27.04.2013 Views

As migrações de Brás Cubas - Légua & meia - Universidade ...

As migrações de Brás Cubas - Légua & meia - Universidade ...

As migrações de Brás Cubas - Légua & meia - Universidade ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>de</strong>funto autor se locomove como jogo e transgressão – memória construída e história<br />

rasurada. São esclarecedoras, aqui, as reflexões <strong>de</strong> Boaventura <strong>de</strong> Sousa Santos, pensador<br />

português, quanto à pergunta pela i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que perpassa a produção cultural<br />

dos países colonizados <strong>de</strong> África e América Latina:<br />

Sabemos hoje que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s culturais não são rígidas nem, muito menos,<br />

imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação.<br />

Mesmo as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s aparentemente mais sólidas, como a <strong>de</strong> mulher, homem, país<br />

africano, país latino-americano ou país europeu, escon<strong>de</strong>m negociações <strong>de</strong> sentido, jogos<br />

<strong>de</strong> polissemia, choques <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong>s em constante processo <strong>de</strong> transformação,<br />

responsáveis em última instância pela sucessão <strong>de</strong> configurações hermenêuticas que<br />

<strong>de</strong> época para época dão corpo e vida a tais i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são, pois, i<strong>de</strong>ntificações<br />

em curso. (Santos, 1996: 135)<br />

<strong>As</strong> Memórias Póstumas, sobretudo através da figura migratória <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>,<br />

po<strong>de</strong>m ser lidas como contraponto às discussões vigentes acerca da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional.<br />

Vemos que Machado <strong>de</strong> <strong>As</strong>sis tinha consciência (como leitor crítico dos esforços<br />

retóricos românticos) <strong>de</strong> que, como diz Boaventura, a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é<br />

“semifictícia e seminecessária”, tendo em vista que “as i<strong>de</strong>ntificações, além <strong>de</strong> plurais,<br />

são dominadas pela obsessão da diferença e pela hierarquia das distinções”. <strong>As</strong>sim,<br />

diz o crítico:<br />

Quem pergunta pela sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> questiona as referências hegemônicas mas,<br />

ao fazê-lo, coloca-se na posição <strong>de</strong> outro e, simultaneamente, numa situação <strong>de</strong> carência<br />

e por isso <strong>de</strong> subordinação. Os artistas europeus raramente tiveram <strong>de</strong> perguntar pela<br />

sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> mas os artistas africanos e latino-americanos (...) foram forçados a suscitar<br />

a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. (...) Para quem a formula, apresenta-se sempre como uma<br />

ficção necessária. Se a resposta é obtida, o seu êxito me<strong>de</strong>-se pela intensida<strong>de</strong> da consciência <strong>de</strong> que a<br />

questão fôra, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, uma necessida<strong>de</strong> fictícia. É, pois, crucial conhecer quem pergunta<br />

pela i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, em que condições, contra quem, com que propósitos e com que resultados.<br />

(I<strong>de</strong>m, p. 135 - grifos nossos)<br />

Esse movimento retórico entre valores em curso, evi<strong>de</strong>nte no proce<strong>de</strong>r romântico<br />

sob uma ótica finalista, parece ser assimilado criticamente por Machado <strong>de</strong> <strong>As</strong>sis,<br />

que então busca uma outra or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> inserção do seu texto na dinâmica literária nacional,<br />

criando assim um outro contexto reflexivo para a representação da formação<br />

histórico-cultural brasileira. “Viva pois a história, a volúvel história que dá para tudo”,<br />

diz o narrador da Memórias Postumas, após uma lapidar reflexão filosófica sobre o aspec-<br />

L ÉGUA ÉGUA & & MEIA EIA EIA: EIA : R EVISTA EVISTA DE DE LLLITERATURA<br />

L ITERATURA E D DDIVERSIDADE<br />

D IVERSIDADE C CCULTURAL<br />

C ULTURAL ULTURAL,<br />

ULTURAL , V. . 4, 4, N O ° 3 , 20 2005 20 05 —<br />

— 153 153<br />

153

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!