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324 Fernando nogueira Cabral dos santos

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capa índice GT3<br />

diálogos entre a graduação e as pós-graduações<br />

<strong>Fernando</strong> <strong>nogueira</strong> <strong>Cabral</strong> <strong>dos</strong> <strong>santos</strong><br />

Mestrando em Sociologia<br />

a VIDa Passa nas PEDras Da CaLÇaDa: aLGUns<br />

aPonTamEnTos soBrE a DInÂmICa DaDa VIDa CoTIDIana<br />

resumo: O presente texto visa analisar, de modo breve, as mudanças<br />

ocorridas nas formas de relacionamento entre os indivíduos na<br />

cidade, em especial, as complexas grandes cidades atuais. Com base<br />

no pensamento de autores como Zygmunt Bauman e Georg Simmel,<br />

tratar como o desenvolvimento da sociedade capitalista fragmentou as<br />

relações afetivas e, assim, impôs uma lógica onde to<strong>dos</strong> os nossos atos<br />

são calcula<strong>dos</strong>. Nesse modelo de sociedade tudo é calculado, medido e<br />

pode ser comercializado, inclusive o ideal de vida da “cidade pequena”.<br />

Palavras-chave: calculabilidade, cidade, sociedade, Bauman, Simmel.<br />

<strong>324</strong>


Resumo 2<br />

capa índice<br />

GT3<br />

diálogos entre a graduação e as pós-graduações<br />

A VIDA PASSA NAS PEDRAS DA CALÇADA: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A<br />

DINÂMICA DA VIDA COTIDIANA.<br />

<strong>Fernando</strong> Nogueira <strong>Cabral</strong> <strong>dos</strong> Santos 1<br />

O presente texto visa analisar, de modo breve, as mudanças ocorridas nas formas de<br />

relacionamento entre os indivíduos na cidade, em especial, as complexas grandes<br />

cidades atuais. Com base no pensamento de autores como Zygmunt Bauman e Georg<br />

Simmel, tratar como o desenvolvimento da sociedade capitalista fragmentou as<br />

relações afetivas e, assim, impôs uma lógica onde to<strong>dos</strong> os nossos atos são calcula<strong>dos</strong>.<br />

Nesse modelo de sociedade tudo é calculado, medido e pode ser comercializado,<br />

inclusive o ideal de vida da “cidade pequena”.<br />

Palavras-chaves: calculabilidade, cidade, sociedade, Bauman e, Simmel.<br />

Em As Grandes Cidades e a Vida do Espírito, 1903, Georg Simmel inicia o texto<br />

afirmando que um <strong>dos</strong> problemas mais relevantes na vida moderna decorre da<br />

pretensão do indivíduo de preservar a autonomia e a peculiaridade de sua existência<br />

frente às superioridades da sociedade. A questão se revela no entendimento que a<br />

vida nas modernas sociedades urbanas, marcada pelo convívio em grandes espaços<br />

urbaniza<strong>dos</strong>, isto é, a grande cidade gera consequências psicológicas nos seus<br />

habitantes que afeta o seu modo de vida. O espaço urbano é o local de equalização<br />

entre o os conteú<strong>dos</strong> individuais e os supra individuais, das adaptações de<br />

personalidades via o embate com forças exteriores. Vale lembrar que o autor não<br />

pensa em uma oposição entre indivíduo e a sociedade, mas numa individualização que<br />

faz parte da socialização. Nesse sentido, a grande cidade é vista como o local onde o<br />

indivíduo (cidadão) busca autonomia e suas particularidades (desejos, habilidades<br />

1 Mestrando em Sociologia da Universidade Federal de Goiás.<br />

2 Texto sob orientação do Professor Doutor Pedro Célio Borges.<br />

1<br />

325


específicas) frente ao grupo a que pertence. Na grande cidade a quantidade de<br />

estímulos que o sujeito recebe é muito maior do que na cidade pequena ou no campo,<br />

há uma “intensificação da vida nervosa” resultante desses estímulos somada à<br />

agitação derivada do constante movimento presente na cidade grande. Como escreve<br />

Simmel:<br />

O fundamento psicológico sobre o qual se eleva o tipo das individualidades da cidade<br />

grande é a intensificação da vida nervosa, que resulta da mudança rápida e<br />

ininterrupta de impressões interiores e exteriores. O homem é um ser que faz<br />

distinções, isto é, sua consciência é estimulada mediante a distinção da impressão<br />

atual frente a que lhe precede. As impressões persistentes, a insignificância de suas<br />

diferenças, a regularidade habitual de seu transcurso e de suas oposições exigem por<br />

assim dizer menos consciência do que a rápida concentração de imagens em mudança,<br />

o intervalo ríspido no interior daquilo que se compreende com um olhar, o caráter<br />

inesperado das impressões que se impõem. (SIMMEL, 2005, p.577-578)<br />

Na cidade grande percebemos a cada rua que passamos a variedade de<br />

informações que são atiradas contra os indivíduos, a velocidade da troca de<br />

informações, notÍcia relevante hoje no jornal é rapidamente esquecida com o passar<br />

de meros dois ou três dias. Em oposição a esse comportamento temos a vida em<br />

pequenas cidades, a vida no campo, com o seu ritmo mais lento onde as informações<br />

são absorvidas de modo mais gradual e as são relações pautadas pelos sentimentos.<br />

Simmel faz uma distinção entre o volume de informações captadas nas grandes<br />

cidades frente às pequenas cidades. Nesse caso, o grande volume de informações<br />

aliado a alta velocidade das mesmas nas grandes cidades, dificulta a penetração na<br />

consciência <strong>dos</strong> indivíduos, as informações apenas alcançariam as “primeiras” camadas<br />

da consciência. Em contrapartida, no campo/cidade pequena, há um enraizamento das<br />

informações na consciência de seus habitantes, isto é, as informações captadas são<br />

absorvidas pelo inconsciente e são refleti<strong>dos</strong> no comportamento <strong>dos</strong> indivíduos. Para<br />

se protegerem dessa “intensificação da vida nervosa” os moradores das grandes<br />

cidades adotam uma série de comportamentos que são pauta<strong>dos</strong> por contatos<br />

superficiais. Citando Simmel:<br />

capa índice GT3<br />

Eis porque as cidades grandes, centros da circulação de dinheiro e nas quais a<br />

venalidade das coisas se impõe em uma extensão completamente diferente do que<br />

nas situações mais restritas, são também os verdadeiros locais do caráter blasé. Nelas<br />

2<br />

326


de certo modo culmina aquele resultado da compressão de homens e coisas, que<br />

estimula o indivíduo ao seu máximo de atuação nervosa. Mediante a mera<br />

intensificação quantitativa das mesmas condições, esse resultado se inverte em seu<br />

contrário, nesse fenômeno peculiar de adaptação que é o caráter blasé, em que os<br />

nervos descobrem a sua derradeira possibilidade de se acomodar aos conteú<strong>dos</strong> e à<br />

forma da vida na cidade grande renunciando a reagir a ela — a autoconservação de<br />

certas naturezas, sob o preço de desvalorizar todo o mundo objetivo, o que, no final<br />

das contas, degrada irremediavelmente a própria personalidade em um sentimento de<br />

igual depreciação. (SIMMEL, 2005, p.582).<br />

Esses comportamentos necessários para a manutenção da estabilidade nos<br />

grandes centros urbanos são fortemente relacionadas com a troca intermediada pela<br />

moeda. Essa interferência da moeda na vida social se reflete em uma espécie de<br />

mensuração das relações sociais. Por exemplo: na divisão das tarefas do dia-a-dia em<br />

horários determina<strong>dos</strong> para cada tarefa como as refeições, lazer, estudo, trabalho e<br />

etc. O indivíduo aqui aparece de modo multifacetado com liberdade para viver<br />

diferentes aspectos de sua identidade. O comportamento desse homem é<br />

caracterizado por um distanciamento das relações mais afetivas, com suas relações<br />

direcionadas a determina<strong>dos</strong> fins e muitas vezes feita via moeda. A intelectualização; o<br />

afastamento do indivíduo do excesso de relações e estímulos afetivos, e a chamada<br />

atitude blasé, seria uma indiferença do indivíduo ou uma incapacidade de reagir a<br />

novos estímulos.<br />

Simmel trata como o crescimento e a intensificação das trocas monetárias<br />

geraram uma situação de racionalização do indivíduo e a cidade vista como um espaço<br />

do mercado. Uma questão relevante é observar os aspectos subjetivos causa<strong>dos</strong> pela<br />

vida urbana nos indivíduos. Nesse sentido, perceber os atos que os indivíduos adotam<br />

para manter uma estabilidade psíquica e para conseguir viver nesse espaço urbano,<br />

assim, o comportamento blasé pode ser visto como uma atitude de prevenção. A<br />

grande cidade como um local de oposição, uma vez que, há relações de dependência<br />

através da divisão de tarefas (trabalho), essas relações careceriam de afetividade. Os<br />

indivíduos têm nesse caso relações mediadas por algo abstrato que seria a moeda. O<br />

homem com o uso desse agente abstrato (a moeda) está psicologicamente<br />

resguardado do excesso de estímulos <strong>dos</strong> contatos cotidianos. A autonomia desse<br />

capa índice GT3<br />

3<br />

327


indivíduo fica protegida já que há liberdade de escolha e menor coerção típicas de<br />

pequenos grupos sociais. Para Simmel na medida em que o grupo social aumenta,<br />

tanto numericamente como espacialmente, afrouxa-se a sua unidade interior.<br />

O estilo de vida urbano <strong>dos</strong> grandes centros gera comportamentos específicos<br />

nos indivíduos que a compõem, isso sob a influência da circulação de moeda, ou seja,<br />

as relações urbanas são via mercado. A moeda (o dinheiro) é compreendida como o<br />

mais importante nivelador da sociedade urbana, pois, esvazia as coisas de conteú<strong>dos</strong><br />

do seu valor específico. A importância do dinheiro não se manifesta apenas no racional<br />

sobre a vontade, mas do quantitativo sobre o qualitativo. O dinheiro leva para a esfera<br />

do convívio urbano elementos de calculabilidade para o dia-a-dia, onde as pessoas<br />

passam o dia avaliando, isto é, calculando os seus atos. O dinheiro passa a ser o meio<br />

para se conseguir as coisas, transformado em meio para chegar às todas as coisas.<br />

Como relata Simmel:<br />

Em parte por conta dessa situação psicológica, em parte em virtude do direito à<br />

desconfiança que temos perante os elementos da vida na cidade grande, que passam<br />

por nós em um contato fugaz, somos coagi<strong>dos</strong> àquela reserva, em virtude da qual mal<br />

conhecemos os vizinhos que temos por muitos anos e que nos faz freqüentemente<br />

parecer, ao habitante da cidade pequena, como frios e sem ânimo. (SIMMEL, 2005,<br />

p.582)<br />

O dinheiro tem papel relevante na obra de Simmel, onde apresenta um papel<br />

central no desenvolvimento da sociedade. O uso que se faz do dinheiro, no ato de<br />

consumir, é que gera a sensação de conforto na sociedade moderna. Mais relevante<br />

que ter posse de dinheiro são as sensações de conforto (prazer) que o consumo gera<br />

nos indivíduos. “Numa sociedade de consumo, compartilhar a dependência de<br />

consumidor – a dependência universal das compras – é a condição ‘sine qua non’ de<br />

toda liberdade individual; acima de tudo da liberdade de ser diferente, de ‘ter<br />

identidade’’ (BAUMAN, 2001, p.98). Bauman percebe uma crescente racionalidade<br />

instrumental e essa racionalização age de modo semelhante a Weber. Na<br />

modernidade líquida descrita em Bauman identificamos a centralidade do consumo<br />

como via da instrumentalização das relações sociais. O consumo como fonte de<br />

satisfação gera o meio onde os indivíduos constroem suas particularidades. Nesse<br />

capa índice GT3<br />

4<br />

328


cenário o consumo provoca a instrumentalização da vida social e provoca que as<br />

relações são reduzidas a relações de consumo. Nas palavras de Bauman:<br />

O mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de produtos disponíveis<br />

projeta<strong>dos</strong> para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades<br />

podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova<br />

situação é que todo diligente trabalho de construção pode mostrar-se inútil; e o<br />

fascínio da nova situação, por outro lado, se acha no fato de não estar comprometida<br />

por experiências passadas, de nunca ser irrevogavelmente anulada, sempre ‘mantendo<br />

as opções abertas. (BAUMAN,1998, p.112-113)<br />

Os moradores de grandes centros urbanos reagem a esse excesso de estímulos<br />

pela via do entendimento e não pelo sentimento. A calculabilidade que deve ser<br />

entendida com um tipo de racionalismo encontra na cidade grande o seu local ideal.<br />

Local esse fomentado pelos fatores da intensidade e velocidade das informações. A<br />

objetividade no tratamento dado para as coisas e aos demais moradores da cidade é o<br />

mundo ideal para o florescimento da logica do dinheiro. Essa lógica coloca em segundo<br />

plano as qualidades individuais e como relata Mauro Gaglietti, as qualidades<br />

individuais estão submersas na indiferença. Assim, o autor ressalta a contraposição a<br />

individualidade versus a indiferença. Citando Gaglietti:<br />

Na metrópole, tudo é feito por desconheci<strong>dos</strong> e para desconheci<strong>dos</strong>, o que torna<br />

a objetividade das transações muito mais fácil, sem as interferências que as<br />

relações pessoais, baseadas no ânimo e nos sentimentos, trazem consigo.<br />

Simmel percebe, na cidade grande, uma interação tão perfeita entre o dinheiro e o<br />

entendimento que ninguém saberia dizer se a constituição intelectualista e<br />

anímica impeliu inicialmente à economia monetária, ou se esta foi o fator<br />

determinante para o surgimento daquela. Assim, o estilo de vida da cidade<br />

grande propicia e promove a impessoalidade, oportuniza o aparecimento de<br />

mecanismos de individualização, fazendo justiça ao duplo papel do dinheiro e à<br />

ambigüidade que caracteriza a modernidade.(GAGLIETTI, 2007, p. 3)<br />

Na sociedade os indivíduos estão constantemente liga<strong>dos</strong> entre si,<br />

influenciando e sendo influencia<strong>dos</strong>, mesmo que os indivíduos não interajam<br />

diretamente, mesmo assim há sociação. Neste sentido a sociedade forma não uma<br />

substância, algo concreto em si, mas deve ser compreendida como um constante<br />

“devir”; e este “devir” ocorre na cidade. É perceptível na sociedade a existência e<br />

atuação de elementos negativos e duais que perpassam na configuração social,<br />

capa índice GT3<br />

5<br />

329


embora possam causar estragos em relações particulares. Nesse contexto aparece<br />

outro elemento importante em Simmel o conflito que figura como uma forma de<br />

sociação. O conflito como responsável pela solução de alguns dualismos presentes na<br />

sociedade. O conflito deve ser visto como uma forma de conseguir alguma unidade<br />

dentro da sociedade. Assim, o conflito não deve ser entendido como algo patológico,<br />

mas como algo presente na estrutura da sociedade. O conflito se estabelece devido a<br />

influência (pressão) da sociedade na constituição do indivíduo, na constituição de sua<br />

personalidade urbana. O ser humano tem uma capacidade de se dividir em partes<br />

colocando-se em uma relação de conflito interno que acaba se refletindo na vida em<br />

coletivo.<br />

Simmel atribui ao conflito um papel importante na vida social. A sociedade<br />

tem necessidade de sociação como também tem de competição, o conflito exerce<br />

função de regulação que perpassa essa estrutura e chegam a to<strong>dos</strong> os campos com a<br />

família, associações, indústrias etc. A vida social é um movimento pelo qual não<br />

cessam de se remodelar as relações entre os indivíduos. Simmel propõe o conceito de<br />

ação recíproca, entendida como a influência que cada individuo exerce sobre o outro;<br />

esta ação é guiada por um conjunto de motivações diversas (amor, impulsos eróticos,<br />

fé religiosa, trabalho, etc) e é a totalidade, sempre inconstante e conflituosa destas<br />

ações que contribui para unificar o conjunto <strong>dos</strong> indivíduos.<br />

Bauman usa como artifício a metáfora da liquidez com o intuito de ilustrar a<br />

pós-modernidade e a crise das ideologias, que teve como consequência a percepção<br />

que todas as coisas são líquidas, fluídas, transitórias. O homem imerso nesse mundo<br />

líquido se sente precário inseguro, não apenas para o trabalho, mas pelo modo de<br />

vida que apresenta nas cidades. Pelo medo de não conseguir acompanhar as<br />

novidades tecnológicas de um mundo que se inventa e reinventa a todo o instante.<br />

Como descreve Bauman:<br />

capa índice GT3<br />

Os líqui<strong>dos</strong>, diferentemente <strong>dos</strong> sóli<strong>dos</strong>, não mantêm sua forma com facilidade [...]<br />

Enquanto os sóli<strong>dos</strong> têm dimensões especiais claras, mas neutra- lizam o impacto e,<br />

portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou<br />

tornam irrelevante), os flui<strong>dos</strong> não se atêm muito a qualquer forma e estão<br />

constantemente prontos (e propensos) a mudá-la. (BAUMAN, 2005, p.8).<br />

6<br />

330


A sociedade líquida pensada por Bauman não apareceu ao acaso, é fruto do<br />

fracasso do ideal da modernidade, ou seja, do processo do derretimento <strong>dos</strong> sóli<strong>dos</strong><br />

forma<strong>dos</strong> e elabora<strong>dos</strong> na modernidade. Na modernidade havia um aparato de<br />

ideologias fortes que gerava uma sensação de segurança existencial ao homem<br />

moderno. Conforme as “ideologias fortes” presentes na modernidade foram ruindo,<br />

causou por consequência a perda de referenciais que dessem segurança à vida das<br />

pessoas. Nesse mundo fluido ter uma postura regida que não se molda não parece<br />

uma postura aceitável para o grupo (sociedade). A liquidez cobra a capacidade de<br />

moldar-se e a busca de uma identidade está relacionada com uma suposta sensação<br />

de segurança. Em um mundo em constante mudança o desejo de uma identidade fixa<br />

não é algo que parece ter espaço.<br />

Bauman também aponta para outra marca importante da modernidade líquida<br />

que envolve uma mudança de uma sociedade que acreditava na eternidade para uma<br />

da infinitude. Na sociedade líquida não há mais espaço para valores eternos, valores<br />

esses liga<strong>dos</strong> as questões do âmbito da metafisica que não mais encontram muito<br />

espaço na pós-modernidade. Assim o conceito de infinito aos poucos substitui ao de<br />

eternidade e o conceito de infinito carrega um carga existencial maior que eternidade.<br />

Infinito visto como uma serie de “tempos presentes”, sem a necessidade de pensar em<br />

prováveis mun<strong>dos</strong> futuros ou possíveis. Como escreve Paolo Cugini;<br />

“A eternidade é, sem dúvida, um conceito de cunho religioso que, do ponto de vista<br />

filosófico, pode ser colocado entre as ideologias que a modernidade assumiu e que, ao<br />

mesmo tempo, orientou a vida <strong>dos</strong> homens modernos. A infinitude é o tempo<br />

presente protelado, esticado”. (CUGUNI, 2008, p 162)<br />

Dentro desse cenário as relações monetárias (o dinheiro) geram condições de<br />

vida na cidade grande para além da objetividade já comentada acima, cria também um<br />

tipo particular de condições subjetivas. Uma subjetividade menos relacionada com o<br />

sentimentalismo das pequenas cidades, mas sim moldada pela funcionalidade,<br />

calculabilidade, da vida do dinheiro. Esse modo particular de sensibilidade do<br />

habitante da cidade grande é a morada do elemento próprio do homem moderno, isto<br />

capa índice GT3<br />

7<br />

331


é, a atitude blasé. A proximidade corporal que temos com os objetos e com os<br />

semelhantes a nossa volta, é uma pseudo proximidade na maioria <strong>dos</strong> casos, pois não<br />

deixa de ser relações interpessoais mediadas pela objetividade do dinheiro. O que<br />

explica a sensação de solidão mesmo no meio de inúmeras pessoas é essa relação de<br />

proximidade corporal e distanciamento espiritual. Aristóteles entendia que o homem<br />

como animal político se realiza (no sentido de descobrir o seu ser) na cidade, mas esse<br />

homem moderno descrito acima não lembra o homem idealizado no pensamento de<br />

Aristóteles. Por sinal, a polis grega na verdade se relaciona com a pequena cidade e<br />

não lembra as nossas cidades grandes. Como reconciliar proximidade corporal e<br />

espiritual? Quando olhamos a nossa volta percebemos um vasto leque de opções,<br />

onde tudo pode ser comprado, o velho clichê que vivemos no mundo do ter e não do<br />

ser parece fazer mais sentido agora. Uma simples observação em anúncios<br />

publicitários sobre empreendimentos imobiliários é comum aliar a vida em espaços<br />

fecha<strong>dos</strong> (condomínios fecha<strong>dos</strong>, ecovilas e etc) com o ideal de vida das pequenas<br />

cidades. Local onde há o convívio entre os vizinhos, o tempo passa em um ritmo<br />

diferente da grande cidade, uma vida mais calma e assim formentar relações mais<br />

afetivas.<br />

Referências<br />

ARISTÓTELES. Política. Tradução do grego, introdução e notas de Mário da Gama<br />

KURY. 3ª ed. Brasília: UNB, 1997.<br />

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,<br />

1998.<br />

_________ Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.<br />

CUGINI, Paolo. Identidade, Afetividade e a Mudanças Relacionais na<br />

Modernidade Liquida na Teoria de Zygmunt Bauman. Diálogos possíveis: revista da<br />

capa índice GT3<br />

8<br />

332


Faculdade Social da Bahia. Ano 7, nº.1 (jan./jun. 2008) Salvador: FSBA, 2008<br />

GAGLIETTI, Mauro. A Cidade e o dinheiro representa<strong>dos</strong> nas obrs de Georg Simmel e<br />

Dyonélio Machado. Fênix–Revista de História e Estu<strong>dos</strong> Culturais. Outubro/<br />

Novembro/ Dezembro de 2007 Vol. 4 Ano IV nº 4. Disponível em:<br />

http://www.revistafenix.pro.br/vol13Mauro.php<br />

SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, Rio de Janeiro,<br />

v. 11, n. 2, Oct. 2005 . Disponível em:<br />

.<br />

capa índice GT3<br />

9<br />

333

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