30.04.2013 Views

“COMO FALA GIL VICENTE...”: FALARES ... - Lourdes Ramalho

“COMO FALA GIL VICENTE...”: FALARES ... - Lourdes Ramalho

“COMO FALA GIL VICENTE...”: FALARES ... - Lourdes Ramalho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Pinto Mole, a Bruxa e Zé Cudeflor. Há como que um verdadeiro desfile ou procissão dessas<br />

personagens pela capela. E cada uma delas construirá uma cena específica, própria, com o<br />

Inquisidor, que parece ser o elemento ordenador do enredo. E a ordem assumida por essas<br />

cenas parecem não significar muito para a economia da peça, podendo ser alterada sem<br />

desestruturar seu sentido geral, como de resto é o que parece acontecer naqueles autos citados<br />

acima de Vicente.<br />

Outro elemento significativo no diálogo que busco demonstrar entre <strong>Lourdes</strong> <strong>Ramalho</strong><br />

e Gil Vicente é o nome e a caracterização das personagens. Como se sabe, predominam no<br />

teatro vicentino as personagens alegóricas e, particularmente, as que denominamos<br />

personagens tipos, ou seja, as que representam não uma individualidade, mas, sim, uma classe<br />

ou um grupo social (FORSTER, 2005; CANDIDO, 1976; BRAIT, 1985). Em Vicente, via de<br />

regra, essas personagens não têm nomes que as individualize, são nomeadas por sua profissão<br />

ou função social – sapateiro, alcoviteira, juiz, judeu, parvo, frade, ama, mãe, pai, etc. – e<br />

trazem consigo objetos, vestimentas, características exteriores que as identificam de imediato<br />

para o espectador, ou melhor, que identificam a classe ou o grupo social que representam.<br />

Ora, como se pôde ver pela listagem de personagens de O trovador encantado, acima<br />

apresentada, o mesmo se dá em <strong>Lourdes</strong> <strong>Ramalho</strong>. Todas as personagens da peça são<br />

nomeadas conforme sua classe social – os Bobos, o Inquisidor, a Beata, a Mulher Dama, o<br />

Padre Durão Pinto Mole, a Bruxa e Zé Cudeflor –, e mesmo o “faz tudo<strong>”</strong> Zé Cudeflor, que<br />

possui um nome, em realidade, traz no nome não uma individualidade, mas a identificação de<br />

uma origem e uma orientação: a origem do povo, revelado pelo nome Zé – como o Parvo<br />

Joane do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente –, e a orientação homossexual, revelada<br />

pelo sobrenome satírico Cudeflor.<br />

É ainda com o exemplo desta personagem que aponto um último e, a meu ver,<br />

fundamental elemento de aproximação entre a obra de <strong>Lourdes</strong> <strong>Ramalho</strong> e Gil Vicente: a<br />

caracterização das personagens pela fala e, conseqüentemente, o papel fundamental que a<br />

linguagem desempenha no todo da peça. A riqueza do teatro de Vicente, como se sabe, está<br />

exatamente no tratamento lingüístico que dispensa a cada personagem. Além da<br />

caracterização por via de elementos exteriores, como roupas, bijuterias e objetos que<br />

carregam consigo, as personagens vicentinas constroem-se pela linguagem. Características<br />

sociais, sexuais, etárias, culturais, profissionais, ideológicas, enfim, quase tudo que estrutura<br />

12

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!