Outdoors pela cidade de Porto Alegre e os Modos de Viver ... - Anpad
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Resumo<br />
<strong>Outdoors</strong> <strong>pela</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong> e <strong>os</strong> Mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>Viver</strong> e <strong>de</strong> Trabalhar<br />
Contemporâne<strong>os</strong><br />
Autoria: Adriana Schujmann, Letícia Weber, Daniele Fontoura<br />
O texto produzido para a publi<strong>cida<strong>de</strong></strong> é o resultado da soma <strong>de</strong> vári<strong>os</strong> fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
econômica, social e psicológica, como também do uso <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong> retóric<strong>os</strong> como as figuras<br />
<strong>de</strong> linguagem, as técnicas argumentativas e <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> <strong>de</strong> persuasão, entre outr<strong>os</strong><br />
(FERNANDES e SILVA, 2008). Sendo assim, por refletirem aspect<strong>os</strong> econômic<strong>os</strong>, sociais e<br />
psicológic<strong>os</strong> <strong>de</strong> seu tempo, neste trabalho objetiva-se analisar as mensagens implícitas e<br />
explícitas contidas n<strong>os</strong> outdoors espalhad<strong>os</strong> <strong>pela</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>/RS a fim <strong>de</strong> avaliar<br />
sua relação com <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalhar e <strong>de</strong> viver da vida mo<strong>de</strong>rna. Foram tiradas cerca <strong>de</strong><br />
150 fot<strong>os</strong> <strong>de</strong> outdoors presentes nas ruas e avenidas da <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>. Esses lugares<br />
tinham por semelhança serem locais com gran<strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong> pessoas, seja <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres ou <strong>de</strong><br />
circulação <strong>de</strong> veícul<strong>os</strong>. Os outdoors foram fotografad<strong>os</strong> no período compreendido entre<br />
outubro e novembro <strong>de</strong> 2008 e, após, analisad<strong>os</strong> conforme a técnica <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> discurso.<br />
Este método <strong>de</strong> pesquisa tem por característica uma p<strong>os</strong>tura crítica ao conhecimento dado,<br />
tendo a “convicção <strong>de</strong> que o conhecimento é socialmente construído, isto é, que n<strong>os</strong>sas<br />
maneiras atuais <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mundo são <strong>de</strong>terminadas não <strong>pela</strong> natureza do mundo em si<br />
mesmo, mas pel<strong>os</strong> process<strong>os</strong> sociais” (GILL, 2002 p. 245). Os outdoors foram classificad<strong>os</strong><br />
em quatro categorias que corroboram o disp<strong>os</strong>to na literatura sobre <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> viver e <strong>de</strong><br />
trabalhar contemporâne<strong>os</strong>: “prazeres físic<strong>os</strong> como bússola moral da vida”; “flui<strong>de</strong>z, tempo e<br />
espaço”; “up or out” e “bela da cabeça a<strong>os</strong> pés”. Salienta-se, no entanto, que a redução a<br />
categorias visa contribuir para a análise, pois todas são não-exclu<strong>de</strong>ntes e guardam estreita<br />
relação umas com as outras, constituindo, assim, um tema rizomático. Desta forma, po<strong>de</strong>-se<br />
<strong>de</strong>monstrar que as mensagens contidas n<strong>os</strong> outdoors espelham o imaginário social e cultural<br />
<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> ao mesmo tempo em que reforçam em seus membr<strong>os</strong> tais crenças. Como<br />
salienta Sennett (2001), o capitalismo flexível interfere no caráter pessoal d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong><br />
po<strong>de</strong>ndo causar ansieda<strong>de</strong>. Constatou-se assim que tais mensagens po<strong>de</strong>m permitir melhor<br />
conhecer o sujeito, pois este <strong>de</strong>senvolve com a propaganda estreita relação: ao mesmo tempo<br />
em que se utiliza <strong>de</strong> um discurso legitimado socialmente para elaborar as peças publicitárias,<br />
há um reforço <strong>de</strong>stas mesmas idéias por parte <strong>de</strong> quem recebe a mensagem. E, frente a este<br />
cenário, o sujeito se vê bombar<strong>de</strong>ado lentamente, dia após dia, por um discurso legitimado<br />
<strong>pela</strong> própria mídia, nem sempre tendo consciência d<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> <strong>de</strong>le sobre si. Pois, como<br />
lembra Guattari e Rolnik (1996), a subjetivida<strong>de</strong> é social, no entanto, é vivida pel<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong>,<br />
po<strong>de</strong>ndo estes respon<strong>de</strong>r ou consumir a subjetivida<strong>de</strong> produzida <strong>de</strong> diferentes formas.<br />
1
1. Introdução<br />
A vida mo<strong>de</strong>rna tem sido marcada pelo efêmero, pelo consumo sem limites, pelo<br />
<strong>de</strong>sejado que se torna <strong>de</strong>scartável em uma fração <strong>de</strong> tempo, <strong>pela</strong> busca do sempre mais, ainda<br />
que não se tenha a medida do que seja este “mais”. É o corpo e o intelecto que <strong>de</strong>vem ser<br />
perfeit<strong>os</strong> como meio <strong>de</strong> garantir, entre outras coisas, o acesso e permanência no trabalho.<br />
Estes aspect<strong>os</strong> encontram-se presentes no dia-a-dia <strong>de</strong> cada sujeito e refletem-se nas formas<br />
<strong>de</strong> comunicação empresariais, seja n<strong>os</strong> jornais, revistas, televisão, rádio, internet ou n<strong>os</strong><br />
anúnci<strong>os</strong> nas ruas. Neste artigo darem<strong>os</strong> <strong>de</strong>staque para a mídia externa outdoor.<br />
O texto publicitário é estruturado em função <strong>de</strong> argument<strong>os</strong> que buscam persuadir <strong>os</strong><br />
sujeit<strong>os</strong> associando ao produto p<strong>os</strong>síveis vantagens que o consumidor tenha ao adquirir aquele<br />
produto ou serviço. Desta forma, segundo Fernan<strong>de</strong>s e Silva (2008), o texto produzido para a<br />
publi<strong>cida<strong>de</strong></strong> utiliza, além d<strong>os</strong> recurs<strong>os</strong> retóric<strong>os</strong> como as figuras <strong>de</strong> linguagem, as técnicas<br />
argumentativas e <strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> <strong>de</strong> persuasão, vári<strong>os</strong> fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, social e<br />
psicológica.<br />
Como o outdoor se caracteriza por ser uma mídia externa, duas variáveis tem especial<br />
importância: tempo e movimento. Por estar p<strong>os</strong>icionado em pont<strong>os</strong> estratégic<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma<br />
<strong>cida<strong>de</strong></strong>, a variável movimento do observador <strong>de</strong>ve ser levada em consi<strong>de</strong>ração pelo criador da<br />
imagem. À medida que o observador vai se movendo, a sua percepção po<strong>de</strong> se alterar, pois <strong>os</strong><br />
objet<strong>os</strong> ten<strong>de</strong>m a modificar-se em term<strong>os</strong> <strong>de</strong> dimensão, formato e brilho. O tempo é outra<br />
variável que <strong>de</strong>termina algumas características do outdoor. Devido ao curto período <strong>de</strong><br />
exp<strong>os</strong>ição, o texto apresentado <strong>de</strong>ve ser curto e impactante. A i<strong>de</strong>ntificação do observador<br />
com as palavras exp<strong>os</strong>tas proporciona um reconhecimento mais rápido do texto escrito nas<br />
placas do outdoor (MACIEL e ARAÚJO, 2004).<br />
Sendo assim, por refletirem aspect<strong>os</strong> econômic<strong>os</strong>, sociais e psicológic<strong>os</strong> <strong>de</strong> seu tempo,<br />
este trabalho tem por objetivo analisar as mensagens implícitas e explícitas contidas n<strong>os</strong><br />
outdoors espalhad<strong>os</strong> <strong>pela</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>/RS a fim <strong>de</strong> avaliar sua relação com <strong>os</strong><br />
mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalhar e <strong>de</strong> viver da vida mo<strong>de</strong>rna.<br />
Os outdoors foram fotografad<strong>os</strong> e analisad<strong>os</strong> conforme a técnica <strong>de</strong> análise <strong>de</strong><br />
discurso. Assim, buscou-se formar categorias que se relacionassem com <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> viver e<br />
<strong>de</strong> trabalhar contemporâne<strong>os</strong>. Ao final, formaram-se quatro categorias <strong>de</strong> análise, no entanto,<br />
cabe salientar que nenhuma das categorias é exclusiva por tratar-se <strong>de</strong> um tema rizomático<br />
(DELEUZE e GATTARI, 1995), um tema que permite várias entradas e que ao mesmo tempo<br />
não permite estabelecer meio e fim. Um tema que evi<strong>de</strong>ncia a flui<strong>de</strong>z, a liqui<strong>de</strong>z <strong>de</strong>stacada<br />
por Bauman (2007). Em que não existem fronteiras ou quando existem são tão estreitas que se<br />
tem dificulda<strong>de</strong> em distinguir uma categoria da outra.<br />
Estes temas da contemporaneida<strong>de</strong> são tratad<strong>os</strong> por divers<strong>os</strong> autores, levantando<br />
questões importantes para o entendimento do dinamismo d<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> viver e <strong>de</strong> trabalhar<br />
atuais. Neste artigo, para fins <strong>de</strong> revisão da literatura, elencam<strong>os</strong> alguns <strong>de</strong>stes temas, que são<br />
apresentad<strong>os</strong> a seguir.<br />
2. A Vida Mo<strong>de</strong>rna<br />
Analisando a vida mo<strong>de</strong>rna, Bauman (2007) traz o termo flui<strong>de</strong>z ou, como <strong>de</strong>fine, a<br />
vida líquida. Esta é assim chamada justamente por correr em abundância, correr em fio, sem<br />
engarrafament<strong>os</strong> ou retenções. Por tornar-se difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar suas fronteiras, é a vida<br />
pessoal que se mistura cada vez mais com a vida profissional. É o gerenciamento do trabalho<br />
que é trazido para <strong>de</strong>ntro da casa, da família.<br />
Para Sennett (2001) o capitalismo flexível interfere no caráter pessoal. O autor m<strong>os</strong>tra<br />
que a ênfase na flexibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> causar ansieda<strong>de</strong>, já que as pessoas não sabem que risc<strong>os</strong><br />
2
serão compensad<strong>os</strong>, que caminh<strong>os</strong> seguir. Reforçando que a nova or<strong>de</strong>m impõe nov<strong>os</strong><br />
controles difíceis <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, o novo capitalismo é um sistema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r muitas vezes<br />
ilegível, gerando ansieda<strong>de</strong> e risc<strong>os</strong> que não se po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r, afetando não só a forma <strong>de</strong><br />
ver o trabalhar, como a própria ética do trabalho. Ainda, neste contexto <strong>de</strong> contínuo<br />
replanejamento e enfoque no curto prazo, o autor coloca que as pessoas sentem falta <strong>de</strong><br />
relações humanas constantes e objetiv<strong>os</strong> duráveis.<br />
Também as dimensões da vida humana como espaço e tempo são transformadas pelo<br />
capitalismo flexível por meio da tecnologia da informação e pelo processo <strong>de</strong> transformação<br />
histórica das socieda<strong>de</strong> em socieda<strong>de</strong> em re<strong>de</strong> (CASTELLS, 2000).<br />
A este contexto <strong>de</strong> dominação e assujeitamento d<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>, Hardt e Negri (2001)<br />
<strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> “império”, uma estrutura <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se generalizou, uma nova forma <strong>de</strong><br />
soberania correspon<strong>de</strong>nte à fase atual do capitalismo mundial integrado, e não é apenas uma<br />
entida<strong>de</strong> política ou nacional localizada, pois jamais uma or<strong>de</strong>m política avançou a tal ponto<br />
em todas as dimensões, recobrindo a totalida<strong>de</strong> da existência, o espaço, o tempo, a<br />
subjetivida<strong>de</strong>, a vida. O “império” não tem limites, nem fronteiras, engloba a totalida<strong>de</strong> do<br />
espaço do mundo, apresentando-se como or<strong>de</strong>m a-histórica, eterna, <strong>de</strong>finitiva, e penetra na<br />
vida das populações, não só nas interações, mas no corpo, na mente, na inteligência, na<br />
afetivida<strong>de</strong>. Este po<strong>de</strong>r já não se exerce verticalmente, este po<strong>de</strong>r está por toda a parte, não é<br />
localizado, nem centralizado, ele é imanente, soberania imanente ao capital, é a subsunção<br />
real da socieda<strong>de</strong> ao capital.<br />
Nas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas o fluxo <strong>de</strong> informação é intenso, há um apelo<br />
constante à velo<strong>cida<strong>de</strong></strong>, à rapi<strong>de</strong>z, à passagem, ao movimento. As re<strong>de</strong>s sociais contribuem <strong>de</strong><br />
forma intensa para a inovação e seu dinamismo, proporcionando a comunicação cada vez<br />
mais veloz <strong>de</strong> idéias, circulação <strong>de</strong> trabalho e troca <strong>de</strong> experiências (Castells, 2000). É preciso<br />
ganhar tempo, Virilio (1996) <strong>de</strong>staca que o valor estratégico do não-lugar da velo<strong>cida<strong>de</strong></strong><br />
suplantou <strong>de</strong>finitivamente o do lugar, e a questão da p<strong>os</strong>se do tempo renovou a da p<strong>os</strong>se<br />
territorial. “Surfam<strong>os</strong> numa mobilida<strong>de</strong> generalizada, nas músicas, nas modas, n<strong>os</strong> slogans<br />
publicitári<strong>os</strong>, no circuito informático e telecomunicacional”, alerta Pelbart (2000, p. 15). No<br />
entanto, quanto mais cresce a rapi<strong>de</strong>z, mais <strong>de</strong>cresce a liberda<strong>de</strong>. A imediati<strong>cida<strong>de</strong></strong> da<br />
informação leva à crise e à miniaturização da ação resultante da miniaturização do espaço<br />
como campo <strong>de</strong> ação. E a automobilida<strong>de</strong> do aparelho gera, finalmente, a auto-suficiência da<br />
automação (VIRILIO, 1996).<br />
É a lógica do “não per<strong>de</strong>r tempo” que passa a nortear <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalhar d<strong>os</strong><br />
sujeit<strong>os</strong>, afetando, assim, seus mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> viver, fazendo com que sejam cada vez mais<br />
solicitad<strong>os</strong>, como uma “obrigação interiorizada” conforme ressalta Lopez-Ruiz (2007). A<br />
hipersolicitação, termo utilizado por Gaulejac (2007), será abordada no próximo item.<br />
2.1 A Hipersolicitação<br />
Conforme n<strong>os</strong> alerta Pelbart (2000) antigamente a sujeição do trabalhador se dava <strong>de</strong><br />
forma voluntária às condições capitalistas <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> circulação. Hoje<br />
percebem<strong>os</strong> a passagem da sujeição para a servidão, ou seja, as fronteiras entre as esferas<br />
produtiva e reprodutiva, antes <strong>de</strong>marcadas, tornam-se nebul<strong>os</strong>as. Como <strong>de</strong>staca o autor:<br />
“Vivem<strong>os</strong> tod<strong>os</strong> aprisionad<strong>os</strong>, prisioneir<strong>os</strong> a céu aberto. Isso tem várias razões, e <strong>de</strong>ve-se,<br />
certamente, à maneira como o capitalismo atual invadiu as esferas mais privadas e íntimas da<br />
vida humana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fé até o corpo biológico” (PELBART, 2000, p.26).<br />
A tendência que se apresenta é cada vez mais trabalhar em casa <strong>de</strong> modo que a<br />
empresa confun<strong>de</strong>-se com a priva<strong>cida<strong>de</strong></strong> do tempo livre. Tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> temp<strong>os</strong> <strong>de</strong>vem ser<br />
produtiv<strong>os</strong>, <strong>de</strong>vem ser aproveitad<strong>os</strong> segundo uma lógica da instrumentalida<strong>de</strong>. Além disso, as<br />
3
inovações tecnológicas, com a tecnologia da informação, colaboram para que <strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong><br />
sejam controlad<strong>os</strong>, um controle que atualmente é discreto e sutil, mas atuante.<br />
O controle abordado na estrutura e no princípio do Panóptico, <strong>de</strong> Jeremy Bentham<br />
(2000), consiste num espaço <strong>de</strong>masiadamente gran<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> <strong>os</strong> <strong>de</strong>tent<strong>os</strong> podiam ser<br />
controlad<strong>os</strong> ou dirigid<strong>os</strong>, <strong>de</strong>vendo sempre sentir-se como se estivessem sob inspeção, e on<strong>de</strong><br />
permanecia a imobilida<strong>de</strong> do sujeito, agora é substituído pelo sinóptico. O princípio<br />
mo<strong>de</strong>rnizou-se, conforme salienta Grisci (2008), a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle passa, assim, a<br />
potencializar a invisibilida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r que se dilui com as fronteiras tênues e com as re<strong>de</strong>s<br />
flexíveis, <strong>de</strong>spertando uma sensação <strong>de</strong> aparente liberda<strong>de</strong> e constante movimento, numa<br />
“servidão voluntária da subjetivida<strong>de</strong>”, num “controle <strong>de</strong> múltiplas entradas”.<br />
O controle encontra-se, portanto, no próprio sujeito, internalizado n<strong>os</strong> seus mod<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
viver na forma <strong>de</strong> autocontrole. Este autocontrole favorecido <strong>pela</strong>s tecnologias atuais que<br />
contribuem para aumentar a “entrega” do sujeito po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado a base do capitalismo.<br />
Neste contexto, é preciso diferentes formas <strong>de</strong> mobilização d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong>, fazendo com que<br />
nem se dêem conta da constante vigilância em contínuo movimento.<br />
O sujeito precisa ser gestor <strong>de</strong> si, o que implica gerenciar sua carreira, sua aparência<br />
física, seu aprendizado, seu relacionament<strong>os</strong>, consumir produt<strong>os</strong> cada vez mais mo<strong>de</strong>rn<strong>os</strong>,<br />
tudo isso para não correr o risco <strong>de</strong> ficar obsoleto, é o mundo da hipersolicitação. O sujeito<br />
sente-se culpado <strong>de</strong> não satisfazer as exigências sempre mais prementes e tanto mais difíceis<br />
<strong>de</strong> contestar pelo fato <strong>de</strong> emanarem <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r distante, abstrato, inacessível. A ameaça <strong>de</strong><br />
per<strong>de</strong>r o p<strong>os</strong>to <strong>de</strong> trabalho ou <strong>de</strong> ser visto como obsoleto <strong>de</strong>safia a tod<strong>os</strong>. A lógica do “up or<br />
out” é consi<strong>de</strong>rada como normal. Ela impele cada um a se superar em favor do capitalismo<br />
flexível, a fim <strong>de</strong> garantir a sua perenida<strong>de</strong>. A lógica que permeia o mercado <strong>de</strong> trabalho é a<br />
<strong>de</strong> estar sempre “acima das expectativas” para ser apreciado (GAULEJAC, 2007).<br />
“Tod<strong>os</strong> (do diretor ao operário) vivem, portanto, na ânsia <strong>de</strong> não estar à altura, <strong>de</strong><br />
enganar-se, <strong>de</strong> não ser mais suficientemente bem sucedido, adaptável, criativo; em uma<br />
palavra, jovem” (ENRIQUEZ, 1995, p. 18). Os nov<strong>os</strong> métod<strong>os</strong> <strong>de</strong> gestão minimizam as<br />
questões da subjetivida<strong>de</strong>, pois <strong>de</strong>sejam sujeit<strong>os</strong> ao mesmo tempo conformad<strong>os</strong>, adaptáveis e<br />
inovadores, que é o mesmo que <strong>de</strong>sejar a quadratura do círculo, conforme salienta o autor. A<br />
administração estratégica faz parecer respeitar o sujeito humano, mas para aliená-lo mais<br />
ainda. Não se trata somente, conforme se tem visto, <strong>de</strong> certificar-se <strong>de</strong> sua consciência<br />
profissional, trata-se <strong>de</strong> provocar uma a<strong>de</strong>são passional, por uma gestão não apenas do afetivo<br />
como ainda do inconsciente. E, “o inconsciente não reconhece o imp<strong>os</strong>sível, a contradição”<br />
(ENRIQUEZ, 1995, p. 19).<br />
Para Pelbart (2000) o sujeito não mais se submete às regras, mas ele as investe, como<br />
se faz um investimento financeiro: ele quer fazer ren<strong>de</strong>r seu corpo, seu sexo, sua comida, ele<br />
investe nas mais diversas informações para se rentabilizar, para se fazer ren<strong>de</strong>r, para fazer<br />
ren<strong>de</strong>r o seu tempo. Gaulejac (2007) menciona que a pessoa se torna uma empresa, ou seja,<br />
tudo é business. Lopez-Ruiz (2007) salienta que a atenção ao investimento e “o<br />
gerenciamento <strong>de</strong> sua carreira-vida-empresa” torna-se a meta principal a ser atingida por cada<br />
homem segundo a lógica do sistema, o único motivo em sua vida, sua fonte <strong>de</strong> sentido.<br />
Aliando a velo<strong>cida<strong>de</strong></strong> à hipersolicitação, para Harvey (2001, p.139) o conhecimento é<br />
um combustível para aqueles que querem se mover nesse tempo em que a velo<strong>cida<strong>de</strong></strong> da ação<br />
é importante:<br />
As pessoas que se movem e agem com maior rapi<strong>de</strong>z, que mais se aproximam do<br />
momentâneo do movimento, são as pessoas que agora mandam. E são as pessoas<br />
que não po<strong>de</strong>m se mover tão rápido – e, <strong>de</strong> modo ainda mais claro, a categoria das<br />
pessoas que não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar seu lugar quando quiserem – as que obe<strong>de</strong>cem.<br />
A hipersolicitação <strong>de</strong>safia, inclusive, a biologia, pois não admite as <strong>de</strong>ficiências e as<br />
imperfeições, não tolera a diversida<strong>de</strong>. O discurso da diversida<strong>de</strong> é muito presente em n<strong>os</strong>so<br />
4
contexto, mas a diversida<strong>de</strong> tolerada é uma diversida<strong>de</strong> padronizada, que é expressa pel<strong>os</strong><br />
mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong>-padrão <strong>de</strong> beleza, pel<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> vestir e <strong>de</strong> se portar aceit<strong>os</strong> e legitimad<strong>os</strong> <strong>pela</strong>s<br />
organizações e <strong>pela</strong> socieda<strong>de</strong>.<br />
Os padrões <strong>de</strong> beleza se alteraram n<strong>os</strong> an<strong>os</strong> 20 e neste momento a magreza passou a<br />
estar em uma p<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque e <strong>de</strong> valorização. Ser magro remete a agilida<strong>de</strong> e leveza, ou<br />
seja, conceit<strong>os</strong> chaves d<strong>os</strong> temp<strong>os</strong> atuais. “A ausência da gordura, ao contrário, lhes é<br />
enloquente e promete movimento” (SANT’ANNA, 2001, p.23).<br />
Segundo esta autora, as propagandas fortalecem a idéia <strong>de</strong> uma beleza para todo o<br />
corpo, ida<strong>de</strong> e momento. É preciso estar belo sempre, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das circunstâncias. A<br />
pessoa <strong>de</strong>ve estar lindamente preparada para ser fotografada a qualquer instante, ou seja, a<br />
exp<strong>os</strong>ição do corpo no seu máximo nível. Além disso, troca-se <strong>de</strong> corpo sem cessar, <strong>de</strong> acordo<br />
com as circunstâncias, salienta a autora.<br />
Evitar que o corpo seja um obstáculo para po<strong>de</strong>r entrar em tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> lugares, passar<br />
por tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> temp<strong>os</strong>, navegar em meio a diferentes culturas. Por isso, o homem<br />
voltado à transparência também é inquieto e incerto, amedrontado <strong>de</strong> não ser<br />
suficientemente ágil, criativo, flexível. Buscando <strong>de</strong>svencilhar-se do peso <strong>de</strong> tudo o<br />
que ten<strong>de</strong> a repousar sobre si, ele teme carregar muito corpo, muita memória, muita<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (SANT'ANNA, 2001, p. 25).<br />
C<strong>os</strong>ta (2004) usa o termo “moral do espetáculo” no qual a imagem do corpo é o centro<br />
das atenções. O autor fala da angústia vivida pel<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> atualmente frente às perdas <strong>de</strong><br />
valores. É justamente neste contexto que o corpo, como se<strong>de</strong> das sensações e como centro das<br />
ações motoras, sofre um <strong>de</strong>sequilíbrio. Os sintomas corporais resultam do conflito entre, <strong>de</strong><br />
um lado, incorporar e manter a imagem narcísica propagada <strong>pela</strong> mídia e, do outro, manter o<br />
sentimento <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. “[...] <strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong> urban<strong>os</strong> elegeram o bem-estar e <strong>os</strong> prazeres<br />
físic<strong>os</strong> como a bússola moral da vida” (COSTA, 2004, p. 132). Na “socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> espetáculo”,<br />
o corpo é celebrado e não há mais espaço para a vida <strong>de</strong> sentiment<strong>os</strong>, reforça o autor, estar<br />
feliz hoje significa ter o corpo d<strong>os</strong> vencedores, da celebrida<strong>de</strong>.<br />
“A gestão da imagem resultaria uma padronização <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> e cores n<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
vestir, <strong>de</strong> enfeitar-se, <strong>de</strong> pentear <strong>os</strong> cabel<strong>os</strong> e <strong>de</strong> falar, gesticular e p<strong>os</strong>icionar o corpo <strong>de</strong> modo<br />
discreto e elegante” (GRISCI et al, 2008, p. 5). Cada sujeito <strong>de</strong>ve ser gestor do próprio corpo,<br />
segundo Grisci et al (2008), implicando em uma lógica na busca <strong>pela</strong> juventu<strong>de</strong> e na<br />
eliminação das marcas do tempo sobre o corpo. A busca da beleza está acima <strong>de</strong> tudo,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do investimento que se faça.<br />
Analisando a beleza no trabalho bancário, <strong>os</strong> autores <strong>de</strong>monstram <strong>os</strong> dilemas e<br />
conflit<strong>os</strong> vivid<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> e revelando a relevância da beleza física para o ingresso, a<br />
ascensão e permanência no trabalho, e o incremento do uso <strong>de</strong> artifíci<strong>os</strong> e técnicas <strong>de</strong><br />
embelezamento físico para o trabalho, <strong>de</strong>vido a<strong>os</strong> <strong>de</strong>sprez<strong>os</strong>, preconceit<strong>os</strong> e sofriment<strong>os</strong><br />
vivenciad<strong>os</strong>. Os mesm<strong>os</strong> autores m<strong>os</strong>tram que o banco utiliza a beleza física d<strong>os</strong><br />
trabalhadores bancári<strong>os</strong>, <strong>de</strong> modo a valorizar sua imagem projetada na socieda<strong>de</strong>. Nesse<br />
sentido, o investimento no embelezamento físico é sinônimo <strong>de</strong> investimento para o trabalho e<br />
sobrepõe-se, por vezes, à singularida<strong>de</strong> d<strong>os</strong> corp<strong>os</strong> em atenção a<strong>os</strong> padrões vigentes.<br />
Seguindo essa lógica, Pereira (2005) realizou um estudo <strong>de</strong> cunho antropológico com<br />
o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svendar a presença <strong>de</strong> algumas formas <strong>de</strong> classificação da socieda<strong>de</strong> externa<br />
no ambiente organizacional. Para tal, a autora realizou uma análise simbólica do corpo <strong>de</strong><br />
trabalhadores <strong>de</strong> duas livrarias da <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>. A pesquisa apontou que o corpo<br />
funciona como objeto <strong>de</strong> hierarquização do trabalhador (principalmente no que se refere à<br />
questão da cor da pele). E, ainda, que o tipo <strong>de</strong> corpo selecionado é o magro, jovem e sem<br />
<strong>de</strong>ficiência, o que reproduz um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> almejado <strong>pela</strong>s empresas e, também,<br />
um estilo <strong>de</strong> vida apregoado <strong>pela</strong>s classes alta e média da socieda<strong>de</strong> contemporânea e urbana.<br />
5
É à luz <strong>de</strong>ste referencial teórico que serão analisad<strong>os</strong> <strong>os</strong> outdoors disp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> na <strong>cida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>. Na seção seguinte serão <strong>de</strong>talhad<strong>os</strong> <strong>os</strong> procediment<strong>os</strong> metodológic<strong>os</strong><br />
utilizad<strong>os</strong> neste trabalho.<br />
3. Procediment<strong>os</strong> Metodológic<strong>os</strong><br />
O presente trabalho caracteriza-se como um estudo <strong>de</strong> caso qualitativo. A pesquisa<br />
qualitativa, segundo Holliday (2007), objetiva <strong>de</strong>monstrar e ilustrar as manifestações da vida<br />
social que, conforme o autor, <strong>de</strong>veriam ser permanentemente apresentadas e exploradas pel<strong>os</strong><br />
pesquisadores. O objetivo da pesquisa foi analisar as mensagens implícitas e explícitas<br />
contidas n<strong>os</strong> outdoors espalhad<strong>os</strong> <strong>pela</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>/RS a fim <strong>de</strong> avaliar sua relação<br />
com <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalhar e <strong>de</strong> viver da vida mo<strong>de</strong>rna.<br />
Recentemente, vem aumentando, o uso <strong>de</strong> fotografias e <strong>de</strong> recurs<strong>os</strong> visuais em<br />
pesquisas, principalmente nas qualitativas. Segundo Flick (2004) as fotografias p<strong>os</strong>sibilitam<br />
“a captação <strong>de</strong> fat<strong>os</strong> e process<strong>os</strong> que sejam muito rápid<strong>os</strong> ou complex<strong>os</strong> para o olho humano”<br />
(p. 162). Com o uso <strong>de</strong> fotografia é p<strong>os</strong>sível um maior entendimento d<strong>os</strong> process<strong>os</strong> sociais,<br />
pois facilita e proporciona as pessoas uma gran<strong>de</strong> reflexão do que está sendo m<strong>os</strong>trado<br />
(HARPER, 2000).<br />
Para Loizo (2002) a imagem é um recurso que oferece um ótimo registro das “ações<br />
temporais e d<strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> reais – concret<strong>os</strong>, materiais” (p. 137), sendo consi<strong>de</strong>rada uma<br />
“evidência ou valor persuasivo” (p. 141). Além <strong>de</strong> ser p<strong>os</strong>sível a sua reanálise, pois esta fica a<br />
disp<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> outras pessoas (FLICK, 2004).<br />
A primeira etapa consistiu na observação e registro <strong>de</strong> fot<strong>os</strong> d<strong>os</strong> outdoors espalhad<strong>os</strong><br />
<strong>pela</strong> <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>, no período entre outubro e novembro <strong>de</strong> 2008. Optou-se por não<br />
limitar o tipo <strong>de</strong> outdoor ou região da <strong>cida<strong>de</strong></strong>, pois se pretendia conhecer e explorar o campo<br />
<strong>de</strong> pesquisa na sua totalida<strong>de</strong>. Foram tiradas 150 fot<strong>os</strong> <strong>de</strong> outdoors presentes nas ruas e<br />
avenidas da <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong>. Esses lugares tinham por semelhança serem locais com<br />
gran<strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong> pessoas, seja <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres ou <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> veícul<strong>os</strong>.<br />
Em seguida foram selecionadas as melhores e as mais nítidas fot<strong>os</strong>, analisando um<br />
total <strong>de</strong> 100 fot<strong>os</strong> conforme a técnica <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> discurso. Segundo Gill (2002, p. 245), esta<br />
análise rejeita “a noção realista <strong>de</strong> que a linguagem é simplesmente um meio neutro <strong>de</strong> refletir<br />
ou <strong>de</strong>screver o mundo” e acredita na “importância central do discurso na construção da vida<br />
social”.<br />
A análise <strong>de</strong> discurso é um método <strong>de</strong> pesquisa que tem por característica uma p<strong>os</strong>tura<br />
crítica ao conhecimento dado. Segundo Gill (2002) n<strong>os</strong>sas maneiras atuais <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o<br />
mundo são <strong>de</strong>terminadas não <strong>pela</strong> natureza do mundo em si mesmo, mas pel<strong>os</strong> process<strong>os</strong><br />
sociais. a autora ressalta que o conhecimento é socialmente construído. Uma preocupação do<br />
analista <strong>de</strong> discurso é em relação ao contexto, ou seja, “quando um analista <strong>de</strong> discurso<br />
discute o contexto, ele esta também produzindo uma versão, construindo o contexto como<br />
objeto” (GILL, 2002, p. 255). Dessa forma, este pesquisador se preocupa em “produzir<br />
leituras <strong>de</strong> text<strong>os</strong> e context<strong>os</strong> que estão garantid<strong>os</strong> por uma atenção cuidad<strong>os</strong>a a<strong>os</strong> <strong>de</strong>talhes e<br />
que emprestam coerência ao discurso em estudo” (GILL, 2002, p. 256).<br />
As categorias encontradas a partir da análise <strong>de</strong> discurso, para este mesmo autora, são<br />
<strong>de</strong>terminadas <strong>pela</strong>s questões <strong>de</strong> interesse. Para isto, são necessárias duas fases, primeiramente<br />
se busca uma padronização d<strong>os</strong> dad<strong>os</strong> na questão da variabilida<strong>de</strong> e na consistência, <strong>de</strong>pois há<br />
uma preocupação com a função. Assim, as categorias encontradas foram as seguintes:<br />
“prazeres físic<strong>os</strong> como bússola moral da vida”; “flui<strong>de</strong>z, tempo e espaço”; “up or out” e “bela<br />
da cabeça a<strong>os</strong> pés”.<br />
Cabe salientar que as fot<strong>os</strong> d<strong>os</strong> outdoors foram categorizadas como forma <strong>de</strong> análise,<br />
porém as categorias revelaram-se não-exclu<strong>de</strong>ntes, pois se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo um tema<br />
6
izomático (DELEUZE e GATTARI, 1995), um tema que permite várias entradas e que ao<br />
mesmo tempo não permite estabelecer meio e fim. Um tema que evi<strong>de</strong>ncia a flui<strong>de</strong>z, a<br />
liqui<strong>de</strong>z <strong>de</strong>stacada por Bauman (2007).<br />
4. Análise d<strong>os</strong> Resultad<strong>os</strong><br />
As categorias encontradas “prazeres físic<strong>os</strong> como bússola moral da vida”; “flui<strong>de</strong>z,<br />
tempo e espaço”; “up or out” e “bela da cabeça a<strong>os</strong> pés”, são exp<strong>os</strong>tas a seguir.<br />
4.1 “Prazeres físic<strong>os</strong> como bússola moral da vida”<br />
Bauman (2007) salienta <strong>os</strong> apel<strong>os</strong> ao consumo presentes na vida mo<strong>de</strong>rna, e ressalta<br />
que, num mundo repleto <strong>de</strong> consumidores e produt<strong>os</strong>, a vida flutua <strong>de</strong>sconfortavelmente entre<br />
prazeres do consumo e <strong>os</strong> horrores da pilha <strong>de</strong> lixo. Os outdoors abaixo buscam trazer a<br />
sensação <strong>de</strong> prazer e preenchimento para <strong>os</strong> consumidores, como forma <strong>de</strong> driblar a ansieda<strong>de</strong><br />
e encontrar satisfação momentânea, pois a hipersolicitação, <strong>de</strong>stacada por Gaulejac (2007),<br />
não permite ao sujeito a realização plena e duradoura. Po<strong>de</strong>-se pensar num shopping<br />
totalmente para “você” na fotografia 1, na fotografia 2 da operadora <strong>de</strong> celular, o cliente cada<br />
vez mais satisfeito é “vivo”, e, na fotografia 4, um lugar on<strong>de</strong> o consumidor explorará um<br />
momento só seu.<br />
Fotografia 1: Indicação do Shopping Total Fotografia 2: Propaganda Vivo Celular<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Como as relações sociais tornam-se efêmeras, já não se criam mais laç<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />
para toda a vida, surjem outr<strong>os</strong> mei<strong>os</strong> como forma <strong>de</strong> compensação social. A fotografia 3<br />
m<strong>os</strong>tra <strong>os</strong> apel<strong>os</strong> atuais da bebida para compensar a amiza<strong>de</strong>, problema atual apontado por<br />
Sennett (2001).<br />
7
Fotografia 3: Propaganda Whisky Drury’s Fotografia 4: Propaganda Outback<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Por outro lado, <strong>os</strong> prazeres que vêm <strong>de</strong> fora, como a comida e a bebida, muitas vezes<br />
contrapõe-se à lógica da beleza física por irem contra a magreza do corpo. C<strong>os</strong>ta (2004) traz a<br />
questão da angústia vivida pel<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> frente às perdas <strong>de</strong> valores e as exigências da<br />
socieda<strong>de</strong> para que se esteja sempre feliz, correndo constantemente atrás do bem-estar e d<strong>os</strong><br />
prazeres físic<strong>os</strong>.<br />
4.2 “A Flui<strong>de</strong>z, o Tempo e o Espaço”<br />
Castells (2000) apresenta que a era da informação está introduzindo uma nova forma<br />
urbana, a <strong>cida<strong>de</strong></strong> informacional. Po<strong>de</strong>-se relacionar a onipresença d<strong>os</strong> outdoors com a<br />
estrutura e o princípio do Panóptico, <strong>de</strong> Bentham (2000). N<strong>os</strong> outdoors parece que o princípio<br />
da vigilância permanece, sua onipresença, pois mesmo que não se queira vê-l<strong>os</strong>, eles estão lá,<br />
é como se houvesse um controle, uma vigilância por sobre cada sujeito que passe em sua<br />
frente.<br />
No caso do panóptico permanece a imobilida<strong>de</strong> do sujeito. Já no sinóptico, princípio<br />
mo<strong>de</strong>rnizado, conforme salienta Grisci (2008), a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle passa, assim, a<br />
potencializar a invisibilida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r que se dilui com as fronteiras tênues e com as re<strong>de</strong>s<br />
flexíveis, <strong>de</strong>spertando uma sensação <strong>de</strong> aparente liberda<strong>de</strong>. Assim apresenta-se o sujeito<br />
diante d<strong>os</strong> outdoors, um sujeito em constante movimento, numa “servidão voluntária da<br />
subjetivida<strong>de</strong>”, um “controle <strong>de</strong> múltiplas entradas” a serviço do capitalismo flexível.<br />
Como salienta Virilio (1996) o mundo como um todo também per<strong>de</strong> suas fronteiras, a<br />
lógica da corrida se transfigura, enquanto a velo<strong>cida<strong>de</strong></strong> começa a se <strong>de</strong>sterritorializar,<br />
esboçando a partir daí toda uma evolução, na qual a velo<strong>cida<strong>de</strong></strong> vai se afirmando como idéia<br />
pura e sem conteúdo, como puro valor, que ameaça ultrapassar até mesmo o valor do capital.<br />
8
A fotografia 5 m<strong>os</strong>tra <strong>os</strong> vári<strong>os</strong> outdoors e mais um outdoor “em movimento”, o<br />
caminhão que está passando. A vista da natureza é suplantada por propagandas em série. A<br />
lógica é a <strong>de</strong> que tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> precisam ser ocupad<strong>os</strong>, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> precisam ser<br />
produtiv<strong>os</strong>. A fotografia 6 ilustra um local on<strong>de</strong> transitam muitas pessoas diariamente, em<br />
direção ao centro da <strong>cida<strong>de</strong></strong> e a caminho <strong>de</strong> um d<strong>os</strong> maiores shoppings da <strong>cida<strong>de</strong></strong>. Nestes<br />
lugares <strong>de</strong> passagem havia tant<strong>os</strong> outdoors que até confundiam, parecia não ter começo nem<br />
fim.<br />
Fotografia 5: Entrada e saída <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong><br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Fotografia 6: Av. Borges <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ir<strong>os</strong> em direção ao Shopping Praia <strong>de</strong> Belas<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
A fotografia 7 m<strong>os</strong>tra o pátio <strong>de</strong> um p<strong>os</strong>to <strong>de</strong> gasolina sob o ângulo <strong>de</strong> quem está<br />
abastecendo, que fica bem na direção das propagandas, não há como não vê-l<strong>os</strong>, não há como<br />
não ser vigiado por eles.<br />
9
4.3 “Up or out”<br />
Fotografia 7: P<strong>os</strong>to <strong>de</strong> gasolina na esquina da Camp<strong>os</strong> Velho com a Icaraí<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Conforme Lopez-Ruiz (2007) o conjunto <strong>de</strong> valores e normas é atualmente promovido<br />
<strong>de</strong>ntro das gran<strong>de</strong>s corporações, orientando a conduta d<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> que nelas trabalham. Dessa<br />
forma, são <strong>de</strong>finidas e promovidas noções como “empreen<strong>de</strong>dorismo” e “capital humano”,<br />
junto com outras como “inovação”, “criativida<strong>de</strong>”, “flexibilida<strong>de</strong>”, imbuídas <strong>de</strong> uma<br />
conotação e uma valorização social que ultrapassam, contudo, o âmbito corporativo e<br />
contribuem para <strong>de</strong>linear <strong>os</strong> traç<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma “mentalida<strong>de</strong> econômica” e a vincular <strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong> a<br />
um complexo <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres.<br />
A constante ameaça <strong>de</strong> ser p<strong>os</strong>to <strong>de</strong> lado <strong>de</strong>safia a tod<strong>os</strong>. A lógica que norteia é a do<br />
acima ou fora, ou seja, ser sempre o melhor ou estar fora. No mercado <strong>de</strong> trabalho observa-se<br />
a crescente exigência por conhecimento, competências e habilida<strong>de</strong>s. Por isso a a<strong>pela</strong>ção a<strong>os</strong><br />
curs<strong>os</strong> técnic<strong>os</strong>, superiores, <strong>de</strong> informática, <strong>de</strong> idiomas, entre tant<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>. E, <strong>de</strong> preferência<br />
curs<strong>os</strong> rápid<strong>os</strong>, que permitam ao trabalhador/estudante adquirir o certificado que atestará que<br />
ele não está obsoleto, que ele está acima das expectativas do mercado. No entanto o que se<br />
observa no dia-a-dia é que dificilmente se consegue estar acima das expectativas dada a alta<br />
exigência <strong>de</strong>stas. É preciso estar sempre correndo para não ficar para trás, sempre se<br />
mo<strong>de</strong>rnizando para não ficar “out”. Os anúnci<strong>os</strong> abaixo (fotografias 8 e 9) vinculam o curso<br />
anunciado a aspect<strong>os</strong> procurad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> indivídu<strong>os</strong>-clientes: “o curso que vai preparar para o<br />
futuro profissional” ou então, “o curso que vai mudar a sua vida”.<br />
Fotografia 8: Propaganda Faculda<strong>de</strong> Getúlio Vargas<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
10
Fotografia 9: Propaganda PUCRS<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Mas o apelo em educação não é somente para o diploma universitário. As crianças são<br />
empurradas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escola maternal para programas dit<strong>os</strong> <strong>de</strong> excelência, para as melhores<br />
classes, para entrar n<strong>os</strong> melhores estabeleciment<strong>os</strong> <strong>de</strong> ensino. A educação é percebida como<br />
uma vasta seleção. A vida se torna um plano <strong>de</strong> carreira, cada etapa <strong>de</strong>ve aparecer como um<br />
investimento em um projeto profissional. (GAULEJAC, 2007). O anúncio abaixo (fotografia<br />
10) reflete bem essa lógica: “educação que se reflete na vida”, ou seja, é praticamente um<br />
<strong>de</strong>terminismo, pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da escola na qual as crianças estudarem fará com que tenham<br />
<strong>de</strong>terminado futuro.<br />
Fotografia 10: Propaganda Colégio Salesiano Dom B<strong>os</strong>co<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Além disto, é preciso ser flexível para sobreviver no capitalismo flexível <strong>de</strong>stacado por<br />
Sennett (2001). Anúnci<strong>os</strong> <strong>de</strong> emprego, entre as muitas solicitações, vangloriam a flexibilida<strong>de</strong><br />
do candidato, entendida com a flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mover-se neste mundo sem fronteira, em ser<br />
<strong>de</strong>sterritorializado conforme <strong>os</strong> interesses da companhia, em aceitar direit<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalh<strong>os</strong> dit<strong>os</strong><br />
flexíveis. O outdoor abaixo (fotografia 11) m<strong>os</strong>tra “flexibilida<strong>de</strong>”, leveza e conforto para <strong>os</strong><br />
pés, já que é preciso ser ágil e flexível conforme <strong>de</strong>staca o autor.<br />
11
4.4 “Bela da cabeça a<strong>os</strong> pés”<br />
Fotografia 11: Propaganda Calçad<strong>os</strong> Ramarim<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Sant`Anna (2001) <strong>de</strong>staca que <strong>os</strong> conselh<strong>os</strong> <strong>de</strong> beleza ap<strong>os</strong>tam na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />
bela da cabeça a<strong>os</strong> pés, em todas as horas do dia e em todas as ida<strong>de</strong>s. Para a venda <strong>de</strong> sapat<strong>os</strong><br />
feminin<strong>os</strong> não basta apresentar <strong>os</strong> calçad<strong>os</strong> nas fot<strong>os</strong>, é preciso m<strong>os</strong>trar o corpo perfeito <strong>de</strong><br />
uma mulher, o calçado em si fica relegado a um cantinho do outdoor, conforme fotografia 12.<br />
A mulher compra, então, o sapato querendo também aquela beleza-padrão, aquele bronzeado,<br />
aquele cabelo e tant<strong>os</strong> outr<strong>os</strong> atribut<strong>os</strong> que vêm vinculad<strong>os</strong> à propaganda.<br />
As figuras abaixo reforçam as questões levantadas <strong>pela</strong>s autoras Sant’Anna (2001) e<br />
Grisci et al (2008) sobre o corpo. A fotografia 13, por si só, já <strong>de</strong>nuncia a exp<strong>os</strong>ição do corpo.<br />
Este como um elemento a<strong>pela</strong>tivo para o consumo e como um ditador <strong>de</strong> moda e padrão <strong>de</strong><br />
beleza. A mulher que visualiza esta propaganda, não quer apenas o biquíni oferecido, ela quer<br />
juntamente a beleza e o corpo da mo<strong>de</strong>lo. Na fotografia 14, o corpo ocupa um papel tão<br />
fundamental na propaganda, que se levam alguns minut<strong>os</strong> para conseguir i<strong>de</strong>ntificar qual é o<br />
produto realmente oferecido.<br />
Fotografia 12: Propaganda Calçad<strong>os</strong> Via Marte<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
12
Fotografia 13: Propaganda Lua Morena<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Fotografia 14: Propaganda Luz da Lua<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Bauman (2005) aponta que não importa se o corpo está em excelente forma, “sempre<br />
será p<strong>os</strong>sível melhorar” (p. 123). Não existe um objetivo final para a boa forma, ela se torna<br />
uma compulsão e em seguida um vício. A propaganda abaixo é um exemplo das<br />
p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> investimento que se po<strong>de</strong> fazer para o corpo. O ambiente <strong>de</strong> trabalho<br />
também colabora para incentivar estes “investiment<strong>os</strong>”, conforme observou Pereira (2005). A<br />
autora verificou que normalmente o tipo <strong>de</strong> corpo selecionado é o magro, jovem e sem<br />
<strong>de</strong>ficiência, o que reproduz um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> almejado <strong>pela</strong>s empresas e, também,<br />
um estilo <strong>de</strong> vida apregoado <strong>pela</strong>s classes alta e média da socieda<strong>de</strong> contemporânea e urbana.<br />
Assim que acompanham<strong>os</strong> espalhado <strong>pela</strong>s ruas <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa <strong>cida<strong>de</strong></strong> o apelo das<br />
propagandas pelo investimento em si, como por exemplo, a propaganda apresentada na<br />
fotografia 15: “Invista em você: pratique ACM”, ou seja, invista no seu corpo, na beleza<br />
física, na aparência, pois ficar velho é ficar <strong>de</strong> fora, é preciso apagar <strong>os</strong> sinais do tempo. Esse<br />
é um discurso tão legitimado <strong>pela</strong>s organizações que o anúncio informa, inclusive, que há<br />
uma promoção especial para empresas. Fica mais evi<strong>de</strong>nte ainda o fato <strong>de</strong> que o funcionário<br />
não cuida da saú<strong>de</strong> se não quiser, não adquire uma boa forma se não quiser, pois a empresa<br />
inclusive faz um convênio com a aca<strong>de</strong>mia Há que salientar-se que esta é também uma forma<br />
<strong>de</strong> controle, pois a empresa passa a saber quem <strong>de</strong> fato “está preocupado com sua saú<strong>de</strong>” e <strong>os</strong><br />
acomodad<strong>os</strong>, segundo a lógica dicotômica do acima ou do fora, ou seja, aqueles funcionári<strong>os</strong><br />
que estão investindo em si (acima) e <strong>os</strong> <strong>de</strong>mais que estão (ou estarão) fora. Por outro lado a<br />
empresa exige que se trabalhe cada vez mais horas para não se correr o risco <strong>de</strong> ser acusado<br />
<strong>de</strong> que não está vestindo a camiseta.<br />
13
5. Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Fotografia 15: Propaganda ACM<br />
Fonte: Coleta <strong>de</strong> dad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> autores<br />
Por meio da análise das mensagens implícitas e explícitas contidas n<strong>os</strong> outdoors<br />
exp<strong>os</strong>t<strong>os</strong> na <strong>cida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Porto</strong> <strong>Alegre</strong> percebeu-se que estas mesmas mensagens permitem<br />
melhor conhecer o sujeito, pois este <strong>de</strong>senvolve com a propaganda estrita relação: ao mesmo<br />
tempo em que se utiliza <strong>de</strong> um discurso legitimado socialmente, no caso, do capitalismo<br />
flexível, para elaborar as peças publicitárias, há um reforço <strong>de</strong>stas mesmas idéias por parte <strong>de</strong><br />
quem recebe a mensagem. Castells (2000) afirma que a informação representa o principal<br />
ingrediente <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa organização social, e que <strong>os</strong> flux<strong>os</strong> <strong>de</strong> mensagens e imagens entre as<br />
re<strong>de</strong>s constituem o enca<strong>de</strong>amento básico <strong>de</strong> n<strong>os</strong>sa estrutura social. Po<strong>de</strong>-se dizer, assim, que<br />
as mensagens contidas n<strong>os</strong> outdoors espelham o imaginário social e cultural <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />
ao mesmo tempo em que reforçam em seus membr<strong>os</strong> tais crenças.<br />
É preciso ven<strong>de</strong>r não só o produto ou serviço é preciso ven<strong>de</strong>r o discurso <strong>de</strong> que tal<br />
produto ou serviço é essencial, mesmo que para isto o sujeito sinta-se cada vez mais exigido<br />
sob pena <strong>de</strong> “estar fora”.<br />
Além disso, há <strong>os</strong> estímul<strong>os</strong> para acelerar o tempo. Castells (2000) apresenta as duas<br />
formas <strong>de</strong> transformação do tempo em n<strong>os</strong>sa socieda<strong>de</strong>: simultaneida<strong>de</strong> e intemporalida<strong>de</strong>.<br />
Hoje a informação po<strong>de</strong> ser instantânea em todo o globo, misturando <strong>os</strong> temp<strong>os</strong>, numa espécie<br />
<strong>de</strong> tempo intemporal.<br />
Enriquez (1995) <strong>de</strong>staca que as conseqüências <strong>de</strong>sta velo<strong>cida<strong>de</strong></strong> são temíveis, mesmo<br />
que elas não apareçam imediatamente, pois é preciso inovar por inovar, ven<strong>de</strong>r por ven<strong>de</strong>r,<br />
sob pena <strong>de</strong> a empresa ou a nação regredirem. Dito <strong>de</strong> outra forma, ser cada dia mais<br />
eficiente, lembra o autor. “A obsolescência das máquinas, das técnicas e d<strong>os</strong> homens torna-se<br />
dia após dia mais rápida, <strong>os</strong> produt<strong>os</strong> <strong>de</strong>svalorizam-se, <strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> vida transformam-se em<br />
pouc<strong>os</strong> an<strong>os</strong>” (ENRIQUEZ, 1995, p. 16).<br />
É justamente n<strong>os</strong> vazi<strong>os</strong> criad<strong>os</strong> <strong>pela</strong> velo<strong>cida<strong>de</strong></strong> e efemerida<strong>de</strong> da vida líquidomo<strong>de</strong>rna<br />
que se colocam <strong>os</strong> produt<strong>os</strong> e serviç<strong>os</strong> oferecid<strong>os</strong>. Como exp<strong>os</strong>to por Sennett (2001),<br />
já que as relações e laç<strong>os</strong> sociais são efêmer<strong>os</strong>, é p<strong>os</strong>sível encontrar amiza<strong>de</strong> numa bebida<br />
alcoólica ou sentir prazer ao comer algo. Quanto às exigências do mercado <strong>de</strong> trabalho, o<br />
14
profissional nunca está pronto, sempre há algum curso que se diz capaz <strong>de</strong> prepará-lo para seu<br />
futuro profissional ou mesmo anunciando que mudará sua vida. Conforme Gaulejac (2007)<br />
essas exigências são interiorizadas. É <strong>de</strong>vido a isto, inclusive, que ela é tão imperi<strong>os</strong>a. O<br />
sistema gerencialista que permeia a estrutura mental suscita um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong><br />
narcísico, agressivo, pragmático, sem estad<strong>os</strong> <strong>de</strong> alma, centrado sobre a ação e não tanto sobre<br />
a reflexão, pronto a tudo para ter sucesso. Gera sobre o sujeito uma tensão e uma agitação<br />
permanente que o fazem per<strong>de</strong>r o próprio sentido da vida. Bauman (2007) complementa que<br />
esta vida líquida significa constante auto-exame, autocrítica e autocensura, alimentando a<br />
insatisfação do eu consigo mesmo.<br />
Não é somente o intelecto constante aprimoramento, o corpo físico também <strong>de</strong>ve<br />
a<strong>de</strong>quar-se a<strong>os</strong> imperativ<strong>os</strong> atuais. O investimento no corpo é vendido não apenas como<br />
forma <strong>de</strong> manter laç<strong>os</strong> pessoais, mas também profissionais. O discurso da magreza e da moda<br />
permeia o ambiente organizacional refletindo n<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> trabalhar, n<strong>os</strong> quais tudo <strong>de</strong>ve ser<br />
produtivo, inclusive a aparência. Há mais <strong>de</strong> um século atrás Taylor revolucionava a<br />
Administração com <strong>os</strong> princípi<strong>os</strong> da Administração Científica, entre <strong>os</strong> quais a busca <strong>pela</strong><br />
padronização d<strong>os</strong> process<strong>os</strong> e ferramentas. Hoje, é a padronização do sujeito que prevalece,<br />
padronização d<strong>os</strong> seus saberes, d<strong>os</strong> seus mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> vestir, <strong>de</strong> falar e <strong>de</strong> portar-se.<br />
Frente a este cenário o sujeito, muitas vezes, se vê bombar<strong>de</strong>ado lentamente, dia após<br />
dia, por um discurso legitimado <strong>pela</strong> própria mídia e nem sempre tem consciência do<br />
funcionamento da vida mo<strong>de</strong>rna e d<strong>os</strong> efeit<strong>os</strong> <strong>de</strong>la sobre si. O sujeito convive com estes<br />
apel<strong>os</strong>, produz e reproduz este discurso às vezes sem notar. Pois, como lembra Guattari e<br />
Rolnik (1996), a subjetivida<strong>de</strong> é social, no entanto, é vivida pel<strong>os</strong> sujeit<strong>os</strong>, po<strong>de</strong>ndo estes<br />
respon<strong>de</strong>r ou consumir a subjetivida<strong>de</strong> produzida <strong>de</strong> diferentes formas, balançando entre dois<br />
pól<strong>os</strong>. O primeiro pólo expressa uma relação <strong>de</strong> alienação e <strong>de</strong> opressão, e correspon<strong>de</strong> ao<br />
processo <strong>de</strong>nominado pel<strong>os</strong> autores <strong>de</strong> individualização, que consiste em bloquear o processo<br />
<strong>de</strong> resistência e criação, afirmando a submissão e instaurando padrões universais,<br />
massificadores e individualizantes vigentes e, muitas vezes, assumindo a culpa para si. O<br />
segundo, expressa uma relação <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> criação, processo chamado pel<strong>os</strong> autores <strong>de</strong><br />
singularização, on<strong>de</strong> o sujeito reapropria-se d<strong>os</strong> componentes da subjetivida<strong>de</strong>, como um ato<br />
<strong>de</strong> resistência, associando-se e afirmando outr<strong>os</strong> mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> ser, outras sensibilida<strong>de</strong>s, outras<br />
percepções.<br />
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