinestésica); «altas as<br />

marretas possantes, grossas» (hipálage: as qualidades são transferidas <strong>do</strong>s pedreiros para as<br />

marretas); «E um gor<strong>do</strong>, o mestre, com um ar ralaço e manso» (a expressividade de «gor<strong>do</strong>»,<br />

substantiva<strong>do</strong>, vem <strong>do</strong> facto de poder considerar-se, ao mesmo tempo, causa e efeito <strong>do</strong> «ar<br />

ralaço e manso»); «calosas mãos gretadas» (um antes e outro depois <strong>do</strong> substantivo, visualismo<br />

impressionista: as mãos são o instrumento e o <strong>do</strong>cumento <strong>do</strong> suplício no trabalho); «rostinho<br />

estreito, friorento» (objectividade/subjectividade; notar o diminutivo irónico); «queixo hostil,<br />

distinto» (adjectivação antitética); «Neste <strong>De</strong>zembro enérgico, sucinto, e nestes sítios<br />

suburbanos, reles» (hipálage); «Eles, bovinos, másculos, ossu<strong>do</strong>s» (adjectivação múltipla,<br />

visualismo).<br />

Advérbio expressivo: «pesam enormemente»; «carros de mão conduzem o saibro<br />

vagorosa-mente» (a conotar o excesso de peso para um homem); «bruscamente» associa<strong>do</strong> a<br />

«quem saiu da toca», deixa a sensação de um animal esquivo que à luz <strong>do</strong> dia está fora <strong>do</strong> seu<br />

ambiente); «encaram-na sanguínea, brutalmente» (a conotar o desejo instintivo, animal).<br />

Concluímos, portanto, que houve uma procura <strong>do</strong> melhor termo, uma escolha requintada de<br />

signos polivalentes, a abrirem o campo da imaginação.<br />

Para concluir, resta-nos apenas dizer que a maestria de <strong>Cesário</strong>, não só neste poema,<br />

como em to<strong>do</strong>s os outros da sua obra poética, reside na palavra que nos transporta para<br />

ambientes onde os senti<strong>do</strong>s são o espectáculo, onde o banal deixa de o ser para se transformar<br />

numa força estética cheia de carga significativa.

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