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As migrações de Brás Cubas - Légua & meia - Universidade ...

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nha”, conforme ironiza o <strong>de</strong>scompromissado narrador: “Neste rapaz é que verda<strong>de</strong>iramente<br />

começa a série <strong>de</strong> meus avós – dos avós que a minha família sempre confessou”.<br />

Ao se distanciar parodicamente da narrativa da sua família a respeito da origem,<br />

<strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong> <strong>de</strong>sloca o foco <strong>de</strong> uma história re<strong>de</strong>ntora para uma “pesquisa genealógica”<br />

que busca as singularida<strong>de</strong>s dos acontecimentos.<br />

A origem está sempre antes da queda, antes do corpo, antes do mundo e do<br />

tempo; ela está ao lado dos <strong>de</strong>uses, e para narrá-la se canta sempre uma teogonia. Mas<br />

o começo histórico é baixo. Não no sentido <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>sto ou <strong>de</strong> discreto como o passo<br />

da pomba, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>rrisório, <strong>de</strong> irônico, próprio a <strong>de</strong>sfazer todas as enfatuações. (Foucault,<br />

op. cit., p. 18)<br />

Machado <strong>de</strong> <strong>As</strong>sis espreita, com a acuida<strong>de</strong> do olhar <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, o movimento<br />

discursivo dos valores históricos que dizem respeito à família do herói e, por<br />

clara extensão, à socieda<strong>de</strong> e à cultura brasileiras. Por exemplo, no exclamativo “Capítulo<br />

XLIV”, enfaticamente intitulado “Um <strong>Cubas</strong>”, o protagonista comenta a reação<br />

do pai ao rompimento do seu noivado com Virgília:<br />

Meu pai ficou atônito com o <strong>de</strong>senlace, e quer-me parecer que não morreu <strong>de</strong><br />

outra cousa. Eram tantos os castelos que engenhara, tantos e tantíssimos os sonhos, que<br />

não podia vê-los assim esboroados, sem pa<strong>de</strong>cer um forte abalo no organismo. Um<br />

<strong>Cubas</strong>! um galho da árvore ilustre dos <strong>Cubas</strong>! E dizia isto com tal convicção, que eu, já então<br />

informado da nossa tanoaria, esqueci um instante a volúvel dama, para só contemplar<br />

aquele fenômeno, não raro, mas curioso: uma imaginação graduada em consciência.<br />

(<strong>As</strong>sis, op. cit., p. 561; grifos nossos)<br />

Machado, neste momento, fixa o processo <strong>de</strong> sedimentação do discurso<br />

mitologizante, momento em que a (mito)lógica do discurso transcen<strong>de</strong> a racionalida<strong>de</strong><br />

do próprio enunciador – uma imaginação graduada em consciência. Ao <strong>de</strong>snudar tal processo<br />

“teleológico”, <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong> franqueia aos seus leitores uma dimensão importante <strong>de</strong>ste<br />

contraponto entre “origem” e “genealogia”, pois como diz Foucault, “colocando o<br />

presente na origem, a metafísica leva a acreditar no trabalho obscuro <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>stinação<br />

que procuraria vir à luz <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro momento. A genealogia restabelece os diversos<br />

sistemas <strong>de</strong> submissão: não a potência antecipadora <strong>de</strong> um sentido, mas o jogo<br />

casual das dominações” (op. cit., p. 23). Este jogo genealógico po<strong>de</strong> ser captado não<br />

por um discurso que acredita numa força homogênea e coesa da meta-história, ou no<br />

processo <strong>de</strong> reconhecimento (naturalização) do presente pelo passado, e sim por uma<br />

L ÉGUA ÉGUA & & MEIA EIA EIA: EIA : R EVISTA EVISTA DE DE LLLITERATURA<br />

L ITERATURA E D DDIVERSIDADE<br />

D IVERSIDADE C CCULTURAL<br />

C ULTURAL ULTURAL,<br />

ULTURAL , V. . 4, 4, N O ° 3 , 20 2005 20 05 —<br />

— 159 159<br />

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