Como é que você escreve, Vinicius? Eu prefiro escrever à máquina ...

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16 VIVER & ESCREVER Os famosos artigos sobre Orson Welles... É, eu tinha ficado no maior entusiasmo pelo Cidadão Kane e escrevi uma série de artigos sobre o filme. Em 1941, quando ele esteve aqui, ficamos amigos. Tanto que, quando eu fui servir em Los Angeles, em 46, como diplomata, o Orson Welles me ensinou realmente tudo o que eu sei de cinema. Cinco Elegias saiu publicado em... 1943. A primeira edição foi paga por Aníbal Machado, Octávio de Faria e Manuel Bandeira. Eu já estava casado, numa dureza danada... Então eles se cotizaram, cada um deu quinhentos mil-réis. O desenho da capa foi feito pelo Bandeira e a edição teve quinhentos exemplares. Eram poemas escritos na Inglaterra? Também. A fase inglesa foi muito produtiva para mim: eu amava e fazia poesia o tempo todo. Aí eu montei um outro livro – Poemas, Sonetos e Baladas –, que saiu pela Editora Gaveta, do Clóvis Graciano. Na livraria do Alfredo Mesquita havia uma gaveta onde eles guardavam originais... O livro foi ilustrado pelo Carlos Leão, arquiteto e desenhista maravilhoso, primo da Tati. Não era uma edição luxuosa, e foi paga por subscritores. Alcançou logo sucesso. A crítica continuou recebendo sua poesia com entusiasmo? Fui um poeta bem aceito, desde o princípio. O pessoal do modernismo tinha uns certos preconceitos com a minha primeira fase, mas depois... Um dos melhores ensaios sobre meu trabalho foi escrito pela Renata Pallottini, aqui de São Paulo. Nunca tentou o romance, Vinicius? Tentei, sim. Escrevi Antônia, quando eu estava apaixonado por aquela moça de São Paulo. Contava a história do nosso amor. Ficou anos jogado nos meus papéis. Uns quinze anos. Daí eu reli, um dia, achei tão ruim que rasguei. Agora ando pensando em fazer uma nova tentativa... Não sei. E a diplomacia, Vinicius? Fiquei em A Manhã três anos. Até que fui expulso por um militar. A época ruim do Getúlio, sabe, de franco namoro com o fascismo internacional, de DIP – Departamento de
VINICIUS DE MORAES 17 Imprensa e Propaganda. A Tati gostava de viajar e me sugeriu entrar para a carreira diplomática. Eu não tinha a menor vocação para aquilo. O concurso era difícil, provas escritas e orais, tive de rever todo o meu curso de Direito. No fim, fiz aquilo que segui fazendo o resto da minha vida em matéria de distrações. Assinei a prova, o que era proibido. Perdi um ano e repeti os exames. Meu primeiro posto foi Los Angeles. Nessa época ainda, acompanhei Waldo Frank, o romancista e ensaísta norte-americano, por todo o Brasil. Essa viagem me mudou muito por dentro, sabe? Conheci, de perto, a miséria. Mas deixa esse assunto pra lá. Quer falar de suas experiências em Los Angeles, seus amigos, o aprendizado de cinema? Não. Já falei tanto disso. Não tem novidade. Assisti às filmagens do Orson Welles, fiquei amigo do Armstrong, do Zutty Singleton, do Tuck Murphy, essa maravilhosa gente de jazz. Convivi com o Norman Mailer, com tanta gente boa... Outro dia me lembrei de uma mulher tão bonita que eu tive lá. Vinha de San Diego, três horas de automóvel, para me encontrar. Três vezes por semana. O marido era um Tyrone Power, dono de fábrica, riquíssimo. Um ano eu comi essa mulher. A gente se encontrava num hotelzinho na periferia de Los Angeles e tal. Um dia o marido desconfiou e o negócio teve de parar. Mas você sabe que eu não me lembro do nome dessa mulher? Tenho tanta vergonha de mim mesmo! Você me contou, uma vez, na casa do Aparício Basílio da Silva, uma história de uma edição especial do Pátria Minha, que não lembro bem... Ah, sei. Eu mandei o poema para o João Cabral, que estava em Barcelona. A gente se correspondia bastante nesse tempo. Um mês depois eu recebo um embrulho grande, do Consulado Geral de Barcelona. Abri o pacote e... Que coisa linda. O João tinha uma prensa manual e fez cinqüenta exemplares do Pátria Minha. Uma feitura, um troço artesanal incrível. Eu fiquei tão contente, realmente foi um negócio lindo que ele fez.
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