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PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO LEITURA 1 ... - Editora Saraiva

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<strong>PROJETO</strong> <strong>LEITURA</strong> E <strong>DIDATIZAÇÃO</strong><br />

MACÁRIO E NOITE NA TAVERNA<br />

ÁLVARES DE AZEVEDO<br />

Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto:<br />

1. Álvares de Azevedo e o movimento romântico (Leitura 1)<br />

I. O diálogo entre Macário e Penseroso: duas concepções distintas<br />

acerca da poesia<br />

II. A poesia lírica de Gonçalves Dias: antecedentes da perspectiva<br />

de Penseroso<br />

III. A poesia ultrarromântica de Álvares de Azevedo: ressonâncias<br />

em Macário<br />

2. Faces da morte nas literaturas de língua portuguesa do século<br />

XIX (Leitura 2)<br />

I. Um episódio de necrofilia em Noite na taverna<br />

II. As caveiras apaixonadas de Soares de Passos<br />

III. O suicídio de um apaixonado em Camilo Castelo Branco<br />

3. Carne e sangue humanos no Romantismo brasileiro (Leitura 3)<br />

I. Um episódio de canibalismo em Noite na taverna<br />

II. Uma mulher ébria de sangue em um poema de Castro Alves<br />

<strong>LEITURA</strong> 1<br />

ÁLVARES DE AZEVEDO E O MOVIMENTO ROMÂNTICO<br />

Esta primeira proposta de trabalho toma por base um trecho<br />

de Macário – texto que antecede a novela Noite na taverna, de Álvares<br />

de Azevedo, e que pode ser lido como uma espécie de prólogo<br />

à obra seguinte. Em Macário, o autor desenvolve um diálogo entre<br />

dois personagens centrais – Macário e Penseroso –, as quais apresentam<br />

concepções distintas a respeito da arte literária e assumem<br />

os papéis de representantes das principais vertentes do Romantismo.<br />

Desse modo, enquanto Penseroso, por um lado, encarna<br />

a perspectiva do nacionalismo característico da primeira geração<br />

romântica, o jovem Macário, por outro lado, pode ser visto como<br />

defensor de ideais que se aproximam da perspectiva defendida pela<br />

vertente ultrarromântica – geração à qual pertence o próprio autor,<br />

Álvares de Azevedo. Partindo de um fragmento da discussão entre<br />

Macário e Penseroso, esta unidade procura estabelecer um contraste<br />

entre duas das principais correntes românticas, propondo também<br />

um diálogo entre poemas representativos das duas gerações.<br />

1


I. O DIÁLOgO ENTRE MACÁRIO E PENSEROSO:<br />

DUAS CONCEPÇõES DISTINTAS ACERCA DA POESIA<br />

TEXTO 1<br />

PENSEROSO<br />

[…]<br />

Esperanças! e esse americano não sente que ele é o filho de<br />

uma nação nova, não a sente o maldito cheio de sangue, de mocidade<br />

e verdor? Não se lembra que seus arvoredos gigantescos, seus<br />

oceanos escumosos, os seus rios, suas cataratas, que tudo lá é grande<br />

e sublime? Nas ventanias do sertão, nas trovoadas do sul, no sussurro<br />

das florestas à noite não escutou nunca os prelúdios daquela<br />

música-gigante da terra que entoa à manhã a epopeia do homem e<br />

de Deus? Não sentiu ele que aquela sua nação infante que se embala<br />

nos hinos da indústria europeia como Júpiter nas cavernas do Ida ao<br />

alarido do Coribantes — tem um futuro imenso?<br />

MACÁRIO<br />

[…]<br />

Falas em esperanças. […] O mundo está de esperanças desde a<br />

primeira semana da criação… e o que tem havido de novo? […] O mundo<br />

hoje é tão devasso como no tempo da chuva de fogo de Sodoma.<br />

Falais na indústria, no progresso? As máquinas são muito úteis, concordo.<br />

Fazem-se mais palácios hoje, vendem-se mais pinturas e mármores<br />

— mas a arte degenerou em ofício — e o gênio suicidou-se.<br />

Enquanto não se inventar o meio de ter mocidade eterna, de poder<br />

amar cem mulheres numa noite, de viver de música e perfumes,<br />

e de saber se a palavra mágica que fará recuar das salas do banquete<br />

universal o espectro da morte — antes disso, pouco tereis adiantado.<br />

[…]<br />

Falam nos gemidos da noite no sertão, nas tradições das raças<br />

perdidas da floresta, nas torrentes das serranias, como se lá tivessem<br />

dormido ao menos uma noite, como se acordassem procurando<br />

túmulos, e perguntando como Hamlet no cemitério a cada<br />

caveira do deserto o seu passado.<br />

Mentidos! Tudo isso lhes veio à mente lendo as páginas de<br />

algum viajante que se esqueceu talvez de contar que nos mangues<br />

e nas águas do Amazonas e do Orenoco há mais mosquitos e sezões<br />

do que inspiração: que na floresta há insetos repulsivos, répteis<br />

imundos; que a pele furta-cor do tigre não tem o perfume das<br />

flores… que tudo isto é sublime nos livros, mas é soberanamente<br />

desagradável na realidade!<br />

[…]<br />

Amanhã pensarás comigo. Eu também fui assim. O tronco<br />

seco sem seiva e sem verdor foi um dia o arvoredo cheio de flores<br />

e de sussurro.<br />

PENSEROSO<br />

Não crer! e tão moço! Tenho pena de ti.<br />

MACÁRIO<br />

Crer? e no quê? No Deus desses sacerdotes devassos? desses<br />

homens que saem do lupanar quentes dos seios da concubina,<br />

com sua sotaina preta ainda alvejante do cotão do leito dela<br />

para ir ajoelhar-se nos degraus do templo! Crer no Deus em que<br />

eles mesmos não creem, que esses ébrios profanam até do alto<br />

da tribuna sagrada?<br />

[…]<br />

Talvez seja a treva de meu corpo que escureça minha alma.<br />

Talvez um anjo mau soprasse no meu espírito as cinzas sufocadoras<br />

da dúvida. Não sei. Se existe Deus, ele me perdoará se a minha alma<br />

era fraca, se na minha noite lutei embalde com o anjo como Jacó, e<br />

sucumbi. Quem sabe? — eis tudo o que há no meu entendimento.<br />

Às vezes creio, espero: ajoelho-me banhado de pranto, e oro; outras<br />

vezes não creio, e sinto o mundo objetivo vazio como um túmulo.<br />

2 AZEVEDO, Álvares de. Macário e Noite na taverna.<br />

São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Coleção Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />

3<br />

1. Com base na leitura do fragmento acima, reflita a respeito das<br />

seguintes questões e procure estabelecer um contraste entre os<br />

pontos de vista divergentes defendidos por Macário e Penseroso:<br />

a) A fala inicial de Penseroso contém uma crítica a um poeta cético<br />

e apresenta a defesa de uma visão específica acerca da literatura.<br />

Identifique essa visão e transcreva expressões utilizadas pelo personagem<br />

ao defender esse ponto de vista.<br />

b) As falas de Macário concordam com o pensamento de<br />

Penseroso ou o refutam? Os argumentos apresentados por<br />

Macário apontam para uma necessidade de renovação artística?<br />

Justifique sua resposta.<br />

c) Qual o principal argumento apresentado por Macário em oposição<br />

aos ideais preconizados pelos poetas seguidores da vertente<br />

nacionalista do movimento romântico?<br />

d) Identifique aspectos da fala final de Macário que permitam<br />

caracterizá-lo como um personagem inclinado para o ceticismo e<br />

para a descrença.


2. Leia com atenção as afirmações abaixo e, com base no estudo<br />

da obra Macário, de Álvares de Azevedo, assinale V (verdadeiro)<br />

ou F (falso):<br />

( ) Macário defende que a literatura deve ocupar-se de uma<br />

representação idealizada da realidade, levando em consideração<br />

somente os aspectos sublimes e agradáveis do mundo exterior e<br />

da alma humana.<br />

( ) Macário, descrente e cético, é defensor da perspectiva estética<br />

segundo a qual a arte não deve ocupar-se apenas dos elementos<br />

sublimes, mas também explorar os aspectos grotescos da realidade<br />

e os recônditos obscuros e imorais da alma humana.<br />

( ) A visão de Macário acerca da arte e da vida é marcada pelo<br />

pessimismo e pela melancolia, permitindo entrever a influência<br />

dos ensinamentos de Satã que, ao longo da obra, desempenha o<br />

papel de guia espiritual do jovem rapaz.<br />

II. A POESIA LíRICA DE gONÇALVES DIAS:<br />

ANTECEDENTES DA PERSPECTIVA DE PENSEROSO<br />

TEXTO 2<br />

A LUA<br />

Salve, ó Lua cândida,<br />

Que trás dos altos montes<br />

Erguendo a fronte pálida,<br />

Dos negros horizontes<br />

As sombras melancólicas<br />

Vens ora afugentar!<br />

[…]<br />

Tão bem a vi na límpida<br />

Corrente vagarosa;<br />

Tão bem nas densas árvores<br />

De selva majestosa,<br />

Coando os raios lúbricos<br />

No lôbrego palmar.<br />

E eu só e melancólico<br />

Sentado ao pé da veia,<br />

Que a deslizar-se tímida<br />

Beijava a branca areia;<br />

Ou já na sombra tétrica<br />

Da mata secular;<br />

[…]<br />

Salve, ó astro fúlgido,<br />

Que brilhas docemente.<br />

Melhor que o lume trêmulo<br />

D’estrela inquieta, ardente,<br />

Melhor que o brilho esplêndido<br />

Do sol ferindo o mar.<br />

Eu te amo, ó Lua pálida,<br />

Vagando em noite bela,<br />

Rompendo as nuvens túrdidas<br />

Da ríspida procela;<br />

Eu te amo até nas lágrimas<br />

Que fazes derramar.<br />

DIAS, Gonçalves. Poesia completa e prosa escolhida.<br />

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1959.<br />

3. O poema “A Lua”, de Gonçalves Dias, deixa entrever, em seus<br />

versos, a presença de ideais defendidos pela primeira geração de<br />

autores românticos brasileiros. A partir da leitura do fragmento<br />

acima, responda às seguintes questões:<br />

a) É possível afirmar que, neste poema, a Natureza é descrita de<br />

forma idealizada, de modo a ressaltar seus aspectos sublimes?<br />

Justifique sua resposta.<br />

4 5<br />

b) No poema, o eu-lírico se dirige à Lua. Que influências a Lua<br />

exerce sobre o estado de alma do eu-lírico?<br />

c) Em que medida as imagens criadas por Gonçalves Dias se<br />

aproximam da concepção de literatura defendida, em Macário,<br />

pelo personagem Penseroso?<br />

III. A POESIA ULTRARROMÂNTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO:<br />

RESSONÂNCIAS EM MACÁRIO<br />

TEXTO 3<br />

UM CADÁVER DE POETA<br />

De tanta inspiração e tanta vida,<br />

Que os nervos convulsivos inflamava<br />

E ardia sem conforto…<br />

O que resta? — uma sombra esvaecida,<br />

Um triste que sem mãe agonizava…<br />

— Resta um poeta morto!


Morrer! E resvalar na sepultura,<br />

Frias na fronte as ilusões! no peito<br />

Quebrado o coração!<br />

Nem saudades levar da vida impura<br />

Onde arquejou de fome… sem um leito!<br />

Em treva e solidão!<br />

[…]<br />

Meu Deus! e assim fizeste a criatura?<br />

Amassaste no lodo o peito humano?<br />

Ó poeta, silêncio! — é este o homem?<br />

A feitura de Deus! a imagem dele!<br />

O rei da criação!…<br />

Que verme infame!<br />

Não Deus, porém Satã no peito vácuo<br />

Uma corda prendeu-te — o egoísmo!<br />

Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!<br />

[…]<br />

AZEVEDO, Álvares de. Obras completas de Álvares de Azevedo<br />

(org. Homero Pires). Rio de Janeiro: Cia. <strong>Editora</strong> Nacional, 1942.<br />

4. O fragmento acima foi extraído de um extenso poema de<br />

Álvares de Azevedo. Do texto, podem ser depreendidos alguns<br />

elementos que se aproximam da perspectiva apresentada por<br />

Macário. A partir da leitura do trecho acima, responda às<br />

seguintes questões:<br />

a) A morte do poeta apresentado no texto é atribuída à perda de<br />

alguns traços que anteriormente o identificavam. Que características<br />

foram perdidas pelo poeta, conduzindo-o à morte?<br />

b) Este poema é marcado pelo desespero e pela descrença do eulírico.<br />

Que relações são estabelecidas pelo sujeito poético entre<br />

Deus, Satã e o homem?<br />

c) Que elementos presentes no poema de Álvares de Azevedo permitem<br />

relacioná-lo à concepção artística defendida pelo personagem<br />

Macário, em oposição ao ponto de vista de Penseroso?<br />

<strong>LEITURA</strong> 2<br />

FACES DA MORTE NAS LITERATURAS DE LíNgUA<br />

PORTUgUESA DO SÉCULO XIX<br />

Esta segunda proposta de leitura tem como objetivo relacionar<br />

a obra Macário/Noite na taverna, de Álvares de Azevedo, com textos<br />

de autores portugueses do século XIX. Toma-se como ponto de<br />

partida um fragmento do capítulo intitulado “Solfieri”, de Noite na<br />

taverna, no qual o narrador-personagem relata um macabro episódio<br />

de necrofilia. Em seguida, um diálogo será estabelecido com o mais<br />

famoso poema do Ultrarromantismo português – “O noivado do sepulcro”,<br />

de Soares de Passos. Finalmente, a presente unidade propõe<br />

uma análise dialógica com o trecho de um conto de Camilo Castelo<br />

Branco, intitulado “A carteira de um suicida”. O trabalho conjunto<br />

com esses textos visa ampliar o repertório de leitura no tocante à<br />

narrativa gótica em língua portuguesa.<br />

I. UM EPISóDIO DE NECROFILIA EM NOITE NA TAVERNA<br />

6 7<br />

TEXTO 1<br />

SOLFIERI<br />

Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas<br />

passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes<br />

de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma<br />

moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte<br />

dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal apertados…<br />

Era uma defunta! … e aqueles traços todos me lembraram uma<br />

ideia perdida… — Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da igreja,<br />

que, ignoro por quê, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus<br />

braços para fora do caixão. Pesava como chumbo.<br />

[…] Foi uma ideia singular a que eu tive. Tomei-a no colo.<br />

Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim: rasguei-lhe o<br />

sudário, despi-lhe o véu e a capela como o noivo as despe à noiva.<br />

Era uma forma puríssima… Meus sonhos nunca me tinham evocado<br />

uma estátua tão perfeita. Era mesmo uma estátua: tão branca<br />

era ela. A luz dos tocheiros dava-lhe aquela palidez de âmbar<br />

que lustra os mármores antigos. O gozo foi fervoroso — cevei em<br />

perdição aquela vigília. A madrugada passava já froixa nas janelas.<br />

Àquele calor de meu peito, a febre de meus lábios, a convulsão de<br />

meu amor, a donzela pálida parecia reanimar-se. Súbito abriu os<br />

olhos empanados.


[…] Nunca ouvistes falar da catalepsia? É um pesadelo horrível<br />

aquele que gira ao acordado que emparedam num sepulcro; sonho<br />

gelado em que se sentem os membros tolhidos, e as faces banhadas<br />

de lágrimas alheias sem poder revelar a vida!<br />

TEXTO 2<br />

O NOIVADO DO SEPULCRO<br />

Vai alta a lua! na mansão da morte<br />

Já meia-noite com vagar soou;<br />

Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte<br />

Só tem descanso quem ali baixou.<br />

Que paz tranquila!… mas eis longe, ao longe<br />

Funérea campa com fragor rangeu;<br />

Branco fantasma semelhante a um monge,<br />

D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.<br />

Ergueu-se, ergueu-se!… na amplidão celeste<br />

Campeia a lua com sinistra luz;<br />

O vento geme no feral cipreste,<br />

O mocho pia na marmórea cruz.<br />

[…]<br />

AZEVEDO, Álvares de. Macário/ Noite na taverna.<br />

São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Coleção Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />

1. Após ler atentamente o fragmento extraído do capítulo “Solfieri”,<br />

de Noite na taverna, responda às questões propostas a seguir:<br />

a) É possível afirmar que a descrição do espaço contribui para a<br />

configuração da atmosfera mórbida que caracteriza o relato de<br />

Solfieri? Justifique sua resposta.<br />

b) O narrador, ao manter relações sexuais com a donzela, julgava<br />

que ela estivesse morta. O que de fato havia acontecido com a<br />

jovem para que ela houvesse sido colocada em um caixão?<br />

c) Que elementos característicos da narrativa gótica podem ser<br />

depreendidos do fragmento analisado?<br />

II. AS CAVEIRAS APAIXONADAS DE SOARES DE PASSOS<br />

Chegando perto duma cruz alçada,<br />

Que entre ciprestes alvejava ao fim,<br />

Parou, sentou-se e com a voz magoada<br />

Os ecos tristes acordou assim:<br />

“Mulher formosa, que adorei na vida,<br />

“E que na tumba não cessei d’amar,<br />

“Por que atraiçoas, desleal, mentida,<br />

“O amor eterno que te ouvi jurar?”<br />

[…]<br />

– “Oh nunca, nunca!” de saudade infinda,<br />

Responde um eco suspirando além…<br />

– “Oh nunca, nunca!” repetiu ainda<br />

Formosa virgem que em seus braços tem.<br />

[…]<br />

E ao som dos pios do cantor funéreo,<br />

E à luz da lua de sinistro alvor,<br />

Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério<br />

Foi celebrado, d’infeliz amor.<br />

Quando risonho despontava o dia,<br />

Já desse drama nada havia então,<br />

Mais que uma tumba funeral vazia,<br />

Quebrada a lousa por ignota mão.<br />

8 9<br />

Porém mais tarde, quando foi volvido<br />

Das sepulturas o gelado pó,<br />

Dois esqueletos, um ao outro unido,<br />

Foram achados num sepulcro só.<br />

In: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos.<br />

29. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. p. 285-287.<br />

2. Após ler com atenção os trechos do poema de Soares de Passos,<br />

responda às seguintes questões:<br />

a) Sintetize, com suas próprias palavras, a história narrada neste poema.<br />

b) Que elementos característicos da concepção romântica do amor<br />

podem ser identificados no poema?<br />

c) Que elementos característicos da narrativa gótica estão presentes<br />

no poema?


d) Aponte semelhanças e diferenças existentes entre a atmosfera<br />

em que se desenvolvem a narrativa composta por Soares de Passos<br />

e o relato macabro de Solfieri.<br />

Procure na internet a letra da canção “Romance de uma caveira”.<br />

Composta por Alvarenga, Ranchinho e Chiquinho Sales, em<br />

1940, o texto é de um humor muito especial.<br />

Sugerimos que você leia a letra em http://www.repom.ufsc.<br />

br/repom3/oliveira.htm. Se puder, ouça a versão com a dupla Alvarenga<br />

e Ranchinho ou com o cantor e contador de causos Rolando<br />

Boldrin. Depois, ouça a versão interpretada pelo grupo gaúcho de teatro<br />

Tangos e Tragédias (www. tangosetragedias.com.br) no endereço<br />

http://www.youtube.com/watch?v=QxXTWksNRCA&feature=<br />

related. Para completar, assista à animação feita pela estudante de<br />

Midialogia da Unicamp Beatriz Blanco, com interpretação do Grupo<br />

Último Tipo. Você vai se divertir!<br />

III. O SUICíDIO DE UM APAIXONADO EM CAMILO CASTELO<br />

BRANCO<br />

TEXTO 3<br />

A CARTEIRA DE UM SUICIDA<br />

NONA CARTA<br />

“Enganou-me, e eu não lhe merecia isto. Não há liberdade na<br />

sua alma. Não me ama, nem já pode amar-me. Eu tinha acumulado<br />

desgostos sobre desgostos.<br />

[…]<br />

Antes de suplicar-lhe a sua estima, devia confrontar-me com<br />

quem lha mereceu. Se eu assim fizesse com despreocupação e<br />

consciência, vista a minha incapacidade, convencer-me-ia de novo<br />

que está o impossível entre nós.<br />

Está fria, fria de morte para mim!<br />

[…]<br />

Quando me erguer deste leito, onde a febre me mortifica, irei<br />

buscar outro mais longe. Pode morrer-se aos trinta anos, saciado<br />

da existência.”<br />

[…]<br />

Quinze dias depois da morte da dama, cujo marido vi há dias<br />

com a sua segunda mulher, o poeta entrou à meia-noite na hospedaria,<br />

e escreveu poucas linhas sobre um papel, tirado da sua carteira.<br />

Presumo que se deitou depois, e tomou serenamente umas<br />

pílulas como quem se medica para dormir.<br />

Medicina fora aquela que o fizera cair num sono donde há<br />

de acordá-lo a trombeta do juízo final. Se é certo este juízo final,<br />

espera-se que o meu amigo se levante com a sua mortalha ao lado<br />

da mulher por quem se matou. Escassamente medeia um palmo<br />

entre as duas sepulturas.<br />

CASTELO BRANCO, Camilo. In: Cenas inocentes da comédia humana.<br />

2. ed. Lisboa: Livraria de A. M. Pereira, 1873. p. 141-171.<br />

3. Leia o fragmento acima, extraído de um conto de Camilo Castelo<br />

Branco, e responda às questões abaixo propostas:<br />

a) A quem parece se dirigir a carta reproduzida acima? Com<br />

que objetivo ela foi escrita? Que sentimentos o seu conteúdo<br />

deixa transparecer?<br />

b) O casal da história é vítima de um final trágico. O que ocorre com o<br />

homem após a morte da amada? Que esperanças o narrador tem em<br />

relação a um encontro entre o homem e sua amada, após a morte?<br />

c) Que elementos ultrarromânticos podem ser identificados no<br />

fragmento acima? De que modo eles se aproximam da atmosfera<br />

característica dos textos analisados anteriormente?<br />

10 11<br />

<strong>LEITURA</strong> 3<br />

CARNE E SANgUE HUMANOS NO ROMANTISMO BRASILEIRO<br />

Os autores românticos, no tratamento da alma humana e na<br />

descrição física de seus personagens, não contemplaram apenas<br />

aspectos sublimes e elevados. Os elementos mórbidos, grotescos,<br />

macabros, imorais e perversos comparecem em inúmeros textos<br />

do período. Esta terceira seção do Projeto apresenta dois fragmentos,<br />

extraídos da literatura brasileira, nos quais os autores tratam da<br />

face obscura e sombria das relações humanas.<br />

No primeiro caso, optou-se pela seleção de um trecho do capítulo<br />

intitulado “Bertram”, pertencente à obra Noite na taverna, de<br />

Álvares de Azevedo, no qual é relatada uma situação extrema que<br />

coloca em xeque a humanidade dos personagens e os valores apregoados<br />

pela civilização ocidental: perdidos em alto-mar, o capitão<br />

de um navio, sua esposa e o amante dela (integrante da tripulação e<br />

narrador da história) se veem diante da difícil decisão de sacrificar<br />

um dos companheiros para evitar que os demais morram de fome.<br />

A prática do canibalismo, em uma situação-limite, é relatada no<br />

fragmento reproduzido nesta seção.


Em seguida, apresentam-se trechos poéticos da autoria de<br />

Castro Alves, nos quais a paixão exacerbada é descrita de maneira<br />

voluptuosa e violenta: a posse física do ser amado pode ocorrer de<br />

forma tão impetuosa que uma mulher é capaz de sorver o sangue<br />

do eu-lírico.<br />

Ambos os trechos escolhidos apresentam elementos macabros<br />

e conduzem à reflexão sobre a conduta humana impulsionada<br />

por instintos primários, em situações intensas que envolvem tanto<br />

a sobrevivência como a paixão.<br />

I. UM EPISóDIO DE CANIBALISMO EM NOITE NA TAVERNA<br />

TEXTO 1<br />

BERTRAM<br />

Agora, enchei os copos: o que vou dizer vos é negro: é uma<br />

lembrança horrível, como os pesadelos no Oceano.<br />

[…]<br />

Eu vos dizia que ia passar-se uma coisa horrível: não havia<br />

mais alimentos, e no homem despertava a voz do instinto, das entranhas<br />

que tinham fome, que pediam seu cevo como o cão do<br />

matadouro, fosse embora sangue.<br />

A fome! a sede! tudo quanto há de mais horrível…<br />

[…]<br />

Isso tudo, senhores, para dizer-vos uma coisa muito simples…<br />

um fato velho e batido, uma prática do mar, uma lei do naufrágio<br />

— a antropofagia.<br />

Dois dias depois de acabados os alimentos, restavam três pessoas:<br />

eu, o comandante e ela. — Eram três figuras macilentas como<br />

o cadáver, cujos peitos nus arquejavam como a agonia, cujos olhares<br />

fundos e sombrios se injetavam de sangue como a loucura.<br />

O uso do mar — não quero dizer a voz da natureza física, o<br />

brado do egoísmo do homem — manda a morte de um para a vida<br />

de todos. — Tiramos a sorte… o comandante teve por lei morrer.<br />

[…]<br />

Parece que a morte no oceano é terrível para os outros homens:<br />

quando o sangue lhes salpica as faces, lhes ensopa as mãos,<br />

correm à morte como um rio ao mar, como a cascavel ao fogo. Mas<br />

assim… no deserto nas águas… eles temem-na, tremem diante dessa<br />

caveira fria da morte!<br />

Eu ri-me porque tinha fome.<br />

[…]<br />

A lua amarelada erguia sua face desbotada, como uma meretriz<br />

cansada de uma noite de devassidão, o céu escuro parecia zombar desses<br />

dois moribundos que lutavam por uma hora de agonia…<br />

O valente do combate desfalecia… caiu: pus-lhe o pé na garganta,<br />

sufoquei-o e expirou…<br />

Não cubrais o rosto com as mãos — faríeis o mesmo… Aquele<br />

cadáver foi nosso alimento dois dias…<br />

Depois, as aves do mar já baixavam para partilhar minha presa;<br />

e as minhas noites fastientas uma sombra vinha reclamar sua<br />

ração de carne humana…<br />

Lancei os restos ao mar…<br />

AZEVEDO, Álvares de. Macário/ Noite na taverna.<br />

São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 2010. (Coleção Clássicos <strong>Saraiva</strong>).<br />

1. Após ler atentamente o fragmento extraído do capítulo “Bertram”,<br />

de Noite na taverna, responda às questões propostas a seguir:<br />

a) Descreva a situação difícil em que os personagens se encontram<br />

e a solução encontrada para resolver esse problema.<br />

b) O relato de Bertram apresenta elementos característicos da narrativa<br />

gótica? Justifique sua resposta com elementos extraídos do texto.<br />

c) Identifique um trecho no qual o narrador se exime das possíveis<br />

condenações de seus ouvintes, afirmando que sua atitude<br />

em alto-mar respondeu, na verdade, a um instinto humano de<br />

luta pela sobrevivência.<br />

12 13<br />

II. UMA MULHER ÉBRIA DE SANgUE EM UM POEMA DE<br />

CASTRO ALVES<br />

TEXTO 2<br />

OS ANJOS DA MEIA-NOITE<br />

Quando a insônia, qual lívido vampiro,<br />

Como o arcanjo da guarda do Sepulcro,<br />

Vela à noite por nós,<br />

E banha-se em suor o travesseiro,<br />

E além geme nas francas do pinheiro<br />

Da brisa a longa voz…<br />

[…]<br />

Então… nos brancos mantos que arregaçam<br />

Da meia-noite os Anjos alvos passam<br />

Em longa procissão!<br />

E eu murmuro ao fitá-los assombrado:<br />

São os Anjos de amor de meu passado<br />

Que desfilando vão…


Almas, que um dia no meu peito ardente<br />

Derramastes dos sonhos a semente,<br />

Mulheres, que eu amei!<br />

Anjos louros do céu! virgens serenas!<br />

Madonas, Querubins ou Madalenas!<br />

Surgi! aparecei!<br />

Vinde, fantasmas! Eu vos amo ainda;<br />

Acorde-se a harmonia à noite infinda<br />

Ao roto bandolim…<br />

[…]<br />

Fabíola<br />

Como teu riso dói… como na treva<br />

Os lêmures respondem no infinito:<br />

Tens o aspecto do pássaro maldito,<br />

Que em sânie de cadáveres se ceva!<br />

Filha da noite! A ventania leva<br />

Um soluço de amor pungente, aflito…<br />

Fabíola! É teu nome!… Escuta… é um grito,<br />

Que lacerante para os céus s’eleva!…<br />

E tu folgas, Bacante dos amores,<br />

E a orgia que a mantilha te arregaça,<br />

Enche a noite de horror, de mais horrores…<br />

É sangue, que referve-te na taça!<br />

É sangue, que borrifa-te estas flores!<br />

E este sangue é meu sangue… é meu… Desgraça!<br />

ALVES, Castro. Poesias completas.<br />

2. ed. São Paulo: <strong>Saraiva</strong>, 1960. p. 150-155.<br />

2. Após ler atentamente o fragmento poético de Castro Alves,<br />

acima reproduzido, responda às questões propostas a seguir:<br />

a) O eu-lírico relata os delírios que o acometem quando, em noites de<br />

insônia, recorda suas antigas paixões. De que modo são apresentadas<br />

as figuras das mulheres de seu passado? A que elas são comparadas?<br />

b) Que elementos herdados da vertente ultrarromântica podem<br />

ser identificados nas primeiras estrofes da parte intitulada<br />

“Fotografia”? Em que medida esses elementos se aproximam da<br />

atmosfera macabra dos episódios narrados em Noite na taverna?<br />

c) A primeira estrofe de “Fabíola” apresenta uma comparação<br />

entre uma mulher, da qual o poeta se recorda e a quem ele dedica<br />

seus versos, e determinado pássaro. Que traços comuns entre os<br />

dois seres permitem o estabelecimento dessa comparação?<br />

d) Que imagem o eu-lírico constrói acerca de Fabíola, na segunda<br />

e na terceira estrofes do poema? Trata-se de uma mulher suave e<br />

dócil ou de uma mulher intensa e devassa? Justifique sua resposta<br />

com elementos extraídos do texto.<br />

e) Na última estrofe do poema, a intensidade da volúpia de Fabíola é<br />

apresentada, pelo eu-lírico, em sua máxima potência. De que modo o<br />

personagem feminino se apropria da essência do sujeito poético?<br />

PESQUISE E POSICIONE-SE<br />

A leitura de Macário e Noite na taverna permite desenvolver reflexões<br />

sobre os aspectos mais obscuros e misteriosos da alma humana.<br />

As questões a seguir têm como objetivo aprofundar a leitura e<br />

o entendimento da obra.<br />

14 15<br />

• Que semelhanças podem ser identificadas entre Macário/<br />

Noite na taverna – considerando também a tradição da prosa gótica,<br />

à qual a obra se filia – e os romances e filmes contemporâneos que<br />

abordam as temáticas do horror e do sobrenatural?<br />

• Em que medida os elementos macabros das narrativas<br />

de horror dos séculos XVIII e XIX estão presentes no imaginário<br />

dos membros de tribos urbanas atuais – como os adeptos<br />

do movimento gótico, por exemplo? Que outras manifestações<br />

da cultura popular atual são influenciadas pelos elementos<br />

característicos da novela gótica?<br />

• Os personagens de Álvares de Azevedo relatam episódios<br />

de suas vidas que foram marcados por momentos extremos de<br />

perversão e impulsividade. Você acredita que haja um aspecto<br />

sombrio presente em todos os seres humanos? Em que situações<br />

essa obscuridade interna pode emergir? Tais impulsos podem ser<br />

controlados de alguma forma?<br />

• A obra de Álvares de Azevedo assinala um desejo de renovação<br />

no campo das artes. A poesia não mais se dedicaria apenas<br />

aos aspectos sublimes e delicados da realidade, mas também<br />

contemplaria os elementos grotescos e sombrios. Você concorda<br />

com esse desejo artístico de representar aspectos da realidade que<br />

não são necessariamente agradáveis? A arte contemporânea ainda


16<br />

trata desses aspectos mais obscuros do mundo e da alma humana?<br />

Justifique sua resposta.<br />

• Na obra de Álvares de Azevedo, o espaço de total descontração<br />

da taverna favorece a troca de experiências entre os personagens,<br />

no ambiente de devassidão da orgia noturna. Você acredita<br />

que contar histórias acontecidas conosco e ouvir os relatos de<br />

outras pessoas são ações que podem nos ajudar a lidar com nossos<br />

conflitos internos?<br />

• A partir do contato com textos pertencentes à vertente<br />

gótica da literatura romântica, identifique aspectos centrais que<br />

uma narrativa de horror deve apresentar para prender a atenção<br />

do leitor. Faça um exercício: elabore você também a sua narrativa<br />

gótica. Explore elementos como ruínas seculares abandonadas,<br />

paisagens sombrias e desoladas, personagens sinistros e atemorizantes,<br />

situações de mistério e suspense, cemitérios iluminados<br />

pela lua e visitados por seres tenebrosos e horripilantes. Como<br />

sugestão para ampliar seu repertório de leitura e auxiliá-lo na elaboração<br />

de seu texto, consulte a antologia Contos de horror do século<br />

XIX, organizada por Alberto Manguel e publicada, no Brasil, pela<br />

Companhia das Letras.

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