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PREFÁCIO<br />
Em cada esquina<br />
sentinelas vigilantes incendeiam olhares<br />
em cada casa<br />
se substituem apressadamente os fechos velhos<br />
das portas<br />
e em cada consciência<br />
fervilha o temor de se ouvir a si mesma<br />
A historia está a ser contada<br />
de novo.<br />
Agostinho Neto<br />
(Consciencialização, Sagrada Esperança, 1974, Lisboa)<br />
A produção de estudos voltados para a temática da escravidão no Rio Grande do Sul vislumbra novos horizontes.<br />
O vasto potencial de pesquisa disponibilizado pelo acervo documental do Arquivo Público do Estado proporciona à<br />
sociedade condições de resgatar a história da escravidão no Rio Grande do Sul.<br />
Cada vez mais, torna-se necessário conhecer e escrever sobre a escravidão - a mais extrema forma de opressão da<br />
história brasileira. A possibilidade de explorar esta documentação do Arquivo Público (APERS) renova as expectativas em<br />
relação aos estudos e debates sobre aquela conjuntura histórica.<br />
Trata-se de um novo momento para se pensar sobre o tema. Possivelmente nunca foi tão intenso o debate sobre a<br />
condição do escravo e, mais ainda, sobre as heranças deixadas por este regime de opressão racial. Nesta perspectiva, a obra<br />
marca mais uma nova frente aberta no espaço de debate sobre as lutas, a resistência e as conquistas do Povo Negro.<br />
Desde a década de 1960, o veemente ativismo dos movimentos sociais negros tem crescentemente conscientizado<br />
a sociedade da necessidade de corrigir distorções históricas. A partir do final da década de oitenta, concretizam-se medidas e<br />
iniciativas de combate ao racismo com a finalidade de corrigir desvantagens e marginalização perpetuadas por uma estrutura<br />
social excludente. Assim, ações políticas de reparação e de reconhecimento passam a ser asseguradas e implementadas por<br />
meio da elaboração das políticas públicas de ações afirmativas, visando à correção de desigualdades sociais e raciais. No caso<br />
do Rio Grande do Sul, um dos primeiros movimentos neste sentido foi iniciado pela Lei 6.986 de 1991, a qual instituiu a<br />
Semana da Consciência Negra a realizar-se todos os anos no mês de novembro em Porto Alegre.<br />
No âmbito da educação o caminho foi aberto pela Lei 8.423 de 1999, que estabeleceu o desenvolvimento de forma<br />
sistemática e permanente do conteúdo “Educação Anti-racista e Antidiscriminatória” nas escolas da rede municipal de<br />
ensino público. Em nível nacional a Lei 10.639 de 2003, inseriu no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da<br />
temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Desta forma, o conteúdo programático incluirá o estudo da História da África<br />
e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,<br />
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Além disso,<br />
instituiu no calendário escolar o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Neste sentido, é<br />
apresentada e aprovada pelo Conselho Nacional de Educação a Resolução de 17 de junho de 2004, instituindo as Diretrizes<br />
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e<br />
Africana.<br />
Deste modo, torna-se obrigatório o ensino sobre a condição social do negro até os dias atuais e a valorização da<br />
sua produção cultural. Significa reconhecimento dos processos históricos de resistência negra e dos movimentos<br />
organizados no decorrer da história.<br />
Este debate é acompanhado por medidas como o Decreto 14.288 de 2003 que instituiu a reserva de vagas para<br />
afro-brasileiros em concursos públicos para provimento de cargos efetivos no Município de Porto Alegre. E a introdução de<br />
cotas para o acesso a Universidade Federal do Rio Grande do Sul criou um intenso debate e crescente participação da<br />
sociedade. Momento de forte impacto nas consciências dos cidadãos ao destacar a questão da “democracia racial”, visão<br />
muito difundida e só recentemente elucidada enquanto produto de uma estrutura social excludente reproduzida ao longo da<br />
história e causadora de um quadro de extrema desigualdade. Estas transformações são consequência da ação perseverante<br />
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