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nº1 - janeiro/fevereiro 2009 - Sociedade Brasileira de Dermatologia

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Resenha<br />

Fabrício Carpinejar nasceu em Caxias do Sul, RS, em 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1972. Poeta, jornalista<br />

e mestre em Literatura <strong>Brasileira</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, é autor <strong>de</strong> livros como As solas do sol, (Bertrand Brasil, 1998) e Um terno <strong>de</strong> pássaros<br />

ao sul, (Escrituras Editora, 2000), obra que recebeu o Prêmio Destaque Literário da 46 a<br />

Feira do Livro <strong>de</strong> Porto Alegre. Dois anos <strong>de</strong>pois, mereceu o Prêmio Cecília Meireles, da<br />

União <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> Escritores Açorianos <strong>de</strong> Literatura e publicou Biografia <strong>de</strong> uma árvore,<br />

ganhador, em 2003, do Prêmio Nacional Olavo Bilac, da Aca<strong>de</strong>mia <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> Letras,<br />

sendo consi<strong>de</strong>rada a melhor obra <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> 2002. Lançou, pela Bertrand Brasil, em<br />

2006, O Amor esquece <strong>de</strong> começar (crônicas), compilação <strong>de</strong> textos a partir do seu blog na<br />

internet; em 2007, Meu filho, minha filha; e, em 2008, Canalha! e Diário <strong>de</strong> um apaixonado -<br />

Sintomas <strong>de</strong> um bem incurável.<br />

Para pentear pensamentos<br />

Era trágico tomar banho à noite e lavar a cabeça. Não<br />

compreendia o método. Os cabelos ficavam indomáveis<br />

pela manhã. Um re<strong>de</strong>moinho na posição <strong>de</strong> ataque. Já na<br />

mesa do café, po<strong>de</strong>ria ser i<strong>de</strong>ntificado pelo penacho punk.<br />

Fui um punk involuntário.Todo estudante é punk antes dos<br />

10 anos. Ou escolhia usar uma touca transparente da<br />

mamãe no chuveiro ou suportava os efeitos colaterais da<br />

cabeça molhada no travesseiro.<br />

Meus cabelos tomavam a forma <strong>de</strong> arbustos em pânico.<br />

Não havia modo <strong>de</strong> baixá-los ao ir para a escola. Pareciam<br />

<strong>de</strong>ntes do pente, intransigentes. Eu abaixava o tufo, e ele subia<br />

novamente com altivez ainda mais agressiva. Minutos tensos<br />

diante do espelho, que prejudicaram a concentração em aula,<br />

o <strong>de</strong>sempenho nas provas e nos amores. Ou alguém ainda<br />

duvida <strong>de</strong> que os atos mais fortuitos influenciam a nossa vida?<br />

Para ser convencido <strong>de</strong> vez, indico Pequenas epifanias<br />

(Agir, 204 páginas), do escritor gaúcho Caio Fernando<br />

Abreu (1948-1996).<br />

São as <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras crônicas <strong>de</strong> um dos melhores narradores<br />

urbanos da última meta<strong>de</strong> do século, morto prematuramente<br />

e autor <strong>de</strong> clássicos como Morangos mofados e<br />

O ovo apunhalado. Publicadas nos jornais O Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo e Zero Hora, superam o registro factual da década <strong>de</strong><br />

1990. Ultrapassam o narcisismo do diário e a vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escrever sobre o próprio ato da escrita.<br />

Um breviário sensível para pentear pensamentos.<br />

Melhor do que xampu, gel, água quente e secador. Alisa os<br />

<strong>de</strong>vaneios e tufões matinais. Provoca a inigualável sensação<br />

<strong>de</strong> profundida<strong>de</strong> e espessura a partir das observações mais<br />

singelas, como <strong>de</strong>screver um casal namorando na rua e as<br />

frases cortadas <strong>de</strong> um amigo que não consegue se <strong>de</strong>spedir.<br />

Não são gran<strong>de</strong>s temas. Não espere que fale diretamente<br />

da morte, da paixão, da esperança. São pequenos temas<br />

tratados com gran<strong>de</strong>za. Descobrem-se os efeitos colaterais<br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho no vidro traseiro <strong>de</strong> um carro e o que diz<br />

a chuva quando estamos presos na melancolia.<br />

Ele se coloca no lugar do leitor, roubando suas sensa-<br />

ções e invadindo seus dilemas e dúvidas. Vivencia um processo<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e partilha, <strong>de</strong> alentada escuta. É uma<br />

escrita que solta as mãos da barra do ônibus para saborear<br />

o medo do corpo e enten<strong>de</strong>r a falta <strong>de</strong> segurança com o<br />

<strong>de</strong>stino. A crônica que dá nome ao livro assinala a importância<br />

da fragilida<strong>de</strong> para se comover. Ponto alto do volume,<br />

reproduz a unida<strong>de</strong> inviolável dos amantes. "Nada <strong>de</strong> mau<br />

me aconteceria enquanto estivesse <strong>de</strong>ntro do campo magnético<br />

daquela outra pessoa."<br />

Epifania no caso é a simplicida<strong>de</strong> em estado <strong>de</strong> graça, o<br />

milagre da banalida<strong>de</strong>, a transparência <strong>de</strong> conversar para<br />

diminuir a solidão. Nos textos <strong>de</strong> Caio, pensar em voz alta<br />

tranquiliza. Não inventaram um amigo mais compreensivo<br />

do que a palavra.<br />

Na coletânea, relemos <strong>de</strong>poimentos como "Cartas para<br />

além dos muros", em que o autor cria um "jogo <strong>de</strong> <strong>de</strong>tetive psicológico"<br />

em três atos, explicando por metáforas e símbolos<br />

que se encontra num hospital em meio a anjos e sombras até<br />

revelar com toda a franqueza que contraiu o vírus HIV (que o<br />

levaria a falecer). Dali formula um pensamento<br />

emblemático que nasceu para<br />

a condição <strong>de</strong> epígrafe <strong>de</strong> sua trajetória<br />

polêmica e corajosa: "Gosto sempre do<br />

mistério, mas gosto mais da verda<strong>de</strong>".<br />

Ao lado <strong>de</strong> Cazuza, foi um dos<br />

ícones a anunciar publicamente ser<br />

vítima da Aids e <strong>de</strong>struir – com informação<br />

e leveza – o preconceito com<br />

a doença. Demonstrou que o vírus<br />

não significa punição moral para<br />

gente maldita.<br />

Os pensamentos – como os<br />

cabelos – encrespam quando agredi-<br />

dos. Em vez <strong>de</strong> bater em seu re<strong>de</strong>moinho,<br />

Pequenas epifanias propõe<br />

aceitá-los, ajeitá-los <strong>de</strong>vagar, com um<br />

pouco <strong>de</strong> vento e muita carícia.<br />

Pequenas epifanias,<br />

<strong>de</strong> Caio Fernando Abreu<br />

(Agir, 204 páginas, R$ 26)<br />

Jornal da SBD Ano XIII n. 1 27

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