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21 Carolina machado dos santos - UFG

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capa índice GT1<br />

<strong>Carolina</strong> <strong>machado</strong> <strong>dos</strong> <strong>santos</strong><br />

Graduanda em Ciências Sociais<br />

diálogos entre a graduação e as pós-graduações<br />

o TEaTro Das oPrImIDas:<br />

a mULHEr oCUPa o PaLCo Da VIDa<br />

resumo: O Teatro das Oprimidas é uma reivindicação de diversos<br />

coletivos que testemunham a persistência da opressão contra a mulher<br />

em seus cotidianos sociais. Partindo da metodologia desenvolvida por<br />

Augusto Boal, esses grupos se vêem diante do desafio de não somente<br />

caracterizar os opressores e denunciá-los, senão que investigar<br />

posturas, ideias e comportamentos que estão inscritas nos corpos<br />

das oprimidas e que alcançam o cotidiano com força suficiente para<br />

barrar a desenvoltura de seus desejos. É possível observar como essa<br />

dimensão mais simbólica do poder desvela-se diante das protagonistas<br />

e de seu público, através da forma auto-reflexiva e transformadora que<br />

o teatro de Boal nos oferece. Este trabalho apresenta uma proposta<br />

de intervenção junto a um coletivo de mulheres ligadas ao movimento<br />

feminista, investigando a performance feminina neste palco da Vida<br />

a partir de um diálogo em torno da noção de teatro, drama e ritual,<br />

presentes no campo antropológico, assim como das contribuições<br />

<strong>dos</strong> debates feministas mais atuais, buscando a compreensão da<br />

desafiadora ideia de opressão.<br />

Palavras-chave: performance, teatro do oprimido, teoria feminista.<br />

<strong>21</strong>


Resumo: <br />

diálogos entre a graduação e as pós-graduações<br />

O TEATRO DAS OPRIMIDAS:<br />

A MULHER OCUPA O PALCO DA VIDA<br />

<strong>Carolina</strong> Machado <strong>dos</strong> Santos <br />

O Teatro das Oprimidas é uma reivindicação de diversos coletivos que testemunham a<br />

persistência da opressão contra a mulher em seus cotidianos sociais. Partindo da<br />

metodologia desenvolvida por Augusto Boal, esses grupos se vêem diante do desafio<br />

de não somente caracterizar os opressores e denunciá-los, senão que investigar<br />

posturas, ideias e comportamentos que estão inscritas nos corpos das oprimidas e que<br />

alcançam o cotidiano com força suficiente para barrar a desenvoltura de seus desejos.<br />

É possível observar como essa dimensão mais simbólica do poder desvela-se diante<br />

das protagonistas e de seu público, através da forma auto-reflexiva e transformadora<br />

que o teatro de Boal nos oferece. Este trabalho apresenta uma proposta de<br />

intervenção junto a um coletivo de mulheres ligadas ao movimento feminista,<br />

investigando a performance feminina neste palco da Vida a partir de um diálogo em<br />

torno da noção de teatro, drama e ritual, presentes no campo antropológico, assim<br />

como das contribuições <strong>dos</strong> debates feministas mais atuais, buscando a compreensão<br />

da desafiadora ideia de opressão.<br />

Palavras-chave: performance, teatro do oprimido, teoria feminista.<br />

“Rasgar o véu da incompreensibilidade <strong>dos</strong> fenômenos sociais” – essa é uma<br />

das tarefas propostas pela sociologia e pela antropologia em suas inúmeras perguntas<br />

e que pareceu-me, sempre, irresistivelmente tentador. O-yá – ela rasgou – expressão<br />

iorubana que nomeia uma de suas deusas, guerreira astuta, mulher <strong>dos</strong> merca<strong>dos</strong>, que<br />

correu mun<strong>dos</strong> na África. No Brasil, as mulheres também andam rasgando véus e<br />

correndo merca<strong>dos</strong>, vendendo peixes, frutas, roupas e ações na bolsa, de Norte a Sul,<br />

multiplicando-se em números do IBGE, ganhando e perdendo espaços, subindo nos<br />

palcos, despindo-se nos outdoors, olhando-se nos espelhos. Os espelhos estão por<br />

Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás.<br />

mscarolita@hotmail.com<br />

capa índice GT1<br />

Trabalho desenvolvido sob orientação da professora Eliane Gonçalves<br />

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capa índice GT1<br />

todas as partes, e muitas críticas feministas irão nos lembrar o quanto esse espelho se<br />

tornou mais um símbolo da opressão, da escravidão da beleza, e eu estarei de acordo<br />

com elas, ainda que eu tenha que propor que não paremos por aí e investiguemos o<br />

que é que tantos espelhos podem nos trazer para preciosa reflexão. O Teatro das<br />

Oprimidas quiçá seja esse espelho assustador que nos mostra o que não se quer ver, o<br />

que é tabu, o que há de mais irracional em nossas ações cotidianas, o que carregamos<br />

enquanto oprimi<strong>dos</strong> e também enquanto opressores, assim como a noção de que<br />

estamos em movimento em um palco cruelmente real, que é a própria Vida. Esse é o<br />

um <strong>dos</strong> mais admiráveis papéis da arte – criar máscaras para fazê-las despedaçarem-se<br />

diante <strong>dos</strong> olhos de quem vê, estranhar o cotidiano, criticar a normalidade, subverter a<br />

ordem. É claro que esse Teatro Moderno tal como o conhecemos é um produto de<br />

nossos tempos, e como outros produtos culturais capitalistas, está também sujeito a<br />

conformar-se com um papel alienante, de puro entretenimento e distração burguesas,<br />

instrumento de continuidade e exaltação da sociedade do espetáculo. Richard<br />

Schechner (2002) nos indica a natureza dupla do teatro, socialmente apreendido tanto<br />

como uma atividade criativa que eleva o espírito, quanto “indigna de confiança”,<br />

justamente por suas expressões anárquicas e sua espontaneidade – esse caráter<br />

aparentemente subversivo que foi forçadamente contido em espaços especiais (palcos<br />

teatrais), acontecendo em horas regulares, e ainda criticando, desvalorizando e<br />

despojando as diversas formas populares de teatro e performance. Muitos estão<br />

satisfeitos com esse papel limitado que foi restringido ao teatro nas sociedades<br />

“modernas”, mas para to<strong>dos</strong> os outros que nem mesmo a esses limita<strong>dos</strong> espetáculos<br />

podem ter acesso, porque afinal custam dinheiro e não raro muito dinheiro, para<br />

to<strong>dos</strong> esses outros podemos oferecer a seguinte ideia:<br />

(...) o teatro é uma arma. Uma arma muito eficiente. Por isso, é necessário lutar por<br />

ele. As classes dominantes permanentemente tentam apropriar-se do teatro e utilizálo<br />

como instrumento de dominação. Ao fazê-lo, modificam o próprio conceito do que<br />

seja “teatro”. Mas o teatro pode igualmente ser uma arma de liberação. Para isso é<br />

necessário criar as formas teatrais correspondentes. É necessário transformar. (BOAL,<br />

1991, p. 13)<br />

Hans-Thies Lehmann, em conferencia recentemente proferida na <strong>UFG</strong>, tocou<br />

em um ponto fundamental para pensarmos no papel político do teatro, pois segundo<br />

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ele, o político não está somente no conteúdo, senão que na forma como esse<br />

conteúdo é tratado. Tratar de clichês políticos em sua exaustiva repetição – isso os<br />

nossos telejornais fazem o tempo todo – não torna o teatro, político. O teatro político<br />

está interessado na forma como os diversos conteú<strong>dos</strong> são expressos – aliás, mais<br />

especificamente, na ruptura com as formas tradicionais – para construir um teatro<br />

pedagógico, no sentido de aprendizagem coletiva (BOAL, 1996). Dessa forma, o Teatro<br />

do Oprimido está preocupado principalmente em romper uma estrutura básica: a<br />

separação entre atores e seu público, os espectadores – está interessado na formação<br />

de espect-atores, para utilizarmos a expressão cunhada por Boal, ou seja, espectadores<br />

que rompam com a lógica catarse-repouso e entrem no plano da ação – uma espécie<br />

de ensaio para a revolução. Esse é um marco teórico e prático que muito nos importa<br />

na busca por equilibrar as dimensões psicológico-individual e político-coletivo do<br />

conceito de opressão. Pois, seria possível aprender sobre as responsabilidades<br />

individuais por nossa própria transformação e ao mesmo tempo “desaprender” uma<br />

consolidada vitimização? Essas experiências podem ser levadas adiante enquanto<br />

proposta política coletiva?<br />

Ao longo da proposta nos centraremos em investigar as representações do<br />

feminino assim como as representações das opressões contra este feminino utilizando-<br />

se dois eixos de análise: a) debates teóricos formula<strong>dos</strong> por bell hooks acerca do<br />

movimento feminista; b) as reflexões sobre arte, drama e teatro que compõe os<br />

estu<strong>dos</strong> da performance e a antropologia simbólico-interpretativa. A análise de ambos<br />

os eixos é que nos oferecerá o suporte para propor um projeto de intervenção ligado<br />

ao Teatro das Oprimidas que atenda a mulheres participantes de coletivos e<br />

movimentos sociais.<br />

capa índice GT1<br />

Performance e Sisterhood<br />

Nesta proposta estamos interessadas nos espect-atores, espect-atrizes,<br />

performers, jokers, na relações de gênero em cena, nas concepções identitárias, suas<br />

afirmações e desconstruções, suas inscrições nos corpos. Estamos interessadas na<br />

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capa índice GT1<br />

fluidez de to<strong>dos</strong> esses conteú<strong>dos</strong> no desenrolar da ação – o conceito de flow utilizado<br />

por Turner. Mais ainda, estamos procurando uma tradução mais acertada para o<br />

português da bela expressão nosotras, estamos buscando compreender a noção de<br />

sisterhood que apresenta bell hooks, estamos interessadas em reivindicar o imenso<br />

poder do Teatro, do ritual, do drama – o poder da ruptura, da liminaridade, da<br />

transformação através da arte – estamos reivindicando a arte mesma, a beleza da vida<br />

em movimento, a festa, a celebração. Acreditamos que o Teatro seja um instrumento<br />

eficiente para nos ajudar a desaprender: e to<strong>dos</strong> nós precisamos desaprender o<br />

sexismo, o racismo, o preconceito de classe, o colonialismo, em um processo de<br />

construção de movimentos políticos solidários. Nas palavras de bell hooks (1984, p.<br />

67), “feminismo é um esforço pelo fim da opressão sexista” em que:<br />

As mulheres não precisam erradicar as diferenças para sentirem-se solidárias. Nós não<br />

precisamos compartilhar opressões comuns para poder lutar igualmente contra o<br />

sexismo. Nós não precisamos de sentimentos anti-masculinos para nos mantermos<br />

juntas, pois tão boa é a riqueza de experiências, culturas e ideias que temos para<br />

compartilhar umas com as outras.<br />

Um esforço que envolve a auto-descoberta enquanto sujeito que vivencia uma<br />

cultura sexista, racista, homofóbica, dividida em classes sociais, e consequentemente o<br />

desafio de transformar tais experiências individuais em níveis mais coletivos que<br />

abram portas para mudanças mais abrangentes. Como um intercambio profundo entre<br />

ambas esferas – ou seja, as dimensões individuais e coletivas experienciadas – para a<br />

formulação de um movimento político feminista capaz de agregar, ao invés de separar,<br />

criar desconfiança e se auto-sabotar.<br />

Neste movimento de descoberta destes outros, pensamos a noção de<br />

performance formulada por Victor Turner (1982, p. 1):<br />

A performance é declarativa de nossa humanidade compartilhada, contudo expressa a<br />

unicidade de culturas particulares. Nós conheceremos melhor um ao outro<br />

incorporando a perfomance do outro e aprendendo suas gramáticas e vocabulários.<br />

Para entendermos uns aos outros não é necessário que tenhamos vivido as<br />

mesmas situações, as mesmas opressões para ser mais especifica, mas Turner não<br />

deixa de apontar a necessidade de percebermos o entendimento não somente como<br />

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processo mental, mas como um processo corporal que se compromete com a fluidez<br />

da performance, com a disponibilidade a incorporar um outro na ação. O teatro, assim<br />

como o ritual, se utiliza dessa possibilidade de compartilhar o sentimento de<br />

humanidade, de grupo, de coletivo, de solidariedade – sentimento esse capaz de<br />

provocar transformações permanentes.<br />

A formulação do Teatro das Oprimidas constrói-se a partir da noção que as<br />

opressões estão inscritas nos corpos femininos, perguntando-se como os diferentes<br />

contextos sociais agem sobre estes corpos, e as consequencias desta ação. Não nos<br />

limitamos à discursividade, vamos adiante, buscando o que essas mulheres não podem<br />

ver e nem mesmo objetivar, vamos atrás do que é subjetivo, rebelde, subversivo,<br />

doloroso, emudecedor. Uma travessia de mãos dadas em busca da construção desse<br />

sentimento solidário que é a sisterhood, travessia que perpassa tanto as mais<br />

profundas e obscuras experiências individuais, quanto os debates políticos acerca do<br />

tema – o que fazemos atualmente e o que é que poderemos fazer para transformar a<br />

sociedade que nos oprime?<br />

Referências Bibliográficas<br />

BOAL, Augusto. O Arco-Íris do desejo: método Boal de Teatro e Terapia. Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 1996.<br />

_____________.Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 1991.<br />

hooks, bell. Feminist Theory: from margin to Center. Cambridge: South End Press,<br />

1984.<br />

SHECHNER, Richard. Performances Studies: an introduction. London: Routledge, 2002.<br />

TURNER, Victor. From Ritual to Theatre: The Human Seriousness of Play. New York: PAJ<br />

Publications, 1982.<br />

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